Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
227/18.9JAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ROSA PINTO
Descritores: CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PENA A CONSIDERAR PARA EFEITOS DE REINCIDÊNCIA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Data do Acordão: 09/11/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL RECORRIDO: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA - JUIZ 4
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DE UM ARGUIDO E NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS DOS DEMAIS
Legislação Nacional: ARTIGO 21.º DO D.L. N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO
ARTIGOS 75.º E 76.º DO CÓDIGO PENAL
ARTIGO 410.º, N.º 2, ALÍNEA A), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de empreendimento, já que os actos que noutros casos seriam classificados como de tentativa são aqui tidos como actos de consumação do próprio crime, mas também é um crime exaurido, uma vez que, após a realização da conduta típica que já integra a consumação, pode haver a produção do resultado que ainda interessa à valoração típica porque ligado aos bens jurídicos protegidos pelo tipo.
II - Ao apelidar o crime de tráfico de estupefacientes como um crime de trato sucessivo visa-se realçar a vertente de pluralidade de actos típicos, sucessivos, levados a cabo sob a mesma unidade resolutiva.

III - Fala-se em unidade resolutiva, e não de uma única resolução criminosa, pois o agente decidiu dedicar-se à actividade de tráfico de estupefacientes durante um determinado período de tempo, durante o qual praticou vários factos ilícitos, com preenchimento dos elementos típicos, quer objectivos quer subjectivos.

IV - A pena a considerar para efeitos de reincidência não é a pena única aplicada aos vários crimes em concurso, mas sim as penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes que integram o cúmulo jurídico.

V - Não constando da matéria julgada provada aquelas penas parcelares, verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porque dos factos julgados provados não constam todos os factos imprescindíveis para a decisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

       A – Relatório

1. Pela Comarca da Guarda (Juízo Central Cível e Criminal da Guarda - Juiz ...), foram submetidos a julgamento, em processo comum e com intervenção do tribunal colectivo, os arguidos

AA, …

BB, …

CC, …

DD, …

EE, …

FF, …

sob acusação do Ministério Público pelos seguintes crimes:

- o arguido AA, em autoria material e na forma consumada, como reincidente, por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1 e 24º, alínea h) do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A, I-C e II-A anexas àquele diploma, e artigo 75º do Código Penal; e também em autoria material e na forma consumada, por um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo 368º-A, nº1, alínea f), e nº3 do Código Penal;

- a arguida BB, em co-autoria material e na forma consumada, por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1 e 24º, alínea h) do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro por referência às tabelas I-A, I-C e II-A do mesmo diploma;

- a arguida DD, em co-autoria material e na forma consumada, por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1 e 24º, alínea h) do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro por referência às tabelas I-A, I-C e II-A;

- a arguida CC, em autoria material e na forma consumada, por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1 e 24º, alínea h) do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro por referência às tabelas I-A, I-C e II-A; e também por um crime de branqueamento, previsto e punido pelo artigo  368º-A, nºs 1, alínea f), 3 e 5 do Código Penal;

 - o arguido EE, em co-autoria material e na forma consumada, por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1 e 24º, alínea h), do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro por referência às tabelas I-A, I-C e II-A;

- o arguido FF, em co-autoria material e na forma consumada, por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos  21º, nº1 e 24º, alínea  h), do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro por referência às tabelas I-A, I-C e II-A.

2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferido acórdão, a 15.3.2024, decidindo-se:

“1 – Absolver os arguidos AA e CC da prática, em autoria material, de um crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368º-A, nº1 al. f) e nºs 3 e 5, que lhes foi imputado.

                  *

2 - Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, al. h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-A, I-C e II -A, anexa ao mesmo diploma legal, como reincidente, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.

                  *

3 – Condenar a arguida BB pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, al. h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-A, I-C e II -A, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão efetiva.

                 *

4 – Condenar a arguida CC pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, al. h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-A, I-C e II -A, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.

                  *

5 - Condenar a arguida DD pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, al. h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-A, I-C e II -A, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão efetiva.

                 *

6 - Condenar o arguido EE pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, al. h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-A, I-C e II -A, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão efetiva.

                 *

7 - Condenar o arguido FF pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º, n.º 1 e 24º, al. h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-A, I-C e II -A, anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) meses de prisão efetiva.

Vão ainda os arguidos condenados no pagamento das custas no processo, com a taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) UC´s”.

3. Inconformado com o douto acórdão, veio o arguido AA interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“…

VI- Dos documentos juntos considerados pelo douto Tribunal os quais em momento algum se referem ou a sua análise permitem estabelecer qualquer ligação ou infirmam qualquer imputação dos factos ao ora recorrente AA, antes respeitando aos restantes arguidos, são os seguintes …

VIII- Também com referência á prova pericial não pode o recorrente conformar-se que a mesma tenha servido para dar como provados factos que lhe foram imputados, uma vez que dizem respeito a produto estupefaciente apreendido na posse dos outros arguidos, sem qualquer outro meio de prova que estabeleça a sua ligação ao ora recorrente.

IX- Sustenta ainda o douto tribunal ainda que “importa ainda reter que foram efetuadas interceções das conversações telefónicas, legalmente autorizadas por despacho judicial, cujos autos de gravação e transcrição constam dos apensos I – Alvo 106141040, II – Alvo 106141050, III – Alvo 106142040 e IV – Apenso 108645040, cujo teor dos respetivos autos de transcrição se dá aqui por integralmente reproduzido.”

XII- Sendo certo que e o arguido ora recorrente o reconheceu que possuía telemóvel no interior no Estabelecimento Prisional, decorre da normalidade que usasse do mesmo para estabelecer contacto designadamente com a sua mãe, irmãs e á época companheira a arguida CC. E nas quais naturalmente por se encontrar numa camarata a conversa decorresse de forma vaga e que a mesma decorria sobre os telemóveis que como confessado vendia no estabelecimento Prisional, como ademais foi reconhecido pelas testemunhas, que os adquiriram e inclusive pelo GG.

XIII- Ainda que desconhecendo quais os factos dados como provados com base nas intercepções telefónicas pelo douto tribunal é certo que não se poderá considerar directamente provado um determinado facto, que não seja a mera existência e o conteúdo da própria conversação.

XIV- A decisão condenatória de forma genérica considera e dá provados factos sem qualquer concretização temporal, de quantidades, qualidades, adquirentes de produto estupefaciente, o seu valor, impossibilitando-se de apreciar da maior ou menor gravidade e bem assim como o arguido se defender.

XIX- Salvo o devido respeito pelo tribunal a quo, tais declarações da co-arguida não deveriam ter sido valoradas, nem tão pouco deveria ter sido considerada a sua credibilidade como o foi atento designadamente a animosidade expressa contra o ora recorrente bem como a parcialidade demonstrada e patente á luz das regras da experiência comum.

XXI- Mais se atenta e do mesmo se refere impugnando-se quanto ás declarações da coarguida DD que mantém relação amorosa com o co-arguido EE, ao qual foi apreendido produto estupefaciente.

XXVII-. Sempre se dirá, até por tudo quanto supra exposto que “Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência …

XXVIII- Este princípio tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

XXIX- Salvo o devido respeito, que é manifesto, afigura-se ao Recorrente, e por tudo quanto supra exposto, carecer de fundamento de facto e de direito que justifique, a condenação pelo crime de trafico de estupefacientes agravado.

XXXIV- Além do mais não pode o arguido ora recorrente conformar-se com a sua condenação como reincidente.

XXXV- In casu o douto Tribunal a quo fundou a convicção nos factos provados no ponto 37, alínea f) como suficientes para considerar a punição a título de reincidência aplicável.

XXXVI- Tais factos provados resultam tão só e unicamente do registo criminal do arguido, ora recorrente.

XXXVIII- A reincidência é admissível caso a acusação descreva os factos concretos dos quais se intui que o arguido não sentiu a advertência da condenação anterior. O que no entender do ora recorrente não foi feito.

XXXIX- Não foram apresentados em concreto, factos inerentes à personalidade do arguido e dos quais, se possa concluir, que o mesmo, não tenha interiorizado a advertência das condenações anteriores.

XLV- É entendimento do arguido, ora Recorrente que o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no Artigo 71.º do Código Penal, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na Sociedade.

…”.

4. Também o arguido EE, inconformado com o douto acórdão, veio interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“…

III – Não tomou o Tribunal a quo em consideração as declarações prestadas pela arguida DD, em 31/05/2019 perante a Polícia Judiciária, constante de fls. 75-79 dos autos, devendo tê-lo feito. …

IV – Tal esclarecimento é de importância fundamental, porquanto exclui completamente o aqui recorrente de qualquer contacto ou aliciamento à arguida DD para efeito de introdução de produto estupefaciente no E.P. .... Deveria, pois, com o devido respeito, igualmente ter sido objecto de valoração positiva por parte do Tribunal a quo.

V – Tais declarações são posteriormente reiteradas em sede de audiência e julgamento, constando de depoimento prestado em 08/01/2024, conforme passagens supra transcritas.

VI – Fica, assim, sem a necessária razão probatória a fundamentação dos factos provados nos pontos 7. a 9., nomeadamente no que concerne à actuação do aqui recorrente no sentido de convencer a arguida DD a introduzir produto estupefaciente no E.P. ....

VII – Destarte, tal factualidade não é corroborada por qualquer outro arguido ou testemunha ouvidos em sede de audiência e julgamento como, igualmente, inexistem nas conversações telefónicas gravadas e transcritas nos autos quaisquer referências ao recorrente, muito menos na qualidade de participante no esquema de introdução de produto estupefaciente no estabelecimento prisional.

XIII – Inexiste prova suficiente e bastante para que o Tribunal a quo desse como provados os pontos 16, 27, 28 e 29, dos Factos Provados. …

XV – Em sede de audiência e julgamento não foi produzida prova alguma, testemunhal ou documental, que permitisse concluir que o recorrente recebia doses de pólen de haxixe por parte do arguido AA e, assim, permitisse ao Tribunal a quo dar como provado o ponto 10. dos Factos Provados.

XVIII – Sem prescindir, mas no caso de se concluir que a factualidade dada como provada, e ora contestada, o foi correctamente, sempre se dirá que a pena aplicada ao recorrente, porquanto não pode ultrapassar a medida da culpa, peca por excessiva, …”.

5. O arguido FF, inconformado com o douto acórdão, veio igualmente interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“1. No que concerne ao erro na apreciação da matéria de facto, resulta da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, nomeadamente no ponto 23., …

2. Deu também como assente o douto Tribunal a quo como provado, o ponto 24., …

3. Atendendo ao acima transcrito, no que concerne às testemunhas arroladas, prova não se fez no sentido de se apurar, se efetivamente tal facto ocorreu.

6. Ora, da supra referida documentação junta aos autos não resulta qualquer evidência da prática, pelo Recorrente, do crime pelo qual foi condenado.

7. Por último, a formação da convicção do Tribunal a quo baseou-se no depoimento da arguida CC, tendo o douto Tribunal a quo dado credibilidade a tal depoimento, tendo referido no Acórdão recorrido que tal depoimento “(…) foi elucidativo quanto ao modo de execução dos factos e às circunstancias antecedentes e contemporâneas da sua realização.(…).”.

8. Ora, salvo o devido respeito pelo tribunal a quo, tais declarações do co-arguido não deveriam ter sido valoradas, nem tão pouco deveria ter sido considerada a sua credibilidade.

14. Da leitura das declarações da Arguida acima transcritas, resulta claramente que as mesmas mostram contradições, falta de clareza e rigor, conforme se pode constatar pela resposta da mesma de que não sabia em que dia terá o Arguido FF levado produto estupefaciente para o Estabelecimento Prisional.

19. Pelo que dúvidas deveriam restar ao douto Tribunal a quo no que concerne à conclusão, precipitada, em que incorreu, para dar como provada a factualidade assente em 23 e 24.

25. O Recorrente, com a devida vénia, considera que o Tribunal a quo não fez uma correta e cabal análise da matéria penal crê o Recorrente que a pena a ele aplicada, não é equilibrada, perante a gravidade do ilícito e responsabilidade do agente.

28. Tudo ponderado, cremos que uma pena no limite mínimo da pena aplicável seria mais adequada à culpa e exigências de prevenção, quer geral, quer especial, sendo ainda suficiente para se atingir os fins insertos nas normas incriminadoras, contribuindo para a ressocialização.

…”.

6. Inconformada com o douto acórdão, veio igualmente a arguida BB interpor recurso do mesmo, terminando a motivação com as seguintes conclusões:

“…

2. Na verdade, a conduta da Recorrente não se subsume neste ilícito tipo, mas antes no crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do mesmo diploma legal.

Senão veja-se,

3. A agravante qualificativa prevista no artigo 24º, al. h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro não é de aplicação automática …

4. Não se justifica, nomeadamente no que respeita à aqui Recorrente, que só assim agiu porque o seu filho assim solicitou.

8. Deverá assim a decisão ser convolada e com repercussão, substancial, na pena concreta a aplicar à Recorrente, designadamente um abaixamento da mesma, atenta a diferença nas molduras penais abstractas, entre o crime agravado p. e p. pela al. h) do artigo 24º e o crime de tráfico p.e p. pelo artigo 21.º, ambos do Decreto – Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.

9. Importa, ademais, atentar nas atenuantes que militam a favor da Recorrente, nomeadamente, que terá agido ante a insistência do seu filho; usufrui de estabilidade sócio-familiar e não tem antecedentes por este tipo de crime.

12. A recorrente discorda igualmente do facto de a respectiva pena ter sido efectiva.

…”.

7. O Ministério Público respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos, pugnando pela sua improcedência e manutenção integral do acórdão recorrido, …

8. Os recursos foram remetidos para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416º do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da sua improcedência e confirmação do acórdão recorrido, aderindo à contra-argumentação contida na resposta do Ministério Público junto da 1ª instância.

9. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo os arguidos respondido ao douto parecer.

10. Respeitando as formalidades aplicáveis, após o exame preliminar e depois de colhidos os vistos, o processo foi à conferência, face ao disposto no artigo 419º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

11. Dos trabalhos desta resultou a presente apreciação e decisão.

               *

       

         B - Fundamentação

 

2. No caso dos autos, face às conclusões apresentadas pelos recorrentes nos respectivos recursos, as questões a decidir são as seguintes:

Do recurso do arguido AA

- se os factos provados dos pontos 1 a 7, 9, 10, 14 a 20, 22 a 25, 33, 34 foram incorrectamente julgados;

- se o acórdão recorrido violou o princípio in dubio pro reo;

- se o arguido não deve ser condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado; quando muito, a ser condenado, seria pelo crime previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.1;

- se o arguido não deve ser condenado como reincidente;

- se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação no que respeita à medida da pena aplicada;

- se a pena aplicada é desproporcionada, devendo ser reduzida.

Do recurso do arguido EE

- se os factos provados dos pontos 7 a 10, 12, 14, 16, 27, 28 e 29 foram incorrectamente julgados;

- se o arguido deve ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes por que foi condenado;

- caso assim não se entenda, se a pena aplicada ao recorrente é excessiva, devendo ser reduzida para 5 anos de prisão e suspensa na sua execução.

    Do recurso do arguido FF

- se os factos provados dos pontos 23 e 24 foram incorrectamente julgados, devendo ser dados como não provados;

- se o acórdão recorrido violou o princípio in dubio pro reo;

- se a pena aplicada ao recorrente é excessiva, devendo ser reduzida para 5 anos de prisão e suspensa na sua execução.

Do recurso da arguida BB

- se a conduta da arguida se subsume no crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.1;

- se a pena aplicada à arguida deve ser reduzida para 4 anos, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova ou ao cumprimento de regras de conduta.

3. Para decidir das questões supra enunciadas, vejamos a factualidade e motivação do acórdão recorrido.

“FACTOS PROVADOS:

1- O arguido AA esteve estabelecimento prisional ... para cumprir pena de prisão, pelo menos, desde o dia 08 de outubro de 2018 a junho de 2019.

2- Após ingressar no referido estabelecimento prisional, o arguido AA decidiu começar a vender produto estupefaciente, designadamente, haxixe, heroína, MDMA e cocaína aos reclusos consumidores, contando com a ajuda dos restantes arguidos, num esquema por si traçado.

3- Apesar de proibido, o arguido AA possuía telemóvel no interior do estabelecimento prisional, através do qual contactava as arguidas BB e CC, sua namorada, com vista a dar-lhes instruções sobre a forma como deveriam atuar para lhes fazer chegar a droga ao interior da prisão, bem como para informar a arguida CC dos consumidores que lhe deviam dinheiro das vendas de droga para que aquela recebesse o dinheiro na sua conta bancária.

4- Inicialmente eram as arguidas BB e a arguida CC que, durante as visitas ao arguido AA, lhe entregavam estupefaciente, nomeadamente haxixe, que aquele posteriormente dividia e acondicionava na camarata e entregava aos reclusos consumidores, por si ou através de outros reclusos da sua confiança, mediante contrapartidas monetárias ou em troca de maços e onças de tabaco ou compras na cantina da prisão.

5- … em finais de 2018, o arguido AA sofreu castigos, ficando proibido de ter visitas, pelo que, por forma a continuar a vender estupefaciente aos reclusos, pediu à sua mãe – a arguida BB, que angariasse pessoas que aceitassem realizar visitas no E.P. e que lhe fizessem chegar estupefaciente através dos reclusos que recebiam essas mesmas visitas.

6- Em contrapartida, as pessoas que aceitassem entrar no esquema delineado pelo arguido AA recebiam dinheiro pela sua atuação.

7- Na concretização desse plano idealizado, o arguido AA aliciou o arguido EE, recluso consumidor e namorado da arguida DD a convencer esta a entregar-lhe estupefaciente durante as visitas que lhe fazia, fazendo-a depois chegar ao arguido AA.

8- O arguido EE conseguiu então convencer a arguida DD a aceitar tal tarefa, ficando acordado que seria contactada pela arguida BB para combinarem o local de entrega e a forma de atuação no interior do E.P.

9- De igual modo, o arguido AA contactou telefonicamente a arguida DD, convencendo-a a aceitar entregar droga ao arguido EE durante as visitas, pagando-lhe €200 euros por tal serviço.

11- Em concreto, no dia 24 de fevereiro de 2019, a arguida DD encontrou-se com a arguida BB, em ..., onde esta entregou àquela um embrulho contendo dois (2) pedaços de produto vegetal prensado, com o peso de 20,894 gramas, que sujeito a exame pericial revelou tratar-se de canábis (resina), correspondente a 56 doses individuais.

12- A arguida DD introduziu o produto no interior da vagina, e depois de passar a revista no E.P., dirigiu-se à casa-de-banho, retirou o estupefaciente do interior do corpo e colocou-a dentro do soutien para a entregar posteriormente ao arguido EE, durante a visita.

13- Porém, por estarem vários guardas prisionais junto à sala de espera dos visitantes, a arguida ficou com receio de ser surpreendida na posse do estupefaciente que guardava no corpo, tendo-a atirado para um vaso ali existente, tendo sido apreendida pelos guardas.

14- O referido estupefaciente destinava-se a ser entregue a final pelo arguido EE ao arguido AA.

15- No dia 13 de Fevereiro de 2019, cerca das 8:30 horas, no interior da camarata partilhada pelos arguidos AA e EE, entre outros, no âmbito de uma revista, o arguido EE guardava no interior do bolso do casaco que trajava, 0,937 gramas de um produto vegetal prensado que sujeito a exame pericial, revelou tratar-se de canábis (resina) correspondente a cerca de uma dose individual; 5 pedaços em pó, com o peso total de 0,286 gramas, que sujeito a exame pericial revelou tratar-se de heroína, correspondente a cerca de uma dose individual; e ainda 2 comprimidos de cor verde, com o peso de 0,605 gramas, que sujeito a exame pericial revelou tratar-se de MDMA, correspondente a uma dose individual.

16- Os referidos produtos, apesarem de estarem na posse do arguido EE, pertenciam ao arguido AA e destinava-se a ser vendidos aos reclusos consumidores.

17- Para recebimento das quantias em dinheiro dos consumidores, o arguido AA, com o conhecimento e assentimento da arguida CC, identificava o IBAN/NIB da conta bancária da arguida CC – NIB  ...23, sediada no banco Banco 1....

22- Após a apreensão de droga à arguida DD, o arguido AA e a arguida BB convenceram o arguido FF, a quem tratavam por puto, a fazer chegar estupefaciente, nomeadamente haxixe, ao arguido AA, entregando o estupefaciente durante as visitas semanais que fazia ao seu primo HH, que posteriormente a entregava ao arguido AA.

23- A arguida BB transportava o arguido FF até ao estabelecimento prisional ... e entregava-lhe o estupefaciente (haxixe) que aquele escondia no seu corpo, após o que, pelo menos numa ocasião, o entregou ao recluso HH que, posteriormente, entregou ao arguido AA.

24- Como contrapartida do seu trabalho, o arguido FF recebeu, pelo menos uma vez, a quantia de €30 euros, que lhe foi entregue pela arguida BB a mando do arguido AA.

25- A atividade de venda de droga por parte dos arguidos determinou que os mesmos alcançassem um lucro semanal não concretamente apurado.

26- E dessa forma, para melhor ocultarem a origem dos lucros pecuniários obtidos, o arguido AA indicava aos reclusos consumidores o NIB da conta bancária da arguida CC, e como a conivência desta, para que o pagamento da droga fosse feito através dos familiares dos consumidores.

37- O arguido AA já sofreu as seguintes condenações:

                 ***

38 - A arguida BB já sofreu as seguintes condenações:

                ***

39- A arguida DD já sofreu as seguintes condenações:

                ***

40- O arguido EE já sofreu as seguintes condenações:

                 ***

41- O arguido FF já sofreu as seguintes condenações:

               ***

                 *

                ***

FACTOS NÃO PROVADOS:

               ***

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Incidindo agora nas declarações prestadas pela arguida DD, a mesma começou por explicar as circunstâncias em que, no dia 24 de fevereiro de 2019, efetuou o transporte do produto estupefaciente apreendido para o estabelecimento prisional, nos termos em que resultaram provados. Assim, descreveu as circunstancias de modo, tempo e lugar em que, após receber uma chamada telefónica do arguido AA, se deslocou ao restaurante “A...”, em ..., local onde lhe foi entregue o estupefaciente que a arguida fez entrar no estabelecimento prisional ... oculto na vagina. Ademais, explicou a forma como, no transpôs a zona de receção de visitas, tendo-se dirigido à casa de banho para retirar o estupefaciente da vagina, sendo que, com receio de ser surpreendida, acabou por deitar o estupefaciente que lhe havia sido entregue no vaso de plantas aí existente, o qual veio depois a ser encontrado e apreendido pelos Guardas Prisionais.

A requerimento do Ministério Público e nos termos do disposto no art.º 357º, n.º1, al. b) do CPP, o Tribunal reproduziu as declarações da arguida DD prestadas, no dia 25.02.2019, em interrogatório de arguido, constantes do auto de fls. 86 a 88 dos autos de inquérito apensos nº 52/19...., nos termos constantes do respetivo despacho e assim registados em ata.

Neste particular, importa reter que do interrogatório da referida arguida DD resulta que a mesma “confirma na íntegra os factos que lhe são imputados. …

A clareza e concisão do aí afirmado é de molde a não deixar quaisquer dúvidas quanto à sua declaração. Tal facto, associado à demais prova produzida, designadamente ao auto de apreensão acima aludido, não deixa dúvidas quanto à sua ocorrência.

No que toca às declarações de coarguido, importa reter que as mesmas são valoráveis nos termos do estatuído no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Sendo certo que não existe qualquer restrição legal, no sentido de proibir a prova obtida desta forma, então a mesma é admissível, ao abrigo do artigo 125.º do Código de Processo Penal, para além de não ser proibida, por não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no artigo 126.º, sendo que a tal entendimento não obsta o facto de o arguido estar impedido de depor como testemunha (artigo 133.º/a), já que tal norma visa a proteção do próprio arguido, por poder prejudicar o seu direito de defesa, caso se visse obrigado a falar com a verdade.

As declarações do coarguido estão sujeitas ao artigo 127.º do Código de Processo Penal e, como tal, poderão por si só, formar a convicção do Tribunal no sentido da condenação de outro coarguido. Como refere Tiago Milheiro (Breve excurso pela prova na prática jurisprudencial nacional, Julgar 18, p. 35), “É certo que o crivo na apreciação da força probatória será mais apertado, mas se atendendo ao modo como depôs e a sua razão de ciência, o Tribunal ficar convencido de determinada factualidade, nada impede que a dê como provada (ou não provada) apenas com base nas declarações do coarguido”.

Aliás, em face do Ac. do TC 133/2010 de 18 de Maio de 2010 (DR-II Série, n.º 96), dúvidas não restam de que é constitucional a valoração de declarações de um coarguido em desfavor de outro que se remeteu ao silêncio, sendo que, todavia, tal valoração por parte do Tribunal só poderá ser feita se o arguido não se recusar a responder a perguntas do Defensor do coarguido incriminado, podendo contraditá-lo e apresentar prova que infirme aquelas declarações incriminatórias, como consta expressamente do artigo 345.º/4 do Código de Processo Penal.

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4. Cumpre agora apreciar e decidir.

A primeira questão a apreciar é a de saber se os factos provados dos pontos 1 a 7, 9, 10, 14 a 20, 22 a 25, 33, 34 foram incorrectamente julgados (questão do recurso do arguido AA).

Como se pode ler no Ac. do STJ de 12.3.2008, in www.dgsi.pt, “as declarações de co-arguido, sendo um meio de prova legal, cuja admissibilidade se inscreve no art. 125.º do CPP, podem e vem ser valoradas no processo.

Questão diversa é a da credibilidade desses depoimentos, mas essa análise só em concreto, e face às circunstâncias em que os mesmos são produzidos, pode ser realizada.

Por isso, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova, sem qualquer apoio na letra ou espírito da lei.

A admissibilidade como meio de prova do depoimento de co-arguido, em relação aos demais co-arguidos, não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação, mostrando-se adequada à prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal, nomeadamente no que toca à luta contra a criminalidade organizada.

É evidente que, tal como em relação ao depoimento da vítima, é preciso ser muito cauteloso no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do co-arguido, porque este pode ser impulsionado por razões aparentemente suspeitas, tal como o anseio de obter um trato policial ou judicial favorável, o ânimo de vingança, o ódio ou ressentimento, ou o interesse em auto-exculpar-se mediante a incriminação de outro ou outros acusados.

Por isso, para dissipar qualquer dessas suspeitas objectivas, é razoável que o co-arguido transmita algum dado externo que corrobore objectivamente a sua manifestação incriminatória, com o que deixará de ser uma imputação meramente verbal para se converter numa declaração objectivada e superadora de um eventual défice de credibilidade inicial. Não se trata de criar, à partida e em termos abstractos, uma exigência adicional ao depoimento do co-arguido quando este incrimine os restantes, antes de uma questão de fiabilidade.

A credibilidade do depoimento incriminatório do co-arguido está na razão directa da ausência de motivos de incredibilidade subjectiva, o que, na maioria dos casos, se reconduz à inexistência de motivos espúrios e à existência de uma auto-inculpação”.

Na verdade, os documentos não podem ser analisados isoladamente, mas sim em conjugação com a demais prova produzida, percepcionando a dinâmica dos acontecimentos.

No que respeita às intercepções telefónicas afirma o arguido que não são corroboradas por mais nenhum meio de prova.

Porém, não concretiza qualquer conversação, ficando este tribunal impedido de analisar se assim é.

Afirma o recorrente que “a decisão condenatória de forma genérica considera e dá provados factos sem qualquer concretização temporal, de quantidades, qualidades, adquirentes de produto estupefaciente, o seu valor, impossibilitando-se de apreciar da maior ou menor gravidade e bem assim como o arguido se defender”.

De qualquer forma, não identificando o recorrente quaisquer factos que possam ofender o seu direto de defesa, nada mais há a dizer.

A prova indicada pelo recorrente não impõe, de forma alguma, uma decisão diversa.

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Acresce que, relativamente à fixação da matéria de facto, o tribunal a quo foi quem beneficiou da imediação e oralidade na recolha da prova, sempre valiosas na formação da convicção do julgador.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010, proferido no processo nº 11/04.7 GCABT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt/jstj, “sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova”.

Por sua vez, o Ac. da RC de 28.1.2015, in www.dgsi.pt, refere que “o julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal de 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1.ª instância pura e simplesmente não tivesse existido”.

Também o Ac. da RE de 19.5.2015, in www.dgsi.pt, afirma que “o recurso da matéria de facto fundado em erro de julgamento não visa a realização, pelo tribunal ad quem, de um segundo julgamento, mas apenas a correção de erros clamorosos (evidentes e óbvios) na apreciação/aquisição da prova produzida em primeira instância. Se, perante determinada situação, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o Juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que opte por ela”.

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Passa-se agora a conhecer se o tribunal recorrido violou o princípio in dubio pro reo (questão do recurso do arguido AA).

Relacionado com o princípio in dubio pro reo, estipula o artigo 32º, nºs 1 e 2, da CRP que:

1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

É a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência que se impõe aos juízes ao longo de todo o processo e diz respeito ao próprio tratamento processual do arguido.

Por sua vez, o princípio in dubio pro reo é exclusivamente probatório e aplica-se quando o tribunal tem dúvidas razoáveis sobre a verdade de determinados factos – cfr. neste sentido o Ac. da RC de 12.8.2018, in www.dgsi.pt.

Assim, “o princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa” – cfr. Ac. do STJ de 12.3.2009, in dgsi.pt.

No mesmo sentido encontra-se o Ac. da RL de 14.2.2010, in www.dgsi.pt, segundo o qual “o princípio in dubio pro reo não é mais que uma regra de decisão: produzida a prova e efectuada a sua valoração, quando o resultado do processo probatório seja uma dúvida, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos, ou seja, subsistindo no espírito do julgador uma dúvida positiva e invencível sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável”.

Continua o mesmo aresto dizendo que “um non liquet sobre um facto da acusação recai materialmente sobre o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, pois que sobre o arguido não impende qualquer dever de colaboração na descoberta da verdade. O “in dubio pro reo” só vale para dúvidas insanáveis sobre a verificação ou não de factos (objectivos ou subjectivos) relevantes, quer para a determinação da responsabilidade do arguido, quer para a graduação da sua culpa. Não se trata, porém, de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio…” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio “in dubio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto”.

Revertendo ao caso concreto, o tribunal a quo deixou bem claro na motivação da decisão de facto, já supra referida, que não teve quaisquer dúvidas de que o arguido praticou os factos sub judice.

Assim, da motivação da decisão de facto do acórdão recorrido perpassa que o julgador convenceu-se firmemente da factualidade que deu como provada.

A dúvida relevante é a dúvida do julgador após produção da prova e não a dúvida do recorrente ou mesmo a dúvida que o recorrente entende que o tribunal deveria ter tido.

Da análise do acórdão recorrido, conclui-se que o julgador ficou firmemente convencido da matéria que deu como provada, não lhe restando qualquer dúvida sobre a mesma. Resulta do acórdão recorrido um estado de certeza e não de incerteza.

Acresce que não se vislumbra que o julgador não tivesse demonstrado dúvidas porque não quis ou porque não as quis considerar relevantes. Simplesmente, convenceu-se firmemente da matéria que deu como provada.

Assim sendo, não existe fundamento para o pretendido recurso ao princípio “in dubio pro reo”, ficando afastada a sua violação pelo tribunal recorrido.

Também neste particular não assiste razão ao recorrente.

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A próxima questão é a de saber se os factos provados dos pontos 7 a 10, 12, 14, 16, 27, 28 e 29 foram incorrectamente julgados (questão do recurso do arguido EE).

Com a epígrafe Reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido, estipula o artigo 357º, nº 1, do Código de Processo Penal, que a reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:

a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou

b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º

Ora, no que respeita às declarações prestadas perante a Polícia Judiciária, não tendo a arguida solicitado a reprodução ou leitura das mesmas, naturalmente que não poderiam ser valoradas pelo julgador (cfr. artigo 357º, nº 1 alíneas a) e b), do Código de Processo Penal).

Assim, neste ponto não assiste razão ao arguido.

Do que fica dito conclui-se que, do conjunto da prova produzida, a que foi analisada por esta Relação e a restante apreciada pelo tribunal a quo, tal como consta da motivação da decisão de facto, bem andou o julgador ao dar como provada a factualidade dos pontos 7 a 10, 12, 14, 16, 27, 28 e 29.

A prova indicada pelo recorrente não impõe, de forma alguma, uma decisão diversa.

Pelo exposto, improcede a pretensão do recorrente.

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Nos termos do artigo 345º, nº 4, do Código de Processo Penal, “não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2”.

Como se refere no Ac. da RG de 9.2.2009, in www.dgsi.pt, “O TC e o STJ já se pronunciaram no sentido de estar vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro, quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97, de 14-07-1997, DR II, de 27-11-1997, e do STJ de 25-02-1999, CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229).

E é exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo n.º 4 do art. 345.º do CPP quando proíbe a utilização, como meio de prova, das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo juiz ou jurados ou pelo presidente do tribunal a instâncias do Ministério Público, do advogado do assistente ou do defensor oficioso”.

No mesmo sentido veja-se o Ac. da RL de 9.3.2023, in www.dgsi.pt, onde se lê que “através do art. 345º do CPP o nosso legislador permite que, durante a audiência de julgamento, qualquer arguido se remeta ao silêncio quanto às perguntas sobre os factos.

Mas, caso um arguido opte, em qualquer momento da audiência, por prestar declarações quanto aos factos em prejuízo de outro coarguido (incriminando-o) e, depois, aquele se recuse (no exercício do direito ao silêncio) a responder a todas ou a alguma das perguntas formuladas a instâncias do outro coarguido (por ele incriminado), então, tais declarações não podem valer como meio de prova contra o outro coarguido incriminado por não ter havido o exercício do contraditório pleno(só podendo valer contra o próprio coarguido incriminador ao abrigo do direito deste à sua própria auto-incriminação)”.

É precisamente este o sentido do citado Ac. do TC.

No caso concreto, tanto a arguida CC como o arguido FF prestaram declarações.

A arguida CC incriminou o FF mas aquela não se recusou a responder às perguntas do defensor deste, como bem resulta das passagens das declarações da arguida CC vertidas na peça recursória.

Assim, inexiste qualquer impedimento de valorar tais declarações da arguida CC.

A prova indicada pelo recorrente não impõe, de forma alguma, uma decisão diversa.

Também neste caso, não se verifica que tenha sido cometido qualquer erro de julgamento na primeira instância, muito menos qualquer erro clamoroso, evidente e/ou óbvio, na apreciação dos factos impugnados.

Pelo contrário, a conclusão probatória a que o tribunal a quo chegou encontra-se correcta.

Pelo exposto, improcede a pretensão do recorrente.

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Próxima questão: se o acórdão recorrido violou o princípio in dubio pro reo (questão do recurso do arguido FF).

Improcedendo a impugnação da matéria de facto, concluindo-se pela inexistência de erro de julgamento e de carência de prova para os factos imputados ao recorrente, caem por terra os argumentos apresentados neste particular.

De qualquer forma, sempre se diz que o tribunal recorrido não ficou com dúvidas acerca da matéria que deu como provada.

Como disse na motivação da decisão de facto,  “não ficam quaisquer dúvidas de que a factualidade vertida no libelo acusatório corresponde à realidade, nos moldes assim concluídos, sendo absolutamente evidente, tendo em conta os diversos modus operandi”.

 Da motivação da decisão de facto do acórdão recorrido perpassa que o julgador convenceu-se firmemente da factualidade que deu como provada.

Como se disse supra, a dúvida relevante é a dúvida do julgador após produção da prova e não a dúvida do recorrente ou mesmo a dúvida que o recorrente entende que o tribunal deveria ter tido.

Da análise do acórdão recorrido, conclui-se que o julgador ficou firmemente convencido da matéria que deu como provada, não lhe restando qualquer dúvida sobre a mesma. Resulta do acórdão recorrido um estado de certeza e não de incerteza.

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No que respeita à determinação da medida concreta da pena, há que ter em conta, desde logo, o que dispõe o artigo 40º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

Nos termos do nº 1 deste artigo, a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Por um lado, visa-se a confirmação da validade e actualidade da norma incriminadora, e da consequente tutela da confiança da comunidade na sua vigência, restabelecendo-se a paz jurídica que fora abalada pelo crime. Fala-se a este respeito de prevenção geral positiva ou prevenção geral de integração.

Por outro lado, visa-se a socialização do condenado, que se cumpre, naturalmente, na fase de execução da pena. Fala-se então de prevenção especial positiva.

Assim, a escolha da pena e a determinação da respectiva medida concreta são questões que devem ser resolvidas à luz das referidas finalidades.

No entanto, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, nos termos do nº 2 do artigo 40º do mesmo diploma legal.

A culpa surge, assim, como um limite inultrapassável da actuação punitiva do Estado, em nome da dignidade do indivíduo.

Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental.

Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121) e é citado no Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt:

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais”.

Como se refere no mesmo aresto, “o ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal. As penas como instrumentos de prevenção geral são instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar”.

Por outro lado, como ensina igualmente Figueiredo Dias, “a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais” – cfr. obra supra citada, 118.

Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena.

“A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (cfr. obra e aresto supra citados).

“O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Ensina o mesmo Ilustre Professor, in As Consequências Jurídicas do Crime, §55, que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’” – cfr. aresto supra citado.

Porém, “em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização” – cfr. Ac. do STJ de 14.10.2015, in www.dgsi.pt.

Também o artigo 71º, nº 1, do Código Penal estabelece que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que, na determinação concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) a intensidade do dolo ou da negligência;

c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime e

f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

“As circunstâncias e critérios do artigo 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente” – cfr. aresto supra citado.

A lei, ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, quer com isto dizer que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta – cfr. neste sentido Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.

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Discorda-se, porém, que a ausência de arrependimento possa pesar contra o recorrente.

Relembra-se que os arguidos não são obrigados a confessar os factos, a demonstrar arrependimento, nem mesmo a prestar declarações, não podendo ser prejudicados pela ausência de arrependimento.

A mencionada ausência de arrependimento sincero, que não consta do elenco da factualidade, provada ou não provada, traduz apenas a ausência de uma circunstância atenuante e nada mais.

Relevante é apurar, pela positiva, se houve arrependimento e não que o não houve. A inexistência de arrependimento é um facto inócuo, que não pode ser valorado em desfavor do arguido – cfr. neste sentido o Ac. da RE de 14.1.2014, in www.dgsi.pt.

Estamos, de facto, perante uma culpa elevada, face a um dolo directo e, por isso, intenso.

O grau de ilicitude revela-se igualmente elevado, mormente face ao rebuscado modus operandi levado a cabo pelo arguido e que a droga se destinava à venda por um número indeterminado de reclusos.

 No que respeita à prevenção geral, o tráfico de estupefacientes, que prolifera cada vez mais, é um crime de consequências nefastas e gravíssimas para a sociedade, mesmo não se tratando de drogas duras.

O perigo que o consumo de estupefacientes representa para a saúde pública e para a vida das pessoas, o alarme social e insegurança que gera, por estar normalmente associado à prática de outros ilícitos criminais, mormente contra o património, e o sentimento de repulsa que a sua prática provoca na comunidade, que anseia pela sua erradicação, atira as necessidades de prevenção geral para patamares muito elevados.

Principalmente quando está em causa o tráfico de produtos estupefacientes dentro do estabelecimento prisional, o qual atenta directamente contra a saúde física e moral, o bem-estar e a reinserção social dos indivíduos ali recluídos, e que merece protecção acrescida, dada a especial vulnerabilidade em que os mesmos se encontram.

Cumpre evitar a lesão dos referidos bens jurídicos, particularmente caros à sociedade, impondo-se uma reacção musculada do aparelho judiciário tendo em vista reprimir este tipo de ilícito e, assim, evitar um clima de impunidade que induza à sua proliferação.

Face à violação das aludidas normas jurídicas, impõe-se uma resposta punitiva firme, o reforço da consciência jurídica comunitária, a necessidade de restabelecer a confiança na validade das normas violadas; isto é, a estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência das normas infringidas.

Face ao registo criminal do arguido, dúvidas inexistem de que são igualmente muito elevadas as necessidades de prevenção especial.

O arguido manifesta uma clara propensão para a prática de crimes, revelando uma profunda indiferença por diversos bens jurídicos (nomeadamente pelo património alheio) e pelas anteriores condenações, o que atira, sem dúvida, as exigências de prevenção especial para patamares muito elevados.

É impressionante o registo criminal do arguido sendo ele tão jovem.

Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva), mas também a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).

Prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, mas também negativa ou de intimidação. Assim, devem ser valorados todos os factores relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 243.

A ser assim, como se disse, as necessidades de prevenção especial situam-se num patamar muito elevado.

 

Não se vê como a idade do arguido (22 anos à data da prática dos factos), ou o facto de ter bom comportamento no EP onde agora se encontra ou mesmo as dificuldades que atravessou em virtude da sua dependência ou desintegração social, podem infirmar o que acaba de dizer-se.

Ponderando todos os factores, conclui-se que a pena aplicada de 5 anos e 9 meses de prisão, rente ao mínimo legal, não ultrapassa o limite da culpa do arguido, revelando-se justa, adequada e necessária.

 

Na sua fixação não se verifica qualquer desproporção. Pena inferior, como pretendido pelo arguido, revelar-se-ia manifestamente insuficiente face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

Como se refere no Ac. do STJ de 26.2.2020, in https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT, que cita o sumário do Acórdão de 01.04.98, do Supremo, in CJ. - AC. STJ - Ano VI - tomo 2- fls. 175, “as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o rigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”.

Acresce que “o tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada sem fundamento, com desvios aos citérios legalmente apontados” – cfr. Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsi.pt.

Como se pode ler igualmente no Ac. da RG de 5.3.2018, in www.dgsi.pt, “quanto aos limites de controlabilidade da determinação da pena em sede de recurso - entendemos ser de seguir o entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que é suscetível de revista a correção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de fatores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas a determinação do quantum exato de pena só pode ser objeto de alteração perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada”.

Também a Relação de Évora, no Ac. de 16.1.2019, in www.dgsi.pt, já afirmou que “o recurso visa sempre, e apenas, a reparação de erros de julgamento. Não é e não serve a continuação do julgamento. Adite-se que, também em matéria de pena, o recurso mantém o seu arquétipo de recurso-remédio. A Relação intervém na pena, alterando-a, apenas quando detecta incorrecções ou distorções no respectivo processo aplicativo, na interpretação e emprego das normas legais e constitucionais que regem em matéria de pena. Não procede como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de 1ª instância.

Com efeito, quer a doutrina mais representativa, quer o Supremo Tribunal de Justiça têm sufragado o entendimento de que a sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197)”.

Jurisprudência que se acompanha.

No caso concreto, conclui-se pelo acerto da decisão da 1ª instância, não se vislumbrando qualquer erro, incorrecção ou distorção no processo de determinação da pena aplicada, nem desrespeito por princípios aplicáveis ou violação de regras de experiência, nem mesmo qualquer desproporção na quantificação efectuada.

                Pelo que fica dito e em jeito de conclusão, a pena aplicada não ultrapassa os limites da culpa do arguido, como se disse, revelando-se necessária face às referidas exigências de prevenção geral e especial.

A ser assim, deve manter-se.

Improcede igualmente esta questão suscitada pelo recorrente.

             *

Pugna o arguido pela suspensão da execução da pena de prisão.

Vejamos.

Estipula o artigo 50º, nº 1, do Código Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

O nº 2 da mesma norma dispõe que “o tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”.

O nº 3 estipula que “os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente” e nos termos do nº 4 “a decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições”.

Por último, o nº 5 da mesma norma refere que “o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”.

São estes os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão. Um objectivo e formal (pena aplicada não superior a 5 anos de prisão) e outro material, que se traduz no juízo que o tribunal fará de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Como consta no Ac. da RC de 29.11.2017, in www.dgsi.pt, “os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão vêm enunciados no artigo 50º, nº 1, do Código Penal. O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos. O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir)”.

Ainda no mesmo aresto pode ler-se que “no entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável (à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição (artigo 50, nº 1 e 40º, nº1, do Código Penal), nomeadamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que «só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…».

“A suspensão da execução da pena de prisão é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos formais e materiais. Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido” – cfr. Ac. da RC de 3.10.2018, in www.dgsi.pt.

Voltando ao caso concreto, facilmente se conclui que o referido pressuposto formal não se encontra preenchido, já que a pena aplicada é superior a 5 anos de prisão.

             *

Improcedendo todas as questões suscitadas pelo recorrente FF, deve ser negado provimento ao recurso.

               *

Voltando ao recurso do arguido AA, passa-se a apreciar se este não deve ser condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, quando muito, a ser condenado, seria pelo crime previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.1.

Nos termos do artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 de 22.1. “quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

É o tipo base ou comum do crime de tráfico de estupefacientes, onde se encontram todos os comportamentos que o legislador considerou em si mesmos perigosos, uma vez que, “segundo as regras da experiência comum, são aptos a produzir efeitos altamente danosos na saúde e integridade física dos consumidores e da saúde pública em geral, além da criminalidade induzida pela necessidade de obter meios económicos para financiar a dependência que criam. O perigo que as condutas encerram constitui apenas a motivação do legislador para as incriminar, não se tornando necessário que no caso concreto tal perigo se materialize, já que não está previsto efeito concreto das acções tipificadas. Trata-se, portanto, de um crime de perigo comum, uma vez que o agente, ao praticar uma das condutas tipificadas, não domina a expansão do perigo criado, havendo o risco de atingir uma multiplicidade de bens jurídicos, que vão desde a vida e integridade física à liberdade de determinação e à própria saúde pública em geral. Protege diversos bens jurídicos, desde a vida e integridade física dos consumidores, à liberdade de determinação e à saúde pública em geral” – cfr. Ac. da RC de 22.5.2019, in www.dgsi.pt.

Analisando o crime de tráfico de estupefacientes sob várias perspectivas, pode afirmar-se que estamos perante um crime de empreendimento, já que os actos que noutros casos seriam classificados como de tentativa são aqui tidos como actos de consumação do próprio crime, como por exemplo o cultivo, a compra, a distribuição ou detenção de estupefacientes. Mas também é um crime exaurido, uma vez que, após a realização da conduta típica que já integra a consumação, ainda pode haver a produção do resultado que ainda interessa à valoração típica porque ligado aos bens jurídicos protegidos pelo tipo. Isto é, depois do cultivo, da compra, da distribuição ou detenção do estupefaciente, condutas típicas que conduzem à consumação do crime, ainda pode haver lugar à venda do estupefaciente.

Ao apelidar o crime de tráfico de estupefacientes como um crime de trato sucessivo visa-se realçar a vertente de pluralidade de actos típicos, sucessivos (podendo também na prática do crime existir uma pluralidade de actos simultâneos), levados a cabo sob a mesma unidade resolutiva.

Unidade resolutiva e não uma única resolução criminosa. Isso é, o agente terá decidido dedicar-se à actividade de tráfico de estupefacientes durante um determinado período de tempo, durante o qual praticou vários factos ilícitos, com preenchimento dos elementos típicos, quer objectivos quer subjectivos.

No acórdão da RE de 26.6.2012, in jusnet.pt, pode ler-se que “o crime de tráfico é um crime exaurido, excutido ou de empreendimento, consumando-se logo no primeiro acto de execução, ou seja, “com a realização inicial do iter criminis” (assim Vaz Patto, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Pinto de Albuquerque, José Branco, II, p. 487). Os subsequentes actos de tráfico serão execução ou continuação de um mesmo crime já iniciado logo no início da actividade. Assim, “é característica dos crimes exauridos a aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes actos múltiplos da mesma natureza, uma vez que essa previsão diz respeito a um conceito genérico e abstracto (...). Diversos actos que constituiriam infracções independentes e potencialmente autónomas são, assim, tratados como um único crime, uma única realidade criminal que absorve esses actos. A prática destes crimes decorre normalmente durante lapsos de tempo prolongados e só raramente configura um acto esporádico" (Vaz Patto, loc. cit., ainda com indicação extensa de jurisprudência sobre o crime excutido).

Segundo o Ac. da RC de 7.6.2016, in www.dgsi.pt, “o crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é o que vem sendo denominado de crime exaurido, ou seja, um crime que se consuma através da comissão de um primeiro ato de execução, que não corresponde a uma execução completa mas que se irá aperfeiçoando com a prática de novos factos, cada um integrando um hipotético novo crime do mesmo tipo matricial mas que é imputado à ação inicial”.

Nos termos do Ac. da RE de 6.1.2011, in www.jusnet.pt, “resulta doutrinaria e jurisprudencialmente pacífico que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido, configurando-se o mesmo como um crime em que ocorre equiparação típica de tentativa e consumação, ou seja, por outras palavras, um crime em que o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge por regra como realização inicial do "iter criminis", tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo. Esta natureza advém da circunstância de se tratar de um crime de perigo abstracto, em que se considera que a prática de quaisquer actos previstos na norma incriminadora já coloca em perigo o bem jurídico tutelado pela norma, ou seja, a saúde pública, nas suas complexas vertentes”.

Também a RG já afirmou, no seu Ac.  de 18.6.2012, in www.dgsi.pt, que “este crime tem vindo a ser qualificado como “crime exaurido”, “crime de empreendimento” ou “crime excutido" que se caracteriza como um ilícito penal que fica perfeito com o preenchimento de um único acto conducente ao resultado previsto no tipo”.

Continua o mesmo aresto afirmando que “o crime exaurido é "uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa", ou seja, "aquele em que o resultado típico se obtém logo pela realização inicial da conduta do agente"(Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/4/1996, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ACSTJ, Ano IV, tomo II, pág. 170; cf. ainda os Acórdãos do mesmo Tribunal de 18/6/98 e de 7/3/2001, obra citada, Anos VI, tomo III, pág. 169 e IX, tomo I, pág. 237.). Isto quer dizer que o "primeiro passo" dado pelo agente na senda do "iter criminis" já constitui o preenchimento do tipo, valendo os passos seguintes apenas para efeitos de determinação da medida concreta da pena a aplicar pela prática do crime.

Deste modo, a condenação do agente pela prática do crime de estupefacientes durante determinado período de tempo corresponde a uma apreciação global da sua actividade delituosa durante esse período, independentemente da falta de consideração de algum ou alguns factos parcelares praticados nessa época. O crime há-de, assim, considerar-se exaurido, esgotado, apenas quanto aos factos ocorridos dentro do período de tempo a que se reporta a condenação”.

Segundo o Ac. do STJ de 26.1.2005, consultável em www.pgdl.pt, “Os crimes exauridos, também chamados de 'empreendimento' ou 'excutidos', caracterizam-se por ficarem perfeitos com a comissão de um só acto gerador do resultado típico, mas admitem a aplicação unitária e unificadora da sua previsão aos diferentes actos múltiplos integrados num conceito genérico e abstracto, como o tráfico de droga, a falsificação de documentos, géneros alimentícios, etc.. Relativamente a tais crimes, os diversos actos constitutivos de independentes e potencialmente autónomas infracções podem, em certas circunstâncias, ser tratadas como um só delito, por forma que tais actos individuais fiquem consumidos e absorvidos numa só realidade criminal. O crime exaurido é uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução completa e em que a repetição dos actos, com produção de sucessivos resultados, é imputada a uma realização única”.

Também o Ac. do STJ de 12.7.2006, in www.dgsi.pt, refere que “o crime de tráfico de estupefacientes, concebido como crime de trato sucessivo, de execução permanente, comummente denominado de crime exaurido, fica perfeito com a comissão de um só acto, preenchendo-se com esse acto gerador o resultado típico. O conjunto das múltiplas acções unifica-se e é tratado como tal pela lei e jurisprudência. O crime exaurido é uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de corresponderem a uma execução completa do facto, e em que a imputação dos actos múltiplos e sequentes é imputada a uma realização única”.

Por último, uma referência a Ac. do STJ de 16.4.2009, consultável em www.pgdl.pt, nos termos do qual “A infracção do artigo 21.º do DL 15/93, de 22-01, constitui o que a doutrina tem apelidado de crime “exaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, em que o resultado típico se alcança logo com aquilo que surge, por regra, como realização inicial do iter criminis, tendo em conta um processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo”.

Por sua vez, estipula o artigo 24º, alínea h), do mesmo diploma legal que “as penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se a infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações”.

Como se lê no Ac. do STJ de 9.12.2021, in www.dgsi.pt, “o art. 24.º, n.º 1, al. h), do DL n.º 15/93, de 22-01, confere particular gravidade ao crime de tráfico de substâncias estupefaciente quando o mesmo é cometido em estabelecimento prisional, tipificando-se assim uma situação de facto que objectivamente potencia a perigosidade da acção e que é desligada do seu resultado, agravando num quarto os limites mínimo e máximo da pena prevista no art. 21.º.

Este agravamento do tráfico de estupefaciente cometido em estabelecimento prisional “(…) visa especificamente conferir proteção reforçada a um grupo determinado de pessoas, foi estabelecida precisamente para proteger a saúde e a reinserção social da população prisional, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, portanto alvo fácil da oferta, aquisição, guarda e consumo de estupefacientes e num ambiente fechado, onde, pela apertada vigilância exercida, os valores ou as vantagens dos traficantes facilmente se exponenciam. Acresce que a prisão é sempre uma estação de trânsito, onde se deve refletir e preparar o reingresso na vivência livre, responsável e socialmente útil para a comunidade das mulheres e homens fiéis ao direito. Plano de reinserção social que não pode tolerar com consumos de estupefacientes. Consequentemente, o tráfico de drogas em estabelecimento prisional porque confere gravidade acrescida ao ilícito e acentua o desvalor da ação tem de punir-se no âmbito de moldura penal mais severa (cfr. Ac. do STJ de 19.5.2021, acessível em www.dgsi.pt).

A maioria da jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido que os factos tipificados no art. 24º do Dec. Lei nº 15/93 conferem de imediato a ilicitude do tráfico especialmente grave”.

Também no Ac. do STJ de 13.9.2018, in www.dgsi.pt, se afirmou que “O art. 24.º, do DL 15/93, de 22-01, prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto, funcionando como contraponto do art. 25.º do mesmo diploma, que estatui um crime privilegiado de tráfico, em razão da menor gravidade do facto. Assim, a lei prevê, a par do tipo fundamental de tráfico, instituído no art. 21.º, um crime privilegiado, o do art. 25.º, e um outro qualificado, o do art. 24.º, em função da dimensão da ilicitude do facto, que deverá ser consideravelmente menor que a ínsita no tipo fundamental no caso do art. 25.º, e, opostamente, consideravelmente maior no caso do art. 24.º.

Incidindo a análise neste último, constata-se que o legislador indica taxativamente as situações que merecem a qualificação (ao contrário do que acontece com o art. 25.º que aponta meramente os fatores que podem justificar a atenuação). Entre elas importa seleccionar a da al. h), que foi a aplicada pelo tribunal recorrido. Da leitura do preceito resulta com toda a clareza a especial preocupação do legislador em dissuadir, mediante a agravação significativa da pena, a disseminação de estupefacientes em certos lugares, não tanto por desrespeito pelo funcionamento e disciplina dos serviços em causa, mas sim em atenção à população que os frequenta: consumidores dependentes, pessoas institucionalizadas, reclusos, militares, estudantes. Uma população algo heterogénea, mas que o legislador considera, por razões diversas, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, e portanto alvo fácil da ação dos traficantes. É este intuito protetor dos consumidores que preside à norma.

Assim sendo, e especificamente no caso dos estabelecimentos prisionais, que é o que agora interessa, a agravação dos factos derivará não da infração à disciplina da instituição, mas da adequação do facto à disseminação das drogas entre os reclusos. Por isso, o crime pode ser cometido por reclusos ou não reclusos. O que importa é apurar se a ação era idónea para fazer chegar o estupefaciente à população prisional. No caso afirmativo, a ação deve em princípio ser integrada na citada al. h) do art. 24º.

Acentue-se, porém, que, para merecer essa integração, a ação terá de revestir-se de um grau de ilicitude proporcional à medida da pena correspondente ao crime agravado. Expliquemo-nos. A situação que está ínsita na al. h) do art. 24.º é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um ato isolado ou excecional de venda ou cedência a um recluso. A qualificação que aquele preceito prevê implica uma atividade sucessiva por um número indeterminado de reclusos, ainda que eventualmente restrita, como as condições de reclusão normalmente impõem, ou, pelo menos, a detenção de uma quantidade de estupefaciente bastante para tal efeito. Só assim se cumpre o princípio da proporcionalidade das penas.

Quer isto dizer que, acentuando mais uma vez o que já se escreveu, a ocorrência de um ato subsumível o art. 21.º em EP não determina automaticamente a agravação da al. h) do art. 24.º. Há que indagar e avaliar se o grau de ilicitude excede efetivamente o que é inerente ao crime do art. 21º, ao qual o facto deve ser subsumido, caso contrário.

Difícil já será defender que em situações excecionais o facto, mesmo que ocorrido em estabelecimento prisional, possa ser integrado no crime do art. 25.º. Com efeito, um crime qualificado pela ilicitude poder ser de menor gravidade parece ser uma contradição nos termos. O que será adequado, em nosso entender, é recusar a automaticidade da agravação pelo simples facto da ocorrência do facto em ambiente prisional. Por outro lado, a atenuação da pena, devido à menor ilicitude do crime, a partir do art. 21.º, sempre pode ser efetuada nos termos gerais do CP, inclusivamente com recurso ao art. 72.º - atenuação especial. A convocação do art. 25.º, numa situação de menor ilicitude em crime cometido em ambiente prisional, parece pois além do mais desnecessária para a prossecução de uma decisão justa”.

Jurisprudência que se acompanha.

Ora, face à factualidade provada, não restam dúvidas de que estão preenchidos todos os elementos típicos, objectivos e subjectivos, do crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, e 24º, alínea h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.1.

  De facto, resulta da factualidade provada que a droga entrava no EP para ser vendida por um número indeterminado de reclusos, revestindo-se a conduta ilícita sub judice de um grau de ilicitude proporcional à pena abstrata do crime. Não estamos perante um acto isolado, de pouca monta, que tenha a virtualidade de desqualificar o crime.

A ser assim, nenhuma censura merece a qualificação jurídica efectuada pelo tribunal a quo, improcedendo esta pretensão do recorrente.

               *

Próxima questão: se o arguido AA não deve ser condenado como reincidente.

Com a epígrafe Reincidência, dispõe o artigo 75º, nºs 1 e 2, do Código Penal que:

1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

Como ensina Maria João Antunes, in Penas e Medidas de Segurança, 2ª edição, 20022, pág. 64 e ss, “a agravação da pena em caso de reincidência justifica-se por apelo a uma maior culpa do agente, por este haver desconsiderado a solene advertência contra o crime contida na condenação anterior, sem prejuízo de se fazerem sentir também exigências acrescidas de prevenção por haver indícios de uma maior perigosidade do agente. É uma circunstância modificativa agravante, a única que está prevista na parte geral do CP”.

No que respeita aos pressupostos formais e material, como ensina igualmente Maria João Antunes, cfr. obra supra citada, pág. 65, “a reincidência opera somente entre crimes dolosos, não entre crimes negligentes ou entre um crime doloso e um negligente. Esta exigência encontra justificação na ideia de que só relativamente a crimes que tenham sido previstos e queridos pelo agente e que se fundamentem numa atitude pessoal contrária ou indiferente às normas jurídico-penais ganha sentido o pressuposto material desta circunstância modificativa agravante.

A reincidência ocorre apenas entre crimes que sejam e tenham sido punidos com prisão efectiva superior a seis meses. Estão aqui abrangidas somente as penas que tenham sido directamente impostas, por só estas serem penas de prisão efectiva, o que exclui os casos em que o agente cumpriu pena de prisão na sequência da revogação de pena de substituição. …

Já quanto ao regime de permanência na habitação, tal como regulado no artigo 43º do CP, é de concluir que é preenchido este pressuposto formal, quando o agente seja ou tenha sido punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses e não superior a dois anos, executada em regime de permanência na habitação com fiscalização de meios técnicos de controlo à distância. …

Não é pressuposto formal da reincidência o cumprimento, ainda que só de forma parcial, da pena de prisão que foi objecto da sentença transitada em julgado. …

Em terceiro lugar exige-se que a condenação pelo crime anterior tenha já transitado em julgado quando o novo crime é cometido … A exigência de que a condenação já tenha transitado em julgado, uma decorrência do pressuposto material da reincidência, separa este caso especial de determinação da pena do concurso de crimes.

Necessário é, ainda, que entre a prática do crime anterior e a prática do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, “prescrevendo” a reincidência se for ultrapassado este tempo. O decurso deste tempo não permitirá o estabelecimento da conexão material entre um e outro crime, de forma a poder ser dado como verificado o pressuposto material da reincidência. … No prazo de prescrição não é computado, porém, o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativa da liberdade (artigo 75º, nº 2, 2ª parte do CP). Durante a privação da liberdade, seja ela em meio prisional ou em regime de permanência na habitação, não se pode afirmar propriamente que o condenado está a respeitar a advertência contra o crime contida na condenação. E o mesmo deve valer para p período em que o condenado esteja em liberdade condicional ou em liberdade para a prova. O tempo de duração de uma e de outra não deve ser computado no prazo de prescrição, na medida em que estamos perante dois incidentes da execução. …

Além destes pressupostos formais, preciso é que se verifique também o pressuposto material. Nos termos da 2ª parte do nº 1 do artigo 75º do Código Penal, é pressuposto material da reincidência que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. Formulação que é significativa da culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente e, consequentemente, do fundamento desta circunstância modificativa agravante, relativamente à qual a perigosidade do agente só releva de forma mediata. A censura do agente por não ter respeitado a condenação ou as condenações anteriores exige o estabelecimento de uma conexão íntima entre o crime (ou crimes) anterior (anteriores) e o reiterado, que deva considerar-se relevante do ponto de vista da culpa”.

No que respeita à determinação da pena da reincidência, dispõe o artigo 76º, nº 1, do Código Penal que “em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores”.

Por sua vez, o nº 2 da mesma norma legal, estipula que “as disposições respeitantes à pena relativamente indeterminada, quando aplicáveis, prevalecem sobre as regras da punição da reincidência”.

“Assim, em primeiro lugar, o tribunal tem que determinar a pena concreta que concretamente deveria caber ao agente se ele não fosse reincidente, seguindo o procedimento normal de determinação da pena (artigos 70º e 71º do CP). Trata-se de uma operação duplamente instrumental: serve, por um lado, para verificar um dos pressupostos formais da reincidência – o crime reiterado tem de ser punido com pena de prisão efectiva superior a seis meses, e, por outro, para tornar possível a última operação, a qual é imposta pela 2ª parte do nº 1 do artigo 76º do CP. O carácter instrumental desta operação afasta qualquer possibilidade de violação do princípio da proibição da dupla valoração.

Em segundo lugar, o tribunal vai construir a moldura penal da reincidência, a qual tem como limite máximo o limite máximo previsto pela lei para o respectivo crime e como limite mínimo o limite mínimo legalmente previsto para o tipo elevado de um terço, em razão do desrespeito pela advertência contida na condenação ou nas condenações anteriores.

Em terceiro lugar, o tribunal determina a medida concreta da pena cabida ao facto dentro da moldura penal da reincidência, observando os critérios do artigo 71º do CP. Deve assinalar-se, por um lado, que o limite máximo da pena concreta consentida pela culpa será, em princípio, mais elevado; e, por outro, que as exigências de prevenção se encontrarão, provavelmente, acrescidas. Ganha relevo o factor relativo ao grau de desrespeito pela condenação ou condenações anteriores.

Em último lugar, o tribunal tem de comparar a medida da pena a que chegou sem entrar em linha de conta com a reincidência – a medida da pena a que chegou na primeira operação – com aquela que encontrou dentro da moldura da reincidência – a medida da pena que encontrou na terceira operação. Em nome de uma ideia de proporcionalidade, a agravação determinada pela reincidência não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores. Trata-se de um limite absoluto e externo e não, exactamente, de uma regra de determinação da pena, que pode levar a que a medida concreta da pena do reincidente fique aquém do limite mínimo da moldura penal da reincidência – cfr. obra supra citada, págs 67-68.

É vasta a jurisprudência que, ao longos dos anos, se tem pronunciado sobre dos pressupostos da reincidência.

A título de exemplo, cita-se o Ac. do STJ de 19.1.2022, in www.dgsi.pt, segundo o qual “são pressupostos formais da reincidência, para além da prática de um crime, por si só ou sob qualquer forma de participação:

1.º - que o crime agora cometido seja um crime doloso;

2.º - que este crime, sem a incidência da reincidência, deva ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses;

3.º - que o arguido tenha antes sido condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;

4.º - que entre a prática do crime anterior e a do novo crime não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo este que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coação, de pena ou de medida de segurança.

Além dos enunciados pressupostos formais, a verificação da reincidência exige um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime (in acórdão do STJ, de 29-02-2012, Proc. n.º 999/10.9TALRS.S1, Relator Santos Cabral)”.

Relativamente ao pressuposto material, como se refere no Ac. do STJ de 12.7.2009, in www.dgsi.pt, “Impõe-se, por isso, para demonstração desta qualificativa, uma específica comprovação factual, uma enunciação de factos concretos dos quais se possa retirar a ilação de que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime, veiculada pela anterior condenação e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor.

A agravação da pena assenta, essencialmente, numa maior disposição para o crime, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de ter sido condenado em prisão efectiva, insistir em delinquir, donde resulta um maior grau de censura, por aquela não ter constituído suficiente advertência, não se ter revelado eficaz na prevenção da reincidência. E só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta das circunstâncias, se poderá concluir estarmos perante um caso de culpa agravada, devendo o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, ou, antes, uma situação em que inexiste fundamento para a agravação da pena, por se tratar de simples pluriocasionalidade”.

Também a Relação de Coimbra já se pronunciou no mesmo sentido no AC. de 30.5.2012, in www.dgsi.pt, nos seguintes termos:

“Para efeitos de reincidência exige-se a verificação dos seguintes pressupostos:

a) Formais: o cometimento de um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a seis meses; a condenação anterior, com trânsito em julgado, de um crime doloso, em pena de prisão superior a seis meses e o não decurso de mais de 5 anos entre o crime anterior e a prática do novo crime.

b) Material: que se mostre que, segundo as circunstâncias do caso, a condenação ou condenações anteriores não serviram ao agente de suficiente advertência contra o crime;

O preenchimento do pressuposto material tem de assentar em factos concretos, não bastando a mera menção ao certificado de registo criminal;

Torna-se necessário explicitar, designadamente da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do arguido, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão e o crime em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, que permita concluir que a reiteração radica na personalidade do arguido, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, e a quem a anterior condenação em prisão efetiva não serviu de suficiente advertência contra o crime, e não um simples multiocasional na prática de crimes em que intervêm causas fortuitas ou exógenas”.

Voltando ao caso concreto, neste particular, consta da acusação que:

34 - Por acordão de cúmulo jurídico, proferido em 24.5.2021 e transitado em julgado em 23.6.2021, pelo Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., no Processo 956/21...., foi o arguido AA condenado na pena única de 7 anos e 2 meses prisão, pela prática, entre outros, do crime de Tráfico de estupefacientes praticado em 30.9.2016, estando privado à ordem do referido processo desde o dia 1.2.2018.

35 – Não obstante aquela condenação, o arguido, mesmo em ambiente prisional não se afastou do mundo da criminalidade, logo iniciando a venda de drogas dentro da própria prisão, o que revela que a condenação de que foi alvo, pelo mesmo tipo de crime, não teve qualquer eficácia da pena aplicada e em execução e da eficácia das obrigações que a lei lhe impõe.

36 – Pelo contrário, o arguido optou por, mesmo em cumprimento de pena, de forma culposa continuar a delinquir no mesmo ilícito penal.

Por sua vez, resultou provado que:

33- No Processo Comum Coletivo nº 2578/17.... do JL Criminal - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, o arguido AA foi condenado, por acórdão transitado em julgado em 06.06.2018, pela prática, em 21.07.2016, de cinco crimes de furto qualificado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão efetiva.

34- Não obstante aquela condenação, o arguido AA, mesmo em ambiente prisional não se afastou do mundo da criminalidade, logo iniciando a venda de produto estupefaciente no interior do estabelecimento prisional, o que revela que a condenação de que foi alvo, não teve qualquer eficácia da pena aplicada e em execução e da eficácia das obrigações que a lei lhe impõe.

35- Pelo contrário, o arguido optou por, mesmo em cumprimento de pena, de forma culposa continuar a delinquir no mesmo ilícito penal.

Afirma o colectivo julgador que “importa considerar que o arguido AA, por factos praticados em 21 de junho de 2016, foi condenado no processo Comum Coletivo nº 2578/17.... do JL Criminal - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, por acórdão transitado em julgado em 06.06.2018, pela prática, de cinco crimes de furto qualificado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão efetiva.

Apesar de ter sido julgado e condenado anteriormente pela prática de cinco crimes de furto em pena de prisão efetiva superiores a 6 meses, tal facto não foi suficiente para inibir o arguido AA de voltar a praticar novos factos subsumíveis como crime, verificando-se que o fez antes de decorridos cinco anos entre a prática daqueles e os dos presentes autos, atendendo ao tempo que o arguido esteve privado da liberdade; as condenações anteriores não serviram de suficiente advertência para os arguido AA coadunar a sua conduta conforme o direito, nem motivo de dissuasão bastante para os afastar da prática de novos ilícitos, revelando uma personalidade que se recusa a aceitar os ditames de ordem jurídica.

De notar que o arguido AA, mesmo em ambiente prisional não se afastou do mundo da criminalidade, logo iniciando a venda de produto estupefaciente no interior do estabelecimento prisional, o que revela que a condenação de que foi alvo, não teve qualquer eficácia da pena aplicada e em execução e da eficácia das obrigações que a lei lhe impõe.

Assim, e resultando da factualidade provada que desde a data da prática dos crimes pelos quais foi anteriormente condenado, no âmbito do citado processos, e a data dos factos provados supra decorreram menos de cinco anos, e que o referido arguido voltou a praticar os crimes em causa nos autos, é evidente que este é de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência.

No caso vertente o arguido AA é claramente de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime, pelo que será condenado como reincidente”.

Pois bem.

Começando pela análise dos pressupostos formais e apesar de não ser questão suscitada pelo recorrente, ressalta desde logo a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Como se disse, a reincidência ocorre apenas entre crimes que sejam e tenham sido punidos com prisão efectiva superior a seis meses.

Ora, da factualidade provada não constam as penas parcelares dos crimes de furto qualificado do Processo nº 2578/17..... Aliás, nem se referem as normas pelas quais se qualificam os crimes.

A pena a considerar não é a pena única dos 6 anos e 6 meses de prisão. As penas a considerar são as penas parcelares dos 5 crimes de furto, que se desconhecem.

Do registo criminal do recorrente que se encontra junto aos autos, constata-se que no Proc. nº 2578/17.... ele foi condenado por 4 crimes de furto qualificado, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 1, alínea f) e nº 2, alínea e), ambos do Código Penal. O outro crime de furto qualificado terá sido praticado na forma tentada.

Poder-se-ia dizer que, face à moldura abstracta do furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º, nº 2, do Código Penal e a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão, necessariamente, pelo menos uma das penas de prisão terá uma duração superior a 6 meses.

No entanto, mesmo fazendo este raciocínio, sempre seria necessário apurar se a agravação da reincidência excedeu, ou não, a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores.

Isto é, torna-se imprescindível apurar quais as condenações anteriores, quais as penas concretas dos 5 crimes de furto qualificado.

Caso o tribunal a quo tivesse seguido os vários passos para a determinação da pena com a agravação da reincidência teria chegado a essa conclusão. O que não fez.

Em suma, da factualidade provada não constam factos suficientes e imprescindíveis para o apuramento, desde logo, dos pressupostos formais da reincidência.

Nos termos do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

A letra da lei revela, desde logo, que tais vícios têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Assim, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada tem que resultar do texto da decisão recorrida, não sendo admissível o recurso a elementos externos à decisão como declarações, depoimentos ou documentos constantes do processo – cfr. neste sentido o Ac. da RG de 12.7.2006, in www.jusnet.pt.

Como referem Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos Penais, 8ª ed., 2011, pág. 74, a “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher. Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.

No mesmo sentido encontra-se o acórdão da RL de 18.7.2013, in www.dgsi.pt, segundo o qual “o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma”.

No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, ficando essa falta a dever-se, designadamente, ao facto do julgador não ter investigado toda a matéria relevante para as várias soluções de direito. Isto é, quando da factualidade vertida na decisão faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição – cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 5.12.2007, in www.dgsi.pt.

Aqui chegados e face ao supra exposto, inexistem quaisquer dúvidas de que, relativamente à reincidência aplicada ao recorrente, padece o acórdão recorrido do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal.

O tribunal a quo não dispunha de factos suficientes para aplicar a reincidência nos moldes em que o fez.

No que respeita às consequências do aludido vício e nos termos do artigo 426º, nº 1, do Código de Processo Penal, “sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio”.

O reenvio do processo para novo julgamento depende, pois, dos vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º do C.P.P. poderem ou não ser supridos pelo tribunal de recurso.

Como referem Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos Penais, 8ª ed., 2011, pág. 138, pode acontecer que, em determinadas circunstâncias o tribunal de recurso não o possa decidir, por se verificarem os vícios do artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal e os elementos constantes dos autos não serem bastantes para o tribunal o fazer. “Quando assim suceder, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento, isto é, o seu regresso à origem para aí ser enriquecido de forma a permitir julgar do vício invocado (artigo 426º). Donde que seja de concluir que a utilização do expediente do reenvio só é legítima quando o tribunal de recurso não possa corrigir o vício da decisão impugnada através da renovação da prova, sendo essa renovação possível”.

O que terá necessariamente de conciliar-se com o disposto no artigo 430º do Código de Processo Penal, onde se estabelecem os pressupostos para a referida renovação da prova.

Outras situações existem em que o vício não impede o conhecimento do recurso, por se restringir a uma parcela da decisão que não vem questionada no recurso.

Como refere Pereira Madeira, in Código de Processo Penal Comentado de Henriques Gaspar Et. al., 2014, pág. 1484, “a detecção dos vícios aludidos no artigo 410º, … impede, em larga maioria de situações, o julgamento do recurso. Por isso, nesses casos, o recurso não pode ser julgado enquanto o vício não for removido. Essa remoção, caso o vício seja impeditivo do conhecimento do recurso – e pode não ser se, por exemplo, afectar uma parcela da decisão que não vem questionada no recurso – implica o reenvio do processo para novo julgamento. Esse novo julgamento da matéria de facto, com a correspondente implicação na decisão de direito, tanto pode ser total, abrangendo a totalidade do objecto do processo, como, na maioria dos casos, limitar-se a uma parcela bem definida da decisão recorrida …”.

No caso concreto, verificado que está o aludido vício do artigo 410º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal, relativo à reincidência aplicada e não constando dos autos elementos documentais de onde se possam retirar os factos em falta, terá necessariamente de determinar-se o reenvio do processo para novo julgamento, para apuramento de tais factos (penas dos 5 crimes de furto qualificado do Processo nº2578/17....).

Pelo exposto, na impossibilidade de sanação do vício, cumpre reenviar o processo para novo julgamento, restrito ao apuramento da matéria supra referida, ficando prejudicadas as questões de saber:

- se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação no que respeita à medida da pena aplicada; e

- se a pena aplicada é desproporcionada, devendo ser reduzida.

             *

 A ser assim, deve ser concedido parcial provimento ao recurso do arguido AA.

             *

A próxima questão é a de saber se o arguido EE deve ser absolvido do crime de tráfico de estupefacientes por que foi condenado.

             *

Próxima questão: se a pena aplicada ao recorrente EE é excessiva, devendo ser reduzida para 5 anos e suspensa na sua execução.

Dão-se aqui por reproduzidas as considerações teórias acerca da medida da pena já supra explanadas.

Relembra-se que o crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, e aí punido com pena de prisão de 5 anos a 15 anos de prisão.

O recorrente foi condenado numa pena de 6 anos de prisão efetiva.

Relativamente à factualidade provada, também já supra mencionada, frisam-se os seguintes factos:

7- Na concretização desse plano idealizado, o arguido AA aliciou o arguido EE, recluso consumidor e namorado da arguida DD a convencer esta a entregar-lhe estupefaciente durante as visitas que lhe fazia, fazendo-a depois chegar ao arguido AA.

8- O arguido EE conseguiu então convencer a arguida DD a aceitar tal tarefa, ficando acordado que seria contactada pela arguida BB para combinarem o local de entrega e a forma de atuação no interior do E.P.

10- Assim, pelo menos a partir de final de 2018, pelo menos uma vez, a arguida DD introduziu estupefaciente no E.P., que a arguida BB previamente lhe entregou, para a fazer chegar ao arguido AA através do arguido EE, o qual recebia como contrapartida doses de pólen de haxixe que o arguido AA lhe oferecia.

11- Em concreto, no dia 24 de fevereiro de 2019, a arguida DD encontrou-se com a arguida BB, em ..., onde esta entregou àquela um embrulho contendo dois (2) pedaços de produto vegetal prensado, com o peso de 20,894 gramas, que sujeito a exame pericial revelou tratar-se de canábis (resina), correspondente a 56 doses individuais.

12- A arguida DD introduziu o produto no interior da vagina, e depois de passar a revista no E.P., dirigiu-se à casa-de-banho, retirou o estupefaciente do interior do corpo e colocou-a dentro do soutien para a entregar posteriormente ao arguido EE, durante a visita.

13- Porém, por estarem vários guardas prisionais junto à sala de espera dos visitantes, a arguida ficou com receio de ser surpreendida na posse do estupefaciente que guardava no corpo, tendo-a atirado para um vaso ali existente, tendo sido apreendida pelos guardas.

14- O referido estupefaciente destinava-se a ser entregue a final pelo arguido EE ao arguido AA.

15- No dia 13 de Fevereiro de 2019, cerca das 8:30 horas, no interior da camarata partilhada pelos arguidos AA e EE, entre outros, no âmbito de uma revista, o arguido EE guardava no interior do bolso do casaco que trajava, 0,937 gramas de um produto vegetal prensado que sujeito a exame pericial, revelou tratar-se de canábis (resina) correspondente a cerca de uma dose individual; 5 pedaços em pó, com o peso total de 0,286 gramas, que sujeito a exame pericial revelou tratar-se de heroína, correspondente a cerca de uma dose individual; e ainda 2 comprimidos de cor verde, com o peso de 0,605 gramas, que sujeito a exame pericial revelou tratar-se de MDMA, correspondente a uma dose individual.

16- Os referidos produtos, apesarem de estarem na posse do arguido EE, pertenciam ao arguido AA e destinava-se a ser vendidos aos reclusos consumidores.

40- O arguido EE já sofreu as seguintes condenações:

No que respeita à apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, dá-se aqui por reproduzido o que já ficou dito supra (o que consta do acórdão recorrido e considerações deste tribunal).

Frisam-se as condenações já sofridas pelo arguido EE, mormente em crimes de idêntica natureza, que atiram as necessidades de prevenção especial para patamares muito elevados.

Este arguido revela uma clara propensão para a prática de crimes de tráfico de estupefacientes, demonstrando uma clara indiferença pelas condenações e anteriores advertências dos tribunais.

Ponderando todos os factores, conclui-se que a pena aplicada de 6 anos de prisão não ultrapassa o limite da culpa do arguido, revelando-se justa, adequada e necessária.

 Na sua fixação não se verifica qualquer desproporção. Pena inferior, como pretendido pelo arguido, revelar-se-ia manifestamente insuficiente face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

Conclui-se, assim, pelo acerto da decisão da 1ª instância, não se vislumbrando qualquer erro, incorrecção ou distorção no processo de determinação da pena aplicada, nem desrespeito por princípios aplicáveis ou violação de regras de experiência, nem mesmo qualquer desproporção na quantificação efectuada.

A ser assim, deve manter-se a referida pena, improcedendo esta questão suscitada pelo arguido.

             *

             *

Entrando agora no recurso da arguida BB, começa-se por apreciar se a conduta da arguida se subsume no crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.1.

Assim como se dá por reproduzida a factualidade provada, frisando-se os seguintes factos:

3- Apesar de proibido, o arguido AA possuía telemóvel no interior do estabelecimento prisional, através do qual contactava as arguidas BB e CC, sua namorada, com vista a dar-lhes instruções sobre a forma como deveriam atuar para lhes fazer chegar a droga ao interior da prisão, bem como para informar a arguida CC dos consumidores que lhe deviam dinheiro das vendas de droga para que aquela recebesse o dinheiro na sua conta bancária.

4- Inicialmente eram as arguidas BB e a arguida CC que, durante as visitas ao arguido AA, lhe entregavam estupefaciente, nomeadamente haxixe, que aquele posteriormente dividia e acondicionava na camarata e entregava aos reclusos consumidores, por si ou através de outros reclusos da sua confiança, mediante contrapartidas monetárias ou em troca de maços e onças de tabaco ou compras na cantina da prisão.

5- Em datas não concretamente apuradas, mas em finais de 2018, o arguido AA sofreu castigos, ficando proibido de ter visitas, pelo que, por forma a continuar a vender estupefaciente aos reclusos, pediu à sua mãe – a arguida BB, que angariasse pessoas que aceitassem realizar visitas no E.P. e que lhe fizessem chegar estupefaciente através dos reclusos que recebiam essas mesmas visitas.

10- Assim, pelo menos a partir de final de 2018, pelo menos uma vez, a arguida DD introduziu estupefaciente no E.P., que a arguida BB previamente lhe entregou, para a fazer chegar ao arguido AA através do arguido EE, o qual recebia como contrapartida doses de pólen de haxixe que o arguido AA lhe oferecia.

11- Em concreto, no dia 24 de fevereiro de 2019, a arguida DD encontrou-se com a arguida BB, em ..., onde esta entregou àquela um embrulho contendo dois (2) pedaços de produto vegetal prensado, com o peso de 20,894 gramas, que sujeito a exame pericial revelou tratar-se de canábis (resina), correspondente a 56 doses individuais.

22- Após a apreensão de droga à arguida DD, o arguido AA e a arguida BB convenceram o arguido FF, a quem tratavam por puto, a fazer chegar estupefaciente, nomeadamente haxixe, ao arguido AA, entregando o estupefaciente durante as visitas semanais que fazia ao seu primo HH, que posteriormente a entregava ao arguido AA.

23- A arguida BB transportava o arguido FF até ao estabelecimento prisional ... e entregava-lhe o estupefaciente (haxixe) que aquele escondia no seu corpo, após o que, pelo menos numa ocasião, o entregou ao recluso HH que, posteriormente, entregou ao arguido AA.

24- Como contrapartida do seu trabalho, o arguido FF recebeu, pelo menos uma vez, a quantia de €30 euros, que lhe foi entregue pela arguida BB a mando do arguido AA.

Ora, face à factualidade provada, mormente a acabada de citar, não restam dúvidas de que estão preenchidos todos os elementos típicos, objectivos e subjectivos, do crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº1, e 24º, alínea h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.1.

  De facto, resulta da factualidade provada que a droga entrava no EP para ser vendida por um número indeterminado de reclusos, revestindo-se a conduta ilícita sub judice de um grau de ilicitude proporcional à pena abstrata do crime. Não estamos perante um acto isolado, de pouca monta, que tenha a virtualidade de desqualificar o crime.

A ser assim, nenhuma censura merece a qualificação jurídica efectuada pelo tribunal a quo, improcedendo esta pretensão da recorrente.

             *

Próxima questão: se a pena aplicada à arguida BB deve ser reduzida para 4 anos, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova ou ao cumprimento de regras de conduta.

Também a arguida BB foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1, e 24º, alínea h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, numa pena de 6 anos de prisão efetiva.

Como se disse supra, a moldura abstracta vai de 5 a 15 anos de prisão.

Para além da factualidade supra referida, relembra-se que:

38 - A arguida BB já sofreu as seguintes condenações:

a. No Processo Comum Coletivo nº 2578/17.... do JL Criminal - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, a arguida foi condenada pela prática, em outubro e novembro de 2016, de dois crimes de furto qualificado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, com sujeição a deveres; tendo tal pena sido declarada extinta nos termos do disposto no artigo 57º do CP.

Não se vê como a estabilidade sócio-familiar possa atenuar a pena da arguida já que também não logrou impedi-la da prática do crime sub judice.

Como também não mitiga a sua responsabilidade o facto de ter sido o seu filho a pedir-lhe colaboração no esquema ilícito. Antes pelo contrário, deveria dissuadi-lo dessa prática.

É de realçar o papel preponderante desta arguida na dinâmica dos factos e na entrada do estupefaciente no EP, o que atira o grau de ilicitude para patamares muito elevados.

No mais e no que respeita à apreciação dos critérios do artigo 71º, nº 2, do Código Penal, dá-se aqui por reproduzido o que já ficou dito supra (o que consta do acórdão recorrido e considerações deste tribunal).

Frisa-se a condenação já sofrida pela arguida, se bem que por crimes de diversa natureza.

De qualquer forma, o contacto anterior com o sistema de justiça também não serviu para arrepiar caminho e levar uma vida de acordo com o direito.

São muito elevadas as necessidades de prevenção especial, tanto mais que o seu filho continua preso.

Ponderando todos os factores, conclui-se que a pena aplicada de 6 anos de prisão não ultrapassa o limite da culpa da arguida, revelando-se justa, adequada e necessária.

 Na sua fixação não se verifica qualquer desproporção. Pena inferior, como pretendido pela arguida, revelar-se-ia manifestamente insuficiente face às necessidades de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.

Conclui-se, assim, pelo acerto da decisão da 1ª instância, não se vislumbrando qualquer erro, incorrecção ou distorção no processo de determinação da pena aplicada, nem desrespeito por princípios aplicáveis ou violação de regras de experiência, nem mesmo qualquer desproporção na quantificação efectuada.

A ser assim, deve manter-se a referida pena, improcedendo esta questão suscitada pela arguida.

             *

              *

Pelo exposto, improcedendo, assim, todas as questões suscitadas pelos arguidos recorrentes, deve ser negado provimento aos recursos.

               *

   

         C – Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Coimbra em:

- negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos EE, FF e BB e, em consequência, decidem, nessa parte, manter o acórdão recorrido;

- conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, decidem:

▪ determinar o reenvio do processo para novo julgamento, ao abrigo do disposto nos artigos 410º, nº 2, alínea a), e 426º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, restrito ao apuramento das penas parcelares aplicadas no Processo nº 2578/17...., a efectuar de acordo com o disposto no artigo 426º-A do mesmo diploma legal.

Ficam prejudicadas as questões (suscitadas pelo recorrente AA) de saber:

- se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação no que respeita à medida da pena aplicada; e

- se a pena aplicada é desproporcionada, devendo ser reduzida.

              *

             *

               Notifique.

              *

                         

            Coimbra, 11 de Setembro de 2024.

(Elaborado pela relatora, revisto e assinado electronicamente por todos os signatários – artigo 94º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal).

Rosa Pinto – Relatora

Maria José Guerra – 1ª Adjunta

João Abrunhosa – 2º Adjunto

(vencido, nos termos da declaração que se segue)

Voto de vencido:

                          Voto vencido quanto à questão da reincidência, por entender que o pressuposto formal de condenação anterior, com pena de prisão efectiva superior a 6 meses, pode ter por referência a pena única em cúmulo jurídico, como neste caso acontece. A interpretação que faz vencimento pode levar a soluções inaceitáveis. Vejamos um exemplo extremo: o Arg. vem condenado pela prática de 30 crimes de ofensa à integridade física simples, em 5 meses de prisão por cada um deles e na pena única de 6 anos de prisão. Ou numa pena única de 4 anos de prisão, cuja execução foi suspensa, mas tendo a suspensão sido revogada. 6 meses após o cumprimento desta pena pratica um crime de ofensa à integridade física grave, pelo qual deve ser punido com prisão superior a 6 meses. Não se verificam os pressupostos formais da reincidência?

                          Por isso, confirmaria inteiramente a decisão recorrida.