Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2390/23.8T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: SEGURO DE VIDA
DEVER DE INFORMAÇÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E ÓNUS DA PROVA
ANULAÇÃO DO CONTRATO DE SEGURO
Data do Acordão: 01/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA –JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA-J4
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 183.º, 18.º A 21.º, 24.º, 25.º, 176.º E177.º DO REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO - D.L. 72/2008 DE 16 DE ABRIL
ARTIGOS 5.º, 6.º E 8.º DA LEI DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS - DL N.º 446/85, DE 25 DE OUTUBRO
ARTIGOS 227.º E 342.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I- Nos contratos de seguro de vida, associados à contração de crédito, a seguradora deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro, bem como do dever imposto ao segurado de declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e que razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pela seguradora (artsº 183, 18 a 21 e 24 do RJCS)

II- Para além deste normativo especial, é ainda aplicável às condições gerais de contratos de seguro, celebrados por consumidor aderente, o regime constante da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (DL n.º 446/85, de 25 de Outubro), encontrando-se a seguradora vinculada aos deveres de comunicação e informação impostos pelos artºs 5 e 6 deste regime, sob pena de exclusão das clausulas não comunicadas (artº 8).

III- O ónus de prova de ter comunicado estas clausulas e fornecido as informações constantes dos artºs 18 a 21 e 24 do RJCS, cabe à seguradora.

IV- No entanto, ao segurado/aderente incumbe o ónus de alegação dos factos integradores da violação do dever de comunicação/informação destas cláusulas gerais do seguro e, nomeadamente, da violação do dever de informação imposto à seguradora pelo artº 24, nº1 e 4 do RJCS.

V-Tendo sido subscrita uma declaração pelo segurado, da qual consta que lhe foi dado conhecimento de todas as informações pré-contratuais exigíveis e das condições gerais e especiais do seguro em causa, a que ia aderir, esta declaração inverte o ónus de prova, cabendo ao segurado a prova dos factos que são contrários à declaração.

VI- A previsão, contida no âmbito de cláusula de uma apólice de seguro, da qual resulta o dever de prestação de informações verídicas na celebração do seguro e as consequências da violação deste dever, é perfeitamente compreensível para o destinatário comum.

VII- A omissão dolosa das doenças de que o sinistrado já sofria – diabetes mellitus, hipertensão arterial e dislipidemia - no questionário médico que precedeu a celebração do seguro de vida com cobertura de invalidez absoluta e definitiva e morte, influi na avaliação do risco por parte da seguradora e constitui fundamento de anulação do contrato (cfr. artº 25 do RJCS).


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 2390/23.8T8LRA.C1- Apelação

Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Leiria –Juízo Central Cível de Leiria-J4.

Recorrente: AA

Recorridos: A...

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Hugo Meireles

                                         Anabela Marques Ferreira

                                                           *

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


RELATÓRIO

AA instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “A...”, pedindo, na respetiva procedência:

“a) Ser reconhecida a validade do contrato de seguro subscrito pelo A. na modalidade de “Seguro de Vida Completa” com as coberturas complementares Morte e Invalidez, sem qualquer exclusão de cobertura;

b) Ser a Ré condenada a pagar a quantia em dívida em nome do A. junto do Banco 1... S.A. no valor em dívida na data em que for proferida sentença;

c) Ser a Ré condenada a pagar ao A. as quantias que, entretanto, despendeu no pagamento das prestações mensais dos empréstimos até à data em que for proferida sentença”.


*

Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que: celebrou com o Banco 1..., S.A. dois contratos de mútuo, para aquisição de habitação própria e permanente, subordinados à obrigação de celebração de um contrato de seguro de vida que tivesse como beneficiário o banco, com cobertura dos riscos de morte e de invalidez absoluta e definitiva. Nessa sequência, subscreveu junto da R. duas propostas de seguro individual do ramo vida, denominadas “Seguro Vida Completa – Capital Decrescente”, uma com o capital de € 78.000,00 e outra com o capital de € 32.365,00, ambas com início a 14.12.2020.

Mais alega que a 17.05.2022, recebeu o diagnóstico de adenocarcinoma pulmonar estadio IV, na sequência do qual lhe foi atribuída uma incapacidade de 60% e que, tendo participado o sinistro à R. em 15.2023, esta recusou o pagamento, com fundamento na prestação de falsas declarações e procedeu à anulação das apólices.

Sucede que o Autor não prestou falsas declarações, dado que as propostas de seguro não foram por si preenchidas, mas pelo seu mediador, nem lhe foram explicados nem comunicados quais os fatores e circunstâncias que eram significativos para a apreciação do risco e na data da subscrição dos contratos, também não padecia de qualquer doença que pudesse influir na aceitação do risco ou que o impedisse de desempenhar a sua vida profissional, sendo uma pessoa saudável.


*

A R. veio contestar, alegando, em suma, que: aquando da subscrição dos contratos de seguro, foram explicadas e entregues ao A. as respetivas condições gerais, que o A. omitiu informações relevantes sobre o seu estado de saúde e que teriam influído na formação da vontade desta de contratar e ainda que, em todo o caso, a situação clínica do Autor não se enquadra na cobertura de invalidez.

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Foi dispensada a audiência prévia, proferindo-se despacho saneador com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.

*

Procedeu-se à audiência de julgamento, finda a qual veio a ser proferida decisão que considerou a acção improcedente e absolveu a R. do pedido.

*


Não se conformando com a decisão, dela apelou o A. formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

“1ª

Salvo o devido respeito, o Recorrente não se pode conformar com a decisão proferida , a qual absolveu a Recorrida do pedido, face à prova testemunhal e documental produzida nos autos.

O Recorrente, ouvindo todos os depoimentos , bem como os documentos juntos aos autos, e cruzando-os entre si, entende que existe prova suficiente que possa sustentar a condenação da Recorrida no pedido.

Da análise cuidada e atenta dos referidos elementos. resulta que o Tribunal " a quo " errou na apreciação da prova produzida, designadamente ao dar como provado o ponto 20, ponto 21, ponto 22., ponto 24 , ponto 25 , Ponto 34, Ponto 35 , Ponto 39 , Ponto 40 " e Ponto 42.

Para dar como provados os pontos 20, 21, 22, 24 , 25 , 34, 35 e 39 da sentença , o Tribunal " a quo " , considerou haver acordo das partes quanto à sua verificação e teor , e também porque considerou que o valor probatório dos documentos juntos é inquestionável face ao disposto nos Arts 369º ,371º, 380º e 387º do Código Civil.

Ora não resulta provado nos autos , que o Recorrente tenha acordado sobre a existência e teor, das condições gerais, especiais e particulares das apólices juntas ,que as mesmas forma entregues e explicado o seu conteúdo ao Recorrente na data de subscrição da propostas.

As condições gerais, especiais e particulares das apólices juntas aos autos pela Recorrida, são documentos particulares, pelo que, não se pode concluir, como o Tribunal " a quo " concluiu , que o seu valor probatório é inquestionável face ao disposto nos Arts 369º ,371º, 380º e 387º do Código Civil, e com base nessa conclusão dar como provados os pontos supra mencionados.

Sendo os referidos documentos particulares, era a Recorrida que tinha o ónus de provar o seu teor, na medida em que pretendia fazer valer o seu direito de anular as apólices - Cfr Art 342º do Código Civil - e a comunicação e entrega ao Recorrente, sendo certo, que não foi por si efetuada qualquer prova que possa sustentar a tomada de posição do Tribunal " a quo ".

A Recorrida não provou que a proposta de seguro e a declaração de saúde que faz parte integrante da mesma, nomeadamente as respostas assinaladas com x  tenham sido preenchidas pelo Recorrente, nem que as condições gerais e especiais gerais da apólice lhe tenham sido comunicadas e explicadas.

Da prova documental junta pelo Recorrente , resulta claro que não foi o mesmo que procedeu ao preenchimento das referidas declarações, limitou-se a assinar as páginas 9 e 10 , conforme lhe foi solicitado pelo pelo mediador da R. ( Cfr Doc 17 junto com a PI - "Bom dia Sr. Júlio, Tem possibilidade de enviar as propostas de seguro assinadas por si na Pág. 9 e 10 ( Basta as pág. 9 e 10 ).

10ª

Da análise do referido documento 17 , verifica-se que não é solicitada qualquer informação sobre o estado de saúde do Recorrente , apenas é solicitada a sua assinatura em duas páginas, o que foi efectuado pelo Recorrente, não tendo a Recorrida provado que o preenchimento foi efetuado pelo seu mediador ,com base em informações prestadas pelo Recorrente.

11ª

O Tribunal " a quo " , sem qualquer justificação não valorou o referido documento, o qual foi remetido pelo Mediador Recorrida , e sem qualquer fundamento ou prova nesse sentido, deu como provado o ponto 39, o que não é aceitável dada a ausência de qualquer elemento de prova que possa validar tal decisão.

12ª

Sobre esta matéria prestou depoimento a testemunha BB , cujo depoimento se encontra gravado através do sistema Habilus Media Studio, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo o mesmo iniciado pelas 10:40:28 e terminado pelas 11:01:46 horas, cujos depoimentos relevantes para a referida matéria estão transcritos nas Motivações, que confirmou que apenas foi solicitada assinatura do Recorrente em 2 páginas do supra referido documento.

13ª

A Recorrida não logrou contrariar esta prova, nomeadamente não provou que foi o A. que preencheu as declarações, ou que as mesmas tenham sido preenchidas pelo mediador , mediante informação prestada pelo A. , pelo que não pode concluir-se que o A. omitiu informações relevantes ou prestou prestou falsas declarações, que possam por em causa a validade do contrato.

14ª

Face ao exposto, e na ausência de prova por parte da Recorrida sobre a matéria dos quesitos 20, 21, 22, 23, 24 , 25, 34, 35 e 39 os mesmos factos terão que ser dados como não provados, e em consequência terá que se concluir que o A. não prestou falsas declarações que possam por em causa a validade dos contratos celebrados.

15ª

Recorrida também não provou que à data da subscrição do contrato - 14/12/2020- o A. estivesse medicado para qualquer patologia.

16ª

A médica de família do Recorrente - Dra CC, emitiu a pedido da Recorrida uma declaração em 15/11/2022 ( Cfr Doc 6 junto com a contestação ) posteriormente, a esta declaração, em 18/01/2023 , um Atestado de Doença , onde declara que o A. em Setembro de 2020, era saudável , não padecendo de qualquer doença crónica ( Cfr Doc 17 junto com a PI ).

17ª

Também prestou depoimento em audiência de discussão e julgamento , cujo depoimento se encontra gravado através do sistema Habilus Media Studio, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo o mesmo iniciado pelas 9:44:11 e terminado pelas 9:51:27 horas e cujos depoimentos relevantes para a referida matéria estão transcritos nas Motivações .

18ª

Do referido depoimento , e dos documentos juntos aos autos ( Doc 6 junto com a contestação e Doc 17 junto com a PI ), não se pode retirar a conclusão, que à data de celebração do contrato - 2/12/2020- o Recorrente estivesse doente e tomasse medicação para as patologias identificadas no Documento 6 junto com a contestação.

19ª

Na ausência de tal prova, que competia à Recorrida, não pode o Tribunal " a quo" , concluir que quando foram celebrados os contratos foram prestadas falsas declarações , e com esse fundamento validar a posição da Recorrida , de proceder à anulação dos contratos e absolver a Recorrida do pedido.

20ª

O Recorrente , também não se conforma com o facto de o Tribunal " a quo " ter dado como provado o ponto 40 e o ponto 42.

21ª

Desde logo porque Recorrida não alegou, nem provou qual sua política de aceitação dos de seguros de vida, nem que comunicou e informou o Recorrente as condições em que aceitava os contratos.

22ª

Assim sendo, jamais o Tribunal " a quo ", pode dar como provado que o Recorrente tinha conhecimento, que não podia omitir qualquer situação relacionado com o seu estado de saúde , porque tal facto tinha impacto na aceitação dos contratos, pelo que terá que se dado como não provado o ponto 40.

23ª

Quanto à matéria do ponto 42 , a Recorrida limitou-se a apresentar como testemunha o Dr. DD, responsável pelo departamento médico da Recorrida, o qual prestou depoimento em audiência de discussão e julgamento, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema Habilus Media Studio, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo o mesmo iniciado pelas 10:40:28 horas e terminado pelas 11:01:46 horas ,e cujos depoimentos relevantes para a referida matéria estão transcritos nas Motivações 24ª

Do referido depoimento não é possível aferir quais as condições exigidas pela Recorrida para aceitação do contratos que que os contratos, a testemunha limita-se a referir orientações dadas pela Recorrida, com base nas estatísticas e na experiência , porém não especifica quais as estatísticas , quais as experiências , quais as orientações que fundamentam os seus pareceres, nem a Recorrida juntou aos autos, como era seu ónus, face ao alegado, as condições de aceitação, para de uma forma, clara e transparente, provasse que a existirem no momento da subscrição as 3 referidas patologias , os contratos de seguro não teriam sido aceites, pelo que e na ausência de tal prova ter que ser dado como não provado o ponto 42 .

25ª

Ao dar-se como não provados os quesitos 20 a 25, 34 e 35 e 39, 40 , e não poder concluir-se da matéria dada como provada no quesito 32 , que à data da subscrição do contrato estivesse medicado para a 3 patologias identificadas terá que se dar como provado que :

- que as informações clinicas constantes das propostas de seguro respeitantes ao questionário clínico foram preenchidas pelo mediador de seguros sem intervenção nem conhecimento do Autor;

- no momento em que subscreveu as apólices o A. “gozava de boa saúde” e considerava que não tinha situações de saúde relevantes a declarar;

- que o A., ao subscrever as propostas de seguro, não tivesse conhecimento do teor das suas cláusulas e respetivas coberturas, designadamente dos factos que eram significativos para a apreciação do risco, e que, por isso, era irrelevante omitir as doenças que lhe tinham sido anteriormente diagnosticadas;

- que o A., ao subscrever as propostas de seguro, não omitiu qualquer facto relevante sobre o seu estado de saúde.

26ª

Também face à prova produzida terá que se dar como provado que : face ao diagnóstico de Adenocarcinoma Pulmonar o A. está impedido de exercer a sua atividade profissional de Gestor de Negócios na Empresa B... Lda.

27ª

Sobre esta matéria prestou depoimento da testemunha BB cujo depoimento se encontra gravado através do sistema Habilus Media Studio, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo o mesmo iniciado pelas 10:40:28 e terminado pelas 11:01:46 horas, e a testemunha Dr. EE , médico pneumologista, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema Habilus Media Studio, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo o mesmo iniciado pelas 9:54:32 horas e terminado pelas 10.09.59 horas , cujos depoimentos relevantes para a referida matéria estão transcritos nas Motivações .

28ª

Face a estes depoimentos, os quais são ilustrativos da gravidade da doença da qual o Recorrente sofre, para a qual está à dois anos consecutivos a fazer quimioterapia com os efeitos secundários relevantes e significativos que interferem no seu dia a dia - toxicidade cutânea agressiva e cansaço , a que acresce a incapacidade de 60% atribuída pela Junta Médica ( Cfr Doc 11 junto com a PI ) , e ausência de qualquer prova em contrário por parte da Recorrida, terá necessariamente que dar-se como provado, que está impedido de exercer a sua atividade profissional em consequência da doença de que padece.

29ª

Face ao exposto, e existindo uma atenta análise e correcta interpretação de todos os depoimentos e documentos , e em cumprimento das regras da apreciação da prova, os pontos 20, 21, 22,23, 24 , 25 , 34, 35 e 39, 40 e 42 terão que ser dados como não provados , e factos dados como não provados no ponto B) da sentença terão que ser dados como provados.

30ª

Ao concluir de forma distinta, há claramente um erro de apreciação da prova, do tribunal "a quo", que teve uma menor atenção na audição dos depoimentos prestados pelas testemunhas, deturpando o que foi dito em audiência de discussão e julgamento, valorando e desvalorizando determinados depoimentos, sem qualquer fundamento plausível e aceitável para tal tomada de posição.

31ª

Existindo um erro claro na a apreciação da prova, terá em sede de recurso que ser colmatado , porque apesar de vigorar o princípio da livre apreciação da prova, ( Art. 607 nº 5 do C.P.C ), a apreciação não pode ser arbitrária, podendo e devendo o Tribunal da Relação alterar a matéria de facto, nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos.

32ª

A análise das provas gravadas pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1ª instância, traduzida na resposta aos quesitos, e determinar a alteração dessas respostas, quando se verifique que as respostas dadas não têm fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo, ou que estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas, o que acontece no caso em análise pelo que se justifica a alteração das respostas dada aos quesitos supra mencionados, e em consequência a revogação da decisão proferida, com a condenação da Recorrida no pedido.

33ª

Acresce que , aos contratos em causa nos autos - Contrato de Seguro de Vida Crédito Imobiliário- , aplica-se o regime das clausulas contratuais gerais - DL 446/85 de 25 de Outubro- Art 1. Âmbito de Aplicação 1 - As cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma. 2 - O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar", do qual resulta o dever de comunicação e informação por parte da Recorrente.

34ª

A comunicação e informação tem que ser feita de forma adequada e efectiva acerca da existência e do teor das clausulas gerais, conforme resulta dos Artºs 5º e 6º do mencionado diploma, cabendo o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.

35ª

Na ausência da prova do cumprimento dos referidos deveres de comunicação e informação, as cláusulas consideram-se excluídas e nulas nos termos do Art 8º do mencionado diploma.

36ª

A generalidade da doutrina e da jurisprudência ( Cfr consta nas Motivações ) entendem que o dever de comunicação não se cumpre pela mera comunicação, para que as condições gerais se consideram incluídas no contrato singular.

37ª

Sendo, necessário, para que esta inclusão se verifique e aquele dever se concretize, que, antes da conclusão do contrato, a comunicação se efetive e seja de molde a proporcionar à contraparte a possibilidade e um conhecimento completo e real do conteúdo do clausulado.

38ª

Tal comunicação não pode, pois, ser meramente parcelar ou sumária e exarada no exato momento da assinatura do contrato, deve a abranger a totalidade do clausulado, com a antecedência necessária a uma cabal apreensão, interiorização e possibilidade de reponderação - normalmente na fase de negociação, ou pré-contratual - e efetivada de modo adequado, tendo-se em conta, designadamente, a importância do contrato e a sua extensão e complexidade das suas cláusulas.

39ª

Para que as cláusulas pré-estabelecidas em vista dum contrato devam considerar-se parte integrante dele, é necessária a respetiva aceitação pela outra parte, o que só pode ocorrer se esta tiver conhecimento dessas componentes da proposta negocial, sem o que não pode falar-se de uma livre, consciente e correta formação de vontade, nomeadamente isenta dos vícios a que se alude nos arts. 246º, 247º e 251º C. Civil.

40ª

Também o Art. 232º C. Civil previne, não pode falar-se em conclusão de um contrato se não estiver assegurada coincidência entre a aceitação e a oferta relativamente aos elementos relevantes do negócio, o que nos contratos de adesão supõe que se garanta ao aderente um cabal e efetivo conhecimento do clausulado que integra o projeto ou proposta negocial.

41ª

No caso dos autos , a Recorrida não alegou, nem provou, que em algum momento, por si , ou através do seu intermediário tenha cumprido os deveres, a que nos termos das normas supra citadas estava obrigada , pelo que não poderá prevalecer-se do seu conteúdo , e proceder à anulação dos contratos celebrados com o Recorrente.

42ª

A ausência de tal prova , impede Recorrida de invocar a exclusão de coberturas, contidas em cláusulas que têm uma relevância tal que, quanto às mesmas não possa restar a mínima dúvida quanto ao seu sentido, alcance e consequências, e por isso têm que ser devidamente comunicadas ou informadas ao subscritor do contrato, e ser feita prova do cumprimento de tal ónus.

50ª

A Recorrida limitou-se a juntar as referidas condições das apólices com sua contestação, porém, não alegou, não fez prova de ter dado conhecimento e ter explicado ao Recorrente as condições gerais e especiais da apólice, e das informações pré-contratuais – Cfr quesito 20 - Página 5 da Declaração de Saúde , nem na informação das cláusulas apostas nas condições gerais da apólice – referidas nos pontos 3., 4., 5., 9., 10., 12.,14, 19.,20, 36, 37 e 38 dos factos provados – que estipulavam quanto às consequências de tal posição omissiva ou de inveracidade, bem como o âmbito de cobertura dos contratos.

51ª

Por conseguinte, tais cláusulas devem ter-se por excluídas do contrato nos termos do artº 8º do DL. 446/85, de 25.10- e, porque desconsideradas, não podem relevar no sentido pugnado pela Recorrida., devendo os contratos celebrados entre o Recorrente a a Recorrida serem considerados válidos, com as legais consequências.

52ª

Se assim não se entender, o que por mera hipótese de raciocínio de admite, as respostas constantes do questionário médico, não podem constituir causa justificativa para a anulação dos contratos de seguro em causa nos autos.

53ª

Para ter tal consequência , teria que se apurar , se o Recorrente deu essas respostas de forma culposa e intencional, no sentido de com a elas pretender escamotear as suas anteriores doenças .

54ª

A relevância de tal omissão no sentido pretendido pela Recorrida apenas adviria, se se provasse que houve incumprimento doloso do dever de informação por parte do Recorrente relativamente ao seu estado de saúde no momento em que celebrou os contrato ( cfr Art 25º nº 1 do RJCS ) .

55ª

No que concerne ao dolo aludido no Art 25º nº 1 do RJCS , é entendimento generalizado na doutrina que se trata do " dolus malus ", ou seja que estamos perante um Tomador de Seguro/Segurado que usa artifícios e sugestões para induzir em erro o Segurador, o que de resto corresponde à definição do dolo prevista no artº 253º do Código Civil, em contraposição com o " dolus bonus" previsto nº 2 do referido Art.,,que não merece reprovação jurídica.

56ª 

É evidente, que não resulta da prova efetuada pela Recorrida que o Recorrente tenha agido com dolo, desde logo porque não foi provado que a proposta de seguro da qual faz parte a Declaração de Saúde, tenha sido preenchida pelo Recorrente, ónus probatório que era da Recorrida, a qual não logrou cumpri-lo, nem que à data da subscrição do contrato o Recorrente estivesse doente ou medicado para qualquer patologia.

57ª

Perante a ausência de prova , de uma conduta dolosa por parte do Recorrente na transmissão inexacta de informações suscetíveis de influir na apreciação do risco, ou até na sua decisão de contratar, e cujo ónus competia à Recorrente , a sua pretensão de anulação dos contratos , não pode proceder.

58ª

Caso se admita que tais declarações foram validadas pelo Recorrente quando procedeu à assinatura da proposta, daí não resulta que tenha sido informado do seu conteúdo, designadamente que as omissões ou declarações inexatas podiam gerar a anulação do contrato.

59ª

As propostas de seguro juntas aos auto encontram-se assinadas pelo Recorrente apenas na última página, não constando nas restantes páginas qualquer assinatura, pelo que, não prova a Recorrente que as mesmas tenham sido preenchidas pelo Recorrente, e tenha o mesmo tido acesso ao seu conteúdo , dado a proposta foi submetida online ( Cfr Doc 5 e 6 juntos com a PI - pág 7/11 ), porque no momento de subscrição dos contratos todos os escritórios da Recorrente estavam encerrados em consequência da pandemia COVID.

60ª

Assim sendo, não se pode dar como provado, que pela Recorrida foi dado conhecimento e explicadas ao Recorrente as condições de aceitação , e de vigência do contrato, nomeadamente as suas coberturas e exclusões , pelo que não pode, ser validada a posição da Recorrida , relativamente à anulação das apólices.

61ª

Na ausência de tal prova , não pode concluir-se que o Recorrente prestou as falsas declarações sobre o seu estado de saúde de forma intencional para obter alguma vantagem, porque o mesmo não tinha conhecimento qual a política de aceitação dos contratos, pelo que não podia prever as consequência de tal omissão.

62ª

Assim sendo, tal comportamento não pode relevar no sentido pretendido pela Recorrida e validar a anulação dos contratos, desonrando-a de proceder ao pagamento do valor em divida ao Banco 1..., conforme foi contratado.

63ª

Acresce que a doença que motivou a incapacidade do Recorrente - carcinoma do pulmão- não tem a sua causa directa nas supostas doenças pré - existentes - hipertensão arterial, diabetes , dislipidemia, pelo que não há para a Recorrida qualquer agravamento de risco, dado que a causa do sinistro não teve a sua origem em qualquer das referidas patologias ( Cfr depoimento Dr Dr EE cujo depoimento se encontra gravado através do sistema Habilus Media Studio, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo o mesmo iniciado pelas 10:40:28 horas e terminado pelas 11:01:46 horas e cujos depoimentos relevantes para a referida matéria estão transcritos nas Motivações ) que justifique a tomada de posição da Recorrida .

64ª

A anulação dos contratos face a tudo o que supra se expõe, não é, sensata nem razoável, não podendo proceder, face a ausência de prova por parte da Recorrida , dos factos por si alegados para justificar a sua tomada de posição .

65ª

Pelo que , e face exposto deve a Recorrida , assumir a suas responsabilidades perante o Recorrente, em função do contrato com este firmado, pois que ele tem de ter-se por válido e eficaz , e em consequência proceder ao pagamento dos valores em dívida ao Banco 1... , e ao reembolso das quantias pagas pelo Recorrente desde a data do sinistro até à data em que for assumido o pagamento perante a entidade bancária .

66ª

Pelo supra exposto, o Tribunal " a quo" apreciou erradamente a prova e aplicou mal o Direito, violando, flagrantemente as disposições conjugadas dos Artsº 154º e 607º nº 4 ,do Código de Processo Civil, Artº232º, 246º, 247º,252º , 253º e 342º do Código Civil, Art 5º , 6º e 8º do DL 446/85 de 25 de Outubro,pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente , por provado e a douta sentença revogada, decidindo- se se pela procedência da acção.

TERMOS EM QUE :

E face às considerações expostas na fundamentação, devem as presentes conclusões proceder e por via delas, e com o douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, e em consequência condenar-se a Recorrida no pedido formulado pelo Recorrente , assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”


*


Pela R. foram interpostas contra alegações, concluindo da seguinte forma:

“1. A discordância do apelante sobre a valoração que o Tribunal a quo fez da prova produzida não é fundamento de recurso.

2. O apelante pretende um verdadeiro segundo julgamento da matéria de facto, o que não é admissível.

3. De todo o modo, o apelante incumpriu os requisitos dos quais depende a impugnação da matéria de facto, o que determina a sua rejeição.

4. Ainda que assim não se entenda, o Tribunal a quo decidiu correctamente ao julgar provado que “Na página 5 de ambas as propostas de seguro, sob a epígrafe

“Declaração de Saúde”, consta que:

“Caso não reúna as condições necessárias à assinatura da “Declaração de Saúde” queira por favor preencher o Questionário Médico. Declaro como Pessoa Segura do(s) contrato(s), que não sofro de nenhuma doença de natureza aguda ou crónica, sequelas de acidentes ou doença, nem estou medicado de forma contínua.

Declaro ainda, não me encontrar de baixa clínica por doença ou acidente, nem ter interrompido a minha actividade laboral por mais de 1 mês nos últimos 3 anos, por doença ou acidente, não ter sido submetido a nenhuma intervenção cirúrgica nem ter expectativa de vir a ser no prazo de seis meses.

Não tive nenhuma proposta de Seguro de Vida anulada, adiada, recusada ou aceite com condições especiais” – ponto nº 20 da matéria de facto provada;

E que, “À frente da referida declaração, o Autor assinalou “sim” – ponto nº 21 da matéria de facto provada;

E que, “Na página seguinte, o Autor preencheu o questionário médico – ponto nº 22 da matéria de facto provada;

E que, “No ponto 4 do referido questionário médico questiona-se se:

“Sofre ou sofreu de alguma(s) doença(s) relacionada(s) com: (…)

b) Diabetes, Doenças da Tiroide, Colesterol elevado?

c) Aparelho Cardiovascular, Hipertensão arterial, sopros, Febre Reumática, Varizes, Sistema Circulatório? (…)

67

n) Outras não mencionadas atrás. Especifique.” – ponto nº 23 da matéria de facto provada;

E que, “A todas estas questões o Autor respondeu “não” – ponto nº 24 da matéria de facto provada;

E que, “No ponto 9 do “Questionário Médico”, é perguntado o seguinte:

“Está medicado em relação a alguma Patologia? Em caso afirmativo discrimine”, ao que o autor respondeu: “não” – ponto nº 25 da matéria de facto provada;

E que, “Na mesma proposta de seguro, o Autor declarou, expressamente e sem reservas que:

«NÃO

− Estar sob observação médica, ou tratamento médico regular;

− Ter interrompido por mais de 15 dias consecutivos, nos últimos cinco anos, a minha atividade laboral por motivos de saúde;

− Ter sido operado ou internado num estabelecimento hospitalar;

− Ter qualquer deficiência física ou funcional” – ponto nº 34 da matéria de facto provada;

E que, “Na mesma proposta de seguro, o Autor declarou expressamente e sem reservas:

Que tomou conhecimento das informações pré-contratuais indicadas;

Ter respondido com verdade e exatidão aos quesitos desta proposta e ter conhecimento de que falsas declarações, omissão, inexatidão ou reticência de factos que possam influir sobre a existência ou as condições deste contrato tornam o seguro nulo – ponto nº 35 da matéria de facto provada;

E que, “As propostas de seguro foram preenchidas informaticamente pelo mediador de seguros com base nas informações prestadas pelo Autor – ponto nº 39 da matéria de facto provada;

5. A prova de tais factos resulta dos documentos nºs 1 e 3 da petição inicial e dos documentos nº 5 e 6 da contestação, que se consideram admitidos por acordo das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do art. 574º do CPC.

6. Acresce que, relativamente ao preenchimento das propostas de seguro, em momento algum dos presentes autos o autor alegou que na celebração do contrato de seguro, informou expressamente a ré sobre as patologias de que padecia e sobre a medicação que tomava.

7. Em todo o caso, a questão da autoria do preenchimento do questionário médico é uma falsa questão, pois independentemente da mesma e da (in)veracidade das informações preenchidas no questionário médico, o autor assinou ambas as propostas de seguro – e não negou que o fez – pelo que, essas assinaturas têm um significado.

8. Aliás, se, por hipótese, o autor tivesse assinado ambas as propostas “em branco”, ainda assim, a sua assinatura teria um significado.

9. Com efeito, os factos contantes daquelas declarações, concretamente, as respostas ao questionário médico, consideram-se provados, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do art. 376º do CC.

10. Consequentemente, tais factos não admitem prova testemunhal em contrário (nº 2 do art. 393º do CC), e, por maioria de razão, não admitem igualmente declarações de parte (que, de todo o modo, não se verificaram) em contrário.

11. Em face do exposto, nos termos do disposto no art. 376º, nº 1 do CC, os documentos nºs 5 e 6 da petição inicial fazem prova plena quanto às declarações médicas atribuídas ao seu autor.

12. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao considerar provados os factos constantes dos pontos nºs 20, 21, 22, 23, 24, 25, 34 da matéria de facto provada.

13. No que respeita especificamente ao ponto nº 39 da matéria de facto provada, dir- se-á que a decisão do Tribunal a quo também não merece qualquer censura.

14. Na verdade, e tal como consta da fundamentação de facto da douta sentença recorrida, atendendo a que nas propostas de seguro constam elementos pessoais da pessoa segura – tais como altura, peso e exames de rotina realizados em sede de medicina do trabalho – a que o mediador nunca poderia responder sem a questionar prévia e directamente sobre estas matérias, as regras da lógica e da experiência impõem concluir que foi com base nas informações prestadas pela pessoa segura que as propostas – na sua integralidade – foram preenchidas.

15. É o que decorre dos documentos nº 5 e nº 6 da petição inicial, pelo que a ré não teria de produzir qualquer outra prova sobre esta matéria.

16. Do documento nº 16 da petição inicial decorre apenas e só o que dele consta, ou seja, que o mediador informou a pessoa segura que devia assinar as páginas 9 e 10 de ambas as propostas.

17. Deste documento não decorre, que as propostas foram preenchidas pelo mediador, segundo o seu livre-arbítrio, e sem qualquer intervenção do autor nas respectivas respostas, designadamente, ao questionário médico.

18. Tão pouco decorre deste documento que – em momento algum, note-se – o autor foi questionado sobre o seu estado de saúde.

19. Nem sequer decorre que o mediador apenas enviou as páginas 9 e 10 de ambas as propostas.

20. O depoimento da testemunha BB em nada afasta a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre estes factos, na medida em que este apenas abordou o tema da assinatura, não do preenchimento do questionário médico nem dos termos em que o mesmo sucedeu - Depoimento gravado no sistema Habilus Media Studio, com início às 10:10:36 horas e fim às 10:30:17 horas.

21. Na verdade, o depoimento desta testemunha não foi isento nem verdadeiro, mas apenas uma tentativa de não prejudicar o autor.

22. Salienta-se que esta testemunha, companheira do autor, afirmou em Tribunal que este não padecia de qualquer doença, em concreto, diabetes, hipertensão e dislipedemia e que não estava medicado em data anterior à celebração dos contratos de seguro.

23. Contudo, tais afirmações são absolutamente contraditórias com a prova documental junta aos autos, e com os depoimentos dos médicos que seguiam o autor – cfr. documento nº 9 da petição inicial e documento nº 6 da contestação.

24. Em face do exposto, também por esta razão, bem andou o Tribunal a quo ao considerar provado o facto constante do ponto nº 39 da matéria de facto provada.

25. A prova do ponto nº 35 da matéria de facto provada, resulta das declarações do apelante aquando da celebração dos contratos de seguro em causa nos autos, em concreto que:

“1. O Tomador do seguro e o(s) candidato(s) a pessoa segura declaram que (…) estão conscientes de que as informações prestadas na presente proposta bem como em questionários posteriores (incluindo os formalizados através de entrevista telefónica com gravação da chamada) servem de base ao contrato de seguro e que todas as respostas e dados fornecidos estão completos e são verdadeiros. Reconhecem e aceitam eu eventuais omissões, inexactidões e falsidades no que respeita a dados de fornecimento quer obrigatório, quer facultativo, são da sua responsabilidade e poderão ter as consequências previstas na lei e contempladas nas Condições Gerais do Seguro.

(…)

3. O Tomador do Seguro reconhece que ao subscrever a presente proposta de seguro lhe foram fornecidas todas as informações pré-contratuais legalmente exigíveis quanto às condições do presente seguro, as quais constam das Condições Gerais e Especiais da apólice que lhe foram entregues, assim como uma estimativa do montante dos prémios relativos a cada cobertura (cujo montante definitivo depende da análise da proposta)” (negritos nossos) – cfr. docs. 5 e 6 da petição inicial.

26. Ao apor a sua assinatura nas propostas de seguro, o autor assumiu a paternidade das declarações nela contidas, como tal, tais declarações consideram-se plenamente provadas, não sendo sequer admissível prova testemunhal em contrário que, de todo o modo, não foi produzida.

27. Pelo que, a decisão sobre o ponto nº 35 da matéria de facto provada não merece qualquer censura, devendo ser mantida na íntegra.

28. O Tribunal a quo decidiu ainda correctamente ao considerar provado que “Em resposta, a 15.11.2022, a referida médica de família emitiu um atestado de doença, do qual consta a seguinte informação:

71

“(…) é seguido na minha consulta desde 2014.

Foi diagnosticado com:

- Hipertensão arterial em 13-12-2019, com início de terapêutica nesta data;

- Diabetes Mellitus em 16-04-2020, com início de terapêutica nesta data;

- Dislipidemia em 14-04-2020, com início de terapêutica nesta data” – ponto nº 32 da matéria de facto provada;

29. Antes de mais, porque este facto corresponde ao teor do documento nº 6 da contestação, que o autor não impugnou.

30. E decorre igualmente do documento nº 9 da petição inicial, do qual já constavam estes mesmos antecedentes e medicação, e que motivou o envio pela ré da carta que consiste no documento nº 5 da contestação, a cujo este documento nº 6 da contestação constitui a respectiva resposta.

31. A aparente contradição com o documento nº 17 da petição inicial foi cabalmente esclarecida pela testemunha, Drª CC, médica subscritora de ambas as declarações - Depoimento gravado no sistema Habilus Media Studio, com início às 09:44:11 horas e fim às 09:51:27 horas

32. Que se justifica pelo facto de os diagnósticos e respectivas terapêuticas terem sido efectuados por outro médico.

33. Certo é, também, que a testemunha em questão teve deles conhecimento através do próprio autor, e esse conhecimento é contemporâneo com as datas dos diagnósticos.

34. Os documentos e depoimento acima enunciados provam, com toda a clareza, que o autor estava medicado para 3 patologias à data da celebração dos contratos de seguro.

35. Pelo que, bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado o ponto nº 32 da matéria de facto provada, o qual deve ser mantido na íntegra.

36. O Tribunal a quo decidiu correctamente ao julgar provado que ““À data da subscrição das apólices de seguro o A. sabia que não podia omitir da Ré qualquer situação relacionada com o seu estado de saúde, do âmbito de aplicação das coberturas do seguro e das implicações que tais informações teriam na apreciação do risco pela Ré.” – ponto nº 40 da matéria de facto provada.

37. A prova deste facto resulta das declarações do apelante na celebração dos contratos de seguro, em concreto que:

“1. O Tomador do seguro e o(s) candidato(s) a pessoa segura declaram que (…) estão conscientes de que as informações prestadas na presente proposta bem como em questionários posteriores (incluindo os formalizados através de entrevista telefónica com gravação da chamada) servem de base ao contrato de seguro e que todas as respostas e dados fornecidos estão completos e são verdadeiros. Reconhecem e aceitam eu eventuais omissões, inexactidões e falsidades no que respeita a dados de fornecimento quer obrigatório, quer facultativo, são da sua responsabilidade e poderão ter as consequências previstas na lei e contempladas nas Condições Gerais do Seguro.

(…)

3. O Tomador do Seguro reconhece que ao subscrever a presente proposta de seguro lhe foram fornecidas todas as informações pré-contratuais legalmente exigíveis quanto às condições do presente seguro, as quais constam das Condições Gerais e Especiais da apólice que lhe foram entregues, assim como uma estimativa do montante dos prémios relativos a cada cobertura (cujo montante definitivo depende da análise da proposta)” (negritos nossos) – cfr. docs. 5 e 6 da petição inicial.

38. E ainda, que:

“Declaro que li e respondi às questões constantes na secção “Declaração de saúde/Questionário médico” constantes deste documento.

(…)

Declaro que tomei conhecimento da informação constantes no quadro acima relativo às Declarações Importantes”.

39. Por baixo de todas estas declarações, o autor apôs a respectiva assinatura, o que fez em ambas as propostas.

40. Saliente-se, aliás, que estas são precisamente as páginas que o autor alegadamente imprimiu para assinar (cfr. documento nº 16 da petição inicial), pelo que, presume- se – as regras da lógica e da experiência assim impõem concluir – que as leu antes de o fazer.

41. E que, como tal, confirmou que as declarações ali contidas correspondiam à verdade, razão pela qual – repete-se – assinou.

42. Ora, ao apor a sua assinatura nas propostas de seguro, o autor assumiu a paternidade das declarações nelas contidas.

43. Como tal, tais declarações consideram-se plenamente provadas, não sendo sequer admissível prova testemunhal em contrário que, de todo o modo, não foi produzida.

44. Pelo que, a decisão sobre o ponto nº 40 da matéria de facto provada não merece qualquer censura, devendo ser mantida na íntegra.

45. O Tribunal a quo decidiu correctamente ao julgar provado que “Caso a Ré tivesse conhecimento do referido em 32, não teria celebrado os contratos de seguro com o Autor.” – ponto nº 42 da matéria de facto provada.

46. A prova deste facto resulta, antes de mais, do documento nº 7 da contestação, do qual decorre que a ré teria recusado a celebração do contrato.

47. Ainda assim, e sem conceder, foi inquirida a testemunha Dr. DD, médico subscritor da referida carta, e que esclareceu que durante anos fez a análise de risco das propostas de seguro, bem como quais os riscos que as patologias de que o autor padece representam em termos cardiovasculares e cerebrais – Depoimento gravado no sistema Habilus Media Studio, com início às 10:40:28 horas e fim às 11:01:46 horas

48. Por todo o exposto, a decisão proferida sobre o ponto nº 42 da matéria de facto provada não merece qualquer censura, devendo ser mantida na íntegra.

49. O Tribunal a quo decidiu correctamente ao julgar não provado que:

Que as informações clínicas constantes das propostas de seguro respeitantes ao questionário clínico foram preenchidas pelo mediador de seguros sem intervenção nem conhecimento do autor;

Que na data da subscrição o mediador informou o A. que em caso de morte ou invalidez igual ou superior a 60% a Ré assumiria o pagamento das prestações em dívida pelo A. junto do Banco 1..., S. A.;

No momento em que subscreveu as apólices o A. “gozava de boa saúde” e considerava que não tinha situações de saúde relevantes a declarar;

Que o A., ao subscrever as propostas de seguro, não tivesse conhecimento do teor das cláusulas e respetivas coberturas, designadamente dos factos que eram significativos para a apreciação do risco, e que, por isso, era irrelevante omitir as doenças que lhe tinham sido anteriormente diagnosticadas;

Que o A., ao subscrever as propostas de seguro, não omitiu qualquer facto relevante sobre o seu estado de saúde.

50. A ré dá por reproduzido tudo quanto alegou supra relativamente a cada um dos referidos pontos nºs 20 a 25, 32, 34, 35, 39 e 40 da matéria de facto provada,

51. O que basta – entende-se – para que a pretensão do apelante caia por terra.

52. O Tribunal a quo decidiu correctamente ao julgar não provado que “Face ao diagnóstico de Adenocarcinoma Pulmonar o A. está impedido de exercer a sua atividade profissional de Gestor de Negócios na Empresa B... Lda..”

53. Sobre esta matéria foi inquirida a testemunha Dr. EE, médico pneumologista que segue o autor, e que esclareceu que em profissões de carácter mais intelectual, como a do autor, é possível que o doente continue a trabalhar - Depoimento gravado no sistema Habilus Media Studio, com início às 09:54:32 horas e fim às 10:09:59 horas.

54. A prova efectivamente produzida demonstra, clara e cristalinamente, que tinha perfeita consciência dos contratos que estava celebrar e das obrigações que sobre ele impendiam, designadamente, a obrigação de declarar, com verdade, todos os factores de risco.

55. Na verdade, não se pode aceitar que a questão do dever de informação – cujo cumprimento, de todo o modo, foi demonstrado – leve a silogismos absurdos – como aquele que o autor, em termos práticos, aqui vem defender – em que o proponente pretende que o risco esteja coberto com fundamento no facto de, alegadamente, ninguém lhe ter explicado que não podia mentir!

56. Acresce que, o teor do artigo 6º das condições gerais dos contratos de seguro é autoexplicativo, pelo que o homem médio, colocado na posição do autor, não necessitaria de qualquer explicação ou esclarecimento adicional.

57. De todo o modo, repete-se, foi o autor quem declarou ter conhecimento e consciência das consequências da inexactidão e omissão das suas eventuais declarações.

58. Tal basta para que se tenham por cumpridos os deveres de comunicação e informação previstos nos artigos 5.º e 6.º da Lei das Cláusulas Contratuais Geral (“LCCG”).

59. Por todo o exposto, conclui-se, a ré não violou qualquer dever contratual, devendo a pretensão do autor improceder.

60. Da prova efectivamente produzida resultou ainda que o autor proferiu falsas declarações aquando da celebração dos contratos de seguro, na medida em que das mesmas decorre que este não tinha qualquer problema de saúde.

61. Contudo, na verdade, o autor tinha 3 doenças, para as quais se encontrava – e encontra ainda – medicado e de nada disto o autor informou a ré.

62. Na realidade, questionado expressa e directamente sobre estas doenças e sobre eventual medicação, o autor afirmou que não só não as tinha, como nada tomava para o efeito.

63. Decorre igualmente que, se, na proposta de seguro, a pessoa segura tivesse declarado já ser portadora destas patologias, a ré não teria aceitado celebrar o contrato de seguro em causa nestes autos.

64. E que não o declarou, precisamente por saber que não ter patologias desta natureza era uma condição para a celebração do contrato.

65. Esta intencionalidade na omissão é demonstrativa do dolo.

66. Com efeito, as regras da lógica e da experiência impõem concluir que quem omite da seguradora que está medicado para 3 patologias diferentes não o faz levianamente.

67. Este comportamento, é intencional e não meramente negligente.

68. Nesse mesmo sentido, aliás, aponta o facto de o autor, apesar de ter omitido estas 3 patologias, ter optado, simultaneamente, por revelar que fez exames de rotina com resultados normais! – cfr. ponto 7, alínea a) do questionário médico e página 11, ambos das propostas de seguro.

69. Por fim, não colhe igualmente o argumento avançado pelo autor, de que as propostas não foram preenchidas por si, mas sim pelo mediador.

70. De facto, ainda que assim tenha sido, a verdade é da análise dos documentos resulta evidente que foi o autor quem forneceu as informações para as respostas ao questionário clínico.

71. Ainda que o segurado tivesse assinado as propostas de seguro sem as ler – no que, novamente, não se concede – sempre se dirá que não poderia o autor opor essa circunstância à ora ré.

72. Com efeito, o princípio da autorresponsabilização das partes impõe que quem assina um contrato, leia previamente o seu conteúdo.

73. Assim, mesmo que tenha sido o mediador a preencher as propostas de seguro, o autor estava obrigado a ler as propostas antes de as assinar,

74. E, verificando existirem – como existiam – informações que não correspondiam à verdade, era sua obrigação não as assinar.

75. Pelo que, também por esta razão, a pretensão do autor improcede, encontrando-se reunidos todos os pressupostos da anulabilidade dos contratos de seguro, nos termos do disposto no artigo 25.º da Lei do Contrato de Seguro.

76. Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, sempre se dirá que a situação clínica do autor não se enquadra na definição de invalidez prevista no art. 2º das condições gerais das apólices.

77. Trata-se de um tipo de apólice que cobre uma situação de incapacidade para o trabalho.

78. O autor não demonstrou – como lhe incumbia – que a invocada incapacidade não lhe permita exercer outras funções – quaisquer outras funções, note-se – compatíveis com os seus conhecimentos e aptidões, o que basta para concluir que a situação de invalidez de que o autor alega ser portador não se enquadra, de todo, no âmbito da cobertura das apólices em causa nos autos.

79. Ainda que assim não se entenda, no que não se concede, sempre se dirá que o sinistro em causa nos autos não está coberto pelas presentes apólices porque não se verificam os requisitos da invalidez total e permanente previstos na cláusula 3.3. do complementar de invalidez total e permanente.

80. Sem prejuízo de o atestado multiusos não servir para prova de incapacidade para efeitos laborais, dir-se-á que do mesmo decorre que o autor deverá ser novamente avaliado em 2027 – cfr. documento nº 11 da petição inicial.

81. O que é suficiente para concluir que a incapacidade de que o autor se arroga portador não é – como exige o contrato em causa nos autos – definitiva.

82. Ora, não estando verificados os requisitos cumulativos da cláusula 3.3., também por

esta via deve a ré ser absolvida de todos os pedidos.

83. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não violou qualquer disposição legal.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser mantida a decisão recorrida, pois só assim se fará

JUSTIÇA!”


***

QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, as questões a decidir consistem em apurar:

a) a admissibilidade e procedência da impugnação da matéria de facto;

b) se, dos factos assentes, não resulta que o A. tenha prestado falsas declarações;

c) se em consequência, deve ser pago o capital seguro à data do sinistro e devolvidos os prémios de seguro e as prestações pagas após o sinistro;

d) se, em qualquer caso, não foram comunicadas ao A. as clausulas contratuais gerais do contrato.


*


Corridos que se mostram os vistos aos Srs. Juízes Desembargadores-adjuntos, cumpre decidir.


***

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto adquirida pelo tribunal recorrido, é a seguinte:

II. OS FACTOS:

A) FACTOS PROVADOS:

1. A 14.12.2020, o A. celebrou com o Banco 1... S.A. dois contratos de mútuo com hipoteca, um no montante de 78.000,00€ e outro no montante de 32.179,26€, para aquisição de habitação própria e permanente; subordinados à obrigação de celebração de um contrato de seguro de vida que tivesse como beneficiário o Banco;

2. A 02.12.2020, e com efeitos a 14.12.2020, a Ré, na qualidade de seguradora, celebrou com o Autor, na qualidade de tomador do seguro e pessoa segura, um contrato de seguro de vida temporário, anual e renovável, na modalidade “Vida Completa – Capital Decrescente”, titulado pela apólice nº ...42;

3. Consta das Condições Especiais da apólice: “As presentes Condições Especiais fazem parte integrante do contrato Vida Completa Capital Decrescente que se rege por estas Condições, pelas Condições Gerais do Seguro de Vida Completa Individual, e ainda pelas Condições Particulares”;

4. A cláusula 2ª das condições gerais dispõe que:

“1. Consoante a modalidade contratada pelo Tomador do Seguro, o contrato tem por objeto a cobertura do risco de morte da Pessoa Segura, ou sobrevivência, ou ambos. O pagamento das importâncias seguras – sob a forma de capitais ou de rendas – é garantido em conformidade com o estipulado nas Condições Especiais e Particulares da Apólice.

2. Pode ainda ser objeto do contrato a cobertura complementar de riscos que afetem a esperança de vida da Pessoa Segura, nos termos definidos nas Condições Especiais e Particulares aplicáveis.”;

5. Nos termos da cláusula 6ª das Condições Gerais:

“1. O Tomador do Seguro e a Pessoa Segura estão obrigados, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheçam e razoavelmente devam ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador”;

6. De acordo com as Condições Particulares, estão compreendidas as seguintes coberturas:

1ª Pessoa

Morte - € 78.000,00;

Invalidez total e permanente - € 78.000,00.

7. Com efeitos a 01.01.2023, os referidos capitais foram alterados nos seguintes termos:

1ª Pessoa

Morte - € 75.484,35;

Invalidez total e permanente - € 75.484,35,

8. De acordo com a cláusula beneficiária prevista nas referidas Condições Particulares,

“Em caso de Morte/Invalidez

Beneficiário Irrevogável:

Banco 1..., SA

Será pago o capital em dívida, até ao limite do capital seguro à data do Sinistro.

Caso o capital seguro seja superior ao capital em dívida, o diferencial será pago a:

HERDEIROS LEGAIS DA PESSOA SEGURA

9. O artigo 2º das condições especiais (complementar de invalidez total e permanente) dispõe que:

“Para efeito desta cobertura complementar, entende-se por: INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE – Situação em que, em consequência de doença ou acidente, a Pessoa Segura fique total e definitivamente incapaz de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade lucrativa compatível com as suas capacidades, conhecimentos e aptidões”;

10. A cláusula 3.3. do complementar de invalidez total e permanente refere que:

“3.3 – É condição necessária e suficiente para o reconhecimento da invalidez total e permanente a verificação simultânea dos seguintes requisitos:

a) ser clinicamente constatada, com fundamento em elementos objetivos, por um médico mandatado pelo Segurador, não sendo possível esperar qualquer melhoria do estado de saúde da Pessoa Segura;

b) corresponder a um grau de desvalorização igual ou superior a 60%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (sem aplicação do coeficiente de bonificação) em vigor na data da avaliação pelo Segurador;

c) ser precedida de uma incapacidade absoluta (completa impossibilidade física, clinicamente comprovada, de exercer a sua profissão ou ocupação profissional) e durar mais de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos, sendo esse período alargado para dois anos, nos casos de doença mental ou perturbações psíquicas.”

11. A 02.12.2020, e com efeitos a 14.12.2020, a Ré, na qualidade de seguradora, celebrou com o Autor, na qualidade de tomador do seguro e pessoa segura, um contrato de seguro de vida temporário, anual e renovável, na modalidade “Vida Completa – Capital Decrescente”, titulado pela apólice nº ...43;

12. Consta das respetivas condições especiais da apólice que:

“As presentes Condições Especiais fazem parte integrante do contrato Vida Completa Capital Decrescente que se rege por estas Condições, pelas Condições Gerais do Seguro de Vida Completa Individual, e ainda pelas Condições Particulares”;

13. Na cláusula 2ª das condições gerais, consta que:

“1. Consoante a modalidade contratada pelo Tomador do Seguro, o contrato tem por objeto a cobertura do risco de morte da Pessoa Segura, ou sobrevivência, ou ambos.

O pagamento das importâncias seguras – sob a forma de capitais ou de rendas – é garantido em conformidade com o estipulado nas Condições Especiais e Particulares da Apólice.

2. Pode ainda ser objeto do contrato a cobertura complementar de riscos que afetem a esperança de vida da Pessoa Segura, nos termos definidos nas Condições Especiais e Particulares aplicáveis.”;

14. Nos termos da cláusula 6ª das condições gerais:

“1. O Tomador do Seguro e a Pessoa Segura estão obrigados, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheçam e razoavelmente devam ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador”;

15. De acordo com as Condições Particulares, estão compreendidas as seguintes coberturas:

1ª Pessoa

Morte - € 32.365,00;

Invalidez total e permanente - € 32.365,00.

16. Com efeitos a 01.01.2023, os referidos capitais foram alterados nos seguintes termos:

1ª Pessoa

Morte - € 31.261,41;

Invalidez total e permanente - € 31.261,41,

17. De acordo com a cláusula beneficiária prevista nas referidas Condições Particulares:

“Em caso de Morte/Invalidez

Beneficiário Irrevogável:

Banco 1..., SA

Será pago o capital em dívida, até ao limite do capital seguro à data do Sinistro. Caso o capital seguro seja superior ao capital em dívida, o diferencial será pago a: 

HERDEIROS LEGAIS DA PESSOA SEGURA

18. O artigo 2º das condições especiais (complementar de invalidez total e permanente) dispõe que:

“Para efeito desta cobertura complementar, entende-se por: INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE – Situação em que, em consequência de doença ou acidente, a Pessoa Segura fique total e definitivamente incapaz de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade lucrativa compatível com as suas capacidades, conhecimentos e aptidões”;

19. A cláusula 3.3. do complementar de invalidez total e permanente dispõe que:

“3.3 – É condição necessária e suficiente para o reconhecimento da invalidez total e permanente a verificação simultânea dos seguintes requisitos:

a) ser clinicamente constatada, com fundamento em elementos objetivos, por um médico mandatado pelo Segurador, não sendo possível esperar qualquer melhoria do estado de saúde da Pessoa Segura;

b) corresponder a um grau de desvalorização igual ou superior a 60%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (sem aplicação do coeficiente de bonificação) em vigor na data da avaliação pelo Segurador;

c) ser precedida de uma incapacidade absoluta (completa impossibilidade física, clinicamente comprovada, de exercer a sua profissão ou ocupação profissional) e durar mais de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos, sendo esse período alargado para dois anos, nos casos de doença mental ou perturbações psíquicas.”

20. Na página 5 de ambas as propostas de seguro, sob a epígrafe “Declaração de Saúde”, consta que:

“Caso não reúna as condições necessárias à assinatura da “Declaração de Saúde” queira por favor preencher o Questionário Médico.

Declaro como Pessoa Segura do(s) contrato(s), que não sofro de nenhuma doença de natureza aguda ou crónica, sequelas de acidentes ou doença, nem estou medicado de forma contínua.

Declaro ainda, não me encontrar de baixa clínica por doença ou acidente, nem ter interrompido a minha atividade laboral por mais de 1 mês nos últimos 3 anos, por doença ou acidente, não ter sido submetido a nenhuma intervenção cirúrgica nem ter expectativa de vir a ser no prazo de seis meses.

Não tive nenhuma proposta de Seguro de Vida anulada, adiada, recusada ou aceite com condições especiais”;

21. À frente da referida declaração, o Autor assinalou “sim”;

22. Na página seguinte, o Autor preencheu o questionário médico;

23. No ponto 4 do referido questionário médico questiona-se se:

“4. Sofre ou sofreu de alguma(s) doença(s) relacionada(s) com: (…)

b) Diabetes, Doenças da Tiróide, Colesterol elevado?

c) Aparelho Cardiovascular, Hipertensão Arterial, Sopros, Febre Reumática, Varizes, Sistema Circulatório? (…)

n) Outras não mencionadas atrás. Especifique.”

24. A todas estas questões o Autor respondeu “não”;

25. No ponto 9 do “Questionário Médico”, é perguntado o seguinte:

“Está medicado em relação a alguma Patologia? Em caso afirmativo discrimine.”, ao que o Autor respondeu: “não”;

26. Em 17/05/2022, o Autor recorreu ao Serviço de Atendimento Permanente do Hospital da CUF de ..., tendo após realização de diversos exames, tido alta com “Diagnóstico Principal: 162 - Neoplasia Maligna da Traqueia, Brônquio e Pulmões”;

27. Na sequência, foi confirmado o diagnóstico de Adenocarcinoma pulmonar estadio IV, em consequência do qual o Autor passou a ser acompanhado no Hospital Oncológico da CUF do ..., onde a 26/06/2022 iniciou o tratamento ambulatório de quimioterapia, como toma diária de um comprimido desde a referida data;

28. Em 27/05/2022 o A. foi submetido a junta médica, tendo-lhe sido emitido Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, com atribuição de uma incapacidade permanente global de 60%, suscetível de variação futura, devendo ser reavaliado no ano de 2027;

29. Na sequência do referido em 28, o A. participou o sinistro à Ré, tendo em vista o pagamento dos montantes em dívida referentes ao empréstimo referido em 1 desde 17/05/2022;

30. Aquando da participação do sinistro pelo A. à Ré, foi remetido documento referente ao episódio do Serviço de Atendimento Permanente do Hospital da CUF de ..., do qual consta:

“Resumo| Evolução clínica:

Homem de 52 anos de idade, refere quadro com 2 semanas de evolução, tosse com expetoração esbranquiçada, cansaço fácil e toracalgia pleutírica à esquerda. Sem febre.

AP: DM2; HTA; DLP [antecedentes pessoais: diabetes mellitus, tipo 2; hipertensão arterial; dislipidemia (colesterol elevado)

MH: Xigduo 1000/5mg 2id (Medicamento para a diabetes); Preterax 5/1.25mg id (Medicamento para a hipertensão arterial); Estatina (Medicamento para o colesterol).”

31. Confrontada com esta informação, que até então desconhecia, a Ré, por carta de 8 de novembro de 2022, solicitou à medica de família do Autor as seguintes informações:

“(…) Para uma melhor avaliação do sinistro, solicitava da sua parte as seguintes informações complementares:

- Desde quando é vigiado na sua consulta

- Data de diagnóstico dos quadros de Diabetes mellitus, HTA e Dislipidemia e terapêuticas instituídas e data de início das mesmas”.

32. Em resposta, a 15.11.2022, a referida médica de família emitiu um atestado de doença, do qual consta a seguinte informação:

“(…) é seguido na minha consulta desde 2014.

Foi diagnosticado com:

- Hipertensão arterial em 13-12-2019, com início de terapêutica nesta data;

- Diabetes Mellitus em 16-04-2020, com início de terapêutica nesta data;

- Dislipidemia em 14-04-2020, com início de terapêutica nesta data.”

33. O Autor, no ponto 7, alínea a) do questionário médico e página 11, ambos da proposta de seguro, declarou que fez exames de rotina com resultados normais;

34. Na mesma proposta de seguro, o Autor declarou, expressamente e sem reservas que:

1. «NÃO

– estar sob observação médica, ou tratamento médico regular;

– ter interrompido por mais de 15 dias consecutivos, nos últimos cinco anos, a minha atividade laboral por motivos de saúde;

– ter sido operado ou internado num estabelecimento hospitalar;

– ter qualquer deficiência física ou funcional;

35. Na mesma proposta de seguro, o Autor, declarou expressamente e sem reservas:

– que tomou conhecimento das informações pré-contratuais indicadas;

– ter respondido com verdade e exatidão aos quesitos desta proposta e ter conhecimento de que falsas declarações, omissão, inexatidão ou reticência de factos que possam influir sobre a existência ou as condições deste contrato tornam o seguro nulo”;

36. Na informação pré-contratual/condições gerais da apólice do seguro de vida grupo, crédito à habitação, contratado pelo Autor, quanto ao «dever de declaração e de informação», consta que:

«1. O presente contrato baseia-se nas declarações prestadas e constantes da proposta e nos boletins individuais de adesão, nos quais devem mencionar-se com inteira veracidade, todos os factos ou circunstâncias que permitam a exata apreciação do risco ou que possam influir na aceitação do respetivo contrato ou na correta determinação do prémio aplicável, quer resultem ou não do eventual questionário fornecido pelo segurador e de que tenha conhecimento ou deva ter.

2. Do dever de declaração referido no número anterior o tomador e/ou pessoa segura tomou conhecimento prévio à celebração do contrato tendo entendido o seu real alcance, importância e efeitos.

3. A violação do dever de declaração referido no número um pode dar lugar à anulação do contrato nos termos e com os efeitos previstos na lei e nos respetivos capítulos do presente clausulado dos quais quer o tomador, quer a pessoa segura, também foi avisado, entendeu e ficou ciente.

4. Para além dos deveres gerais enunciados nos números anteriores, há ainda a cumprir os seguintes deveres especiais:

4.1. O tomador do seguro deve informar a pessoa segura sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como as alterações ao contrato.

5. Em caso de dúvida é ónus do tomador, ou seja, compete-lhe provar, que forneceu à pessoa segura todas as informações previstas nos números anteriores.».

37. Na cláusula 3.ª das referidas condições gerais da apólice, sob a epígrafe «Objeto e âmbito das garantias», consta que:

«3.1. O contrato de seguro garante, como seguro principal, o risco de morte da pessoa segura, por acidente ou doença, ocorrida durante a vigência da apólice na modalidade temporário anual renovável sobre cada pessoa segura no grupo descriminado nas condições particulares, ou na modalidade temporário anual renovável conjunto, no caso da inclusão simultânea de dois mutuários do contrato de mútuo.

3.2. Como seguro complementar garante-se em alternativa:

a) A invalidez absoluta e definitiva (IAD) da pessoa segura, por acidente ou doença, ocorrida durante a vigência da apólice, ou

b) A invalidez total e permanente (ITP) da pessoa segura, por acidente ou doença, ocorrida durante a vigência da apólice.

3.3. A contratação das coberturas referidas no n.º anterior é sempre alternativa, não podendo ser contratadas ambas em simultâneo.

3.4. Quando o contrato de seguro de mútuo seja celebrado por dois mutuários e ambos sejam aceites pela seguradora como pessoas seguras, as coberturas contratadas têm de ser idênticas para ambos.

3.5. Verificada a ocorrência de um sinistro coberto pela apólice, a seguradora pagará ao tomador do seguro o capital em dívida á data do sinistro, no limite do capital seguro.

No caso do capital em dívida à data do sinistro ser inferior ao do capital seguro nesta mesma data, o segurador procederá ao estorno do prémio na proporcionalidade da referida diferença de capital.

3.6. A pessoa segura será considerada em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência da doença ou acidente, ficar total e definitivamente impossibilitada para o exercício de qualquer atividade remunerada e necessitando da assistência constante de uma terceira pessoa para os atos essenciais da vida corrente. O estado de invalidez deverá ser clínica e objetivamente constatado por um médico do segurador.

3.7. A pessoa segura será considerada em estado de invalidez total e permanente quando ficar totalmente incapacitada para o exercício da sua profissão ou de qualquer outra atividade remunerada compatível com as suas capacidades, conhecimentos e aptidões. O reconhecimento da invalidez total e permanente pressupõe:

a) Ser clínica e objetivamente comprovada por um médico do segurador;

b) Ser precedida de uma incapacidade total para o trabalho com uma duração mínima de 180 dias. Esse período será alargado para dois anos nos casos de alienação mental ou de perturbações psíquicas.

§ Único – O segurador reconhece a pessoa segura em estado de invalidez total e permanente se, para além dos requisitos acima referidos, esta apresentar um grau de desvalorização não inferior a 66%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades.

Para fixação do grau de desvalorização a atribuir no âmbito deste seguro complementar, não concorrerá o grau de invalidez permanente correspondente aos defeitos físicos de que a pessoa segura já era portadora à data da inclusão da apólice.

3.8. O contrato de seguro apenas confere o direito ao pagamento de um único capital:

a) O pagamento da indemnização, seja ao abrigo do seguro principal, seja do complementar, determina a resolução do contrato;

b) De igual modo, ainda que se verifique a morte ou invalidez simultâneas nas pessoas seguras que subscreveram a adesão conjunta, o segurador só garante o pagamento de um único capital seguro, resolvendo-se o contrato e sem que haja lugar a qualquer estorno de prémio.(…)».

38. Na cláusula 4.ª das referidas condições gerais da apólice, sob a epígrafe «Declaração de risco», consta que:

«4.1. As declarações prestadas pela pessoa segura nos documentos necessários à apreciação do risco proposto ao segurador, servem de base à aceitação da respetiva adesão.

4.2. A pessoa está obrigada, antes da adesão ao contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.

4.3. O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstância cuja menção não seja solicitada expressamente no questionário, inclusive médico, eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito.

4.4. Para efeitos do estabelecido no número anterior e independentemente dos conhecimentos técnicos que permitam à pessoa segura avaliar corretamente o risco ou a extensão do prejuízo causado ao segurador, é relevante o conhecimento razoável que normalmente deveria ter sobre a sua importância ou gravidade de qualquer facto ou situação objeto de declaração viciosa.

4.5. O segurador que tenha aceitado o contrato, salvo havendo dolo do tomador do seguro ou da pessoa segura com o propósito de obter uma vantagem, não pode prevalecer-se:

a) Da omissão de resposta a pergunta no questionário;

b) De resposta imprecisa a questão formulada em termos demasiado genéricos;

c) De incoerência ou contradição evidente nas respostas ao questionário;

d) De facto que o seu representante, aquando da celebração do contrato, saiba ser inexato ou, tendo sido omitido, conheça;

e) De circunstâncias conhecidas do segurador, em especial quando são públicas e notórias.».

39. As propostas de seguro foram preenchidas informaticamente pelo mediador de seguros com base nas informações prestadas pelo Autor;

40. À data da subscrição das apólices de seguro o A. sabia que não podia omitir à Ré qualquer situação relacionada com o seu estado de saúde, do âmbito de aplicação das coberturas do seguro e das implicações que tais informações teriam na apreciação do risco pela Ré;

40. Por virtude dos tratamentos que efetua, em consequência do diagnóstico referido em 27, o A. apresenta cansaço, inchaço nos pés e borbulhas no corpo, vendo-se impedido de realizar tarefas que envolvam esforço físico;

41. Por carta datada de 14/12/2022, a Ré informou o A. que iria proceder à anulação das apólices nºs ...42 e ...43, com devolução dos prémios após setembro 2022, por o A., aquando da subscrição dos contratos de seguro, não ter informado a Ré sobre o seu verdadeiro estado de saúde, impossibilitando-a de avaliar devidamente o risco correspondente à sua celebração;

42. Caso a Ré tivesse conhecimento do referido em 32, não teria celebrado os contratos de seguro com o Autor.

B) FACTOS NÃO PROVADOS:

- que as informações clinicas constantes das propostas de seguro respeitantes ao questionário clínico foram preenchidas pelo mediador de seguros sem intervenção nem conhecimento do Autor;

- que na data da subscrição o mediador informou o A. que em caso de morte ou invalidez igual ou superior a 60% a Ré assumiria o pagamento das prestações em dívida pelo A. junto do Banco 1..., SA”;

- no momento em que subscreveu as apólices o A. “gozava de boa saúde” e considerava que não tinha situações de saúde relevantes a declarar;

- que o A., ao subscrever as propostas de seguro, não tivesse conhecimento do teor das suas cláusulas e respetivas coberturas, designadamente dos factos que eram significativos para a apreciação do risco, e que, por isso, era irrelevante omitir as doenças que lhe tinham sido anteriormente diagnosticadas;

- que o A., ao subscrever as propostas de seguro, não omitiu qualquer facto relevante sobre o seu estado de saúde;

- face ao diagnóstico de Adenocarcinoma Pulmonar o A. está impedido de exercer a sua atividade profissional de Gestor de Negócios na Empresa B... Lda..”

***

DA REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

 Insurge-se o recorrente contra a decisão proferida nos autos, intentando a reapreciação da matéria de facto provada sob os pontos 20, 21, 22, 23, 24, 25, 34, 35, 39, 40 e 42 que considerar deverem ser considerados como não provados e, ainda, os factos dados como não provados no ponto B) da sentença que, no seu entender terão que ser dados como provados.

Decidindo:

Relativamente aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, versa o artº 640º, nº 1, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que:

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

No que toca à especificação dos meios probatórios, «Quando os meios probatórios como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [3]

Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.

A saber:

- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;

- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;

- E a decisão alternativa que é pretendida.[4]

Nestes termos deste preceito resultam dois ónus principais e um secundário, consistente os primeiros na indicação concreta da matéria de facto impugnada, dos meios de prova que sustentam decisão diversa e da decisão que deveria ter sido tomada; o segundo, “na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC”[5].

O recurso interposto cumpre os ónus impostos por este preceito legal, indicando não só os pontos da matéria de facto impugnados, como a resposta que lhes haveria de ser dada, os concretos meios de prova que sustentam cada um destes factos e ainda, as passagens da gravação em que se funda para ver alteradas as respostas a estes pontos da matéria de facto, de forma perfeitamente perceptível, indicando as passagens da gravação.

Alegando a recorrida que a convicção do tribunal de primeira instância não pode ser impugnada em sede de recurso, cumpre definir os limites de reapreciação por este tribunal do recurso incidente sobre a matéria de facto.

Conforme decorre do disposto no nº2, al. b) do artº 640 do C.P.C., este tribunal não está limitado na sua reapreciação aos meios de prova indicados concretamente pelo recorrente, incumbindo-lhe mesmo oficiosamente apreciar toda a prova produzida. Pretende-se garantir um efectivo duplo grau de jurisdição de forma a que este tribunal em sede de recurso, forme a sua própria convicção, podendo inclusive alterar, mesmo oficiosamente, a matéria de facto, nas condições permitidas pelo artº 662 do C.P.C.

No entanto, este duplo grau de jurisdição, tem de ser enquadrado com o princípio da livre apreciação da prova e da mediação e da oralidade, já não possíveis em segunda instância. Há que não olvidar que como salienta TEIXEIRA DE SOUSA[6], “Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”. Neste caso, em relação a factos para cuja prova não seja exigida formalidade especial, não estejam provados por documentos ou por acordo ou confissão das partes (cfr. artº 607 nº5 do C.P.C.), e hajam sido objecto de prova testemunhal ou prova por declarações de parte, em caso de “dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade[7], de que este tribunal já não beneficia.

Nesta medida, impõe-se ao Tribunal da Relação a alteração da matéria de facto quando concluir, em face dos elementos de prova prestados, que estes não suportam e, aliás, “apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.”[8]

Deste princípio da livre apreciação da prova, se excepcionam, cfr. o disposto no nº5 do artº 607 do C.P.C., os constantes de documentos com força probatória plena (quanto aos factos abrangidos nos termos do disposto no artº 371 do C.C.), os resultantes de confissão judicial e os resultantes de documentos que pesem embora sem força probatória plena, sendo apresentados pelo declaratário contra o declarante, não tenham sido impugnados nos termos previstos no artº 376 do C.C., sendo certo que neste caso, os factos compreendidos na declaração, consideram-se plenamente provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante (sem prejuízo da indivisibilidade da confissão).

No que se reporta à prova testemunhal, o tribunal é plenamente livre de apreciar os depoimentos e valorar a credibilidade das testemunhas, tendo por base “a valoração estimada das declarações da testemunha”, com apoio em múltiplos factores “atinentes às características do evento, da testemunha, do comportamento desta e do teor das suas declarações.”[9], devendo o julgador verificar a razão de ciência da testemunha, a parcialidade ou imparcialidade desta mesma testemunha (devido a relações de amizade, trabalho, parentesco ou outras que possam afectar o seu depoimento) e a coerência do seu depoimento, inclusive por contraponto a outros meios de prova (nomeadamente documentos) ou a factos que estejam já assentes.

Volvendo à impugnação da matéria de facto, vem o recorrente impugnar os artigos 20 a 25, 34, 35 e 39, que se reportam às declarações apostas no questionário médico e na proposta de seguro que deu origem às apólices em causa, considerando que não foi feita prova pela “Recorrida que as declarações juntas aos autos, nomeadamente as respostas assinaladas com x, tenham sido preenchidas pelo Recorrente, nem que as condições gerais e especiais gerais da apólice lhe tenham sido comunicadas e explicadas.” e que do doc. por si junto (doc. 17) foi feita prova de que foi o mediador que preencheu estes documentos, o que foi confirmado pela testemunha BB, companheira do recorrente.

Em relação a estes pontos, o tribunal indicou como base da sua convicção que “os factos relativos à celebração dos contratos de empréstimo à habitação e de seguros (factos 1 a 25 e 33 a 39) mostram-se assentes em face do acordo das partes quanto à sua verificação e teor, de harmonia com o artigo 574º, nº 2 do CPC, mas também com base em prova documental junta aos autos, nomeadamente cópias da escritura pública de mútuo com hipoteca, das propostas de seguro e das condições gerais, especiais e particulares das apólices juntas aos autos, cujo valor probatório se deve ter por inquestionável face ao disposto nos artigos 369º, 380º, 371º e 387º do Código Civil.”.

No caso em apreço, sendo certo que estamos perante um seguro do ramo vida a que o A. terá aderido, mediante a subscrição do formulário de adesão, aplicava-se à data desta subscrição o disposto no D.L. 72/2008 de 16 de Abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro, doravante RJCS).

O referido Decreto-Lei (rectificado pelas Declarações de Rectificação nºs 32-A/2008 de 13/06 e 39/2008 de 23/07) entrou em vigor em 01/01/09, revogando expressamente entre outras normas os artºs 425 a 462 do C.Comercial e os artºs 1 a 5 e 8 a 25 do D.L. 176/95 de 26/07.

No que se reporta ao dever de informação nos contratos de seguro de vida, resulta do disposto no artº 183 o dever de prestação pela seguradora de um conjunto de informações sobre o contrato, previstas no nº2 deste preceito e nos artºs 18 a 21.

Por sua vez, do artº 21 do RJCS decorre que:

1 - As informações referidas nos artigos anteriores devem ser prestadas de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular.

2 - As autoridades de supervisão competentes podem fixar, por regulamento, regras quanto ao suporte das informações a prestar ao tomador do seguro.

3 - No contrato de seguro à distância, o modo de prestação de informações rege-se pela legislação sobre comercialização de contratos financeiros celebrados à distância.

4 - Nas situações previstas no n.º 2 do artigo 36.º, as informações a que se refere o n.º 1 podem ser prestadas noutro idioma.

5 - A proposta de seguro deve conter uma menção comprovativa de que as informações que o segurador tem de prestar foram dadas a conhecer ao tomador do seguro antes de este se vincular.”

Por último, no que se reporta à declaração inicial de risco, resulta do artº 24 nº 4 que “O segurador, antes da celebração do contrato, deve esclarecer o eventual tomador do seguro ou o segurado acerca do dever referido no n.º 1, bem como do regime do seu incumprimento, sob pena de incorrer em responsabilidade civil, nos termos gerais.”

Estão estas normas conformes ao que dispõe o art. 5º do Dec-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, impondo-se o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais (nº3)[10]. Acrescenta o art. 6º, quanto ao dever de informação, que “o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique” (nº 1) e “devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados” (nº2), sendo que nos termos do art. 8º nº 1 al. a) devem considerar-se excluídas dos contratos singulares as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5º. Visa-se, neste diploma, a protecção do aderente, considerado a parte mais fraca pela sua adesão a clausulas não negociadas nem previamente discutidas.[11]

Ora, se é à Seguradora que cabe o ónus de prova de que forneceu as informações referentes às condições do seguro e ao dever do segurado de declarar todas as circunstâncias relevantes para a aferição doe risco, à pessoa segura/aderente cabe o ónus de alegação dos factos integradores da violação desse dever de informação, só nesse caso se impondo o ónus de prova da prestação destas informações pelo vinculado à obrigação[12].

A este respeito alegou o A. na sua p.i. que “A R. invoca para sustentar a sua posição o Art 6º da Declaração Inicial do Risco das Condições Gerais da Apólice, o qual não foi comunicado e explicado ao A., nomeadamente, quais os factos e circunstâncias que eram significativas para apreciação do risco, em que medida tal declaração podia afectar os direitos do A.”

Assim, a violação do dever de informação que aqui é imputada à R. incide sobre o artº 6 da Declaração Inicial do Risco das Condições Gerais da Apólice, nomeadamente sobre os factos e circunstâncias que eram significativos para a apreciação do risco por parte da R., ou seja, alega o segurado o incumprimento pela Seguradora do dever de informação imposto pelo artº 24, nº4 do RJCS.

Não alegou em momento algum o A. que não lhe tenham sido comunicadas as demais condições gerais e especiais em momento prévio à celebração deste contrato de seguro, que tenha solicitado informações complementares sobre determinadas clausulas que não lhe tenham sido satisfeitas, mas apenas que lhe não foi explicado quais os factos e circunstâncias significativos para a apreciação do risco pela R. e qual a influência desta declaração nos direitos do A.

Ora, no caso em apreço, o A. subscreveu uma declaração constante da proposta de seguro, datada de 02/12/2020, da qual resulta que reconhece que “lhe foram fornecidas todas as informações pré-contratuais legalmente exigíveis quanto às condições do presente seguro, as quais constam das Condições Gerais e Especiais da Apólice que lhe foram entregues …”, em concordância aliás com o que dispõe o artº 21, nº5 do RJCS. Se tal declaração por si só, não constitui prova plena do conhecimento efectivo das condições gerais e especiais do contrato e, nomeadamente que a Seguradora cumpriu o dever de informação imposto pelo artº 24, nº4 do RJCS, terá de ter pelo menos a virtualidade de inverter o ónus de prova dos factos que são contrários a esta declaração[13], cabendo então ao apelante alegar e provar que, pese embora a declaração genérica por si prestada, cláusulas existiram que lhe não foram comunicadas, ou explicado o seu concreto sentido[14], nem informado previamente do dever de prestar todas as informações relevantes para a aferição do risco pela seguradora.

Ocorre que não só não foi feita a prova de que não foi prestada informação sobre o conteúdo desta clausula (reproduzida nas condições gerais e especiais e nas próprias declarações contantes da Proposta), que corresponde no essencial ao disposto no artº 24 do RJCS, como a clausula em apreço é de fácil apreensão pelo destinatário, sendo certo que dela decorre que a pessoa segura está obrigada “antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheçam e razoavelmente devam ter por significativas para a apreciação do risco pelo Segurador”, nomeadamente as referentes ao seu estado de saúde, que é consabidamente para qualquer destinatário médio, uma circunstância significativa para a avaliação do risco coberto num contrato de seguro de vida.

Acresce que a celebração do seguro foi precedida de questionário médico, nos termos previstos no artº 177, nº1 do RJCS, dele constando de forma clara e concisa as informações que a seguradora entendia por pertinentes para a avaliação do risco, não alegando o segurado que não tenha percebido qualquer das perguntas ou que tenha solicitado informações não respondidas. Em causa não está sequer a omissão de informações pertinentes para a aferição do risco, mas antes a prestação de falsas declarações no questionário médico – tendo sido negado no quadro 4 do questionário médico que sofresse de diabetes, colesterol elevado e hipertensão arterial - sendo de fácil apreensão as consequências da prestação dolosa de falsas declarações, que resultam aliás expressas no artº 25 do RJCS e na aludida clausula 6ª.

Como é também de fácil apreensão o dever de preenchimento e de preenchimento com veracidade do questionário médico que precedeu a celebração deste seguro.

Acresce que, conforme resulta do artº 6 nº2 do D.L. 446/85, diploma aqui invocado pelo recorrente, cabe ainda à pessoa segura o dever de solicitar esclarecimentos complementares, em caso de dúvida sobre o sentido de uma cláusula, o que o recorrente nunca intentou, apesar dos anos (dois) decorridos desde a sua celebração.

Por último, o A. declarou naquela Proposta ter lido e respondido ao questionário médico e essa é uma declaração confessória, desfavorável ao recorrente e prestada à entidade que emite a Proposta, ora R., tal como resulta expressamente do disposto no artº 376 do C.C.

Alega ainda o A. que, por referência ao ponto 32, não ficou demonstrado que à data da celebração dos seguros sofria das aludidas patologias, referindo-se a uma declaração da Dra. CC, datada de 18/01/2023, onde esta atesta que o recorrente em 2020 era saudável, não padecendo de qualquer patologia crónica. A irrelevância deste atestado decorre do depoimento da sua emitente, aqui testemunha, que explicou que, vindo o A. raramente à consulta e sendo seguido em clínica particular, não havia registo destas doenças de que padecia, conforme resulta dos docs. 9 e 10 juntos com a p.i., do doc. 6 junto com a contestação e dos depoimentos dos Drs. EE e DD.

Nesta medida improcede a impugnação destes concretos pontos de facto (pontos 21 a 25, 34, 35 e 39).

Por último, no que se reporta ao ponto 40, o dever de prestar informações verídicas sobre o risco a segurar, elemento essencial deste seguro, resulta ainda das regras da boa-fé na celebração dos contratos (227 do C.C.), do disposto no artº 24 do RJCS, das clausulas contratuais (nomeadamente a do artº 6 acima referido), dos termos do próprio questionário médico, sendo certo que conforme refere a decisão sob recurso “qualquer homem de mediana instrução, colocado na posição do A., não podia desconhecer o âmbito das coberturas da apólice que subscrevia e a relevância das informações respeitantes ao seu estado clínico, havendo de concluir-se que o A. atuou com dolo, conformando-se com as consequências advenientes das suas omissões.”

As perguntas colocadas neste questionário médico não eram nem ambíguas, nem vagas, sendo o A. recorrente expressamente inquirido sobre a existência destas patologias de que na realidade sofria à data, bem sabendo do dever de responder e com veracidade ao questionário médico que se destina precisamente a avaliar o risco que a seguradora assume na celebração deste seguro.

O teor do ponto 42, resultou do depoimento do Dr. DD, credível, tendo em conta os seus conhecimentos, o risco que se pretendia cobrir e a natureza das doenças em causa, diabetes mellitus, hipertensão arterial e dislipedemia (colesterol elevado), doenças graves e que podem conduzir a situações de morte ou invalidez, com notória influência no risco seguro, razão da sua inclusão neste questionário.

Improcede também a impugnação destes pontos de facto e, em consequência, improcede a impugnação dos pontos de facto não provados na alínea B, sendo certo que no que se reporta à efectiva incapacidade de o A. exercer as suas funções na firma de que é gerente, decorreu a não prova deste facto das declarações do próprio médico que o acompanha, Dr. EE, ao referir que as actividades de natureza mais intelectual, podem ser compatíveis com o seu estado de saúde.


***

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 Insurge-se o A. recorrente quanto à decisão proferida pelo tribunal recorrido, invocando o desconhecimento do teor da clausula 6ª da Declaração Inicial do Risco do seguro a que aderiu, clausula de que não foi informado, invocando ainda que não se demonstrou que tenha actuado com dolo e, por outro lado, está impedido de trabalhar pelo que se justifica a cobertura deste seguro.

            Decidindo

A improcedência do recurso da matéria de facto, determina a improcedência da apelação. Com efeito, como assinala Nuno Reis[15]Antes da celebração de um contrato, a seguradora deve aferir o risco que está prestes a assumir contratualmente. É assim uma vez que a seguradora deve calcular o prémio adequado ao risco assumido e assim evitar os perigos inerentes à selecção adversa. Considerando que a não prestação de informações incorrectas coloca em crise a própria aleatoriedade típica do contrato de seguro e que é na esfera do próprio tomador que serão encontrados os factores necessários à aferição daquele risco, diz-se que o contrato de seguro é um contrato em que a regra de comportamento de acordo com a boa fé deve ser entendida com grande exigência (princípio da uberrima bona fides ou da utmost good faith).” (…) Por outro lado, a violação dos deveres de informação conduz à aplicação de um regime distinto daquele previsto para os vícios da vontade negocial: os elementos dos tipos objectivos são distintos e verifica-se a circunstância particular de a parte tutelada pelos deveres de informação não ser a parte mais fraca na relação pré-contratual.”

Resultando a aposição nestes contratos de clausulas pré-determinadas, sem negociação de qualquer das suas clausulas, são impostos deveres de comunicação e esclarecimento, que decorriam já do disposto no artº 5 e 6 do D.L. 446/85 e do princípio da boa fé contratual constante do artº 227 do CC. e que resultam do regime especial vertido nos artºs 18, 21, 24 e 183 do D.L. 72/2008 de 23/10, quer à seguradora - de comunicar e esclarecer todas as clausulas do contrato ao segurado, de prestar informações verídicas para aferição do risco, o significado e importância desta declaração inicial do risco e as consequências que podem resultar da inobservância deste dever - quer ao próprio segurado, nomeadamente o de prestar informações verídicas com vista à aferição do risco a cobrir.

Informações sobre o risco que, nos seguros de vida, são prestadas em resposta a questionários médicos, acompanhados ou não da celebração de exames médicos (artº 177 e 178 do RJCS).

No caso dos autos, resultou que o A. tomou conhecimento das condições gerais e especiais deste seguro de celebrado com a R., sendo certo que, conforme se refere no Ac. do STJ de 13/09/16 (proc. nº 1262/14.1T8VCT-B.G1.S1) “as exigências especiais da promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente comunicação, que oneram o predisponente, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação – com intensidade e grau dependentes da importância do contrato, da extensão e da complexidade (maior ou menor) das cláusulas e do nível de instrução ou conhecimento daquele –, de quem se espera um comportamento leal e correcto, nomeadamente pedindo esclarecimentos, depois de materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.”

Já no que se reporta ao cumprimento dos deveres de informação impostos ao segurado resultou da prova produzida que este incumpriu estes deveres e incumpriu dolosamente, prestando falsas declarações no questionário médico que lhe foi apresentado, conforme permitido pelos artºs 176 e 177 do RJCS.

Como resulta do já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02/11/2017, “No âmbito do seguro do ramo vida releva a existência de inquéritos clínicos, que acompanham a proposta, assumindo-se estes como um instrumento para a seguradora alicerçar a decisão de contratar e proceder à avaliação concreta do risco que assume, daí o dever que assiste ao segurado de prestar declarações verdadeiras e exactas.”, preenchendo o questionário clínico que utilizaria como elemento para declaração dos factos relevantes para a ponderação do risco, com verdade e lealdade, a qual deve ser aferida em concreto tendo em conta a natureza do seguro em causa.

Tendo o A. recorrente preenchido este questionário, apondo uma cruz no campo 4 destinado a averiguar da existência de diabetes, hipertensão arterial e dislipidemia, de que comprovadamente padecia à data, negando ainda estar medicado e referindo realizar exames normais, está demonstrado que incorreu em falsas declarações de forma intencional e dolosa[16], sujeitando-se assim às consequências previstas na clausula 25, nº1 do RJCS, que determina que “Em caso de incumprimento doloso do dever referido no n.º 1 do artigo anterior, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro.

Provando-se que a seguradora não teria celebrado este seguro tendo em conta as patologias de que sofria o segurado, não se pode sequer considerar que é desproporcionada a sanção que resulta deste preceito, face às doenças de que o sinistrado padecia.

Improcede assim a apelação.


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DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em considerar improcedente o recurso interposto da sentença proferida nos autos, confirmando-a na íntegra.
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Custas pelo apelante, por ter decaído no recurso (artº 527 do C.P.C.).


Coimbra 14/01/25


[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07.
[4] Ac. STJ. de 03.03.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S
[5] Ac. do STJ de 16/12/20, de que foi Relator Bernardo Domingos, proferido na Revista nº 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[6] TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Editora Lex, 1997, pág. 347.
[7] GERALDES, Ana Luísa, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, página 609.
[8] Ac. do TRG de 03/05/2018, proferido no proc. nº 276/11.8TBTMC.G1, de que foi relatora Eugénia Cunha, disponível in www.dgsi.pt
[9] SOUSA Luís Filipe Pires de, Prova Testemunhal, 2013, Almedina, pág. 282.
[10] Defendendo a sua aplicação aos contratos de seguro, “para além do seu regime jurídico próprio, a Lei das Cláusulas Contratuais Gerais (DL n.º 446/85, de 25 de outubro), encontrando-se a seguradora vinculada aos deveres de comunicação e de informação consagrados em tal regime”, vide o Acórdão do STJ de 15/05/2024, proferido na Revista nº 61/22.1T8CPV.P1.S1, de que foi Relatora Maria Clara Sottomayor, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Conforme refere SILVA, Eva Sónia Moreira da, As Relações entre a responsabilidade pré-contratual por informações e os vícios da vontade (erro e dolo), Almedina, 2010, pág. 23. “O dever pré-contratual de informação é apenas um dos deveres que podem surgir no âmbito de negociações para a conclusão de um contrato. Sabemos que as partes que se encontram em negociações podem ver surgir na sua esfera jurídica, por força do princípio da boa-fé, o dever de informar a contra parte relativamente a circunstâncias atinentes ao contrato que esta desconhece”.
[12] Neste sentido, vide os Acórdãos do STJ de 24/06/10, proferido na Revista nº 5611/03.0TVLSB.L1.S1, de que foi relator Bettencourt de Faria; de 28.9.2017, proferido na Revista nº 580/13.0TNLSB.L1.S1, de que foi Relator Tomé Gomes; de 02/11/2017, proferido na Revista nº 620/09.8TBCNT.C1.S1, de que foi Relatora Isabel Pereira, todos disponíveis em www.dgsi.pt

[13] Neste sentido PINTO MONTEIRO, Manuel, “Banca e Cláusulas Contratuais Gerais”, Colectânea I Congresso de Direito Bancário – Coord. Pestana Vasconcelos, pág. 105, referindo que “… uma declaração dessas, por si só, pode não chegar como meio de prova de que os deveres de informação a que o banco está adstrito foram adequadamente cumpridos. Mas também não pode ficar-se indiferente a ela como se não existisse. Temos  entendido a este respeito, que essa declaração inverte, em princípio, o ónus da prova: terá de ser o cliente (…),a ter de vir a provar o contrário do que afirma nessa declaração.
É o princípio da auto-responsabilidade que aconselha esta solução
”. A este respeito, vide ainda GUIMARÃES, Maria Raquel , “As cláusulas contratuais gerais bancárias na Jurisprudência recente dos Tribunais Superiores” - Colectânea II Congresso de Direito Bancário, Coord. Pestana Vasconcelos, pág. 203. Ainda sobre o dever de informação nos seguros (de grupo), REIS, Nuno Trigo dos, O Dever de Informação no Contrato de Seguro de Grupo, Almedina 2007, a págs. 42, refere que “a violação de deveres de informação pré-contratuais representa uma dassituações mais constelações típicas da culpa in contrahendo (art. 227.º do Cód. Civil).Entre os casos que nos interessam, conta-se, desde logo, a produção de asserções sobre factos (naturais ou jurídicos) susceptíveis de induzir em erro a outra parte no processo negocial”.
[14] Em Acórdão de 24-03-2011, proferido no processo 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1, de que foi Relator Granja da Fonseca, defendeu-se que “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (art. 5.º, n.º 3). Deste modo, o utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais deve provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar (cf. art. 342.º, n.º 1, CC), sendo que, caso esta exigência de comunicação não seja cumprida, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas do contrato singular (art. 8.º, al. a)) (…) surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (art. 6º, n.º 1) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (art. 6.º, n.º 2). (…) O cumprimento desse dever prova-se através de indícios exteriores variáveis, consoante as circunstâncias. Assim perante actos correntes e em face de aderentes dotados de instrução básica, a presença de formulários assinados pressupõe que eles os entenderam; caberá, então, a estes demonstrar quais os óbices.” A mesma conclusão é de retirar quando o próprio aderente declare terem sido comunicadas e ter compreendido estas clausulas.
[15] Ob. cit., pág. 58.
[16] Aqui aferido no sentido dolo-culpa, conforme refere MARTINEZ, Pedro Romano, Lei do Contrato de Seguro Anotado, Almedina, 2011, pág. 61.