Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULA MARIA ROBERTO | ||
Descritores: | REVELIA DO RÉU EFEITO COMINATÓRIO SEMIPLENO APLICABILIDADE DO ART.º 12.º-A DO CÓDIGO DO TRABALHO PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE PLATAFORMA DIGITAL ESTAFETA CONTRATO DE TRABALHO CONSTITUCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 01/17/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 57.º, 186.º-L, N.º 2, 186.º-M, DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO, 12.º-A DO CÓDIGO DO TRABALHO, 350.º, N.º 2, DO CÓDIGO CIVIL E 20.º, N.ºS 1 E 4, DA CONSTITUIÇÃO | ||
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Sumário: | I – O artigo 186.º-M do CPT consagra um efeito cominatório semipleno à revelia do réu, desde logo, porque o juiz terá de apreciar exceções dilatórias evidentes ou se o pedido é manifestamente improcedente, ou seja, o juiz não pode limitar-se a proferir uma decisão “condenatória” sem mais.
II – Os artigos 186.º-L, n.º 2, 186.º-M e 57.º, todos do CPT não sofrem de inconstitucionalidade por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo. III – À relação jurídica estabelecida entre as partes com início em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023 que aditou ao Código do Trabalho o artigo 12.º-A, este só será aplicado à mesma no caso de se extrair da matéria de facto que ocorreu uma mudança essencial na configuração dessa relação, ou seja, a nova presunção de laboralidade será aplicável se resultar da matéria de facto que as partes alteraram os seus termos essenciais. IV – Encontrando-se preenchidas três das cinco características enunciadas no artigo 12.º do CT, impõe-se concluir que se encontra constituída a presunção da existência de um contrato de trabalho entre o prestador de atividade e a Ré Uber Eats. V – Esta presunção (iuris tantum) pode ser ilidida nos termos gerais (n.º 2 do artigo 350.º do CC), nomeadamente, se a Ré fizer prova que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar do beneficiário daquela. VI – Resultando da matéria de facto provada que o estafeta está integrado na organização de trabalho da Ré, sujeito ao horário e às regras por esta definidas e à sua supervisão, ao poder de direção e disciplinar da mesma e desenvolvendo a sua atividade em regime de exclusividade para a Ré, existe a subordinação jurídica característica essencial de uma relação laboral. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | _________________________________
Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório
O Ministério Público
intentou a presente ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, relativamente ao prestador AA, contra
Uber Eats Portugal, Unipessoal, Ldª, com sede em Lisboa
alegando, em síntese que: A Ré presta e disponibiliza serviços à distância através do sítio da internet e de uma aplicação informática pertencente à plataforma APP Uber Eats, a pedido de utilizadores de estabelecimentos de restauração e de produtos alimentares e outros; é a plataforma que contacta e contrata com o mercado e disponibiliza toda a rede de suporte para o desenvolvimento da atividade de entregas, controla as entregas e supervisiona o seu cumprimento através do pedido de PIN, como forma de avaliação do trabalho; o trabalhador encontra-se sob supervisão permanente da Ré através do sistema de geolocalização utilizado no percurso de entrega, sabendo a Ré a todo o tempo onde o trabalhador se encontra; a Ré pode desconectar o trabalhador da APP; este não possui uma organização empresarial própria e autónoma, prestava a atividade sob as ordens e instruções da Ré, utilizando a plataforma pertença da Ré, sendo que o telemóvel, a mochila térmica e o veículo têm as características determinadas pela Ré e apenas podia trabalhar em horário determinado pela Ré e na área definida pela plataforma; o trabalhador recebia uma retribuição por entrega de 90% do valor atribuído à mesma, semanalmente, podia ser excluído da plataforma pela Ré, se faltasse ao trabalho tinha que justificar a falta e desenvolvia a sua atividade em regime de exclusividade profissional e económica; existem mais de duas características da presunção de laboralidade constantes do artigo 12.º, n.º 1, do CT, reveladoras da existência de subordinação jurídica do trabalhador em relação à Ré; a relação contratual que vincula a Ré e o trabalhador consubstancia, na realidade, um verdadeiro e típico contrato de trabalho. Termina formulando o seguinte pedido: “Nestes termos, e nos mais de direito, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, por via dela ser reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho vigente entre a ré UBER EATS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA., NIPC ...22, com sede na Av. ..., ..., ... Lisboa, e o trabalhador AA, fixando-se a data do início do contrato, pelo menos, em 31 de Dezembro de 2021.” A Ré, devidamente notificada, não apresentou contestação. Foi, então, proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, decide-se julgar totalmente procedente a presente ação e, consequentemente, reconhece-se e declara-se a existência de um contrato de trabalho vigente entre AA e a “UBER EATS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA”, fixando-se a data do início do contrato em 31 de dezembro de 2021.” A Ré, notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte: (…). O Ministério Público apresentou resposta concluindo que: (…). Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. II – Questões a decidir: Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso. Cumpre, assim, apreciar as questões suscitadas pela Ré recorrente, quais sejam: * b) - Discussão Alega a recorrente que: - Da análise da sentença aqui recorrida, é manifesto que não há uma só palavra quanto ao preceito de direito aplicável aos factos dados por provados, seja de forma sucinta ou mais complexa. - O tribunal a quo não explicou em que medida é que entendeu que existe uma relação laboral entre a Recorrente e o Prestador de Atividade aqui em causa, abstendo-se pura e simplesmente de explicar como decidiu de tal forma, não subsumindo qualquer norma de direito aos factos que deu como provados, escudando-se numa interpretação errada da lei, como já referido e especificado. - Esta postura por parte do douto tribunal impede que a Recorrente saiba que características o tribunal entendeu como verificadas, para efeitos da presunção de laboralidade em causa. - Da aplicação (errónea) do efeito cominatório pleno à revelia da Recorrente, resulta a confissão dos factos alegados pelo Autor. - Esta postura revela a inexistência, na decisão sub judice, de qualquer ponderação relativa aos factos que permitisse, depois, subsumi-los ao direito aplicável, dado que o mínimo de ponderação da situação em análise teria conduzido o tribunal a quo a considerar a ação improcedente. - Na sentença a quo não foram elencadas quaisquer normas de direito que justifiquem a decisão tida, ausência que só por si impede a possibilidade de recorrer dos mesmos em sede de recurso. - Conclui-se que o tribunal a quo não procedeu, como lhe é exigido, à subsunção dos factos provados ao direito aplicável - qualquer que seja esse direito, dado que o mesmo não foi sequer invocado. - Ao não indicar o direito aplicável, o tribunal limita-se aficar à sombra da revelia da Recorrente, sem ponderar se os factos a ter como provados dariam efetivamente azo à aplicação da presunção vertida no artigo 12.º do CT – o qual assumimos ser o direito em causa, dado ser a matéria de direito invocada pelo Ministério Público na sua petição inicial e tendo em conta que o contrato de trabalho foi reconhecido com data de início em 31 de dezembro de 2021. - Assim, o tribunal decidiu ao arrepio daquilo que é o entendimento doutrinário e jurisprudencial, que entende, conforme expresso supra, pelo efeito cominatório semipleno da confissão, com base nos artigos 57.º e 186.º-M do CPT e 567.º do CPC. - Verifica-se assim um patente caso de falta absoluta de especificação dos fundamentos de direito, que inquina a sentença recorrida de nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi o disposto no artigo 1.º, n.º 2 do CPT, nulidade essa que se argui para todos os efeitos e que deve ser reconhecida pelo tribunal a quo ou declarada por este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra. Apreciando a pretensão da recorrente: A sentença é nula quando <<não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.>> - artigo 615.º, n.º 1, b), do CPC. <<Ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão (art. 607-3). Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (…). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (…)>>.[2] Estamos, assim, perante nulidade da decisão, um vício intrínseco da mesma. Por outro lado, a propósito da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, resulta do disposto no artigo 186.º-M do CPT, sob a epígrafe “Falta de contestação”, que: <<Se o empregador não contestar, o juiz profere, no prazo de 10 dias, decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.>> Na sentença recorrida entendeu-se que a falta de contestação prevista neste normativo tem um efeito cominatório pleno e como tal, na existência de exceções dilatórias evidentes e de o pedido não ser manifestamente improcedente, limitou-se, sem mais, a proferir “decisão condenatória”. Tendo em conta a redação do referido artigo 186.º-M é nosso entendimento que o mesmo não consagra um efeito cominatório pleno à revelia do réu (mas antes semipleno), desde logo, porque o juiz terá de apreciar exceções dilatórias evidentes ou se o pedido é manifestamente improcedente, ou seja, o juiz não pode limitar-se a proferir uma decisão “condenatória” sem mais. Assim sendo, tal como previsto no artigo 57.º do CPT (efeitos da revelia), se o réu não contestar consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença conforme for de direito, ou seja, o juiz terá de proferir decisão de mérito, terá de proferir sentença a julgar a causa conforme for de direito.[3] Ora, como já referimos, a sentença recorrida limitou-se a proferir decisão condenatória, sem mais, pelo que, na ausência de qualquer fundamentação de direito, impõe-se concluir que por absoluta falta de indicação dos fundamentos de direito da decisão, a mesma sofre da nulidade que lhe foi assacada, o que se declara. Tendo em conta a regra da substituição ao tribunal recorrido (n.º 1 do artigo 665.º do CPC) este tribunal conhecerá do objeto da apelação. Procedem, assim, estas conclusões da recorrente.
2ª questão Nulidade do processo / violação do direito à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo. Alega a recorrente que: - Contrariamente ao que é referido no n.º 3 do artigo 15.º-A, da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro, a remessa do Inspetor da ACT não foi “acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho”, uma vez que, segundo os documentos disponibilizados nos autos, não foi remetida (i) nem a pronúncia da Recorrente, nem tampouco (ii) os documentos anexos. - Consideram-se todos elementos de prova determinantes para a boa decisão da causa e sem os quais o juízo quanto à instauração de ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho padece de nulidade. - Da remessa dos autos ao Ministério Público da Covilhã, apenas constam o Auto de Participação e a Ficha de Identificação do Prestador de Atividade: não foi assim remetida a pronúncia e respetivos documentos em anexo que a Recorrente ofereceu aos autos, em sede de fase administrativa, de acordo com o seu direito de defesa. - A remessa incompleta dos elementos de prova recolhidos não permite uma tomada de decisão completa e esclarecida por parte do Ministério Público. - Tal circunstância traduz-se não só numa violação do disposto no n.º 3, do artigo 15.º-A, da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro, na sua redação atual, nos termos da qual se clarifica que na remessa devem constar “todos os elementos de prova recolhidos”, como também numa violação clara do direito fundamental da Recorrente à tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo. - Comprometendo assim a defesa da aqui Recorrente, na presente ação, a qual foi alvo de uma quantidade assoberbada de ARECTs, na sequência das centenas de participações da ACT ao Ministério Público, num curtíssimo espaço de tempo, numa evidente estratégia de constranger a sua capacidade de defesa perante as centenas de ações instauradas. - A remessa da participação da ACT ao Ministério Público constitui um ato administrativo, uma decisão, no exercício de poderes jurídico-administrativos, que visa sempre a produção de efeitos jurídicos externos, numa situação individual e concreta, nos termos do artigo 148.º do CPA. - De acordo com o artigo 161.º, número 2, alínea d), do CPA, são nulos, entre outros, os atos administrativos que violem o conteúdo essencial de um direito fundamental. - A não remessa da pronúncia da Recorrente na fase administrativa limitou, em violação da lei, a prova disponibilizada ao Ministério Público, o qual, não tendo na sua posse todos os elementos de prova recolhidos até aquele momento, limitou, ilegalmente, a sua possibilidade de ponderação e raciocínio quanto à viabilidade / necessidade de intentar uma ação contra a Recorrente, uma vez que não tinha conhecimento de todos os elementos probatórios. - A pronúncia constitui um elemento essencial para que o Ministério Público conseguisse decidir pela propositura da ação –logo, sempre se terá de concluir pela nulidade do ato de remessa, na medida em que tal ato, ao não estar completo e tendo omitido os elementos fundamentais para uma esclarecida decisão do Ministério Público, violou o direito fundamental a um processo equitativo, estatuído no artigo 20.º, n.º 4 da CRP. - Além da violação de um claro direito de defesa da Recorrente, que se viu com uma ação judicial que, no limite, poderia não ter vindo a ser interposta, tal como já referido acima. - A nulidade do ato administrativo de remessa da ACT para o Digníssimo Magistrado do Ministério Público da Covilhã enferma de nulidade todo o processado. - Esta nulidade é de conhecimento oficioso e pode ser arguida a todo o tempo, devendo os efeitos da sua declaração operar até ao momento da prática do ato nulo, uma vez que tal ato administrativo, sendo nulo, nunca poderá produzir quaisquer efeitos no ordenamento jurídico, independentemente da sua declaração de nulidade. - Tal regime deflui do disposto no artigo 162.º, do CPA, n.º 1 e 2. - Deverá, por isso, ser julgada verificada a existência de uma exceção dilatória inominada e absolvida da instância a Recorrente nos termos dos artigos 576.º, n.º 1 e 2 e 278.º, n.º 1, al. e) do CPC. Apreciando: Antes de mais cumpre dizer que a ora recorrente, para prova do alegado juntou aos autos os documentos de fls. 123 a 130, 134 a 153 e 160 a 189, nomeadamente, um contrato de parceiro de entregas do parceiro de frota, um contrato de parceiro de frota e a sua pronúncia alegadamente enviada à ACT - Unidade Local da Covilhã. Acontece que, do documento de fls. 160 e segs., datado de 17/11/2023, não resulta qualquer prova do envio do mesmo à ACT e do email junto a fls. 129 v.º, datado de 18/11/2023, extrai-se que a Ré terá enviado um link com pronúncias e anexos respeitantes a diversos autos, no entanto, não se consegue identificar os mesmos nem os respetivos centros locais da ACT alvo do envio. De qualquer forma, sempre diremos o seguinte: Dúvidas não existem de que a remessa da participação para os serviços do Ministério Público a que alude o n.º 3 do artigo 15.º-A. da Lei n.º 107/2009, de 14/09, constitui um ato administrativo. Certo é também que neste normativo se consagra que a participação dos factos é acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. Compulsados os autos constatamos que a participação enviada ao Ministério Público não foi acompanhada de qualquer pronúncia ou documentos apresentados pela Ré, no entanto, mesmo que esta os tenha enviado, não acompanhamos a recorrente na sua alegação de que a remessa incompleta se traduz numa violação do direito fundamental da recorrente à tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, comprometendo a sua defesa, sendo nulo o ato de remessa por violação do direito fundamental a um processo equitativo estatuído no artigo 20.º, n.º 4, da CRP, nulidade do ato administrativo que enferma do mesmo vício todo o processado. Na verdade, resulta do n.º 4 do artigo 20º da CRP que <<todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.>> Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira[4], <<a doutrina e a jurisprudência têm procurado densificar o princípio do processo equitativo através de outros princípios: (1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo, com proibição de todas as discriminações ou diferenças de tratamento arbitrárias; (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas; (…); (7) direito à prova, isto é, à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo; (8) direito a um processo orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas.>> Por outro lado, é nulo o ato administrativo que ofenda o conteúdo essencial de um direito fundamental – artigo 161.º, n.º 1, d), do CPA. Ora, a falta de remessa da pronúncia e anexos supra mencionada não consubstancia a violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, nomeadamente, na sua vertente do direito à igualdade de armas, do direito de defesa e ao contraditório e do direito à prova, desde logo, porque a recorrente foi citada para contestar e no respetivo articulado podia apresentar toda a sua defesa e juntar os documentos que entendia estarem em falta, no entanto, não o fez nem apresentou contestação, pelo que, não se pode concluir que a eventual falta da remessa daqueles comprometeu o seu direito a uma defesa justa e equitativa. Pelo exposto, o ato de remessa da participação por parte da ACT não é nulo e o processo não enferma de qualquer nulidade. Improcedem, assim, as conclusões da recorrente. - A decisão do presente pleito com base em normas como as que resultam da conjugação dos artigos 186.º-M e 57.º, n.º 1 do CPT, assentes na falta de contestação da aqui Recorrente e consequentemente com a cominação de confissão de factos alegados pelo Autor, aqui Recorrido, constitui uma frontal violação dos direitos de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, e ao processo equitativo, direitos fundamentais previstos no artigo 20.º, n.º 1 e n.º 4 (parte final) da CRP, inconstitucionalidades que desde já se invoca, para todos os efeitos legais. - A sentença recorrida viola, assim e por si só, direitos subjetivos da Recorrente decorrentes dos direitos, liberdades e garantias previstos na CRP. - Sendo sobejamente conhecido o elevado número de ARECTs instauradas contra a Recorrente e que pendem neste momento junto dos tribunais de todo o país, as quais, ainda que assentem na mesma questão jurídica (a potencial existência de uma relação laboral), assentam em matéria de facto necessariamente diversa, afiguram-se violadores do direito fundamental de acesso à tutela jurisdicional efetiva consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da CRP, os prazos de 10 dias para contestar (previsto no artigo 186.º- L, n.º 2 do CPT), aliados à cominação de confissão dos factos articulados pelo autor prevista no artigo 57.º, n.º 1 do CPT, e de 10 dias para proferir decisão condenatória “a menos que o pedido seja manifestamente improcedente” (previsto no artigo 186.º-M do mesmo diploma), decorrente da dificuldade desmesurada que imprimem nas ações em causa, e portanto, violadores do direito fundamental de acesso à tutela jurisdicional efetiva, conforme previsto na CRP. - A sentença deveria, pelo menos, tendo em atenção as circunstâncias conhecidas em que decorreu a ação inspetiva descrita acima (e até por dever funcional) e ao abrigo dos artigos 2.º e 204.º da CRP, não aplicar a cominação de confissão patente no artigo 57.º, n.º 1, do CPT e decidir o pleito sem se limitar a aderir aos fundamentos do Ministério Público, detendo-se rigorosamente sobre o direito aplicável e apreciando os factos alegados pelo Recorrido e respetiva prova (ou falta dela) carreada para os autos. - Não tendo desaplicado aquelas normas – o que deveria ter feito, por força dos mencionados artigos 2.º e 204.º da CRP, bem como, na ordem infraconstitucional, usando o douto tribunal a quo do poder-dever de gestão e adequação processual que se lhe impõe pelo artigo 6.º do CPC –, violou o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP. - Da ação urgente de reconhecimento de existência de contrato de trabalho prevista no CPT e Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o Estado tem um mínimo de 35 dias para preparar e intentar uma ação, perante a qual o réu goza apenas 10 dias para contestar. - Ação essa que, em consequência das disposições dos artigos 2.º, n.º 3, alínea a) e 15.º-A, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, com o artigo 186.º-K, n.º 1 do CPT, se baseia numa presunção legal a favor do autor (de laboralidade prevista no artigo 12.º ou 12.º-A do CT), o que significa que este apenas tem de provar a verificação de determinados indícios - mas não os factos constitutivos do direito que invoca. - O que significa que o réu, ou putativo empregador, tem apenas 10 dias para recolher, analisar e organizar prova que lhe permita ilidir a presunção no que respeita aos factos e desenvolver a argumentação jurídica que ao caso caiba, de modo a apresentar uma contestação que constitua defesa minimamente efetiva da sua posição que já é, à partida, desequilibrada ope legis. - Essa construção é manifestamente inconstitucional, por não assegurar o direito efetivo a um processo equitativo, desde logo, em sede de igualdade de armas, pela diferença abstrata de prazos conferidos ao autor para preparar e propor a ação (no mínimo 35 dias) e ao réu, como a Recorrente, para se defender (10 dias). - Por um lado, encontra-se o Ministério Público, com uma clara vantagem processual, aliada à presunção criada a seu favor. - Ao passo que, do outro lado, encontramos uma Recorrente inundada de ações cuja defesa se torna onerosíssima pelo volume, concentração temporal, segregação espacial em violação do artigo 19.º, n.º 1 do CPT e especificidades factuais. - Numa interpretação do regime da ARECT conforme aos mencionados princípios constitucionais, no caso concreto e circunstâncias dos autos, o tribunal a quo deveria ter ignorado o efeito de confissão causado pela falta de contestação e analisado o caso. - Neste sentido, deveria ter dado por provados ou não provados os factos alegados em consonância com a prova produzida nos autos, discriminando-os devidamente, atendendo ainda aos factos públicos e notórios, bem como os factos instrumentais (passíveis de recorte dessa mesma prova), aplicando-lhes o direito. - Ao não o fazer, a sentença incorreu em erro de julgamento por infração de regras constitucionais, em duas vertentes: (i) violação em si mesma dos direitos subjetivos da Recorrente à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo, consagrados no artigo 20.º, n.º 11 e n.º 4 da CRP, os quais têm a natureza de direitos, liberdades e garantias nos termos do artigo 18.º do mesmo diploma; e, (ii) aplicação do regime processual definido para a ARECT desconforme à CRP, ao não o adaptar às circunstâncias do caso concreto (designadamente, pelo facto de se tratar uma ação com origem em fiscalização administrativa da qual resultaram mais de 800 processos judiciais contra a aqui Recorrente, num contexto em que o Autor, aqui Recorrido, beneficia de uma presunção legal. - Devendo, por isso, declarar-se a inconstitucionalidade, por violação dos princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva e do direito ao processo equitativo consagrados no artigo 20.º, n.os 1 e 4, da CRP, da norma resultante das disposições conjugadas dos artigos 186.º-M e 57.º, n.º 1 e n.º 2, parte final, interpretadas no sentido adotado pela sentença, no âmbito de uma ação urgente como a ARECT com origem numa ação de fiscalização de entidades administrativas que dá origem a mais de 800 processos judiciais contra o mesmo réu (in casu, a aqui Recorrente). Apreciando: Por força do disposto no n.º 1 do artigo 186º-K do CPT, o Ministério Público dispõe de 20 dias para propor a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. Por outro lado, o empregador é citado para contestar no prazo de 10 dias – n.º 2 do artigo 186º-L, do CPT. Acresce que, <<se o empregador não contestar, o juiz profere, no prazo de 10 dias, decisão condenatória, a não ser que ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias ou que o pedido seja manifestamente improcedente.>> - artigo 186º-M do CPT. Como já referimos, resulta do artigo 20º da CRP que: <<1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, (…). (…) 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.>> Impõe-se dizer, desde já, que ao contrário do alegado pela recorrente, ao tribunal não compete ponderar, em fase de julgamento, a quantidade de ações propostas contra a ora recorrente. Acresce que, não vislumbramos a invocada violação dos direitos de acesso ao direito, à tutela jurisdicional efetiva e a um processo equitativo, nomeadamente, por força do referido prazo de 10 dias para contestar e do efeito cominatório semipleno previstos nos citados normativos. Na verdade, por um lado, o prazo de 10 dias para contestar não se nos afigura curto posto que está em causa uma ação urgente, a contestação não carece de forma articulada e impõe-se ponderar a contestação de uma ação e não todas as propostas contra a ora recorrente que, como a recorrente aceita, versam sobre a mesma questão jurídica e, dizemos nós, sobre os mesmos factos, divergindo apenas quanto ao prestador de atividade. E, por outro, inexiste qualquer fundamento legal para não aplicar o efeito cominatório suprarreferido (artigo 204.º CRP), na medida em que, como já referimos, não vislumbramos a violação de qualquer direito fundamental previsto na CRP. E também não acompanhamos a recorrente na sua alegação de uma violação do direito a um processo equitativo, desde logo, porque os prazos previstos para a propositura da ação e para a contestação assentam em realidades distintas. Na verdade, enviada pela ACT a participação dos factos ao Ministério Público, este toma conhecimento dos mesmos pela primeira vez e terá de reunir e analisar todos os elementos necessários para a propositura da ação, ao passo que o empregador, citado para contestar, já antes foi notificado pela ACT para regularizar a situação ou se pronunciar. Acresce que a recorrente podia ter pedido a prorrogação do prazo para contestar nos termos previstos no n.º 2 do artigo 58.º do CPT, no entanto, não o fez, nem apresentou contestação! Ao contrário do alegado pela recorrente não existe qualquer diferença absolutamente desproporcional nos prazos, sendo irrelevante o número de ações intentadas contra a Ré, bem como o facto de existir uma presunção legal de contrato de trabalho (artigos 12.º e 12.º-A, ambos do CT). Assim sendo, não foi violado o direito à tutela jurisdicional efetiva e ao processo equitativo e, consequentemente, os artigos 186.º-L, n.º 2, 186.º-M e 57.º, todos do CPT não sofrem da alegada inconstitucionalidade. Improcedem, por isso, as conclusões da recorrente. - Dizer, simplesmente “[c]onclui-se, pois, pela existência de mais de duas características da presunção de laboralidade constantes do ar. 12º, nº 1 do Código do Trabalho, nomeadamente das alíneas a), b), c) e d) reveladoras da existência de subordinação jurídica da trabalhadora em relação à ré”, sem concretizar por referência a cada alínea do mencionado artigo 12.º, n.º 1, do CT não é suficiente para que se possam dar por demonstrados pelo menos dois daqueles indícios. - O indício “A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado” – a ser verdade, poderia ser potencialmente subsumível o alegado ponto 14 dos factos provados na sentença, ou seja, respetivamente “[o] trabalhador apenas podia trabalhar […] na área geográfica definida pela plataforma, não podendo o trabalhador realizar a sua actividade fora desta área.”. - Sucede que essa “área geográfica” não se encontra concretizada na petição inicial, o que sempre impediria o douto Tribunal a quo considerar verificado a alínea a) do n.º 1 do artigo 12.ºdo CT, com base neste simples facto. - O indício “Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade” –desde já se diga que a Recorrente e plataforma digital não são, à luz da lei portuguesa, equipamentos ou instrumentos de trabalho. - A Recorrente não pode ser instrumento ou equipamento de trabalho e ao mesmo tempo titular/proprietária desse mesmo instrumento ou equipamento simultaneamente, e enquanto pessoa coletiva, não pode ser simultaneamente a entidade beneficiária da atividade e o instrumento de trabalho do Prestador de Atividade. - Um software não pode ter-se como um utensílio nos mesmos moldes que um hardware (um bem corpóreo), ou seja, o equipamento de trabalho é o telemóvel onde é instalada a aplicação informática e não esta. - Equipamento utilizado para aceder a qualquer um desses programas informáticos poderá, sim, ser considerado instrumento de trabalho, na medida em que é o meio produtivo que permite ao Prestador de Atividade prestar a sua atividade. - O ponto 13 dos factos provados “[o] Trabalhador prestava a sua atividade […] utilizando equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à ré, como a plataforma do programa informático que atribui os pedidos, dos activos essenciais para a realização da actividade, […], os equipamentos colocados ao serviço da ré pelo trabalhador, como o telemóvel, a mochila térmica e o veículo, têm as características determinadas pela ré” não é apto a preencher o indício/facto presuntivo de base elencado naquela alínea b), uma vez que a plataforma não é, como já demonstrado, um instrumento ou equipamento de trabalho. - Acresce que, ficou também provado que os efetivos equipamentos e instrumentos de trabalho – telemóvel, mochila térmica e veículo - não são propriedade da Recorrente, mas do próprio o que sempre permitirá defender que o mesmo afinal dispõe de uma organização própria – pois é ele que decide qual o seu veículo, qual o seu telemóvel e que tipo de mochila térmica quer utilizar, além de que suporta os custos inerentes a estes equipamentos – como bem se refere na sentença. - É de cristalina evidência que o indício não pode ter-se por preenchido. - O indício “O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma” – ainda que se dê como provado o alegado no artigo 13.º da petição inicial e refletido no ponto 13 da matéria de facto dada como provada na sentença, o que não se concede, “o trabalhador apenas podia trabalhar em horário determinado pela ré”. A verdade é que sem se concretizar qual o horário em causa ficará sempre a dúvida quanto à sua amplitude e flexibilidade. - Não se concede que este indício se encontre preenchido. - O indício “Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma” – ainda que se considere provado o constante do ponto 18 da sentença, o que não se concede. - A verdade é que desse facto não se pode retirar a conclusão quanto ao carácter certo da quantia paga ao prestador de atividade, antes pelo contrário. Refere-se que “ao valor atribuído para determinada entrega era paga ao trabalhador 90% desse valor, ficando 10% daquele valor para um intermediário, que se encontra também registado na plataforma digital (o qual é desconhecido do trabalhador)” e “[a] retribuição do trabalhador pelo trabalho prestado é pago pela ré, (…) relativamente às entregas realizadas na semana anterior, através de transferência bancária para a conta bancária daquele.” Ou seja, é fácil concluir que o prestador de atividade recebia por entrega e que essa quantia não era certa. - Os factos decorrentes dos autos, e bem assim da prova produzida, permitem a ilisão dos indícios previstos na presunção em causa, exercício esse que deveria ter sido, como já referido, levado a cabo pelo douto tribunal. Assim: - O indício “A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado”, conclui-se que é o próprio prestador que opta pelo seu local de trabalho, não havendo qualquer intervenção ou limitação por parte da Recorrente, nem tão-pouco logrou o Autor provar. - Ilidindo-se assim todos e cada um dos indícios previstos no artigo 12.º, n.º 1 do CT. Apreciando a pretensão da Ré recorrente: <<Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra pessoa ou pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas>> - artigo 11.º do CT. Por outro lado, <<contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição>> - artigo 1154.º, do C.C.. Como refere o Professor Leal Amado[5], os traços distintivos essenciais destas duas modalidades contratuais são: <<i) quanto ao conteúdo da obrigação, no contrato de prestação de serviço trata-se de proporcionar ao credor certo resultado do trabalho, ao passo que no contrato de trabalho está em jogo a prestação de uma actividade (o trabalhador promete uma actividade laboral, o prestador de serviço compromete-se a proporcionar um resultado do trabalho); ii) quanto à retribuição, esta é um elemento essencial e indefectível no contrato de trabalho (<<mediante retribuição>>), sendo um elemento meramente eventual no seio do contrato de prestação de serviço (<<com ou sem retribuição>>); iii) quanto às instruções do credor da prestação, no contrato de prestação de serviço não se faz qualquer menção às mesmas, ao passo que no contrato de trabalho o devedor presta a sua actividade <<sob a autoridade e direcção>>, ou <<no âmbito de organização e sob a autoridade>>, da contraparte.>> E, a propósito da definição legal de contrato de prestação de serviço, Monteiro Fernandes[6] refere que <<avulta, neste enunciado, a contraposição fundamental do resultado do trabalho (como objecto do contrato) à actividade, em si mesma, que caracteriza o contrato de trabalho. A colocação do acento tónico no resultado do trabalho significa, além do mais, que o processo conducente à produção dele, a organização dos meios necessários e a ordenação da actividade que o condicionam, estão, em princípio, fora do contrato, não são vinculados – mas antes determinados pelo próprio fornecedor do mesmo trabalho. É claro que, em última análise, tais contratos se traduzem numa alienação de trabalho (o que, justamente, se incorpora no resultado devido) – só que esse trabalho não é dominado e organizado pelo beneficiário final (que apenas controla o produto), e sim por quem o fornece: trabalho autónomo, portanto.>> Assim, o núcleo da diferenciação entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços está precisamente na existência ou não de trabalho subordinado. <<(…) No contrato de trabalho é ao credor (o empregador) que cabe programar, organizar, dirigir e fiscalizar a actividade do devedor (o trabalhador). Àquele cabe, com efeito, não apenas a distribuição das tarefas a realizar, como também a definição do como, quando, onde e com que meios o trabalhador as deve executar. É esta diferente posição que é designada, correntemente, por subordinação jurídica ou por supremacia jurídica, conforme se privilegie o lado passivo ou o lado activo da relação. Quer dizer, se a supremacia jurídica se analisa no poder de um organizar e dirigir a prestação do outro, a subordinação traduz-se no dever deste de conformar a actividade laboral prometida com as ordens e instruções daquele.>>[7]. No entanto, é de referir, ainda, que existem determinadas atividades que, pela sua própria natureza, se revestem de autonomia técnica, sendo certo que a mesma não é incompatível com a existência de um contrato de trabalho (cfr. o artigo 116.º, do CT). De qualquer forma, por vezes, é difícil surpreender a já referida subordinação razão pela qual, teremos de atender às características específicas da atividade desenvolvida, bem como, à vontade das partes aquando da celebração do respetivo contrato. Como se decidiu no acórdão desta Relação de 09/11/2018, proferido no processo n.º 4003/17.4T8LRA.C1, ao que julgamos inédito[8]: <<Sabe-se que a subordinação jurídica típica de uma relação de trabalho subordinado implica uma posição de supremacia do credor da prestação de trabalho e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. A cargo da entidade patronal estão os poderes determinativo da função e conformativo da prestação de trabalho, ou seja, o poder de dar um destino concreto à força de trabalho que o trabalhador põe à sua disposição, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na sua organização empresarial, quer determinando-lhe singulares operações executivas, traduzindo-se a supremacia da entidade patronal, ainda, nos poderes regulamentar e disciplinar. A determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica. A subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e/ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade - estão aqui em causa os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização) a que se aludem, por exemplo, no acórdão do STJ de 19/12/2012, proferido no âmbito do processo 247/10.4TTVIS.C1.S1., de 9/2/2012, proferido no âmbito do processo 2178/07.3TTLSB.L1.S1, e de 5/11/2013, proferido no âmbito do processo 195/11.8TTCBR.C1.S1. Diga-se ainda que a subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador. Consciente das dificuldades de demonstração da existência de uma relação de trabalho subordinado o legislador consagrou, no art.º 12.º do Código do Trabalho, a «presunção de contrato de trabalho». Conforme se escreveu no acórdão desta Relação proferido no processo 182/14.4TTGRD.C1 “a presunção em causa visa concerteza facilitar a demonstração da existência de contrato de trabalho, em casos de dificuldade de qualificação, e tem a sua inspiração no chamado método indiciário usado na nossa jurisprudência – e referido na sentença recorrida - para alcançar a qualificação do contrato [com o recurso a índices negociais internos – p. ex., (…) - e externos - p. ex., (…). Mas, diversamente desse método indiciário, que determinava a busca de um numeroso e convincente conjunto de indícios, a presunção prevista no art. 12.º do Código do Trabalho basta-se, como dissemos, com a verificação de dois dos indícios/características apontados. Como se afirmou nos Acórdãos desta Relação de 10-07-2013 (relatado pelo presente relator) e de 26-09-2014 (relator: Ramalho Pinto), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, a verificação de duas dessas características têm, apesar de tudo, de ser enquadradas num ambiente contratual genético e de execução que permita dúvidas consistentes sobre a qualificação. Só assim a presunção revestirá uma operação útil. Noutra perspectiva que parta do fim do percurso da indagação para o seu princípio, o resultado será afinal o mesmo, já que não se verificando aquele ambiente então terá de se considerar ilidida a presunção”. Esta presunção reveste a natureza de “juris tantum” pelo que admite a sua ilisão mediante produção de prova em contrário (artº 350º nº 2 do CPC).” Por força da Lei n.º 13/2023, de 03/04, foi aditado ao Código do Trabalho o artigo 12.º-A que, sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital”, estabelece: “1 - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características: a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela; b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade; c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma; e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta; f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. 2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios. 3 - O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico. 4 - A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. (…)>> No entanto, por força do disposto no artigo 35.º da citada Lei n.º 13/2023 (aplicação no tempo), <<ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento.>> Por outro lado, como se pode ler no Acórdão do STJ, de 04/07/2028, disponível em www.dgsi.pt: <<I. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça está consolidada de forma uniforme no sentido de que estando em causa a qualificação de uma relação jurídica estabelecida entre as partes, antes da entrada em vigor das alterações legislativas que estabeleceram o regime da presunção de laboralidade, e não se extraindo da matéria de facto provada que tenha ocorrido uma mudança na configuração dessa relação, há que aplicar o regime jurídico em vigor na data em que se estabeleceu a relação jurídica entre as partes. (…) III. Estando em causa uma relação jurídica estabelecida entre as partes em 2 de novembro de 1995, e não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado os seus termos essenciais, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de novembro de 1969, não tendo aplicação as presunções previstas no atigo 12.ºdo Código do Trabalho de 2003 e de 2009.>> Significa isto que à relação jurídica estabelecida entre as partes com início em data anterior à da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023 que aditou ao Código do Trabalho o artigo 12.º-A, este só será aplicado à mesma no caso de se extrair da matéria de facto que ocorreu uma mudança essencial na configuração dessa relação, ou seja, a nova presunção de laboralidade será aplicável se resultar da matéria de facto que as partes alteraram os seus termos essenciais. Pois bem, a relação entre as partes teve o seu início em 31/12/2021, pelo que, não resultando da matéria de facto uma mudança essencial na configuração daquela, não lhe aplicável a nova presunção de laboralidade constante do artigo 12.º-A, do CT. No entanto, sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho”, dispõe o artigo 12.º do CT: <<1 – Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…)>> Aqui chegados vejamos, então, se na relação existente entre o prestador de atividade AA e a plataforma digital Uber Eats se verificam algumas das características enunciadas no n.º 1 do referido artigo 12.º, do CT: a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado. Resulta da matéria de facto provada que: Tendo em conta esta matéria de facto provada impõe-se concluir que se verifica a característica em análise, na medida em que a atividade é realizada em local definido pelo seu beneficiário, ou seja, a Ré. b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade. Resultou provado que: - AA encontrava-se no parque de estacionamento do Centro Comercial ..., como estafeta de entregas rápidas, a aguardar a atribuição de pedido de entrega, sendo a ré a beneficiária dessa prestação. - AA estava a trabalhar para a ré, através da utilização de uma plataforma digital (APP Uber Eats), disponibilizada ao mesmo após registo como estafeta da ré. - A ré presta e disponibiliza serviços à distância através de meios eletrónicos, nomeadamente através do sítio da internet e de uma aplicação informática (APP), pertencente à plataforma APP Uber Eats, a pedido de utilizadores de estabelecimentos de restauração e de produtos alimentares e outros, como o “Continente”. - Os clientes finais/consumidores e os estabelecimentos aderentes/parceiros pertencem à mesma plataforma e é esta que contacta e contrata com o mercado e disponibiliza toda a rede de suporte para o desenvolvimento da atividade de entregas. - A plataforma Uber Eats controla as entregas realizadas e supervisiona o cumprimento da entrega pelo prestador da atividade, através do pedido de um PIN, como forma de avaliação do trabalho prestado pelo prestador da atividade ao cliente. - O prestador da atividade ao estar ligado à APP Uber Eats encontra-se sob supervisão permanente da ré, uma vez que o sistema de geolocalização utilizado para o percurso do ponto de entrega até ao cliente é a qualquer momento visível, sabendo a ré a todo o tempo onde o prestador da atividade se encontra. - É a ré que, através da plataforma, estabelece e calcula os kms a percorrer, pela menor distância entre o ponto de recolha (restaurantes e parceiros aderentes) e o ponto de entrega das encomendas (localização do cliente), uma vez que a plataforma digital se encontra ligada a um sistema de geolocalização através da internet. Pois bem, tendo em conta que é a APP da Ré que permite o acesso dos estafetas aos estabelecimentos comerciais, nomeadamente de restauração, aderentes e parceiros daquela plataforma digital, bem como aos clientes finais/consumidores a quem fazem as entregas, impõe-se concluir que a APP pertença da Ré é o principal e determinante instrumento de trabalho dos estafetas, posto que sem ela estes não têm acesso aos pedidos, aos parceiros da Ré nem aos clientes finais, tendo pouca relevância o facto de o telemóvel, da mochila e do veículo serem pertença do prestador de atividade, sendo certo que têm as características determinadas pela Ré[9]. Na verdade, como resulta da matéria de facto provada, os estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma e apenas conseguem prestar aqueles serviços inseridos na plataforma Uber Eats da Ré. Alega a recorrente que a aplicação nunca poderá ser considerada um instrumento de trabalho porque a mesma consubstancia um software; o equipamento de trabalho é o telemóvel onde é instalada a aplicação informática e não esta. Não acompanhamos a recorrente. Na verdade, um software não pode ser considerado um bem corpóreo tal como este se encontra descrito no artigo 1302.º do CC, no entanto, tal não impede que o mesmo seja objeto do direito de propriedade (propriedade intelectual), como direito de autor (bem imaterial), sujeito a legislação especial, ou seja, ao disposto no DL 252/94 de 20/10, que estabelece a proteção jurídica de programas de computador, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 91/250/CEE, do Conselho, de 14 de Maio, relativa ao regime de proteção jurídica dos programas de computador. Desta forma, a circunstância prevista na alínea b) do artigo 12.º do CT também se encontra verificada. c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação determinadas pelo beneficiário da mesma. Resultou provado que: - O prestador da atividade apenas podia trabalhar em horário determinado pela ré. Assim sendo, impõe-se concluir que AA tinha de observar as horas de início e de termo (artigo 200.º do CT) determinadas pela Ré. Pelo exposto, verifica-se a circunstância prevista na alínea c) do artigo 12.º, do CT. d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma. Resultou provado que: - Pelo trabalho realizado, o prestador da atividade recebia uma retribuição da ré por cada entrega realizada, sendo que ao valor atribuído para determinada entrega era paga ao prestador da atividade 90% desse valor, ficando 10% daquele valor para um intermediário, que se encontra também registado na plataforma digital (o qual é desconhecido do prestador da atividade). - A retribuição do prestador da atividade pelo trabalho prestado é pago pela ré, todas as terças-feiras de cada semana, relativamente às entregas realizadas na semana anterior, através de transferência bancária para a conta bancária daquele. Pois bem, da matéria de facto provada apenas resulta que era paga ao prestador da atividade uma retribuição com periodicidade semanal mas já não uma quantia certa, pelo que, a circunstância em análise não se verifica. e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. É manifesto que esta circunstância não se verifica. Aqui chegados, impõe-se concluir que se encontra constituída a presunção da existência de um contrato de trabalho entre o prestador de atividade AA e a Ré Uber Eats, posto que se encontram preenchidas três das cinco características enunciadas no artigo 12.º do CT. No entanto, esta presunção (iuris tantum) pode ser ilidida nos termos gerais (n.º 2 do artigo 350.º do CC), nomeadamente, se a Ré fizer prova que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar do beneficiário daquela. Vejamos, então, se a recorrente conseguiu ilidir a presunção de laboralidade. Resulta da matéria de facto provada, além da já supra enunciada aquando da análise das circunstâncias a que alude o n.º 1 do artigo 12.º do CT, que: - A plataforma Uber Eats controla as entregas realizadas e supervisiona o cumprimento da entrega pelo prestador da atividade, através do pedido de um PIN, como forma de avaliação do trabalho prestado pelo prestador da atividade ao cliente. - O prestador da atividade ao estar ligado à APP Uber Eats encontra-se sob supervisão permanente da ré, uma vez que o sistema de geolocalização utilizado para o percurso do ponto de entrega até ao cliente é a qualquer momento visível, sabendo a ré a todo o tempo onde o prestador da atividade se encontra. - É a ré que, através da plataforma, estabelece e calcula os kms a percorrer, pela menor distância entre o ponto de recolha (restaurantes e parceiros aderentes) e o ponto de entrega das encomendas (localização do cliente), uma vez que a plataforma digital se encontra ligada a um sistema de geolocalização através da internet. - Por iniciativa da ré o prestador da atividade pode ser desconectado da APP, deixando este de poder realizar a sua atividade de entregas. - O prestador da atividade não possuiu uma organização empresarial própria e autónoma. - AA prestava a sua atividade de estafeta de entregas rápidas para a ré, desempenhando as tarefas inerentes, designadamente recebia os pedidos, levantava as encomendas, entregava-as no destino, a qual lhe dava ordens, orientações e instruções quanto ao modo de executar o trabalho; utilizando a plataforma do programa informático que atribui os pedidos, dos ativos essenciais para a realização da atividade, é obrigatório que a prestação da atividade seja efetuada através da APP da ré, a plataforma faculta ao prestador da atividade os restaurantes aderentes e os clientes, a ré é responsável pela manutenção da plataforma e do restante equipamento a ela inerente, os equipamentos colocados ao serviço da ré pelo prestador da atividade, como o telemóvel, a mochila térmica e o veículo, têm as características determinadas pela ré. - A ré exige que o prestador da atividade insira o PIN de identificação após cada entrega com periodicidade variável, podendo ocorrer várias vezes num só dia. - É a ré que negoceia os preços e as condições com os titulares dos estabelecimentos e parceiros no negócio. - O prestador da atividade recebia ordens e instruções da Ré durante a sua atividade quanto ao modo de desempenhar a sua prestação laboral. - O prestador da atividade podia ser excluído da plataforma pela ré na eventualidade daquele não cumprir todas as orientações transmitidas pela ré através da plataforma, designadamente não utilizar a mochila térmica ou após reclamação de um cliente. - O exercício da atividade funcional por parte do prestador da atividade era definido pela ré com o propósito de satisfação das suas necessidades e objetivos comerciais obrigando-se aquele a praticar os atos compreendidos nessa finalidade segundo as ordens e instruções conformadoras da ré. - O prestador da atividade se faltasse ao trabalho tinha que justificar a falta junto da ré e querendo gozar férias tinha de o comunicar à ré com antecedência, bem como as alterações às regras definidas em matéria dos tempos de trabalho. - O prestador da atividade não transferiu a responsabilidade civil para seguro de acidentes de trabalho pelo exercício das suas funções que desempenhava para a ré e não assinou qualquer contrato escrito com esta, sendo que quem respondia por danos em terceiros e quanto às deficiências do trabalho realizado pelo prestador da atividade era a ré. - O prestador da atividade desenvolvia para a ré a sua atividade laboral em regime de exclusividade, profissional e económica. - A ré tinha ao seu serviço o prestador da atividade para dar resposta às exigências dos seus serviços, designadamente todos os trabalhos inerentes à satisfação dos pedidos dos clientes. - AA, iniciou a sua atividade para a ré em, pelo menos, 31 de dezembro de 2021, pelo que, desde essa data, desempenha, ininterrupta e efetivamente, as funções de estafeta de entregas rápidas para a ré. Por outro lado, a Ré alega que os factos decorrentes dos autos, e bem assim da prova produzida, permitem a ilisão dos indícios previstos na presunção em causa. Antes de mais cumpre dizer que, por efeito da revelia, consideraram-se confessados os factos articulados pelo autor, pelo que, ao contrário do alegado pela recorrente, não se impunha considerar as declarações do prestador de atividade. Acresce que esta matéria de facto provada não permite concluir que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar da Ré, sendo que, ao invés, ressalta da mesma a existência de subordinação jurídica. Na verdade, ao contrário do alegado pela recorrente, resulta da matéria de facto provada que o estafeta AA está integrado na organização de trabalho da Ré, sujeito ao horário e às regras por esta definidas e à sua supervisão, ao poder de direção e disciplinar da mesma e desenvolvendo a sua atividade em regime de exclusividade para a Ré, pelo que, existe a subordinação jurídica característica essencial de uma relação laboral. Pelo exposto, ao contrário do alegado pela recorrente, a Ré não ilidiu a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º, do CT. Assim sendo, impõe-se reconhecer a existência de um contrato de trabalho tal como consta da sentença recorrida. * Desta forma, na improcedência da quase totalidade das conclusões da recorrente, impõe-se a manutenção da sentença recorrida. * * IV – Sumário[10] (…). * * V - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso, acorda-se em manter a sentença recorrida. * * Custas a cargo da Ré recorrente. * * Coimbra, 2025/01/17 ____________________ (Paula Maria Roberto) _____________________ (Felizardo Paiva) _____________________ (Mário Rodrigues da Silva)
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