Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SÍLVIA PIRES | ||
Descritores: | LIMITES DA CONDENAÇÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA SIMULAÇÃO VALIDADE FORMAL DO NEGÓCIO DISSIMULADO | ||
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Data do Acordão: | 09/28/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PINHEL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA POR UNANIMIDADE | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 609.º, N.º 1 E 615.º, N.º 1, AMBOS DO CPC, E 241.º, N.º 2 DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I - A sentença não incorre em excesso de pronúncia pelo facto de ter declarado a nulidade do negócio com fundamento em simulação, quando a parte havia pedido a ineficácia com base no instituto da impugnação pauliana.
II - Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realmente realizar, a validade formal deste último está dependente do preenchimento pela forma adoptada para o negócio simulado das razões justificativas da forma exigidas para o negócio dissimulado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 33/21.3T8PNH.C1 – Juízo de Competência Genérica de Pinhel Relatora: Sílvia Pires Adjuntos: Henrique Antunes Mário Rodrigues da Silva Autor: AA Réus: BB CC DD * Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra O Autor, propôs ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que o tribunal decrete a ineficácia em relação ao autor, dos negócios jurídicos mencionados, devendo ainda ser ordenado ao terceiro réu, a restituição do referido bem, de modo que o autor o possa relacionar na relação de bens por óbitos dos seus pais. Para fundamentar este pedido alegou, em síntese: - os seus pais, já falecidos, em .../.../2013, celebraram escritura de compra e venda, através da qual declararam transmitir para os dois primeiros Réus a nua propriedade de um prédio urbano que lhes pertencia, com reserva de usufruto, mediante o preço de € 38.500,00. - em 22.01.2019, os dois primeiros Réus celebraram escritura de compra e venda com o terceiro Réu, através da qual declararam transmitir para este a nua propriedade daquele imóvel, mediante o preço de € 35.000,00, o qual declararam ter sido pago em 02.06.2015 aquando da outorga do respetivo contrato-promessa. - Estas transmissões tiveram como única finalidade esvaziar a herança dos pais do Autor, com vista a “deserdá-lo”. - o Autor tem direito à impugnação pauliana destes atos, de modo a que o mesmo seja restituído à herança dos seus pais. Os dois primeiros Réus contestaram, alegando que a transmissão da nua propriedade do prédio em causa foi feita como meio de pagamento de uma dívida dos pais do Autor para com eles, tendo-o vendido ao terceiro Réu em 2.06.2015, apesar da respetiva escritura só ter sido celebrada em 22.01.2019, sendo válidos estes negócios. Concluíram pela improcedência da ação e pediram a condenação do Autor, por litigância de má fé, em multa e indemnização a favor dos Réus. O terceiro Réu contestou, sustentando a validade das duas transmissões efetuadas e a ausência da verificação dos requisitos da impugnação pauliana. Concluiu pela improcedência da ação. O Autor respondeu ao pedido deduzido pelos dois primeiros Réus, no sentido dele ser condenado por litigância de má-fé, pronunciando-se pela improcedência desse pedido. Foi realizada audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu: Declaram-se nulos, os negócios celebrados, no dia .../.../2013, entre os primeiros réus BB e CC e EE e FF e o negócio celebrado entres os primeiros réus BB e CC o segundo réu DD e que titulou a transmissão da propriedade do prédio urbano, constituído por rés-do-chão e primeiro andar com logradouro, sito na Rua ..., na freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana número ...95, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...84, com o valor patrimonial tributável de € 39.777,59 (trinta e nove mil, setecentos e setenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos) primeiro para os réus BB e CC e depois destes para o réu DD. 2. Consequentemente determina-se a restituição pelo 3.º réu DD BEM, DE MODO QUE O AUTOR O POSSA RELACIONAR NA RELAÇÃO DE BENS POR ÓBITOS DOS SEUS PAIS. 3. Absolver o Autor do pedido de condenação como litigante de má-fé. * Desta decisão foi interposto recurso pelos dois primeiros Réus, os quais concluíram as suas alegações do seguinte modo: 1ª - O objecto do presente recurso abrange a impugnação da decisão da matéria de facto. 2ª – As mencionadas compras e vendas tidas como ficcionadas e dadas como provadas, não têm qualquer suporte, quer nos “documentos juntos aos autos”, quer na prova testemunhal produzida pelo autor, os quais se limitaram a declarar, em suma que não houve “dinheiro” 3ª A acção tal e qual foi configurada deveria ter como consequência, a sua total e inequívoca improcedência com a absolvição do pedido formulado pelo autor. 4ª – Os factos provados e não provados não se encontravam minimamente alicerçados nos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas apresentadas sobre quem recaia o ónus da prova dos factos alegados na petição inicial (da testemunha GG, gravado através do sistema integrado de gravação digital, em 03/11/2021, com início em 10:24:05 às 10:31:38 (07:32) ficheiro ...35-2870920); (da testemunha HH, gravado através do sistema integrado de gravação digital, em 03/11/2021, com início em 10:32:31 às 10:48:21 (15:49) ficheiro ...35-2870920); (da testemunha II, gravado através do sistema integrado de gravação digital integrado em 03:11:2021, com início às 10:49:04 às 11:00:41 (11-36), ficheiro ...35-2870920); (da testemunha JJ, gravado através do sistema integrado de gravação digital, em 03/11/2021, com início às 11:02:44 às 11:14:59 (11:15) ficheiro ...35-2870920); (da testemunha KK, gravado através do sistema integrado de gravação digital, em 03/11/2021, com início às 11:15:31 às 11:26:46 (11:14) ficheiro ...35-2870920). 5ª - Pede-se no presente recurso a alteração da decisão do tribunal a quo (art.º 639º do CPC – alegar-se e formular conclusões), a que acresce o ónus previsto no art.º 640º do mesmo diploma legal. 6ª – Entendem os recorrentes terem sido incorrectamente julgados e decididos os factos contidos nos números 9 e 10 dos factos dados como provados, bem como os das alíneas e), g), h), k), m), n) e q) dos factos não provados, aos quais caberão decisão diversa, conforme se aludirá infra. 7ª – Os factos dados como provados nos pontos 9 e 10 com referência aos pontos 5 e 7, devem ser dados como não provados, tendo em conta as declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento, para além do mais, das testemunhas, HH e GG, gravadas através do sistema de gravação digital em 03/11/2021, com início às 10:32:31 às 10:48:21 (15:49) – ficheiro ...35-2870920 e gravado com início às 10:24:05 às 10:31:38 (07:32), ficheiro ...35-2870920. 8ª – Acresce às declarações daquelas testemunhas o depoimento prestado por LL, o qual a determinada altura, e gravado através do sistema integrado na gravação digital em 03/11/2021, as 14:08:42 às 15:54:18 (45:36) ficheiro ...35-2870920, disse: “Na altura o meu pai, pronto, não, disse que não queria falar sobre isso, que ele era um homem sério, que estava no fim de vida e não queria deixar ninguém pendurado, e disse-me que andava na casa dos 40.000,00 €, por aí, que teriam…” no mais adiante declarou “Ó Senhor Doutor, aquilo que o meu pai me disse, e ele detestava falar sobre isso, é que tinha feito vários pedidos de ajuda” e “eu pedia-lhe dinheiro emprestado várias vezes e, portanto, não quero morrer e deixar que amanhã venha sobre a casa ou venha fazer uma hipoteca à casa, ou não sei o quê e, portanto, eu preferi arrumar esta situação assim”, “o meu pai entregou a casa ao senhor BB pelo facto de lhe dever dinheiro”. 9ª – Daqui resulta, quanto aos factos dados como provados nos itens 9 e 10, claro e inequívoco erro de julgamento, o qual merece desde já decisão diversa infra. Desta forma, 10ª – Deve dar-se aos pontos 9 e 10 dos factos provados, integrando-os nos factos não provados, com a seguinte redacção, a saber: 9 – Assim, a mencionada compra e venda referida no ponto 5, destinou-se a liquidar uma dívida que EE e mulher tinham contraído ao longo dos anos aos réus BB e mulher cujo valor oscilava entre 38.000,00 e 40.000,00 €; 10 – A alienação do prédio urbano sito na Rua ..., em ... aos réus BB e mulher não se destinou a diminuir o património então existente, antes, salvaguardando o direito de crédito daqueles. 11ª – Onde se diz na alínea d) que: não se provou que tenha sido pago o preço em ambos os negócios (…) e na parte respeitante à compra e venda, inserta no ponto 5 dos factos provados, existe notório erro de julgamento, o qual merece decisão diversa, ou seja, deve entender-se que a compra e venda se concretizou de facto, porquanto, os vendedores tinham por várias vezes pedido dinheiro emprestado aos aqui recorrentes, pelo que, é justificável a entrega (como de dação em pagamento se tratasse) do imóvel (nua propriedade, sito na Rua Direita, nº ...0, em ..., aos então credores, devendo assim, enquadrar-se no âmbito da factualidade dada como provada, aliás, 12ª – Conforme melhor resulta dos depoimentos gravados das testemunhas infra através do sistema integrado de gravação, com início às 10:24:05 às 10:31:38 (07:32) ficheiro ...35-287092 (GG); de HH, com início às 10:32:31 às 10:48:21 (15:49) ficheiro ...35-2870920, e de LL com início às 14:08:42 às 14:54:18 (45:36) e ficheiro ...35-2870920. 13ª – Devendo ter a seguinte redacção a saber: “Provado que foi pago o preço da compra referida no ponto 5 através dos diversos montantes em dinheiro que os compradores, BB e mulher lhe emprestaram ao longo dos anos e cujo valor oscilará entre os 38.000,00 € e os 40.000,00 €.”, verificando-se, assim, in caso, erro de julgamento na apreciação da prova. 14º - Deve igualmente e pelas mesmas razões passar a ser enquadrada nos factos provados, o mencionado na alínea e), passando a ter a seguinte redacção, ainda que diversa do decidido pelo tribunal a quo: “O falecido EE e mulher ao longo dos anos contraíram verbalmente empréstimos de dinheiro com os 1º e 2º réus em quantias parcelares a fim de fazerem face a despesas de várias ordem, e designadamente com a conservação e manutenção de prédio onde tinham a sua residência habitual e permanente (Rua ..., em ...), bem como para outros encargos, em particular, com a doença crónica cardíaca de que aquele padecia há já vários anos”, tudo conforme melhor resulta das declarações da testemunha, LL, depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, em 03/11/2021, das 14:08:42 às 14:54:18 (45:36) ficheiro ...35-2870920. 15ª – Deve também incluir-se nos factos provados a seguinte matéria contida na alínea f) dos factos dados não provados, enfermando de erro de julgamento em matéria de facto, passando a ter a seguinte redacção a saber: “Tudo isto em virtude de boas e salutares relações pessoais que sempre existiram entre eles, tendo, contudo, sido outorgado acordo particular-declaração de dívida datado de 23/06/2010”, conforme melhor resulta do documento junto aos autos na audiência de discussão e julgamento (este documento não foi entregue com o articulado-contestação por o mesmo não ter sido encontrado e o seu possuidor acometido de doença súbita, vulgo, AVC), tendo o tribunal a quo aceite e deferido a sua junção por ter considerado ser útil à descoberta da verdade material). Contudo, e relativamente a este documento o tribunal a quo nada disse na fundamentação da decisão. 16ª – Devendo também ser incluído nos factos provados e não os factos não provados, a matéria inserta na alínea g), por erro de julgamento em matéria de facto, mas com a seguinte redacção, a saber: “Vaticinando o seu fim de vida, os falecidos EE e mulher acordaram com os réus, BB, que lhes alienou a raiz ou nua propriedade do prédio urbano sito na Rua ... e inscrito na matriz da freguesia ... sob o art.º ...95º, reservando para si o usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo, ficando, assim, liquidada a dívida contraída pelos empréstimos concedidos ao longo dos tempos.” 17ª – Conforme melhor resulta do depoimento da testemunha LL, gravado através do sistema integrado digital em 03/11/2021, das 14:08:42 a 14:54:18 (45:36) ficheiro ...35-2870920. Veja-se ainda o que declarou esta testemunha na parte que ora também interessa “O meu pai entregou a casa ao senhor BB, pelo facto de lhes dever dinheiro” e “Disse que a dívida estava paga no dia da transmissão do bem…” e ainda “o meu pai disse-me que a dívida era entre 38 e 40.000,00 €, eu já disse isso aqui.” 18ª – Por se considerar incorrectamente julgado, entendem os recorrentes que a factualidade contida na alínea h) dos factos não provados, deve ser diversa passando a incluir-se na matéria provada, e com a seguinte redacção, a saber: “A alienação do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., inscrita na matriz sob o art.º ...95º e descrição ...84 serviu os legítimos interesses dos compradores, EE e FF, dado que os vendedores não tinham à data da outorga possibilidade de solverem o débito existente.” Como meio de prova, indica-se o depoimento da testemunha, LL, gravado através do sistema integrado digital em 03/11/2021, das 14:08:42 a 14:54:18 (45:36) ficheiro ...35-2870920, e em particular o seguinte: “O meu pai disse-me que a dívida entre 38 e 40.000,00 €, eu já disse aqui” e “O meu pai entregou a casa ao Senhor BB pelo facto de lhes dever dinheiro.” 19ª – Relativamente à matéria de facto contida nas alíneas K e L dos factos não provados, entendem os recorrentes que estes pontos foram incorrectamente julgados, pelo que, se impõe decisão diversa. Assim, e analisando o depoimento de HH, gravado através do sistema integrado digital em 03/11/2021, das 10:32:31 às 10:48:21 (15:49), ficheiro ...35-2870920, podemos constatar tal divergência. Vejamos então o que disse esta testemunha “O senhor BB só me disse assim “Eu emprestei-lhe dinheiro…” De seguida, e por interpelação do mandatário 2 (dos aqui recorrentes), à pergunta “à porta” disse “Pronto”. E que o senhor BB terá dito que tinha emprestado dinheiro ao pai dele? A testemunha, HH nada disse. Assim, 20ª – Deve a matéria de facto contida na alínea K e L passar a ser dada como provada mas com a seguinte redacção, a saber, “O autor e a testemunha HH, em data não concretamente apurada dirigiram-se a casa de BB e mulher com o intuito de os confrontar com a aquisição do imóvel sito na Rua ..., em ..., tendo aquele dito que tinha emprestado dinheiro ao falecido pai e desse modo o débito ter ficado liquidado.” Depoimento gravado através do sistema integrado digital em 03/11/2021, das 10:32:31 às 10:48:21 (15:49) ficheiro ...35-2870920. 21ª - Impõe também decisão diversa nos pontos M) e N) dos factos não provados, por se ter verificado erro de julgamento em matéria de facto. Assim, E como melhor resulta dos depoimentos das testemunhas, HH e LL, esta factualidade deve ser inquestionavelmente integrada nos factos provados, e com a seguinte redacção, a saber: “Os 1ºs e 2ºs RR adquiriram de boa fé a nua propriedade do prédio identificado em 5 (e não em 2 por erro de escrita), pelo valor correspondente à dívida existente à data da outorga da escritura pública de compra e venda que EE e mulher foram contraindo ao longo de vários anos junto dos compradores, tendo com a aludida venda sido paga a dívida à custa do seu próprio património”, tudo conforme depoimentos das testemunhas, HH, quando disse “O senhor BB só me disse assim: Eu emprestei-lhe dinheiro…”, gravado das 10:32:31 às 10:48:21 (15:49), ficheiro ...35-2870920, e LL quando declarou que “O meu pai disse-me que a dívida era entre 38 e 40.000,00 €. E, eu já disse isso aqui.” “A venda do meu pai ao Senhor BB foi em 2013.”, gravado das 14:04:42 às 14:54:18 (45:36), ficheiro ...35-2870920. 22ª – Deve, pois, dando-se provimento ao recurso, ser revogada, de acordo com os termos constantes das alegações e das precedentes conclusões, julgando-se a acção aqui instaurada pelo autor contra os aqui recorrentes, totalmente improcedente pro não provada, absolvendo-os dos pedidos formulados na petição inicial, tudo com as legais consequências. O terceiro Réu também interpôs recurso daquela decisão, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: 1. Com todo o respeito por melhor opinião e com a devida vénia, pela Meritíssima Juíza “a quo” que proferiu a decisão de que ora se recorre, somos de parecer que a mui douta sentença : - Errou na apreciação da prova, a matéria de facto dada como provada, foi mal apreciada, pois não se pode fundamentar de modo algum na prova produzida, não tendo sido devidamente valorada quer a prova documental, quer a prova testemunhal produzida e, - Violou o princípio do dispositivo, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido efetuado pelo Autor. Quanto à apreciação da prova : 2. A Meritíssima Juiz a quo, formulou as suas conclusões sobre o caso em análise, tendo valorado apenas os depoimentos das testemunhas apresentadas pelo Autor, desvalorando, em absoluto, a prova testemunhal apresentada pelos Réus, sem qualquer fundamentação, e 3. Fez, inexplicavelmente, completa tábua rasa, da prova documental junta pelo o ora recorrente, nomeadamente do próprio contrato de promessa de compra e venda, e contrato definitivo celebrados!! 4. Os nºs 4 e 5 do art.º 607 do CPC estatuem que : “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” 5. O exercício de fundamentação efectuado pelo meritíssimo Juiz a quo, não cumpre tais requisitos pois, além de não analisar criticamente a prova documental recolhida, e de apenas analisar muito sumariamente a prova testemunhal produzida, também não explicita quais os concretos meios de prova que permitiram a fixação da matéria de facto dado como provada, não indicando quais as provas, que em concreto, sustentaram a decisão tomada para cada facto dado como provado. 6. Como sucedeu, com a matéria de facto dada como provada nos pontos 9 e 10, dos factos provados, em que a douta sentença proferida, não esclarece, não concretiza, quais as provas, que motivaram tal conclusão, que constitui a base fundamental das conclusões emanadas na Sentença proferida. Acresce que, 7. O Meritíssimo Juiz, pôs em causa a credibilidade do depoimento do Réu, DD, ora recorrente, ignorando por completo o seu depoimento, sem qualquer fundamento, socorrendo-se de um exercício retórico, salvo o devido respeito, para justificar o porquê de não ter atendido ao seu depoimento. 8. Com efeito, a livre convicção do julgador é vinculada, sob pena de arbitrariedade. A livre convicção exige que se fundamente como se chegou a ela, para que os vencidos fiquem convencidos ( paz jurídica da comunidade) e os Tribunais Superiores possam fazer o que sempre fizeram: corrigir o que for de corrigir. 9. É patente, por isso que o nº 4 do art.º 607 do CPC resulta flagrantemente violado face à visível colisão entre o modo de agir observado pelo Meritíssimo Juiz a quo e aquele que o sobredito inciso legal lhe impunha, violação esta, que desde já, se invoca, com as demais consequências legais. 10. Quanto à matéria considerada provada nos pontos 9 e 10 , considerando a prova testemunhal e a prova documental realizada nos autos, entendemos que não deveria ter sido dado como provado, que a compra e venda efetuada entre o ora recorrente e os também Réus BB e CC, foi ficcionada, em virtude de ter sido considerado , que o Réus pretenderam unicamente com tais negócios, evitar, que o imóvel identificado no ponto 5 dos factos provados, viesse alguma vez a integrar a herança de EE e FF, em prejuízo patrimonial dos herdeiros, designadamente do autor (filho daqueles) pois : 11. importa destacar que, todas as testemunhas arroladas pelo Autor, ora recorrido - GG, HH , II, JJ e KK - sobre a aquisição, que o ora recorrente, DD, fez aos também Réus, BB e CC, nada demonstraram saber ou ter conhecimento, nada referiram. Com efeito, 12. Nenhuma das testemunhas arroladas pelo Autor, sequer se pronunciou sobre tal negócio, sua existência, partes envolvidas, se foi feito em conluio, com a intenção de prejudicar terceiros, se houve dinheiro ou não, muitas desconhecendo o próprio Reu, ora recorrente, nada foi referido pelas testemunhas do Autor que pudesse por em causa a validade/idoneidade de tal negócio jurídico efectuado a 22 de Janeiro de 2019. 13. Não obstante, é concluído pela meritíssima juíza a quo que “ No que se refere ao propósito dos Réus com a celebração das referidas transferência das esferas de EE e FF para o primeiro e segundo réus e posteriormente destes para o 3º réu e ao conhecimento dos réus , não da existência de qualquer crédito por banda do autor , mas sim das péssimas relações familiares existentes pese embora a exiguidade da prova , o tribunal partiu essencialmente dos testemunhos de GG que notoriamente tinha conhecimento da “ venda sem dinheiro” tal como sucedeu com o depoimento de HH, os quais, em termos genéricos e nesta parte, que os negócios visavam prejudicar o Autor , tendo até a primeira testemunha referido que alguém chegou a alertar FF de que também tinha uma neta para além do neto DD”. 14. Ora, da análise do depoimento das referidas testemunhas GG gravado em CD (Ficheiro 20211103102404_933435_2870920) que, atrás se transcreveu na integra (registado entre o min. 00:00:00” e o minuto “00:07:31”) e HH gravado em CD (Ficheiro 20211103103231_933435_2870920) que se transcreveu ( registado entre o min 00:01’:00 e o minuto 00:05:46’ ), somos da opinião que salta à evidência, face à forma confusa, contraditória, parcial, nervosa, e imprecisa dos mesmos, e sobretudo, face ao desconhecimento patente que as testemunhas revelaram sobre os negócios jurídicos colocados em causa, que tais depoimentos, não são minimamente verosímeis e suficientes para se concluir ou sequer indiciar, que as compras e vendas em discussão nos autos, foram ficcionados, por pretenderam, unicamente, evitar que o imóvel, viesse alguma vez a integrar a herança de EE e FF, em prejuízo patrimonial dos herdeiros, conforme, erradamente assim foi valorado e concluído pela meritíssima juíza a quo. 15. Não foi devidamente valorado o depoimento da testemunha MM (gravado em CD -Ficheiro 20211103145453_933435_2870920 que se transcreveu – registado entre o min. “00:05:25 e o minuto 00:07:15”)’) a quem o ora recorrente se dirigiu para se aconselhar antes de fazer o negócio de compra e venda com os Réus – BB e esposa CC e sobre o qual a Sentença proferida não faz qualquer referência. 16. A douta sentença é também omissa, nada diz, relativamente ao contrato promessa outorgado entre o ora recorrente e os Réus BB e CC a 2 de Junho de 2015, que foi junto aos autos no decurso do Julgamento, que vem confirmar a versão apresentada pelo Réu na sua contestação, oportunamente apresentada. 17. Deste modo, os factos dados como provados nos pontos 9 e 10 , devem ser entendidos e julgados pelas razões supra referidas, como FACTOS NÃO PROVADOS, tendo como suporte para tal, as declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento pelas testemunhas HH, GG, e MM, gravadas em sistema digital atrás melhor identificado, bem como a prova documental apresentada - contrato promessa outorgado a 2 de Julho de 2015 e contrato definitivo de compra e venda por via de documento particular autenticado , outorgado a 22 de Janeiro de 2019. 18. A acção instaurada pelo autor configura a Impugnação Pauliana prevista nos art.ºs 610º a 618º do Código Civil, a qual como é consabido, constituiu um meio de conservação da garantia geral do cumprimento de obrigações, e com ela se tutelando o interesse dos credores contra o desvio do património pelo devedor que implique sérios obstáculos à satisfação dos seus créditos ou até o seu agravamento. 19. Entendeu a meritíssima Juíza a quo, que não obstante, não se verificarem os pressupostos da acção pauliana, face ao factos tido por provados e alegados na causa de pedir do Autor, estar-se-ia perante negócios simulados e apesar do pedido formulado na PI, visar a declaração de ineficácia de tais negócios, considerou que o mesmo em nada vincula o tribunal e por isso sentenciou a nulidade de tais negócios. Ora, 20. Com todo o respeito, por melhor opinião, que como sempre é muitíssimo, com este entendimento não podemos concordar. 21. Antes de mais se afirma, que no caso em análise, não se encontram preenchidos os requisitos legais para que haja simulação de negócio jurídico nos termos previstos no art.º 240 do CC, face à prova produzida, nem os mesmos foram densificados na causa de pedir da presente ação pelo Autor. 22. A respeito da acção de impugnação pauliana, é uniforme, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento segundo o qual não se trata de uma acção de nulidade ou anulação, mantendo o negócio impugnado a sua validade, limitando, porém, a sua eficácia em razão dos interesses patrimoniais do credor, autor da acção. 23. Face à prolação do Acórdão Uniformizados da Jurisprudência nº 3/2001 (1), fixou-se a seguinte doutrina: "Tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (nº 1 do art.º 616º do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido no art.º 664º do C. P. Civil". Porém, 24. No nosso caso, o Autor não descurou a qualificação jurídica do efeito da acção de impugnação pauliana - declaração da ineficácia do negócio jurídico. Não obstante, 25. A distinta julgadora, considerou que , uma vez que, os factos provados integram uma simulação e uma vez que o negócio simulado é nulo, decidiu declarar a nulidade dos negócios celebrados no dia .../.../2013 entre os Primeiros Réus BB e CC e EE e FF e o negócio celebrado entre os primeiros Réus BB e CC, e o segundo Réu, ora recorrente, DD. 26. O que em nosso entender é violador do principio do dispositivo, concretamente dos limites da condenação definidos no art.º 609.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos do pedido, condenando em quantidade superior à pretensão deduzida pelo Autor. Não sendo essa a pretensão do Autor, não pode o tribunal extrair efeitos que não reflectem o pedido formulado, conforme sobre esta matéria se pronunciou o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 19-01-2017. 27. Uma coisa, é corrigir a qualificação jurídica do efeito pretendido em conformidade a ação instaurada, outra bem diferente é ex officio o julgador convolar uma ação pauliana em ação de nulidade, conforme foi realizado no presente caso. 28. Pelo que, em nosso entender não poderia a meritíssima Juíza, sobrepor-se ao pedido efetuado pelo Autor, condenando em objeto diverso do pedido, aliás conforme sobre esta matéria se pronunciou o venerando Supremo Tribunal de Justiça, nos Acórdãos datados de 14-01-1997 e 24-10-2002. 29. Face ao exposto, somos do entendimento, como todo o respeito por melhor que a sentença recorrida é nula por violadora do principio do dispositivo e do disposto nos art.ºs 5 e 609 do CPC. Assim, 30. Com todo o respeito, pela Meritíssima Juíza “ a quo “, quer por melhor opinião, no presente caso, somos da opinião que a sua decisão, errou quer quanto à apreciação da prova, quer ao sobrepor-se ao pedido efetuado pelo Autor, condenando em objeto diverso do pedido, violando assim, o disposto no art.º 5º e 609 Do C.P.C. 31. Devendo assim, reapreciada que seja a prova quer documental, carreada para os autos, quer a prova testemunhal produzida em julgamento, o que ora se requer, verificar-se que, com todo o respeito, no caso sub Júdice, não se encontram reunidos os requisitos legais para declarar a nulidade dos negócios celebrados, no dia .../.../2013, entre os primeiros réus BB e CC e EE e FF e o negócio celebrado entres os primeiros réus BB e CC e o segundo réu DD e que titulou a transmissão da propriedade do prédio urbano, constituído por rés-do-chão e primeiro andar com logradouro, sito na Rua ..., na freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana número ...95, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...84, com o valor patrimonial tributável de € 39.777,59 (trinta e nove mil, setecentos e setenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos) primeiro para os réus BB e CC e depois destes para o réu DD. E em consequência, 32. Deve a acção, em referência, ao contrário da mui douta decisão proferida de que ora se recorre, ser julgada improcedente, por não provada e consequentemente o Réu ser absolvido dos pedidos nela formulados. Entre outras, a sentença recorrida, violou as seguintes disposições legais: Artºs 5º , 607 nºs 4 e 5 e 609º, do C.P. Civil e Artº s 240º, 610º e 616º do Código Civil. Termos em que, nos melhores de direito se sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e consequentemente, deverá ser revogada a decisão recorrida e a acção intentada pelo Autor, ora apelado, ser julgada improcedente por não provada e o Réu, ora Apelante, absolvido dos pedidos nela formulados O Autor respondeu aos recursos apresentados, sustentando a manutenção da sentença recorrida. No despacho de admissão dos recursos interpostos, rejeitou-se que se verifiquem as nulidades imputadas à sentença recorrida. * 1. O objeto dos recursos Considerando as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões: - A sentença recorrida é nula porque condenou em objeto diverso do peticionado? - A sentença recorrida não observou o disposto no art.º 607º, n.º 4, do C. P. Civil, não fundamentando a decisão da matéria de facto? - Os fatos n.º 9 e 10 da sentença recorrida, devem ser julgados não provados? - Os factos das alíneas e), g), h), k), m), n) e q) da sentença recorrida devem ser julgados provados? - Não se verificam os requisitos da simulação? * 2. Da nulidade da sentença O terceiro Réu invocou a nulidade da decisão recorrida, por ter condenado em objeto diferente do pedido, o que constituiria um excesso de pronúncia, preenchendo a hipótese prevista no art.º 615º, n.º 1, d), do C. P. Civil. Na petição inicial pediu-se que o tribunal declarasse a ineficácia em relação ao autor, dos negócios jurídicos mencionados, devendo ainda ser ordenado ao terceiro réu, a restituição do referido bem, de modo que o autor o possa relacionar na relação de bens por óbitos dos seus pais. O Tribunal declarou nulos aqueles negócios e determinou a restituição pelo terceiro Réu do imóvel objeto desses negócios de modo a que o Autor o pudesse relacionar na relação de bens por óbito dos seus pais. A diferença entre o pedido e o decidido reside, pois, apenas na utilização do termo, “ineficácia” e “nulidade”. Estamos apenas perante uma diferente qualificação jurídica da situação jurídica dos negócios jurídicos alegadamente afetados por um vício, sendo que o efeito prático peticionado e sentenciado foi o mesmo – restituição do bem ao património dos alienantes. Aliás, o termo ineficácia pode ser usado num sentido amplo ou num sentido estrito [1], sendo que, ao pedir-se a restituição do bem ao património do alienante, como consequência da “ineficácia” daqueles negócios, em regra estamos perante o primeiro dos conceitos, o qual também inclui a “nulidade” do negócio, pelo que não é possível afirmar que estamos perante uma condenação em objeto diverso do peticionado. É certo que o Autor invocou como causa jurídica da ineficácia peticionada, o instituto da impugnação pauliana (cuja procedência nem tem como consequência a restituição do bem ao património do alienante, mas sim a ineficácia do negócio impugnado, em sentido estrito), e a sentença recorrida concluiu pela existência de negócios simulados, como causa da nulidade decretada. Mas tal diferença reside no enquadramento jurídico da situação fáctica apurada e, nessa matéria, o tribunal tem inteira liberdade de decisão - art.º 5º, n.º 3, do C. P. Civil. Não se verifica, pois, a nulidade, da sentença, arguida pelo terceiro Réu. * 3. Os factos 3.1. Da motivação da decisão sobre a matéria de facto O terceiro Réu alega que a sentença recorrida não fundamentou a decisão da matéria de facto, designadamente não indicando quais os meios de prova que justificaram a prova dos factos 9 e 10 e porque é que o seu depoimento não mereceu credibilidade, incumprindo o disposto no art.º 607º, n.º 4, do C. P. Civil. Dispõe este preceito, quanto à fundamentação da decisão da matéria de facto, que o juiz deve analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Deve o juiz explicar, de forma compreensível, as razões pelas quais considerou provados determinados factos e não provados outros, sem que haja uma obrigatoriedade de redigir uma apreciação individualizada de cada facto e de cada meio de prova produzido. Apesar de na fundamentação da decisão da matéria de facto, constante da sentença recorrida, não se explicitar uma justificação específica dirigida para a prova dos factos n.º 9 e 10, ela encontra-se claramente expressa quando se aborda a não demonstração dos factos julgados não provados. A sentença recorrida, entendeu que resultando da prova produzida que nas duas transmissões não se verificou o pagamento de qualquer contrapartida, tendo em atenção as relações in(existentes) entre o Autor e os seus pais, se presume, segundo as regras da experiência, que estes com a alienação da nua propriedade da sua casa de habitação visaram evitar que este viesse a herdar esse imóvel, pelo que, independentemente da correção deste juízo probatório, o mesmo é perfeitamente percetível, não se justificando a utilização do poder previsto na alínea d), do n.º 2, do art.º 662º, do C. P. Civil. Também quanto à valoração do depoimento do terceiro Réu, verifica-se que o tribunal não lhe conferiu credibilidade quando o seu teor contrariava as regras da experiência, estando, pois, justificado o exercício da liberdade de valoração quanto a esse meio de prova. Não se verifica, pois, a insuficiência de motivação invocada pelo terceiro Réu quanto à decisão sobre a matéria de facto. 3.2. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto Os dois primeiros Réus impugnaram a decisão sobre a matéria de facto, sustentando que os factos n.º 9 e 10 devem ser julgados não provados e que devem passar a ser incluídos nos factos provados os que constam das alíneas d), e), f), g), h), k), l), m), n) e q), com a seguinte redação: d) Provado que foi pago o preço da compra referida no ponto 5 através dos diversos montantes em dinheiro que os compradores, BB e mulher lhe emprestaram ao longo dos anos e cujo valor oscilará entre os 38.000,00 € e os 40.000,00 €. e) O falecido EE e mulher ao longo dos anos contraíram verbalmente empréstimos de dinheiro com os 1º e 2º réus em quantias parcelares a fim de fazerem face a despesas de várias ordem, e designadamente com a conservação e manutenção de prédio onde tinham a sua residência habitual e permanente (Rua ..., em ...), bem como para outros encargos, em particular, com a doença crónica cardíaca de que aquele padecia há já vários anos. f) Tudo isto em virtude de boas e salutares relações pessoais que sempre existiram entre eles, tendo, contudo, sido outorgado acordo particular-declaração de dívida datado de 23/06/2010. g) Vaticinando o seu fim de vida, os falecidos EE e mulher acordaram com os réus, BB, que lhes alienou a raiz ou nua propriedade do prédio urbano sito na Rua ... e inscrito na matriz da freguesia ... sob o art.º ...95º, reservando para si o usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo, ficando, assim, liquidada a dívida contraída pelos empréstimos concedidos ao longo dos tempos. h) A alienação do prédio urbano sito na Rua ..., em ..., inscrita na matriz sob o art.º ...95º e descrição ...84 serviu os legítimos interesses dos compradores, EE e FF, dado que os vendedores não tinham à data da outorga possibilidade de solverem o débito existente. k) e l) mantendo a mesma redação. m) e n) Os 1ºs e 2ºs RR adquiriram de boa fé a nua propriedade do prédio identificado em 5 (e não em 2 por erro de escrita), pelo valor correspondente à dívida existente à data da outorga da escritura pública de compra e venda que EE e mulher foram contraindo ao longo de vários anos junto dos compradores, tendo com a aludida venda sido paga a dívida à custa do seu próprio património. q) mantendo a mesma redação. O terceiro Réu impugnou a decisão sobre a matéria de facto, defendendo que os factos n.º 9 e 10 devem ser julgados não provados. A motivação da decisão sobre a matéria facto foi a seguinte: A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto acima descrita teve em consideração a posição assumida pelas partes nos respectivos articulados e resultou da análise crítica e conjugada, à luz das regras de experiência, fundadas em critérios de normalidade, e atendendo às regras do ónus da prova aplicáveis, das declarações de parte prestados pelo réu DD, e ainda, dos depoimentos testemunhais produzidos em audiência de julgamento, em conformidade com o que resulta das respectivas actas. As respostas dadas pelo Tribunal fundamentaram-se, igualmente, na análise, global e pormenorizada, do teor dos documentos juntos aos autos. Dessa forma, tendo presentes os meios de prova já referidos, isoladamente ou conjugados entre si, cumpre concretizar como se formou a convicção do Tribunal. Assim, no que respeita à matéria de facto dada como provada e, nomeadamente, à celebração das aquisições sucessivas do prédio identificado em 2. (pontos 5 a 7 dos factos provados), o Tribunal teve em consideração, essencialmente, o teor dos documentos juntos aos autos, a fls. 18 ss e 21 ss os quais retractam a factualidade em apreço é, por si só, reveladora da transferência da propriedade daquele imóvel primeiro para o património dos 1.º e 2.º réus e depois para o 3.º réu. Ainda no contexto da prova documental, a habilitação de herdeiros junta a fls.7 verso ss, atesta a relação de parentesco existente entre o Autor e os falecidos EE e FF e o cumprimento das obrigações do autor na qualidade cabeça de casal junto da AT (ponto 1 a 4 dos factos provados), como do denominado contrato de promessa de compra e venda (ponto 13). De resto, sempre resultaria aceite face à posição que foi assumida pelos réus na respectiva contestação , sendo ainda reveladora do registo efectuado dessa transferência conforme se infere da respetiva certidão da CRP .... O ponto 8 infere-se dos documentos que titulam a transmissão da nua propriedade pois deles não se infere qual foi o meio de pagamento utilizado, sendo certo que é da competência do Notário observar o cumprimento dessa obrigação e a sua falta não tem qualquer consequência jurídica perante o Tribunal. Quanto à matéria vertida no ponto 11 a mesma não oferece qualquer dúvida pelo que tivemos por não provada a matéria vertida na alínea a) atento o teor do contrato de arrendamento junto aos autos a fls. 45 que não foi contrariado por qualquer outro meio probatório. Quanto aos pontos 12 e 13 a verdade é que os documentos permitem retirar que efectivamente a nua propriedade do prédio identificado em 2. foi vendido pelos e 2 réus ao 3.º réu. Se existiam outros interessados e desistiram (alínea p) devido ao ónus do usufruto que onerava o identificado prédio, ou se decidiram vender com base no considerado na alínea o) tal matéria não se provou, porquanto nenhuma prova foi produzida nesse sentido tal como sucedeu, diga-se desde já, quanto à matéria vertida nas alíneas i) j) k) l) e q). Quanto à matéria vertida na alínea d) dos factos não provados, a não realização de qualquer pagamento por parte dos 1.ºe 2.º réus, aquando da dita transferência da nua propriedade a 23.07.2013– (ponto 5 dos factos provados) é matéria que já resultará do sentido da defesa apresentada pelos réus BB e CC em contestação, no qual associam esta transferência de propriedade (pese embora a apelidem de garantia) a alegados empréstimos de dinheiro, notando-se que em lado algum fazem referência à entrega de qualquer quantia monetária nesta fase. Aliás, a contestação vai precisamente no sentido de que a alienação terá sido efectuada como forma de garantia dos mencionados empréstimos, mas sem nunca concretizar tais factos. E a respeito destes empréstimos caberá desde logo dizer que comprovadamente não se demostrou qualquer transferência de qualquer quantia a titulo de empréstimo destes réus para EE e ou FF - alíneas e) a h). Estamos certos que não se emprestam quantias tão elevadas em dinheiro (42.000,00€ de acordo com o escrito junto a fls 53), a menos que os réus BB e CC tenham elevadas quantias em dinheiro na sua posse em lugar do seu depósito no banco como seria de esperar de qualquer cidadão. Ademais ainda que a tese sustentada pelos réus se tivesse demonstrado sempre faltaria explicar quando e como foram concedidos tais empréstimos, em que montantes e de que de forma a perfazerem 42.000,00€ - para além de uma alegação na contestação meramente genérica e sem qualquer especificação do documento que surgiu no dia da audiência dediscussão e julgamento consta, ao invés do sustentado pelos referidos réus, o documento sustenta que foi concedido um empréstimo do 42.000,00€ pelo período de 2 anos e não, que foram concedidos vários empréstimos, nos termos constantes da alínea e) que por isso se teve por não provada, tal como sucede com a matéria vertida na alínea f) porquanto ao invés do alegado por estes réus, afinal existia um documento particular. Acresce que é totalmente contrario às regras da experiencia que um casal de idosos com parcas reformas (a testemunha LL indicou o seu valor) se disponha a pedir 42.000,00€ a vizinhos para obras, e demais despesas ali invocadas com tratamentos médicos, quando a testemunha LL sustentou ao mesmo tempo que gastou cerca de 50.000,00€ com deslocações com os pais a hospitais para fazer tratamentos, e que os irá reclamar no respectivo inventário. A testemunha desconhece que se trata de uma obrigação natural e certamente que os pais se fossem carenciados economicamente sempre teriam direito a transporte suportado pelo Estado. Também aqui atento o testemunho desta testemunha ressalta à saciedade que estes negócios mais não visaram do que afastar a possibilidade deste imóvel ser relacionado à morte de EE e FF, pelo que dúvidas não temos quanto à sua natureza. Também não temos qualquer dúvida que o autor não é titular de qualquer crédito nem este o alegava, pois a mera espectativa de herdar não configura um crédito (alínea c). Impõe-se ainda referir que o facto de o autor não falar com os pais, com o irmão LL e o sobrinho DD que nunca teve oportunidade de consigo conviver por força da animosidade existente entre a família, não constitui qualquer causa de indignidade que permitisse afastar o autor da sua qualidade de herdeiro, como bem sabem os réus representados por Ilustres Advogados. Ademais, impunha-se que comprovadamente tivesse sido realizada pelo terceiro réu para o primeiro e segundo réus, transferência, ou pagamento por cheque da quantia do preço pela aquisição do imóvel, porquanto não é possível acreditar que um jovem com a idade do 3.º réu, possua 35.000,00€, em notas, em casa, e não depositadas no local próprio. Foi questionado se perante o estranho pedido de dois idosos para lhes pagar em dinheiro, o tinha ido levantar ao banco, o que facilmente comprovaria documentalmente, ao que respondeu que parte herdou dos avós maternos (25.000,00€) e a outra parte correspondia a poupanças também elas em dinheiro! E ainda é mais estranho que o réu DD possuísse tamanha quantidade de notas em casa, quando o seu pai foi assaltado e lhe furtaram cerca de 250 mil euros em ouro. Ficou-nos a firme convicação que nem existia nenhuma dívida de semelhante montante, nem foi paga qualquer quantia pela transmissão do imóvel. No que se refere ao propósito dos réus com a celebração das referidas transferência das esferas de EE e FF para o primeiro e segundo réus e posteriormente destes para o 3.º réu e ao conhecimento dos réus, não da existência de qualquer crédito por banda do autor, mas sim, das péssimas relações familiares existentes, pese embora a exiguidade da prova, o Tribunal partiu essencialmente dos testemunhos de GG que notoriamente tinha conhecimento da “venda sem dinheiro” tal como sucedeu com o depoimento de HH, os quais, em termos genéricos e nesta parte, que os negócios visavam prejudicar o autor, tendo até a primeira testemunha referido que alguém chegou a alertar FF de que também tinha uma neta para além do neto DD (alínea m). Ou seja, a globalidade da prova confirma a par da falta de prova quanto ao pagamento do preço aquilo que foi expendido no articulado da petição inicial neste conspecto. A tese pugnada pelos réus, não só se revela confusa, mas sobretudo revela incoerência com os meios probatórios documentais juntos aos autos e revela uma elevada inverosimilhança e implausibilidade à luz daquilo que é a normalidade do acontecer e no contexto da sequência dos episódios ocorridos. Depois, a pretexto da situação familiar de EE e FF de um problema de saúde, pese embora o alegado, não foi confirmado mediante apresentação de qualquer relatório médico ou outro meio probatório, verdadeiramente isento na decisão da causa, que comprovasse o gasto de tamanhas quantias para o seu tratamento, tal como sucedeu quanto à realização de obras que importassem o dispêndio de elevado montante, convicção esta que sai ainda mais reforçada quando se tem em consideração as relações familiares existentes entre o autor e o pai do réu DD (ponto 15) e por não ser de todo comum que quem está doente, com parcos recursos financeiros se disponha a realizar obras numa casa, ainda que, com vista ao seu arrendamento contraindo empréstimo de 42.000,00€ para o efeito. Revela-se altamente implausível, à luz das regras da experiência comum, que o mesmo tivesse sucedido. Nenhuma razão atendível, sustentada em critérios de logicidade, foi avançada para explicar tais condutas. Note-se ainda que o réu DD alega que tomou posse do imóvel logo após a sua aquisição, o que também aqui se estranha, pois só foi adquirida a nua propriedade uma vez que o usufruto pertencia aos seus avós. Houve claramente uma intenção dos réus de contribuírem com a sua conduta para o almejado por EE, impedir que o bem em apreço fosse relacionado, à sua morte (ponto 10). E todos os réus conheciam tal intencionalidade, dadas as más relações existentes entre o autor e restante família e com ela se conluiaram - alínea m) e n). Assim sendo, em conformidade com tal convicção, tais factos não poderiam deixar de ser respondidos como não provados. Finalmente quanto ao ponto 14 o mesmo resulta demonstrado pelas declarações do próprio réu DD. É a seguinte a redação dos factos provados n.º 9 e 10: 9. As mencionadas compras e vendas, foram ficcionadas, uma vez que ao realizar os negócios jurídicos supra referidos os RR. pretenderam unicamente evitar, satisfazendo a vontade dos falecidos pais do aqui A., que aquele imóvel não integrasse a herança destes, em prejuízo patrimonial dos herdeiros, designadamente do aqui A. 10. Tiveram como único fim impedir que o identificado imóvel fizesse parte do acervo hereditário destes. Antes de apreciarmos a prova produzida quanto a esta matéria, convém referir que a redação do ponto 9 enferma de um lapso de escrita, uma vez que se quis dizer que, com aqueles negócios, se pretendeu evitar que o imóvel transacionado integrasse a herança de EE e FF, tendo-se escrito “pretenderam evitar...que aquele imóvel não (sublinhado nosso) integrasse a herança”, pelo que deve ser eliminada a partícula “não”. Resultou da prova produzida que o Autor e o seu pai, EE, estavam de relações cortadas há várias décadas - depoimentos prestados pelas testemunhas GG, primo do falecido EE, HH, filho da anterior testemunha, LL, filho dos falecidos EE e FF, irmão do Autor e pai do Réu DD, e das declarações de parte deste último -; que EE e FF também doaram, por conta da quota disponível, a sua casa de morada de família, ao Réu DD, seu neto - dos depoimentos de LL e do Réu DD-; que EE e FF celebraram em 23.7.2013 uma escritura de compra e venda em que declararam transmitir a nua propriedade do imóvel em causa nos presentes autos para os dois primeiros Réus, mantendo para si a reserva do usufruto, tendo estes últimos, por sua vez, após a celebração de um contrato-promessa em 2.6.2015, transmitido para o Réu DD o direito de propriedade que lhes havia sido transmitido por EE e FF, por escritura pública outorgada em 22.1.2019, sem que em nenhuma destas transmissões o preço declarado tenha sido efetivamente pago, como abaixo iremos concluir. A soma de todas estas circunstâncias permite a este tribunal presumir, segundo as regras da experiência, que os referidos negócios constituíram atos de execução de um plano urdido por EE e FF, com a colaboração dos Réus, tendo por finalidade evitar que os dois imóveis de que eram proprietários viessem, à sua morte, a integrar as heranças das quais o Autor era herdeiro legitimário, transmitindo-os, assim, gratuitamente, para o seu neto, o Réu DD, sobrinho do Autor e filho do outro herdeiro legitimário, LL, sem que essas doações pudessem a vir a ser reduzidas por inoficiosidade, por força do art.º 2169º do C. Civil. O facto da transmissão não ter sido feita diretamente para o património do Réu DD, tendo sido, num primeiro momento transmitido o direito à nua propriedade para os dois primeiros Réus, os quais, mais tarde, a transmitiram para aquele Réu, resultou da necessidade de evitar a proibição relativa da venda de bens a descendentes, constante do art.º 877º do C. Civil. A concludência deste raciocínio presuntivo é reforçada quer pela referência no depoimentos das testemunhas GG e HH a conversas tidas por estes com EE, em que era abordado o tema de que, com as alienações de bens realizadas por EE e FF a filha do Autor - a sua netinha - seria prejudicada, e pelas declarações da testemunha LL que, no seu depoimento, expressou que considerava a possibilidade do Autor vir a herdar bens dos seus pais uma injustiça, dado nunca lhes ter prestado qualquer acompanhamento e assistência, ao contrário da testemunha que apoiou os seus pais na doença, tendo dependido quantias avultadas quer em transportes para o IPO, quer no internamento da sua mãe num lar. No facto n.º 9, que corresponde ao alegado pelo Autor nos art.ºs 17.º e 18.º da petição inicial, além de se referir que ao realizar os negócios jurídicos supra referidos os RR. pretenderam unicamente evitar, satisfazendo a vontade dos falecidos pais do aqui A., que aquele imóvel integrasse a herança destes, em prejuízo patrimonial dos herdeiros, designadamente do aqui A., , o que é repetido no facto n.º 10, também se diz que aqueles negócios foram ficcionados, importando precisar em que é que constituiu tal ficção ,de acordo com a prova produzida e acima revelada. Por isso, deve passar a constar o seguinte do facto provado n.º 9: a intenção das partes outorgantes dos negócios referidos nos pontos 5 a 7, foi a de, satisfazendo a vontade dos falecidos pais do Autor, transmitir gratuitamente o imóvel transacionado para o património do terceiro Réu, sem que essa transmissão pudesse vir a ser reduzida, por inoficiosidade, evitando, assim, que aquele imóvel integrasse a herança daqueles, em prejuízo patrimonial dos herdeiros, designadamente do aqui A. A explicação da ficcionação do primeiro negócio deve ser efetuada no número seguinte, em substituição do facto n.º 10 que era uma mera repetição do que já constava no facto n.º 9., que deve passar a ter seguinte redação: essa transmissão seria efetuada através de uma primeira transmissão gratuita para o património dos dois primeiros Réus da nua propriedade desse imóvel, com reserva do usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo a favor dos pais do Autor e com a obrigação daqueles retransmitirem gratuitamente esse direito para o terceiro Réu. Constata-se que o disposto nos factos n.º 12 e 13, 1ª parte, encontra-se em contradição com o teor do facto n.º 9, uma vez que, contrariamente ao que consta deste último facto, reflete que o negócio referido no ponto 7 resultou de um real acordo de vontades entre as partes e não de uma aparência que dissimula uma vontade diferente da declarada no texto do contrato outorgado. Apesar do conteúdo daqueles factos não ter sido impugnado, este Tribunal tem poderes para os alterar, face à detetada contradição, nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil [2]. Assim, tendo-se considerado provada a matéria constante do facto n.º 9, na redação acima enunciada, por serem contraditórios, deve eliminar-se o facto n.º 12 e o facto n.º 13 deve apenas referir que em 2.6.2015 os dois primeiros Réus e o terceiro Réu outorgaram um contrato-promessa de compra e venda, relativo ao negócio referido em 7, com o texto que consta do documento junto aos autos a fls. 394 e 395. Quanto aos factos não provados é o seguinte o teor das alíneas d), e), f), g), h), k), l), m), n) e q): d) Tenha sido pago o preço em ambos os negócios, mormente que o pagamento do negócio mencionado em 13. ocorreu em 02 de Junho de 2015. e) O falecido EE e mulher ao longo dos anos contraíram verbalmente empréstimos de dinheiro com os 1.º e 2.º réus em quantias parcelares a fim de fazerem face a despesas de vária ordem, e designadamente com a conservação e manutenção do prédio onde tinham a sua residência habitual e permanente, bem como para outros encargos, em particular, com a doença crónica cardíaca de que aquele padecia há já vários anos. f) Tudo isto em virtude das boas e salutares relações pessoais que sempre existiram entre eles, ao ponto de nunca terem necessidade de outorgar qualquer documento particular ou notarial para o efeito. g) Vaticinando o seu fim de vida, os falecidos EE e mulher acordaram com os aqui réus que lhes alienariam a raiz ou nua propriedade do prédio urbano sito na Rua ... e inscrito na matriz da freguesia ... sob o art.º ...95º. h) A alienação serviu ao fim e ao cabo, como verdadeira garantia patrimonial dada a impossibilidade de os vendedores solverem o débito existente à data da outorga da escritura pública k) O autor e a testemunha HH, após o funeral de EE, deslocaram-se ao domicílio dos réus BB e CC, na qualidade de amigos, para dar uma ideia precisa de mediatismo, precisamente num momento tão difícil para um filho, como a morte de um pai, e uma vez ali disseram- lhes em voz alta e ameaçadora de que eles tinham participado num “negócio fraudulento”. l) O réu BB informou-os de que havia uma dívida do pai do autor para com ele e com a venda do prédio urbano o débito ficou liquidado. m) Os 1.º e 2.º réus adquiriram de boa fé a nua propriedade do prédio urbano identificado em 2. pelo valor correspondente à dívida existente a Julho de 2013 que EE e mulher foram contraindo ao longo de vários anos junto daqueles réus. n) Com a aludida venda da nua propriedade, os falecidos viram a dívida ser integralmente paga à custa do seu próprio património. q) Sempre se falou em família e era voz corrente na localidade, era que a casa foi vendida e o preço compensado com débitos dos vendedores resultantes de vários empréstimos, principalmente para a realização de obras na casa onde os mesmos vendedores viviam. O acontecimento narrado nas alíneas k) e l) foi referido pela testemunha HH que nele interveio e o relatou de forma credível, sendo compreensíveis alguns lapsos de memória, pelo que deve ser considerado provado nos termos em que foram descritos por essa testemunha, cujo depoimento se revelou verosímil. Assim, deve ser julgado provado que o Autor e a testemunha HH, uns dias após o óbito de EE, deslocaram-se ao domicílio dos réus BB e CC, e uma vez ali disseram ao Réu BB que eles tinham participado num “negócio fraudulento”, tendo este respondido que a realização do negócio referido nos pontos 5. e 6. tinha visado compensar uns empréstimos que aqueles Réus haviam feito a EE. Os factos acima descritos sob as alíneas e) a h) e m) a q) respeitam à existência de empréstimos efetuados pelos dois primeiros Réus a EE. Além do que foi narrado pela testemunha HH e que acima se referiu, a existência destes empréstimos foi apenas mencionada pela testemunha LL e pelo Réu DD, os quais disseram ter conhecimento deles por conversas que tiveram com EE. Atenta a posição de parte nesta ação do Réu DD e da relação familiar deste com a testemunha LL, a credibilidade dos seus depoimentos encontra-se seriamente afetada, sendo que a testemunha LL, durante o seu depoimento, manifestou claramente que considerava a possibilidade de o Autor vir a herdar dos seus pais uma injustiça, dado que não lhes prestou qualquer apoio e assistência. Além disso, os seus depoimentos, na tentativa de justificar a existência desses empréstimos, revelaram inconsistências e contradições, não tendo a existência desses empréstimos qualquer base circunstancial sólida, nem qualquer suporte documental, tal como sucede com a alegação de que a transmissão da nua propriedade para os dois primeiros Réus do prédio em causa tenha correspondido a uma dação em pagamento da obrigação de reembolso dos alegados empréstimos, a qual não se encontra minimamente refletida no texto da escritura outorgada. Note-se que o documento particular junto pelos Réus na audiência de julgamento de “declaração de dívida” - fls. 396 dos autos -, não pode ser valorado neste juízo probatório, atento o disposto no art.º 374º do C. Civil, uma vez que foi impugnada a sua assinatura, não tendo os Réus feito prova de que o mesmo foi emitido e assinado por EE e FF. Tendo em atenção a prova do facto 9 e a ausência de uma prova minimamente consistente sobre a entrega de quantias pelos dois primeiros Réus a EE, conclui-se que a narrativa dos empréstimos foi artificialmente construída para justificar a transação referida nos pontos 5 e 6, sem que tenha havido lugar ao pagamento do preço constante do texto do contrato outorgado. Por estas razões, justifica-se que os factos constantes das alíneas d), primeira parte, e) a h) e m) a q) se mantenham na lista dos factos não provados. Relativamente ao facto descrito na alínea d), no que toca ao negócio de compra e venda realizado entre os Réus, o pagamento do preço acordado no texto contratual no momento da outorga do contrato-promessa, apenas referido pela testemunha LL e pelo Réu DD, cuja credibilidade se encontra muito diminuída pelas razões já acima explicadas, também se revela inverosímil, quer pela discrepância entre o que consta do contrato-promessa e da escritura, quer pelas razões discrepantes e contrárias ao senso comum que foram dadas naqueles depoimentos para que o Réu dispusesse, no momento da celebração do contrato-promessa, daquela quantia em “dinheiro vivo”. Note-se que não há qualquer rasto do dinheiro, alegadamente entregue na data da celebração do contrato-promessa, quer no património do Réu DD, antes do alegado pagamento, quer na entrega do mesmo, quer no património dos primeiros Réus após essa suposta entrega, sendo certo que no contrato-promessa se escreveu que ele só seria pago na data da celebração do negócio prometido. Tudo aponta para não ter existido o pagamento de qualquer quantia, quer na data da celebração do contrato promessa, quer na data da realização da escritura, uma vez que a redação e assinatura desses contratos apenas serviu para executar o último ato da operação maquinada por EE e FF, com a colaboração dos Réus, de transmitirem gratuitamente a nua propriedade daquele prédio para o seu neto DD, consolidando-se a propriedade absoluta no património deste, quando aqueles falecessem, evitando-se, deste modo, que essa transmissão gratuita pudesse vir a ser reduzida por inoficiosidade. O depoimento da testemunha - MM - que prestou apoio ao Réu DD na redação do contrato-promessa, apenas teve como razão de ciência o que este Réu lhe contou, na altura, pelo que não tem a força suficiente para abalar a convicção deste Tribunal que não se verificou o pagamento de qualquer quantia aos dois primeiros Réus, tal como estes também não tinham pago qualquer quantia ao EE e à FF, aquando da primeira transação, como foi assumido por todos. Por essa razão, deve também este facto manter-se na lista dos factos não provados. Em conclusão, a impugnação deduzida pelo terceiro Réu deve ser julgada totalmente improcedente e a impugnação deduzida pelos dois primeiros Réus deve ser julgada parcialmente procedente e, em consequência, face ao acima exposto: - o facto n.º 9 passa a ter a seguinte redação: a intenção das partes outorgantes dos negócios referidos nos pontos 5 a 7, foi a de, satisfazendo a vontade dos falecidos pais do Autor, transmitir gratuitamente o imóvel transacionado para o património do terceiro Réu, sem que essa transmissão pudesse vir a ser reduzida, por inoficiosidade, evitando, assim, que aquele imóvel integrasse a herança daqueles, em prejuízo patrimonial dos herdeiros, designadamente do aqui A. - O facto n.º 10 passa a ter a seguinte redação: essa transmissão seria efetuada através de uma primeira transmissão gratuita para o património dos dois primeiros Réus da nua propriedade desse imóvel, com reserva do usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo a favor dos pais do Autor e com a obrigação daqueles retransmitirem gratuitamente esse direito para o terceiro Réu. - O facto n.º 12 passa a integrar a lista dos factos não provados. - O facto n.º 13 passa a ter a seguinte redação: em 2.06.2015 os Réus outorgaram um contrato-promessa de compra e venda relativo ao negócio referido em 7 que se encontra junto aos autos a fls. 394 e 395. - são eliminados da lista dos factos provados os que constam das alíneas k) e l), passando a constar dos factos provados que o Autor e a testemunha HH, uns dias após o óbito de EE, deslocaram-se ao domicílio dos réus BB e CC, e uma vez ali disseram ao Réu BB que eles tinham participado num “negócio fraudulento”, tendo este respondido que a realização do negócio referido nos pontos 5 e 6 tinha visado compensar uns empréstimos que aqueles Réus haviam feito a EE. * 3.3. Os factos provados Neste processo, estão, pois, provados os seguintes factos, efetuando-se a sua renumeração: 1. O Autor é herdeiro legitimário na herança aberta por óbito de EE, falecido em .../.../2021, e de FF, falecida em .../.../2021. 2. O Autor é filho de EE e FF. 3. Pretende o Autor proceder ao inventário por óbito daqueles falecidos, sendo cabeça-de-casal nesse inventário, porquanto é o descente mais velho, competindo-lhe apresentar a relação de bens dos falecidos. 4. Em cumprimento das obrigações junto da Autoridade Tributária, na sequência daqueles óbitos, procedeu, em 01 de fevereiro de 2021, à participação dos mesmos e apresentou o aqui Autor as correspondentes relações de bens. 5. Os seus pais, EE e FF, já não eram proprietários, entre outros, do prédio urbano, constituído por rés-do-chão e primeiro andar com logradouro, sito na Rua ..., na freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana número ...95, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...84, com o valor patrimonial tributável de € 39.777,59 por terem vendido, a nua propriedade do mesmo aos seus vizinhos, aqui 1º e 2º Réus., BB e CC, em 23/07/2013, por meio de escritura pública de compra e venda, sendo o preço de 38.500,00 €. 6. Reservando para si o usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo. 7. Nua propriedade que estes 1º e 2º Réus, BB e CC, em 22 de janeiro de 2019, venderam ao 3º R., DD, neto de EE e FF, por contrato de compra e venda por via de documento particular autenticado pelo valor de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), declarando os Réus que aquele valor havia sido pago em 02 de junho de 2015, pelo 3º Réu aos 1º e 2ª Réus. 8. Daqueles documentos não consta o meio de pagamento utilizado. 9. A intenção das partes outorgantes dos negócios referidos nos pontos 5 a 7, foi a de, satisfazendo a vontade dos falecidos pais do Autor, transmitir gratuitamente o imóvel transacionado para o património do terceiro Réu, sem que essa transmissão pudesse vir a ser reduzida, por inoficiosidade, evitando, assim, que aquele imóvel integrasse a herança daqueles, em prejuízo patrimonial dos herdeiros, designadamente do aqui Autor. 10. Essa transmissão seria efetuada através de uma primeira transmissão gratuita para o património dos dois primeiros Réus da nua propriedade desse imóvel, com reserva do usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo a favor dos pais do Autor e com a obrigação daqueles retransmitirem gratuitamente esse direito para o terceiro Réu. 11. Os falecidos EE e FF não tinham a sua casa de morada de família no prédio do nº 20 da Rua ... da mesma. 12. Em 2.06.2015 os Réus outorgaram um contrato-promessa de compra e venda relativo ao negócio referido em 7, que se encontra junto aos autos a fls. 394 e 395. 13. O 3º réu tomou logo posse do prédio e pretende efectuar obras no prédio que adquiriu de modo a poder colocá-lo no mercado de arrendamento, tirando daí algum rendimento. 14. O Autor, não falava, nem se relacionava, com os seus pais, irmão e 3.º réu, seu sobrinho, há várias décadas. 15. O Autor e a testemunha HH, uns dias após o óbito de EE, deslocaram-se ao domicílio dos réus BB e CC, e uma vez ali disseram ao Réu BB que eles tinham participado num “negócio fraudulento”, tendo este respondido que que a realização do negócio referido nos pontos 5. e 6. tinha visado compensar uns empréstimos que aqueles Réus haviam feito a EE. * 4. O direito aplicável O Autor, na petição inicial, pediu que o tribunal decretasse a ineficácia em relação ao Autor, dos dois negócios jurídicos acima descritos nos pontos 5 a 7 da matéria de facto provada, devendo ainda ser ordenado ao terceiro réu, a restituição do prédio, cujo direito de propriedade foi transacionado naqueles negócios, de modo que o Autor o pudesse relacionar na relação de bens por óbitos dos seus pais. Fundamentou este pedido no exercício da impugnação pauliana. A impugnação pauliana é um meio processual à disposição dos credores para inutilizarem os atos que ponham em risco a garantia constituída pelo património dos devedores. Um dos requisitos essenciais para a procedência deste tipo de ações é a de que o demandante seja titular de um direito de crédito sobre o titular do património garante -art.º 610º, a), do C. P. Civil. O Autor não invocou a titularidade de qualquer direito de crédito sobre EE e FF, mas sim a sua qualidade de herdeiro das heranças destes, tendo alegado que estes alienaram um bem imóvel que lhes pertencia com a única finalidade que o Autor não viesse a herdá-lo. Não tendo sido alegado e, portanto não se tendo provado, a existência de qualquer direito de crédito cuja satisfação tenha sido posta em causa pela realização dos negócios impugnados, não estão verificados os requisitos da impugnação pauliana, pelo que este instituto não é idóneo a fundamentar a procedência do pedido deduzido pelo Autor. No entanto, a sentença recorrida, apesar de ter afastado a aplicação da impugnação pauliana, não deixou de julgar procedente a ação, mas com fundamento em que os negócios impugnados são negócios simulados e, portanto, nulos, sendo as doações na sombra daqueles contratos, também nulas, por falta de forma. Como bem enunciou a sentença recorrida, ocorre uma simulação negocial quando se verifica uma divergência, resultante de conluio entre as partes, entre a vontade real e a vontade declarada dos contraentes, aquela integrando o negócio dissimulado e esta o negócio simulado, com a intenção de enganar terceiros - art.º 240º do Código Civil. Provou-se que EE e FF, por meio de escritura pública de compra e venda, outorgada em 23.7.2013, declararam que vendiam aos dois primeiros Réus, o prédio aqui em discussão, pelo preço de € 38.500,00, reservando para si o usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo sobre esse mesmo prédio, tendo estes últimos declarado aceitar essa venda. Por sua vez, após celebração de contrato-promessa em 2.6.2015, os dois primeiros Réus, por escritura pública outorgada em 22.1.2019, em cumprimento daquele contrato-promessa, declararam vender a nua propriedade daquele prédio ao terceiro Réu, pelo preço de € 35.000,00, tendo este declarado aceitar essa venda. No entanto, também se provou que a intenção das partes outorgantes destes dois negócios foi a de, satisfazendo a vontade dos entretanto falecidos EE e FF, transmitir gratuitamente o imóvel transacionado para o património do terceiro Réu, após uma passagem transitória pelo património dos dois primeiros Réus, sem que essa transmissão pudesse vir a ser reduzida, por inoficiosidade, evitando, assim, que aquele imóvel viesse a integrar a herança daqueles, em prejuízo patrimonial dos seus herdeiros legitimários, designadamente do aqui Autor. Estamos, pois, perante a celebração de dois negócios jurídicos, na concretização de um só desígnio, em que as declarações negociais emitidas não correspondem à vontade real dos declarantes, por conluio entre eles, visando com esta dissimulação prejudicar os herdeiros de EE e FF, uma vez que a transmissão onerosa, em vida, de bens do património destes, os excluiria das respetivas heranças. Os dois negócios são, nos termos do art.º 240º do C. Civil, dois negócios simulados, cuja consequência é a sua nulidade. Note-se, no entanto, que a simulação é apenas objetiva, não havendo dados fácticos suficientes para que se possa dizer que no primeiro negócio ocorreu uma interposição fictícia de pessoas - simulação subjetiva relativa -, uma vez que não foi alegado e consequentemente não se provou que esse negócio tenha sido realizado em conluio com o terceiro Réu [3]. A simulação objetiva nos dois negócios é relativa, uma vez que ambos dissimulam um outro negócio – contrato de doação do mesmo imóvel – que corresponde à vontade real das partes. Dispõe o art.º 241º do C. Civil para estes casos: 1. Quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado. 2. Se, porém, o negócio dissimulado for de natureza formal, só é válido se tiver sido observada a forma exigida por lei. Assim, apesar de serem nulos os dois negócios simulados, as duas doações dissimuladas poderão produzir efeitos, desde que as mesmas sejam válidas, enquanto negócios jurídicos completos e autónomos, quer em termos substanciais, quer em termos formais, seguindo a máxima romana plus valet quod agitur quam quod simulate concipitur. Em termos substanciais, não existe qualquer impedimento à realização dos dois negócios de doação da nua propriedade do prédio em causa, uma vez que se encontra dentro dos poderes inerentes ao direito de propriedade sobre um bem a sua alienação gratuita, em vida, mesmo que a essa alienação presida a intenção de evitar que esse bem venha futuramente a integrar a herança do alienante. A circunstância do primeiro negócio ter sido realizado com a vinculação funcional dos donatários virem a, posteriormente, doar o imóvel recebido ao terceiro Réu, não se traduz numa limitação que afete a validade do negócio, uma vez que estamos perante um negócio fiduciário cum amico, na modalidade de fidúcia para alienação, em que um bem é alienado com a obrigação de o adquirente, por seu turno, o alienar a outrem, o que é admissível no nosso ordenamento jurídico, salvo se redundar numa situação de fraude à lei [4]. Se é verdade que a outorga do primeiro negócio de compra e venda simulado terá visado evitar a proibição constante do art.º 877º do C. Civil, o mesmo não sucede com o negócio de doação subjacente, o qual apenas se concretizou devido à necessidade de tornar aparente uma compra e venda, com a finalidade de evitar uma eventual redução por inoficiosidade da doação. Já quanto à observância das exigências de forma colocam-se questões que têm suscitado opiniões díspares na doutrina. Há quem defenda que o negócio dissimulado apenas será formalmente válido se as respetivas declarações de vontade respeitarem autonomamente a forma legalmente exigida, pelo que a coincidência da forma adotada para o negócio simulado com a forma exigida para o negócio dissimulado não é suficiente para se considerar que este observou a forma prevista na lei [5]. Outros, pelo contrário, sustentam que se as declarações de vontade simuladas revestiram a forma legalmente exigida para a manifestação das declarações de vontade reais, o negócio dissimulado é válido e eficaz [6]. Uma terceira posição, dominante, entende que a validade do negócio dissimulado está dependente do preenchimento pela forma adotada para o negócio simulado das razões justificativas da forma exigidas para o negócio dissimulado [7] Esta discussão já remonta ao Código de Seabra, que não continha qualquer disposição sobre o tema, tendo como principais protagonistas Beleza dos Santos [8], que defendia que “se só existe a forma devida no ato aparente e dele não constam os elementos essenciais do ato dissimulado, nos termos em que para eles se exige essa forma, esse ato é nulo”, e Cunha Gonçalves [9], para quem a forma adotada no ato aparente vestia suficientemente o ato secreto. Manuel de Andrade [10] interveio nesta discussão, adotando uma posição eclética que defendia a validade dos negócios dissimulados em que as razões do formalismo exigido se mostrassem satisfeitas com a observância das solenidades adotadas no negócio simulado. O assento do STJ de 27.03.1952 subscreveu a posição de Beleza dos Santos [11]. Nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, Rui de Alarcão, aderindo à tese de Manuel da Andrade [12] propôs a introdução de um preceito em que se dispunha: Quando sob o negócio simulado se oculta um outro negócio, que as partes realmente quiseram celebrar será aplicável a este último o tratamento jurídico que lhe corresponderia se tivesse sido concluído sem dissimulação. Sendo o negócio dissimulado de natureza formal, a sua validade supõe, na falta de uma contradeclaração com a forma legalmente requerida que as razões de tal formalismo se mostrem satisfeitas com a observância das formalidades revestidas pelo negócio simulado [13]. Esta proposta manteve-se no art.º 211º do Anteprojeto saído da 1.ª Revisão Ministerial, tendo, contudo, a 2.ª Revisão Ministerial adotado uma redação neutra, aberta a um preenchimento pela doutrina e pela jurisprudência que atualmente consta do atual 241.º do Código Civil. Tendo em atenção, o subprincípio do máximo aproveitamento dos negócios jurídicos, como uma das vertentes da autonomia privada, revelando-se satisfeitas pelo formalismo seguido no negócio aparente as finalidades visadas com as exigências de forma do negócio dissimulado, não há razões para que não se reconheça validade e eficácia a este negócio, pelo que se perfilha a tese proposta por Manuel de Andrade e adotada nos trabalhos preparatórios do C. Civil atual, por Rui Alarcão, a qual, encontra, aliás, lugares paralelos, nos art.ºs 221º e 238º do Código Civil, e é seguida quase unanimemente pela jurisprudência [14]. Quando um negócio simulado de compra e venda de um imóvel, outorgado por escritura pública, esconde a doação desse imóvel, deve considerar-se que as razões que exigem que este contrato gratuito seja realizado através de escritura pública - art.º 947º, n.º 1, do C. Civil -, se mostram satisfeitas pelo formalismo seguido no negócio aparente, uma vez que nos dois tipos negociais a razão para tal formalismo reside na especial importância do bem transacionado – um imóvel – que é comum a ambos os negócios e não na gratuitidade da alienação - as doações de bens móveis já não estão sujeitas a tal formalismo -, estando asseguradas as finalidades de precaver as partes contra uma eventual precipitação ou ligeireza e de assegurar a prova da transmissão de um bem imóvel [15]. Devem, pois, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida, serem considerados válidos os negócios de doação dissimulados pelos contratos de compra e venda referidos nos pontos 5. a 7. da matéria de facto provada, independentemente de poder haver lugar, no processo de inventário para partilha dos bens das heranças de EE e FF, a uma redução por inoficiosidade da doação daquele imóvel, nos termos do art.º 2169º e seguintes do C. Civil. Não sendo nulos os negócios de doação dissimulados não pode a ação interposta ser julgada procedente, pelo que devem os recursos interpostos pelos Réus serem julgados procedentes, revogando-se a decisão recorrida. * Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar procedentes os recursos interpostos pelos Réus e, em consequência: - revoga-se a sentença recorrida; - julga-se improcedente a presente ação. - absolvem-se os Réus do pedido formulado. * Custas da ação e dos recursos pelo Autor. * 28.9.2022 [1] Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. I, 3.ª ed., Universidade Católica Editora, 2001, pág. 510, Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2012, pág. 615, e Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. II, 4.ª ed., Almedina, 2014, pág. 931. [2] Neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Almedina, 2022, pág. 333. [3] Sobre os requisitos da interposição fictícia de pessoas Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Almedina, 1998, pág. 186-187, Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2012, pág. 470, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª ed., Almedina, 2019, pág. 681, e Mafalda Miranda Barbosa, Falta e Vícios da Vontade. Dogmática e Jurisprudência em Diálogo, Gestlegal, 2020, pág. 13-17, e Lições de Teoria Geral do Direito Civil, Gestlegal, 2021, pág. 661-664. [4] Sobre esta modalidade de um negócio fiduciário e a sua validade, Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, AAFDL, 1979, pág. 169-170, Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2002, pág. 190-192, Luís Carvalho Fernandes, Estudos Sobre a Simulação, pág. 243, António Barreto Menezes Cordeiro, Do Trust no Direito Civil, Almedina, 2014, pág. 986 e seg., e Pestana de Vasconcelos, A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência. Em Particular da Posição do Cessionário na Insolvência do Cedente, Coimbra Editora, 2007, pág. 50. [5] Inocêncio Galvão Telles, ob. cit., pág. 180-181, Mário de Brito, Código civil Anotado, vol. I, ed. do autor 1968, pág. 286, Carlos Mota Pinto, ob. cit., pág. 474-475, Heinrich Edwald Horster e Eva Sónia Moreira da Silva, A Parte Geral do Código Civil Português, 2.ª ed., Almedina, 2019, pág. 605-611, e Eva Sónia Moreira da Silva, Algumas notas sobre a simulação relativa, Estudos em Comemoração dos 20 anos da Escola de Direito da Universidade do Minho, Coimbra Editora, 2014, pág. 594-603. [6] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1987, pág. 228, e Pedro Pais de Vasconcelos, cit., pág. 682-689. [7] Vaz Serra, Anotação ao Acórdão do S.T.J. de 06.06.1967, RLJ 101, pág. 68-78, Anotação ao Acórdão do STJ de 18.04.1969, R.L.J. 103, pág. 356-362, e Anotação ao Acórdão do S.T.J. de 22.06.1979, R.L.J. 113, pág. 57-64 e 70-74, Castro Mendes, ob. cit., pág. 163-165, Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. I, ed. do autor, 1987, pág. 317-319, Oliveira Ascensão, Direito Civil/Teoria Geral, vol. II, Coimbra Editora, 2003, pág. 224-226, Luís Carvalho Fernandes, ob. cit., pág. 36-38, Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 902-907, António Barreto Menezes Cordeiro, Da simulação no Direito Civil, 2.ª ed., Almedina, 2014, pág. 122-129, e Código Civil Comentado, I, Parte Geral, Almedina, 2020, pág. 715-717, Ana Filipa Morais Antunes, Comentário ao Código Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 559, Mafalda Miranda Barbosa, Falta e Vícios da Vontade. Dogmática e jurisprudência em diálogo, cit., pág. 31-34, e Lições de Teoria geral do Direito Civil, cit., pág. 677-680, e Manuel Pita, Código Civil Anotado, vol. I, 2017, Almedina, pág. 296-297. [8] A Simulação em Direito Civil, vol. I, Coimbra Editora, 1921, pág. 365. [9] Tratado de Direito Civil em Comentário ao Código Civil Português, vol. V, Coimbra Editora, 1932, pág. 740. [10] Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, cit., pág. 191-194. [11] Acessível em www.dgsi.pt ou no B.M.J. n.º 32, pág. 258. [12] Exposição de motivos, no B.M.J. , n.º 84, pág. 309 e seg. [13] Anteprojeto publicado em Simulação, no B.M.J. n.º 84, pág. 305, e em Do negócio Jurídico, no B.M.J. n.º 105, pág. 257. [14] V.g. os acórdãos do S.T.J. de: 18.4.68, B.M.J. n.º 186, pág. 190, relatado por Lopes Cardoso, 19.7.1979, B.M.J, 289, pág. 271, relatado por Miguel Caeiro, 17.6.2003, relatado por Ribeiro de Almeida, 9.10.2003, relatado por Oliveira Barros, 26.11.2009, relatado por Ferreira de Sousa, 28.5.2013, relatado por Fernandes do Vale, e de 17.12.2019, relatado por Graça Amaral, estes últimos acessíveis em www.dgsi.pt. Divergindo desta orientação, o Acórdão do S.T.J. de 02.06.2015, relatado por Hélder Roque, seguiu a linha segundo a qual o formalismo do negócio aparente não aproveita ao negócio dissimulado. [15] Neste sentido, Rodrigues Bastos, ob. cit., pág. 319, Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 226, Menezes Cordeiro, ob. cit., pág. 906-907, António Barreto Menezes Cordeiro, Da simulação no Direito Civil, cit., pág. 127-129, e Código Civil Comentado, I, Parte Geral, cit., pág. 716-717, e Mafalda Miranda Barbosa, Falta e Vícios da Vontade. Dogmática e jurisprudência em diálogo, cit., pág. 33-34, e Lições de Teoria Geral do Direito Civil, cit., pág. 679-680, e os acórdãos do S.T.J. citados no 1.º parágrafo da nota 13 Era já essa também a opinião de Manuel de Andrade e Rui Alarcão, ob. e loc. cit., antes da entrada em vigor do atual Código Civil. No sentido oposto, Castro Mendes, ob. cit., pág. 165, Luís Carvalho Fernandes, ob. e loc. cit., e Manuel Pita, ob. cit., pág. 296. |