Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1781/25.4T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
REPARAÇÃO PROVISÓRIA
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 09/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 495.º, Nº3, E 565.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 388.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I- O arbitramento de uma reparação provisória depende da verificação (indiciária) dos seguintes requisitos cumulativos:
-existência de uma obrigação de indemnizar a cargo do requerido;
-verificação de uma situação de necessidade, de carência premente, do lesado;
-nexo de causalidade entre esta carência e os danos causados pelo facto gerador do dano.

II- O valor a fixar a título de renda mensal, deve salvaguardar o necessário à habitação, sustento, educação e tratamento do lesado e das pessoas que dele dependam, de acordo com o normal padrão de vida do lesado, considerando a diminuição do seu bem-estar, por causa dos danos sofridos.

III- Quando o lesado ficar impossibilitado, pela lesão corporal, de continuar a auferir o rendimento do seu trabalho, deve considerar-se na fixação desta renda, também o valor do salário de que deixou de auferir e a consequente diminuição do seu estilo de vida.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: *

Recorrente: AA

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Luís Manuel Carvalho Ricardo

                                         Luís Miguel Caldas

                                                *

Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


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RELATÓRIO

AA, instaurou a presente providência cautelar, com pedido de arbitramento de reparação provisória, contra A..., S.A. peticionando que seja esta condenada no pagamento da quantia mensal de 8.885,42 €uros e até que venha a ser proferida decisão final na ação de condenação que contra a mesma pretende intentar, para que seja fixada uma indemnização definitiva pelos danos sofridos em acidente de viação causado por culpa da segurada da requerida, quantia que reputa de necessária para fazer face às suas necessidades atuais e futuras, e do seu agregado familiar, decorrentes das lesões resultantes do acidente de viação em apreço.

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Notificada, veio a requerida, reconhecendo a responsabilidade pelo acidente e pelos danos por ele causados, impugnar o montante da indemnização peticionada por excessiva, concluindo que a renda mensal a arbitrar não deve ser superior a €1.750,00.

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Após produção dos meios de prova arrolados, foi proferido decisão que fixou a indemnização provisória a pagar pela requerida, com efeitos a partir de 01.05.2025, na quantia mensal de €3.800,00, até ao trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida na acção principal a instaurar.

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Notificada desta decisão, veio a requerente recorrer, concluindo da seguinte forma:

“I. Mediante o presente recurso pretende o recorrente impugnar a douta decisão da matéria de facto e de direito aplicada que conduziu ao arbitramento de uma renda mensal, a título de reparação provisória, em medida quantitativa inadequada para fazer face às necessidades cautelares verificadas, mormente de manutenção fisiológica do corpo.

II. A renda mensal que o apelante requereu que lhe fosse arbitrada foi calculada com recurso à soma aritmética das necessidades que estão abrangidas pela segurança dos documentos em que foram suportadas e pelos depoimentos das testemunhas e declarações de parte prestadas.

73 Por referência a janeiro de 2024.

74 [1.803,33 €uros (vencimento médio mensal líquido por referência a janeiro de 2024) + 1.088,85 €uros (medicação e produtos farmacêuticos) + 3.650,36 €uros (equipamento ortopédico e fisiátrico) + 422,48 €uros (manutenção do fornecimento de material de apoio técnico) + 442,00 €uros (fisioterapia) + 1.478,40 €uros (assistência de terceira pessoa)].

III. O Tribunal de 1.ª instância considerou o teor do recibo de vencimento que o recorrente auferia à data do acidente, o qual contempla apenas 21 dias úteis de trabalho, não considerando a remuneração mensal líquida de 22 dias úteis de trabalho (mês completo de trabalho), o que se impunha observar e apurar mediante a aplicação da regra de três simples.

IV. Sem prejuízo da conclusão antecedente, entende o recorrente que a remuneração mensal líquida a considerar não deve ser inferior à requerida, que se encontra projetada no documento número 10 junto ao requerimento inicial, que retrata a estimativa da evolução salarial até janeiro de 2024, corroborada em audiência por BB, gerente da entidade patronal.

V. Não obstante o disposto no n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, para efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir, é permitido ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objetivo, designadamente a evolução provável na situação profissional do lesado e o aumento previsível da produtividade, factores que devem ser desde logo ponderados no âmbito da fixação do quantum da medida cautelar.

VI. A matéria factual vertida nos artigos 58.º e 61.º do requerimento inicial foi confessada pela recorrida, impondo-se que a alínea b) do elenco dos factos dados como não provados seja considerada inteiramente como provada.

VII. O Tribunal a quo decidiu considerar como não provado que as despesas e encargos suportados pelo requerente e seu agregado familiar, descritas no ponto 42 dos factos sumariamente apurados, importem um valor mensal médio de 2.159,72 €uros, não obstante se encontr(ar)em integralmente apoiadas em prova documental, nomeadamente nos extratos bancários e faturas juntas ao requerimento inicial sob documento número 23.

VIII. Também considerou o Tribunal de 1.ª instância, sob a alínea d) da matéria factual dada como não provada, não ter sido apurado que o valor mensal necessário para aquisição do equipamento ortopédico e fisiátrico identificado no ponto 44 dos factos provado seja de 3.650,36 €uros, pese embora da leitura atenta do referido ponto extraia-se que considerou como provado os orçamentos atribuídos ao equipamento ortopédico e fisiátrico, cuja aquisição e frequência de substituição foram prescritas pelo médico fisiatra, Dr. CC.

IX. A renda mensal requerida para aquisição e substituição do equipamento ortopédico e fisiátrico, resulta de um cálculo aritmético através do qual se obtém o proporcional do valor do orçamento do respetivo equipamento por referência à frequência de substituição do mesmo. Portanto, entendemos que os factos constantes da alínea d) do elenco da matéria factual não provada deva ser considerado como provado.

X. Resulta dos factos dados como provados sob pontos 29 a 31 que o requerente necessita de ajuda de terceira pessoa durante a noite – auxílio nos posicionamentos/ alteração de decúbitos – e para a realização das atividades da vida diária – higiene pessoal, vestir, despir, mobilidade, preparação de refeições e lide doméstica, impondo-se que tal auxílio seja prestado em 8 horas diárias.

XI. Atente-se que a recorrida, no artigo 21.º da douta oposição deduzida, reconheceu a necessidade do requerente de assistência de terceira pessoa, (mas) num total diário de (apenas) 4 horas. Ad minimum, deveria ter sido equacionada a hipótese de divisão “salomónica” entre o número de horas pugnado pelo requerente e o número de horas aceites pela requerida.

XII. A Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, estabelece os critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal. Segundo o Anexo V, na redação conferida pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, mormente o ponto 2, quantifica a ajuda doméstica temporária até 6,16 €uros/hora, devendo ser dado como provado os factos sob a alínea e) do elenco da matéria factual não apurada.

XIII. Entende o Tribunal a quo considerar também como não provados os factos constantes da alínea f), para o qual, salvo o mui devido respeito, não expõe a respetiva motivação de facto para a obtenção de tal conclusão.

XIV. É matéria de facto assente que, em consequência das graves lesões derivadas do acidente de viação, o recorrente se desloca em cadeira de rodas, apresenta paraplegia devida a sequelas graves de lesão vértebro-medular (ASIA A, nível neurológico D9, sem sensibilidade e capacidade motora abaixo de D12), com alterações dos esfíncteres e disfunção eréctil, encontrando-se dependente de equipamento ortopédico e fisiátrico, e manutenção do fornecimento de material de apoio técnico.

XV. Tal necessidade atual e imprescindível de equipamento ortopédico e fisiátrico, frequência de substituição e manutenção do fornecimento de material de apoio técnico, encontra-se devidamente sustentada na prescrição médica do Dr. CC – confirmada pelo Doutor DD no Relatório Médico de 23 de abril de 2024 − e, outrossim, na prova produzida nas sessões da audiência final de 16 e 21 de maio de 2025.

XVI. Os valores atribuídos aos materiais de apoio técnico enumerados no artigo 68.º do requerimento inicial – «travão direito/ esquerdo compacto tesoura; rodas dianteiras Frog Led; Aros motores em titânico; encosto de cadeira; tela de assento; pneus maeathon plus + câmara de ar + salva câmaras, pneu de alto relevo e câmara de ar para Batec e bateria de lítio Batec scrambler 2» – encontram-se devidamente (com)provados pelo orçamento n.º C2024/64, de 04 de junho de 2024, junto ao requerimento inicial sob documento número 18, sendo o cômputo da renda mensal reclamada para esta necessidade − imprescindível para assegurar a manutenção fisiológica do corpo do recorrente −, obtido mediante a divisão do preço dos equipamentos em rendas mensais.

XVII. O arbitramento de uma quantia mensal a título provisório tem por base valores ligados à própria condição humana. Daí que a lei, através desta providência, possa impor a quem é presumivelmente responsável pela obrigação de indemnizar o sacrifício de, antecipadamente, reparar provisoriamente os danos sofridos pelo lesado em consequência da lesão.

XVIII. A decisão recorrida não confere medida cautelar quantitativamente apropriada à proteção da saúde do recorrente − que permita reparar prejuízos/ danos notoriamente graves cuja reparação tardia – pela demora da ação principal - os tornem irreversíveis.

XIX. A renda mensal arbitrada pelo Tribunal a quo não se mostra quantitativamente adequada, proporcional, pecando por defeito face às prementes e atuais necessidades terapêuticas e à manutenção fisiológica do corpo do recorrente − não assegurando a medida decretada a efetividade do direito de personalidade à saúde ameaçado pela demora na tutela definitiva, ou seja, não acautelando o risco de dano irreversível ou de difícil reparação pela demora da ação principal.

XX. Legitimada que foi a concessão da providência cautelar perante a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora com as caraterísticas inerentes, era necessário que a medida concreta a conceder fosse quantitativamente adequada a permitir a aquisição do equipamento ortopédico e fisiátrico identificado no ponto 44 dos factos dados como provados, com a frequência de substituição e manutenção consignadas nas prescrições do médico fisiatra, junta ao documento n.º 17 do requerimento inicial e enunciada nos artigos 67.º e 68.º do mesmo requerimento, equipamentos considerados essenciais a afastar o receio de dano para a saúde que se pretende evitar, designadamente o risco cardiovascular, a hipercolesterolemia, o aumento de peso, a diabetes, as patologias do ombro, tal como referiu a testemunha Dr. CC, e para dar melhor qualidade de vida de longevidade ao apelante, como referiu o Doutor DD.

XXI. Resulta manifesto da prova produzida, mormente dos depoimentos prestados pelo Doutor DD e Dr. CC, que a manutenção fisiológica do corpo do apelante é uma necessidade atual e premente, considerada crucial para o seu bem-estar e qualidade de vida (ainda) possível.

XXII. Com razão de ciência, o Doutor DD e o Dr. CC deram a sua opinião especializada, também o apelante e EE esclareceram a necessidade atual do equipamento ortopédico e fisiátrico, sua substituição e manutenção do fornecimento de material de apoio técnico, de molde a prevenir: a perda da mobilidade; a rigidez articular; restrições e atrofia muscular; problemas circulatórios com risco elevado de aparecimento de escaras; degenerescência articular precoce e generalizada; agravamento progressivo das funções respiratórias com complicações associadas; e paralelamente, um agravamento do quadro psicológico, com perda de qualidade de vida.

XXIII. A não concessão de medida de tutela cautelar quantitativa que permita, ao recorrente, a aquisição e manutenção de tais equipamentos e materiais de apoio técnico, acarretará uma maior onerosidade, podendo transformar danos reversíveis − risco cardiovascular, a hipercolesterolemia, o aumento de peso, a diabetes, as patologias do ombro, e a perda de qualidade de vida e diminuição da longevidade − em danos irreversíveis.

XXIV. O apelante não pode/ deve ser colocado numa situação em que o seu direito à saúde esteja a sofrer lesão grave e de difícil reparação, ou até mesmo irreparável.

XXV. Na fixação da medida não foram devidamente ponderadas as necessidades urgentes do apelante atendendo às características e natureza dos danos como às consequências do periculum in mora.

XXVI. O Tribunal a quo, no item i. do cômputo da renda a arbitrar, entendeu subtrair ao valor do vencimento mensal o montante da prestação social auferida pelo recorrente, de 349,21 €uros. O que fez, salvo o muito e devido respeito, com desacerto, porquanto, conforme explica JOÃO CURA MARIANO (in A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, 2.ª Edição, Almedina, pág. 86): «Nos rendimentos do lesado não devem ser consideradas, em regra, as prestações sociais especificamente destinadas a acudir a situação de carência (…) o actual Estado de Direito Económico também concede aos cidadãos um conjunto de direitos subjectivos públicos que obrigam o Estado a efectuar determinadas prestações sociais que visam minorar o estado de carência económica dos cidadãos. Mas todas estas obrigações são, em regra, subsidiárias das obrigações de indemnização (…). Aquelas só atuam se e enquanto o cumprimento destas últimas não debelar eficazmente o estado de necessidade do lesado, nomeadamente através do funcionamento da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória.»

XXVII. Ou seja, atendendo à natureza provisória e subsidiária da prestação social, o juízo do Tribunal deverá ser inverso àquele adotado; pelo que deverá ser arbitrada uma renda mensal em montante suficiente para “desonerar” o Estado de Direito das suas incumbências sociais.

XXVIII. No que concerne à despesa mensal com os tratamentos/ sessões de fisioterapia, crê o recorrente que houve um lapso na fórmula utilizada no apuramento da despesa mensal (item ii). O Tribunal de 1.ª instância multiplicou o valor por sessão pelo número de sessões por semana e por 4, i.e., €34,00x3x4. Salvo melhor entendimento, a fórmula de cálculo correta é a seguinte: [3 sessões por semana x 52 semanas x 34 €uros] : 12 meses = 442,00 €uros (e não 408,00 €uros), importando a correção do item ii, considerado no cômputo da renda arbitrada.

XXIX. A fim que o recorrente consiga fazer face às necessidades de que dependente de forma regular e permanente, em consequência dos danos sofridos, e às necessidades básicas inerentes à sua subsistência e da sua companheira, acrescidas pelo seu estado atual de gravidez, impõe-se que a decisão recorrida seja alterada, condenando-se a recorrida a pagar ao recorrente a renda mensal de 8.885,42 €uros, a título de reparação provisória, até ao trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida na ação principal a instaurar, valor correspondente ao somatório do vencimento médio mensal líquido atualizado e do valor mensal das necessidades atuais e futuras, decorrentes das lesões resultantes do acidente de viação em apreço.

XXX. O recorrente considera incorretamente decidido a matéria factual ínsita no ponto 25 dos factos dados como provados, no que tange ao valor da remuneração mensal líquida. Como alega retro, pelos elementos articulados no requerimento inicial, nos documentos mencionados e nos depoimentos e declarações especificados e transcritos que, aqui se dão por reproduzidos, a prova produzida implicava uma resposta positiva à matéria de facto vertida nas alíneas a), b), c), d) e e) da matéria dada como não provada na douta sentença.

XXXI. Com a alteração da aludida matéria de facto impõe-se uma nova subsunção da matéria

de facto ao direito em termos diversos aos preconizados pelo Tribunal recorrido.

XXXII. Por erro de interpretação e/ou aplicação, não se mostram corretamente observados e,

por isso, se consideram violados os princípios gerais de direito civil atinentes e os comandos legais aplicáveis, entre outros, os preceituados no artigo 4.º do Código Civil, artigo 388.º do Código de Processo Civil, e n.º 7 do artigo 64.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto.

Nestes termos e nos melhores de Direito, e sempre com o Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser alterada a decisão recorrida, condenando-se a requerida A..., S.A., a pagar ao requerente AA a renda mensal de 8.885,42 €uros, até ao dia 01 de cada mês, a título de reparação provisória, até ao trânsito em julgado da sentença que venha a ser proferida na ação principal a instaurar.

Assim se espera, confiadamente, na certeza de que Vossas Excelências,

Venerandos Juízes Desembargadores, farão a costumada Justiça.”


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Por sua vez a requerida veio contra alegar, concluindo da seguinte forma:

1 – A pretensão do Recorrente, além de carecer totalmente de fundamento, quer de facto, quer de direito, encerra em si mesma uma ostensiva incongruência, se atendermos, por um lado, às alegadas despesas correntes do agregado familiar e constatarmos, por outro, os proventos normais do casal;

2 - Conforme bem consta do doc. nº 9 junto ao requerimento inicial, o Recorrente auferia antes do acidente uma remuneração base ilíquida de € 665,00, com prémios não regulares, cujo montante não era uniforme;

3 - Como sabemos, as ajudas de custo não são remuneração e destinam-se a custear despesas relacionadas com a actividade e o subsídio de alimentação destina-se a liquidar as refeições directamente relacionadas com a prestação efectiva de trabalho, pelo que jamais podem ser consideradas no cômputo global dos rendimentos líquidos do Recorrente;

4 - De igual modo, para podermos perceber com rigor quanto auferia o Recorrente a título de bónus, prémios “de carácter regular não mensal” que constam dos recibos, teríamos que conhecer a média auferida a este título, nos 12 meses que precederam o acidente e, no caso, o Recorrente apenas juntou os três últimos recibos;

5 - Neste contexto, se fizermos um juízo rigoroso acerca do salário mensal do Recorrente, forçosamente chegamos à conclusão que os seus proventos líquidos mensais, não ultrapassariam, antes do acidente, os € 1.000,00;

6 - Pelo que o facto dado como provado no ponto 25 da sentença, de que “O Requerente exercia a profissão de servente/operador de pavimentos industriais por conta da sociedade B..., Lda. e auferia a remuneração mensal líquida de €1.752,00”, peca claramente por excesso e revela falta de rigor em ostensivo favor do Recorrente;

7 - Por outro lado, resultou provado que “41. A companheira do requerido aufere mensalmente o vencimento líquido de €889,00.”

8 - A somar ao vencimento líquido que razoavelmente se estima que o Recorrente auferisse, nos termos expostos, atingiremos assim um rendimento mensal do agregado familiar não superior a € 1.889,00;

9 - Inexplicavelmente, vem o Recorrente invocar no requerimento inicial e reiterar nas suas alegações, que o agregado familiar tem despesas mensais com alimentação, água, luz, animais de estimação, lazer, combustível, vestuário, telecomunicações, casa, seguros, despesas de saúde e medicamentosas, supermercado, animais de estimação, água e luz, restaurantes e bares, combustíveis, vestuário, telecomunicações, jardineiro, farmácia, dentista, adaptação, seguro automóvel, pagamentos ao Estado, Conservatória, escola de condução, seguro de vida, via verde, ferramentas, pédicure e lazer, no valor de € 2.159,72!!!;

10 - Ora, das suas uma: ou o agregado familiar tem ajudas de terceiros para suportar as referidas despesas mensais, ou não pode ter aquelas despesas médias mensais, porque simplesmente não aufere rendimentos que as possam suportar!;

11 - Termos em que, os cálculos que o Recorrente diz serem “matemáticos” para, com isso, demonstrar que têm que ser contabilizados, não são nada evidentes, sendo, de resto, manifestamente incongruentes, bem tendo andado o Tribunal a quo ao não dar como provada a verba em gastos mensais do agregado familiar, de € 2.159,72;

12 - Em todo o caso, cumpre referir que o apuramento de tal verba é absolutamente indiferente para os presentes autos e, a relevar, apenas serve para demonstrar a inexistência de uma situação de necessidade;

13 – Com efeito, ninguém em situação de necessidade tem gastos com o jardineiro, em restaurantes, em lazer, em bares, em vestuário, em pedicure, etc como os que foram dados como provados e foram alegados pelo Recorrente, com referência a janeiro, fevereiro, março e abril de 2024, ou seja, já após o acidente dos autos!;

14 - Pelo que, pelo motivo exposto, a providência deveria até improceder por não estarem preenchidos todos os requisitos previstos no disposto o artigo 388º, do CPC, tendo seguramente o Tribunal a quo pecado por excesso na fixação do valor da renda mensal em € 3.800,00;

15 - No que respeita à remuneração que o Recorrente defende que deve ser considerada atendendo à progressão na carreira, não só o valor reclamado não faz qualquer sentido conforme o supra exposto, como também a prova produzida em audiência não a confirmou;

16 - Com efeito, se atentarmos no depoimento da testemunha que depôs sobre esta matéria – BB, depoimento com início às 16h39m e termo às 16h47m, em 16.05.2025 - concluímos rapidamente, que nada sabia sobre valores de remuneração ou de progressão do Recorrente;

17 - Pelo que carece de justificação o alegado nos pontos a) (remuneração) e c) (despesas do agregado familiar) do recurso interposto, improcedendo, em consequência, os correspondentes valores alegados para serem considerados na renda mensal;

18 - No que concerne ao reclamado custo respeitante aos tratamentos de fisioterapia (al. b) das alegações), a alegação do Recorrente, revela, no mínimo, evidente má fé;

19 - Com efeito, conforme resultou do depoimento do Recorrente em audiência, este continua a manter as sessões de fisioterapia de que necessita, as quais são directamente liquidadas pela Recorrida à entidade prestadora;

20 - A Recorrida não confessou absolutamente nada no que respeita à circunstância de não estar a custear esses tratamentos. De facto, o que a Recorrida afirmou no seu articulado, foi que reconhece a necessidade de o Recorrente manter a frequência de fisioterapia, pelo que aceita suportar os respectivos custos;

21 - Tendo deixado de liquidar o valor mensal que vinha liquidando ao Recorrente a título de perdas salariais, em virtude da instauração do procedimento cautelar, mas não no que respeita aos custos de fisioterapia;

22 - É exactamente isso que resulta da passagem transcrita nas alegações, respeitante às declarações de parte do Recorrente, gravadas em 21 de maio de 2025, de 11h35m a 11h58;

23 - Pelo que, o alegado a este respeito improcede na íntegra, nenhum reparo merecendo a sentença recorrida;

24 - No que se refere ao valor de € 3.650,36, reclamado por equipamento ortopédico e fisiátrico (al d) das alegações do Recorrente) e aos valores de material de apoio técnico no montante mensal de € 422,48 (al. f) das alegações do Recorrente), a Recorrente subscreve na íntegra o entendimento do Tribunal a quo constante do campo “motivação”, de que tal valor, além de não rigoroso e exagerado, porquanto se trata de parte de equipamento que o Recorrente já dispõe (cadeira de rodas, almofada anti-escaras, standing-frame, banco de banho, cama elétrica articulada de casal, colchão anti-escaras e adaptação de veículo), o que sugere repetição e duplicação de despesas de material, inclui, material complementar, cuja necessidade não é obrigatória ou essencial, no sentido de imprescindível, extravasando, por conseguinte, o elenco dos danos que a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória deve acautelar;

25 - Tal natureza meramente acessória ou complementar resulta precisamente do depoimento do Dr. DD, conforme pode ser confirmado na gravação de 16 de maio de 2025, das 16h17m às 16h38m.;

26 - Quanto à invocada necessidade de substituição, de dois em dois anos ou de 3 em 3 anos ou de 5 em 5 anos, do equipamento ortopédico e fisiátrico, sempre se dirá que a mesma também não deverá ser considerada, uma vez que consubstancia eventual dano futuro a considerar em sede de acção principal e nunca em sede cautelar, pelo que jamais poderão ser considerados os referidos montantes;

27 - Finalmente, no que respeita à ajuda de terceira pessoa, não se compreende a pretensão do Recorrente, uma vez que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, este está apenas limitado e não impossibilitado para as actividades da vida diária, apenas necessitando de auxílio de terceira pessoa nas transferências e ocasionalmente nos posicionamentos durante a noite, conforme manifestante resulta, quer das suas declarações de parte, gravadas em 21 de maio de 2025, de 11h35m a 11h58, quer do depoimento da sua companheira, EE, gravado das 10h.56m às 11h.34m;

28 - Por recurso a juízos de equidade, o Tribunal a quo fixou em € 700,00 a verba necessária para custear mensalmente as despesas do dia-a-dia do Recorrente com alimentação, consumos domésticos, deslocações a consultas médicas e tratamentos e ajuda de terceira pessoa;

29 - Ora, parece-nos que tal verba acautela largamente as pontuais ajudas de terceira pessoa do Recorrente, sendo que, mais uma vez, a pecar, é por excesso;

30 - Com efeito, é preciso não descurar que foi fixado o montante de € 1.402,79 a título de perda salarial mensal (apurado com base no montante mensal de €1.752,00 de suposto vencimento, com dedução do montante da prestação social que o Recorrente agora aufere (€349,21), o qual comporta evidentemente, as despesas do dia-a-dia do Recorrente com alimentação e consumos domésticos, que não se concebe tenham aumentado em consequência do acidente;

31 - Pelo que, em bom rigor, as despesas a este título existentes foram consideradas em duplicado, ressarcidas pelo valor da perda salarial e também pelo valor arbitrado para despesas do dia-a-dia;

32 - Termos em que, também aqui, a pretensão do Recorrente carece em absoluto de fundamento;

33 - Por tudo o exposto e tudo ponderado, considera a Recorrida que, não descurando obviamente as graves lesões e sequelas sofridas pelo Recorrente, a verba arbitrada pelo Tribunal a quo é até excessiva, não só atendendo às suas reais necessidades, como atendendo às necessidades consideradas normais em termos do homem médio, como finalmente atendendo ao que tem vindo a ser considerado a este respeito pela jurisprudência;

34 - Devendo improceder, na íntegra o recurso interposto, sob pena de clara violação do preceituado no artigo 388º do CPC.

Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser negado provimento ao recurso apresentado pelo Recorrente em conformidade com as presentes alegações, assim se fazendo como sempre

JUSTIÇA.”


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QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil).

Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]

Nestes termos, a única questão a decidir que delimita o objecto deste recurso, consiste em apurar se:
a) Se o tribunal recorrido incorreu em erro na apreciação da prova e fixação dos factos;
b) Se deve ser aletrado o valor da renda mensal provisória que foi fixada a favor do requerente.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O tribunal recorrido fixou a seguinte matéria de facto:

1. No dia 29.08.2021, cerca das 12:05 horas, o requerente foi vítima de acidente de viação ao Km 157,550 do IC2, freguesia ..., concelho ... enquanto circulava no referido IC2, no sentido sul/ norte (... - ...), com um passageiro.

2. Aquele local é uma reta composta por uma faixa de rodagem com 10,30 metros de largura, com duas vias de trânsito no sentido sul/ norte e uma via no sentido contrário.

3. Era dia, não chovia, havia visibilidade dos condutores e o piso encontrava-se seco e limpo.

4. No local existia um entroncamento no sentido sul/ norte (... - ...).

5. Nesse acidente foram intervenientes o motociclo de matrícula ..-..-VJ, conduzido e propriedade do Requerente, o veículo automóvel de matrícula ..-..-IR, conduzido por FF e propriedade de GG, e o veículo automóvel de matrícula ..-..-BH, conduzido por HH e propriedade de II.

6. O veículo IR encontrava-se no entroncamento, pretendendo seguir no sentido sul; o veículo BH circulava no sentido norte/ sul (... - ...).

7. A condutora do veículo IR não verificou se circulava algum veículo no IC2, quer de sul, quer de norte, atravessando perpendicularmente o IC2 e entrou na hemifaixa de rodagem onde circulava o Requerente que não conseguiu travar atempadamente, tendo embatido na roda dianteira da lateral esquerda do veículo IR.

8. Da condução desatenta da condutora do veículo IR, resultou que o Requerente e o passageiro foram projetados para a via.

9. Na sequência dessa colisão o motociclo VJ veio a ser projetado contra a frente do veículo BH.

10. A responsabilidade civil pelos riscos da circulação do IR encontrava-se, à data referida em 1, transferida para a Requerida, mediante contrato de seguro titulado através da apólice n.º ...71.

11. A Requerida reconheceu a culpa da condutora do veículo IR.

12. Como consequência direta do embate do motociclo VJ no veículo IR e da subsequente projeção do corpo, o Requerente sofreu as seguintes lesões: hemotórax, trauma abdominal e lesão vértebro-medular ASIA A, nível neurológico D9, sem sensibilidade e capacidade motora abaixo de D12 relacionada com fratura complexa de D11; sofreu fratura do terço distal da diáfise do fémur direito, fratura da parede anterior do acetábulo esquerdo e fratura dos ramos isquiopúblico e iliopúblico esquerdos.

13. O Requerente foi conduzido e internado no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, foi transferido e internado em 23.09.2021 no Centro Hospitalar de Leiria, E.P.E – Hospital de Santo André e obteve alta em 07.10.2021 e, depois, foi transferido para o Centro Médico de Reabilitação Rovisco Pais, onde esteve internado até 23.12.2021.

14. Em consequência das lesões derivadas do acidente o Requerente passou a deslocar-se em cadeira de rodas manual, apresenta paraplegia devida a sequelas graves de lesão vértebro-medular (ASIA A, nível neurológico D9, sem sensibilidade e capacidade motora abaixo de D12), com alterações dos esfíncteres e disfunção eréctil/sexual.

15. Está dependente nas transferências.

16. No que respeita ao regime vesical é portador de sonda vesical em drenagem livre.

17. O regime intestinal é irregular com treino compensatório ativo instituído.

18. Apresenta contusão esplénica com hematomas peri-renal e peri-esplénico.

19. Sofreu fratura achatamento, com desalinhamento da plataforma inferior de D11 e abaulamento discal posterior, fratura operada em 09.09.2021, com fixação dorso-lombar com barras.

20. Foi operado em 29.08.2021 com osteossíntese do fémur direito com placas e parafusos.

21. Por junta médica da Segurança Social, foi fixada ao Requerente uma incapacidade permanente global de 80%.

22. As sequelas do Requerente determinaram uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH).

23. Em consequência das lesões que sofreu no sinistro, o Requerente ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de, pelo menos, 77,5 pontos.----

24. Estas sequelas comprometem de forma significativa o seu desempenho físico e psicológico nas suas atividades mais comuns, determinando, sob o aspeto profissional específico, incapacidade permanente absoluta para o exercício de toda e qualquer atividade relacionada com a construção civil.----

25. O Requerente exercia a profissão de servente/operador de pavimentos industriais por conta da sociedade B..., Lda. e auferia a remuneração mensal líquida de €1.752,00.----

26. Em virtude das lesões sofridas o Requerente deixou de poder trabalhar, o que determinou a cessação do seu contrato de trabalho por caducidade.----

27. À data do acidente o requerente tinha 20 anos de idade.----

28. Era uma pessoa saudável e ativa e praticava regularmente exercício físico, designadamente natação, caminhadas regulares, andava de bicicleta, fazia passeios de BTT e passeios de mota que deixou de poder fazer.----

29. Em consequência do acidente, o Requerente perdeu a autonomia a que estava habituado e tem agora limitações na realização das atividades da vida diária, designadamente na higiene pessoal, no vestir e despir, mobilidade e na preparação de refeições e em fazer lide doméstica.----

30. Tem dificuldades em dormir as horas necessárias ao seu repouso, por não conseguir uma posição cómoda que lhe permita estar deitado sem dores, necessitando de ajuda de terceiros para durante a noite o auxiliarem nos posicionamentos/alteração de decúbitos, para evitar úlceras de pressão e aliviar as dores musculares (tensão e rigidez) que sente devido à espasticidade muscular provocada pela paraplegia.----

31. Passou a necessitar de ajuda de terceira pessoa para atividades da vida diária, de forma a permitir à companheira do Requerente, que trabalha a tempo inteiro, gozar os períodos de descanso e de lazer, a qual se encontra em actual estado de gravidez.----

32. Foi prescrito ao requerente, por médico fisiatra, uma Handbike de estrada e de cross de molde a garantir um mínimo de aproximação com as atividades desportivas e de lazer que desenvolvia antes do acidente.----

33. De 28.12.2021 a 24.02.2025 a Requerida efetuou regularmente pagamentos a título de indemnização mensal por perda da capacidade de ganho, cujo último, relativo ao mês de fevereiro de 2025, foi no valor de €1.585,65.----

34. A requerida efetuou em 11.11.2021 o pagamento de indemnização pelo dano do motociclo do Requerente, na quantia de €5.000,00.----

35. Em 12.07.2022 a Requerida efetuou o pagamento de €50.000,00 para adaptação da casa de habitação às condições de deficiência física (paraplegia) de que o requerente ficou a padecer em consequência do acidente.----

36. A requerida reembolsou o Requerente das despesas médicas e medicamentosas, material de apoio técnico e consumíveis, transporte e readaptação de veículo automóvel.----

37. A requerida tem assegurado ao Requerente acompanhamento médico e fisioterapia, medicamentos, material de apoio técnico e consumíveis, transporte às consultas médicas e fisioterapia.--

38. Em face da não aceitação pelo Requerente da proposta apresentada pela Requerida para ressarcimento dos danos, esta interrompeu o pagamento de indemnização por perda de capacidade de ganho, acompanhamento neurológico, ortopédico, fisiátrico, medicação e produtos farmacêuticos regular que vinha efectuando e proporcionando ao Requerente.----

39. O requerente encontra-se a receber a prestação social para a inclusão da Segurança Social no montante de €349,21.----

40. O Requerente é unido de facto com EE.---

41. A companheira do requerido aufere mensalmente o vencimento líquido de €889,00.----

42. O agregado familiar do Requerente tem despesas mensais com alimentação, água, luz, animais de estimação, lazer, combustível, vestuário, telecomunicações, casa, seguros, despesas de saúde e medicamentosas, supermercado, animais de estimação, água e luz, restaurantes e bares, combustíveis, vestuário, telecomunicações, jardineiro, farmácia, dentista, adaptação, seguro automóvel, pagamentos ao Estado, Conservatória, escola de condução, seguro de vida, via verde, ferramentas, pédicure e lazer.----

43. O Requerente necessita de adquirir a seguinte medicação e produtos farmacêuticos habituais, anteriormente fornecidos e/ou suportados pela Requerida, globalmente no valor mensal de €1.088,85: Actreen Glys Set C/ Sac Mas; Dulcolax; Betmiga; Cialis; Furadantina; Banco de banho rectagular com pegas; Lidonostrum Gele; Álcool sanitário; Alvita Luvas Exame Latex; Compressas; Tena Bed Plus Resg; Aveeno Baby Toalhita.----

44. Foi prescrito ao requerente, por médico fisiatra, o seguinte equipamento ortopédico e fisiátrico, cujos custos de aquisição são os seguintes: cadeira de rodas (€15.778,10); almofada anti-escaras de alvéolos (€751,01); standing-frame elétrico (€4.446,81); banco de banho (€69,90); batec scrambler 2 (€12.534,50); smart drive (€6.794,60); freewell (€992,16); Kit Offroad para cadeira de rodas (€22.904,88); cama elétrica articulada de casal (€3.720,00); colchão anti-escaras (€1.590,00); adaptação de veículo (€792,30); handbike de estrada (€17.214,40); e handbike de cross (€17.195,30).----

45. O requerente necessita de dar continuidade dos tratamentos de fisioterapia de pelo menos 3 sessões por semana, tratamentos que não interrompeu, cujo custo por sessão é de €34,00.----

46. A requerida, para além do referido supra nos pontos 35, 36 e 37, já forneceu ao requerente o seguinte equipamento ortopédico e fisiátrico: cadeira de rodas; tábua de transferência; cadeira para banho; almofada anti-escaras; cama elétrica articulada de casal; colchão anti-escaras; standing frame eléctrico e adaptação de veículo.----

 

Factos não provados:----

Não se apurou:----

a. que não fora o acidente de que foi vítima o requerente estaria em janeiro de 2024 a auferir uma remuneração média mensal líquida de €1.803,33.----

b. que a requerida tenha deixado de suportar o pagamento dos tratamentos de fisioterapia ao requerente.----

c. que as despesas e encargos suportados pelo requerente e seu agregado familiar, descritas supra no ponto 42 dos factos sumariamente apurados, importem um valor mensal médio de €2.159,72.----

d. que o valor mensal necessário que o requerente necessita de custear para adquirir o equipamento ortopédico e fisiátrico referido no ponto 44 seja de €3.650,36.----

e. que a ajuda a favor do requerente de terceira pessoa seja necessária 8 horas por dia e importe um custo de €6,16/hora.--

f. que o Requerente necessite de suportar a manutenção do fornecimento de material de apoio técnico no montante mensal de €422,48, referente a travão direito/esquerdo compacto tesoura (€15,26), rodas dianteiras Frog led (€78,37), aros motores em titânico (€38,06), encosto de cadeira (€78,37), tela de assento (€14,34), pneus marathon plus, câmara de ar e salva câmaras (€ 15,89), pneu de alto relevo e câmara de ar para batec (€22,39), bateria de lítio batec scrambler (€159,80).----
 


***

IMPUGNAÇÂO DA MATÉRIA DE FACTO


Vem o recorrente invocar que o tribunal errou na apreciação da prova documental e testemunhal que foi produzida, impondo-se que, com base nos documentos juntos com o r.i., o conjunto da prova testemunhal e as declarações de parte, a alteração do ponto 25, na parte em que se refere ao salário mensal auferido pelo requerente, e das alíneas a), b), c), d), e) e f) da matéria dada como não provada.

No que se reporta e aos requisitos de admissibilidade do recurso quanto à reapreciação da matéria de facto pelo tribunal “ad quem”, estatui aquele preceito legal que:

«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Mais resulta deste preceito legal, como ónus imposto ao recorrente que pretende obter a reapreciação da prova gravada e “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

No que respeita à observância dos requisitos constantes deste preceito legal, após posições divergentes na nossa jurisprudência, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se no sentido de que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.» [3]

Assim, “O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham todos os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.

A saber:

- A concretização dos pontos de facto incorrectamente julgados;

- A especificação dos meios probatórios que no entender do Recorrente imponham uma solução diversa;

- E a decisão alternativa que é pretendida.”[4].

Nestes termos, do disposto no artº 640 do C.P.C., conforme se refere em Ac. do STJ 16/12/20 [5], resulta a imposição de dois ónus ao recorrente: “- um ónus principal, consistente na delimitação do objecto da impugnação (indicação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados) e na fundamentação desse erro (com indicação dos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação que impunham decisão diversa e o sentido dessa decisão) – art. 640.º, n.º 1, do CPC; e - um ónus secundário, consistente na indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados – art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC.

Mais refere o aludido aresto que “Este ónus secundário não visa propriamente fundamentar e delimitar o recurso, mas sim facilitar o trabalho da Relação no acesso aos meios de prova achados relevantes.” pelo que, deve a relação proceder à apreciação da impugnação quando, “apesar da indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevantes na localização pelo tribunal dos excertos de gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com a indicação do início e termo dos depoimentos, com a indicação do início das passagens dos depoimentos com a referência ao tempo de gravação e ainda com a transcrição de excertos desses depoimentos.”

O recorrente nas suas alegações, satisfaz estes requisitos, delimitando o objecto do recurso, indicando os factos que entende incorrectamente julgados em primeira instância, a decisão alternativa que deveria ser proferida e os concretos meios de prova documentais e excertos dos depoimentos gravados que impunham, em relação a cada facto, decisão diversa.

Pelo acima exposto, verifica-se que efectivamente estão preenchidos os requisitos previstos no artº 640 nº1 e 2, al. a), do C.P.C. para a impugnação da matéria de facto, nada obstando à apreciação do recurso nesta parte.

No que se reporta à reapreciação da prova produzida nos autos, vigora o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz, estipulado pelo artº 607, nº 5, do C.P.C. Nestes termos, garantindo-se nesta instância um efectivo duplo grau de jurisdição, conforme resulta do disposto no artº 640, nº2 al. b) e 662 do C.P.C., a reapreciação desta prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência, da lógica e da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[6].

Volvendo à concreta impugnação, em relação ao ponto 25 dos factos provados, alega o requerente que o tribunal considerou o valor constante do seu último recibo de vencimento, que contempla apenas 21 dias de trabalho, pelo que “imporia considerar a remuneração mensal líquida de 22 dias úteis de trabalho − mês completo de trabalho à data do acidente −, apurado mediante a regra de três simples, cálculo que determina(ria) o valor de 1.835,43 €.”

Em relação ao vencimento líquido auferido pelo sinistrado, se é verdade que tal recibo comtempla apenas 21 dias, considerando como falta injustificada a ausência de 8 horas, não é menos verdade que este recibo contempla outras prestações para além do vencimento base e que a dedução correspondente ao dia de falta injustificada é de 30,69. A remuneração mensal não é assim apurada de acordo com uma regra de 3 simples, como pretende o requerente, uma vez que o subsídio de refeição, os prémios, bónus e ajudas de custo não integram a noção de salário, conforme decorre do artº 260 nº1 als. a), b) e c) e nº2 do Código de Trabalho, variando estes valores mensalmente, conforme decorre do documento junto aos autos pelo requerente como doc. 9.

Altera-se assim este ponto 25, fazendo constar da sua parte final, “auferindo uma prestação mensal no valor de €775,45, acrescido do valor diário de subsídio de alimentação (€7,23) e ainda de prémios, bónus e ajudas de custo nacionais, de montante variável, recebendo no mês de Julho de 2021, o valor líquido de €1.752,00”.

No que se reporta à impugnação da alínea a), a prova deste facto assentava no teor do documento nº 10, fixando estes o valor da média de vencimento em € 2.441,26. Sobre este documento, foi inquirida a testemunha BB, sócio gerente da B..., que confirmou a sua origem e assinatura, assinado por si mas elaborado por uma funcionária da empresa, não tendo conhecimento directo dos cálculos nem valores, nem em que base assentaram.

Não se pode assim considerar que o lesado viria a auferir estes valores não descriminados, a título de salário, tendo ainda em conta o teor do artº 260 do C. de Trabalho já referido, associado a uma dada evolução na carreira. Sobre estas questões a testemunha foi omissa.

Nestes termos, mantém-se a não prova deste facto.

No que se reporta à alínea b), alega o recorrente que esta matéria foi confessada no artº 24 da sua oposição. Assim não o entendemos porque o que esta referiu neste ponto é que aceita “suportar os custos de fisioterapia, como aceita custear as despesas médicas e de deslocação para os tratamentos, contra a entrega dos correspondentes recibos comprovativos”, não que tenha deixado de suportar os custos de fisioterapia. Quanto ao depoimento do sinistrado AA, o seu depoimento incidiu sobre a quantia paga pela seguradora, em substituição da prestação mensal que auferia e que, não tendo chegado a acordo, deixou de pagar, e não que a seguradora tenha deixado de suportar os tratamentos de fisioterapia de que carece. O recorrente não se referiu sequer a esta matéria, que seria essencial se efectivamente tivessem cessado os tratamentos de que necessita e à qual não teria deixado de se referir tivessem cessado.

Seja como for é esta impugnação irrelevante e inútil (artº 130 do C.P.C.) pois que o tribunal incluiu no cômputo da renda mensal o valor destes tratamentos no montante mensal de €408,00 (€34,00x3x4).

Nestes termos mantém-se esta alínea.  

No que se reporta à alínea c), a prova produzida, quer documental, quer testemunhal não suporta esta alegação. Como bem referiu o tribunal recorrido “não se apurou que o requerente e seu agregado familiar suporte um valor mensal médio de €2.159,72 de despesas, porquanto o requerente inclui, sem rigor, neste valor despesas várias que não são mensais, como resulta das regras da experiência e da normalidade do acontecer, como sejam “seguros”, “jardineiro”, “restaurantes e bares”, “dentista”, “adaptação” (da casa e do veículo que se apurou já ter sido feita e os custos suportados pela requerida: vd. pontos 35 e 46 dos factos provados), “pagamentos ao Estado”, “Conservatória”, “escola de condução”, “seguro de vida”, “via verde”, “ferramentas”, “pédicure” e “lazer”, sabendo-se que muitos destes aspectos não se repetem mensalmente, para além de que não é normal que se aponte uma despesa desse montante quando os vencimentos do requerente e da sua companheira não chegariam, no plano da normalidade, para os contemplar, afigurando-se, portanto, um montante irrazoável, não rigoroso e exagerado como despesa mensal fixa, ainda que em média, para um agregado familiar composto de apenas duas pessoas.”

Assim é. Não só este montante é irrazoável, tendo em conta a situação sócio económica do lesado, porque a sua companheira não só dele não depende, como se não sabe se já viviam em união de facto à data do sinistro, como não foi deita qualquer prova de que o lesado tenha despesas necessárias à manutenção da sua saúde, sustento e bem-estar, no valor referido.

No que se reporta à alínea d), alega o recorrente que a renda mensal requerida para aquisição e substituição do equipamento ortopédico e fisiátrico, resulta de um cálculo aritmético através do qual se obtém o proporcional do valor do orçamento do respetivo equipamento por referência à frequência de substituição do mesmo.

A título exemplificativo, vejamos o cálculo da renda mensal relativo à aquisição da cadeira de rodas de liga ultraleve. Ao abrigo do ponto 44 dos factos dados como provados, o preço de aquisição da referida cadeira ascende a 15.778,10 €uros. Atendendo que o requerente necessita do respetivo equipamento (cadeira de rodas) de 2 em 2 anos (decorrência de 24 meses), a renda mensal quantifica-se em 657,42 €uros.

Igual raciocínio se aplica para os demais equipamentos, a fim de obter o valor referenciado como renda mensal total, correspondente a 3.650,36 €uros.”

A este respeito considerou o tribunal recorrido que “o valor de €3.650,36 supra indicado na alínea d. resultou igualmente não apurado, por não rigoroso e exagerado, porquanto se trata de parte de equipamento que o requerente já dispõe (cadeira de rodas, almofada anti-escaras, standing-frame, banco de banho, cama elétrica articulada de casal, colchão anti-escaras e adaptação de veículo), o que sugere repetição e duplicação de despesas de material, e, por outro lado, trata-se de material complementar ao que o requerente já dispõe para se movimentar, cuja necessidade não se discute, embora seja material para melhorar a mobilidade e não de aquisição obrigatória e essencial, em termos de imediata necessidade e, como tal, de custo forçoso ou imprescindível.”

Da lista de material constante do ponto 44 apenas o batec scrambler 2 (€12.534,50), smart drive (€6.794,60), freewell (€992,16), Kit Offroad para cadeira de rodas (€22.904,88), handbike de estrada (€17.214,40), e handbike de cross (€17.195,30), não constam dos materiais já fornecidos. A renda mensal aqui peticionada refere-se à totalidade destes equipamentos, sendo certo que em relação aos já fornecidos, não foi prestado qualquer meio de prova que imponha a conclusão de que devem ser substituídos de dois em dois anos, nem tal decorreu do depoimento do Dr. JJ, mas antes que os materiais se desgastam de acordo com a sua utilização. Quanto aos ainda não fornecidos, não se vê que se trate de material de imediata necessidade (o que resulta também do depoimento do Dr. JJ) nem, pelas mesmas razões, se pode concluir pela obrigatoriedade de substituição de dois em dois anos ou que os custos de manutenção sejam os indicados. 

Mantém-se, pois, a não prova destes factos.

No que se reporta à alínea e), alega o recorrente que dos pontos 29 a 31 da matéria provada, resulta a necessidade de apoio por parte de terceira pessoa para as actividades da vida diária do requerente e que a requerida aceita, no artº 21 da sua oposição, que este apoio seja necessário pelo período de 4 horas.

Há que referir que o tribunal recorrido fixou um valor de € 700,00 para “as despesas do dia-a-dia com alimentação, consumos domésticos, deslocações a consultas médicas e tratamentos e ajuda de terceira pessoa (vd. pontos 29, 30, 31, 36, 37, 42 dos factos provados) que se computam, numa medida de equilíbrio e razoabilidade (considerando as despesas normais e previsíveis do concreto agregado familiar onde o requerente se integra.”

Ou seja, embora sem delimitar o número de horas ou o valor mínimo por hora, o tribunal fixou um valor com base na equidade, embora englobando-a noutras despesas como alimentação, deslocações e outros tratamentos, a acrescer ao valor que lhe fixou a título de vencimento.

Neste conspecto o recorrente tem razão. A fixação de um valor indemnizatório com base na equidade não dispensa a concreta fixação de factos que permitam delimitar as necessidades prementes que se visam salvaguardar, incluindo o necessário a assegurar a realização das actividades da vida diária que o requerente, em consequência das suas lesões, não pode já suportar.

 Fruto da paraplegia de que ficou a padecer, o recorrente necessita de ajuda para as actividades da vida diária, como vestir, despir, higiene pessoal, movimentação durante a noite, mudança para a cadeira de rodas, eliminação e limpeza de urina e de dejectos (testemunhas Drs. KK e JJ e EE, companheira do requerente) e treino intestinal, o que equivale, no mínimo, a 4 horas diárias. Do depoimento da companheira do recorrente não resultou que este necessita de acompanhamento em todas as horas que esta se encontra a trabalhar (permanecendo este sozinho em casa), mas que necessita de apoio para as actividades acima referidas. Quanto ao valor horário, o constante da Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, apenas se aplica aos procedimentos de apresentação de proposta razoável, não existindo uma tabela salarial para o serviço doméstico, nem sendo produzida qualquer prova quanto ao valor cobrado, na área de residência do lesado, por estes serviços.

Altera-se esta alínea passando para a matéria de facto provada apenas que o requerente necessita de apoio de terceira pessoa pelo período de 4 horas diárias.

No que se reporta à alínea f), não resultou da prova feita, quer documental, quer testemunhal, nomeadamente do depoimento do Dr. JJ que o recorrente tenha custos de manutenção mensais no montante indicado. Aliás, este valor acaba por resultar de médias feitas pelo recorrente com base na periodicidade da substituição que também não resulta absolutamente adquirido.

Mantém-se assim esta matéria como não provada. 

Em conclusão, acorda-se:

-na alteração do ponto 25 dos factos provados que passará a ter a seguinte redacção:

25. O Requerente exercia a profissão de servente/operador de pavimentos industriais por conta da sociedade B..., Lda. auferindo uma prestação mensal no valor de €775,45, acrescido do valor diário de subsídio de alimentação (€7,23) e ainda de prémios, bónus e ajudas de custo nacionais, de montante variável, mas que no mês de Julho de 2021, atingiram o valor líquido de €1.752,00;

-a alínea e) passa em parte para um ponto 48 com a seguinte redacção:

48- O requerente necessita de ajuda de terceira pessoa durante, pelo menos, 4 horas por dia.

Improcede no mais a impugnação da matéria de facto.


***

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


Insurge-se o recorrente contra o montante indemnizatório fixado pelo tribunal recorrido, alegando ser este montante inferior ao necessário para assegurar as necessidades do recorrente até fixação definitiva da indemnização pelo dano causado.

Os procedimentos cautelares para arbitramento de reparação provisória, conforme decorre do disposto no artº 388 do C.P.C. e 565 do C.C., confere ao lesado e aos titulares do direito a indemnização, por via do artº 495, nº3 do C.C., o direito a requerer a atribuição de uma quantia certa sob a forma de renda mensal, a título de reparação provisória do dano.

Como refere Lebre de Freitas[7], “o titular do direito a indemnização tem a possibilidade de pedir que lhe seja arbitrada uma quantia mensal, a título de reparação provisória do dano sofrido, até que a decisão definitiva, a proferir na acção de indemnização, transite em julgado: quando, em consequência do facto ilícito, tenha ocorrido morte ou lesão corporal; quando, em consequência do facto ilícito, tenha ocorrido dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado.

Visa-se assim dar resposta a uma situação de necessidade, de carência premente do lesado, que se encontra impossibilitado de fazer face às suas despesas, em virtude dos danos que sofreu causados pelo facto danoso. Ou seja, como refere Célia Sousa Pereira[8]a situação de necessidade tem necessariamente de ser consequência directa do facto gerador da responsabilidade, não podendo a mesma resultar de factores totalmente alheios a esse facto, sob pena de se não encontrar preenchido um dos requisitos de que depende a procedência da providência de arbitramento e, consequentemente, a mesma ser indeferida por falta de verificação de um dos requisitos cumulativos necessários ao seu decretamento.

Nestes termos, conforme decorre do disposto no artº 388 do C.P.C., pode ser requerida esta providência e deve ser deferida no caso de se mostrarem verificados os seguintes requisitos cumulativos: existência de uma obrigação de indemnizar a cargo do requerido; verificação de uma situação de necessidade ou carência premente do lesado; nexo de causalidade entre esta carência e os danos causados pelo facto gerador do dano.

Não está colocado em causa, neste recurso, a verificação dos pressupostos constantes do artº 388 do C.P.C. para a fixação de um valor indemnizatório provisório. Conforme refere o tribunal recorrido constitui requisito desta “providência de arbitramento de reparação provisória do lesado, que tais danos provoquem uma situação de necessidade, tratando-se de um estado de carência que não permite que se aguarde pelo desfecho da acção declarativa indemnizatória, para reparar tais prejuízos causados pelo dano, quadro em que se justifica “uma intervenção de emergência que elimine temporariamente aquela situação de necessidade premente”, tratando-se de uma indemnização pecuniária provisória em forma de renda reportada apenas a uma situação de necessidade “de cariz económico” – cf. João Cura Mariano, A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória, 2ª Ed., Almedina, 2006, p. 81”

A discordância do requerente prende-se com o valor fixado que, de acordo com a sua pretensão, não salvaguarda o valor de manutenção de equipamentos de que necessita, o valor referente à necessidade de apoio de terceira pessoa, nem reflecte o valor da sua valorização profissional.

  O tribunal recorrido fixou o valor de € 3.800,00, considerando “que a reparação provisória dos danos se destina apenas a “debelar, com rapidez uma situação em que está em perigo uma vivência do lesado dentro dos limites da dignidade humana”, tal reparação não tem por escopo “reconstituir antecipada e integralmente a posição (do lesado) antes de ter ocorrido o evento danoso”, devendo, ao invés, “adoptar-se o critério do nível da qualidade mínima dos referidos bens de consumo do lesado”, importando considerar apenas as despesas do lesado “julgadas imprescindíveis”, pois é apenas de uma reparação provisória e urgente dos danos sofridos que trata a presente providência – cf. João Cura Mariano, A Providência Cautelar …. Cit., pp. 84, 85 e 86.”

Entendimento de que o recorrente discorda, por entender que são valoráveis outros danos, não considerados pelo tribunal recorrido.

Resulta do disposto no nº3 do artº 388 do C.P.C. que o montante indemnizatório é fixado equitativamente pelo tribunal. Esta renda deve salvaguardar o necessário à habitação, sustento, educação e tratamento do lesado e, eventualmente, de pessoas que dele dependam, de acordo com o normal padrão de vida do lesado, considerando a diminuição do seu bem-estar, por causa dos danos sofridos[9], sem descurar as despesas acrescidas que tem de suportar por causa dos danos causados pelo acidente[10].

Nesta ponderação, conforme refere ainda Marco Gonçalves[11], o julgador deve atender a critérios “tais como as circunstâncias particulares do caso em concreto, o rendimento auferido pelo lesado antes da produção do facto danoso, o seu estilo de vida e/ou o valor provável da indemnização que será arbitrada na acção principal.” Se o lesado em consequência dos danos causados ficar incapacitado para o trabalho, deve atender-se a outros factores índice, nomeadamente o seu vencimento, de acordo com a afectação de que ficou a padecer.

Com efeito, conforme refere Lebre de Freitas[12]Se o lesado ficar impossibilitado, pela lesão corporal, de continuar a auferir o rendimento do seu trabalho, qualquer sua necessidade, tido em conta o seu estilo de vida, há-de poder ser coberta pela reparação provisória, desde que outro meio não tenha de a satisfazer.

O Tribunal recorrido, para a fixação do valor de uma renda mensal provisória, tomou em consideração o seguinte:

i. o valor do vencimento que o requerente auferia antes do acidente, no montante mensal de €1.752,00, ao qual deve ser subtraído o montante da prestação social que agora aufere (€349,21), o que perfaz o montante mensal de €1.402,79;

ii. os tratamentos/sessões de fisioterapia que necessita de efectuar semanalmente, os quais importam uma despesa mensal de €408,00 (€34,00x3x4; vd. ponto 45 dos factos provados);

iii. as despesas do dia-a-dia com alimentação, consumos domésticos, deslocações a consultas médicas e tratamentos e ajuda de terceira pessoa (vd. pontos 29, 30, 31, 36, 37, 42 dos factos provados) que se computam, numa medida de equilíbrio e razoabilidade (considerando as despesas normais e previsíveis do concreto agregado familiar onde o requerente se integra, para o qual concorrem os rendimentos da sua companheira), no montante mensal de, pelo menos, €700,00;

iv. as despesas mensais com medicação e produtos farmacêuticos no montante mensal de, pelo menos, €1.088,85 (vd. ponto 43 dos factos provados).”

Como bem refere a requerida, a soma destes valores é inferior ao valor de renda mensal arbitrado, sendo certo que mesmo a considerar um mínimo de 4 horas diárias a pagar a terceira pessoa para assistência ao lesado, e ainda que se considerasse o valor constante da Portaria nº 679/2009 como pretendido pelo lesado, não seria superior a €739,20 mensais.

Acresce que, mesmo a considerar-se que só em alimentação e transporte o recorrente despende € 700,00, que em fisioterapia despende € 408,00 e que em medicação e produtos farmacêuticos despende € 1.088,85 e na assistência de terceira pessoa € 739,20 mensais, obtém-se valor inferior ao valor arbitrado.

Quer isto dizer que o valor arbitrado, tendo em conta o estilo de vida do lesado e o valor do salário que auferia, que não equivale ao que o tribunal a quo considerou, conforme resulta do disposto no artº 260 do C. de Trabalho, bem como o valor dos tratamentos, medicamentos e apoio de terceira pessoa, é amplamente suficiente para atender às necessidades do lesado, que são muito inferiores ao valor arbitrado.

Improcede o recurso.


***

DECISÃO


Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, mantendo a decisão proferida.

Custas pela apelante (artº 539, nº1 do C.P.C.)

                                                  Coimbra 16/09/2025



[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, Ana Luísa Geraldes; Ac. STJ de 14.01.2016, proc. n.º 326/14.6TTCBR.C1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ de 11.02.2016, proc. n.º 157/12.8TUGMR.G1.S1, Mário Belo Morgado; Ac. STJ, datado de 19/2/2015, proc. nº 299/05, Tomé Gomes; Ac. STJ de 22.09.2015, proc. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção, Pinto de Almeida; Ac. STJ, datado de 29/09/2015,proc. nº 233/09, Lopes do Rego; Acórdão de 31.5.2016, Garcia Calejo, proc. nº 1572/12; Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, proc. nº 449/410; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, proc. nº 1060/07.
[4] Ac. STJ. de 03.03.2016, de que foi relatora Ana Luísa Geraldes, proferido no proc. nº 861/13.3TTVIS.C1.S, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Ac. do STJ de 16/12/20, de que foi Relator Bernardo Domingos, proferido no proc. nº 8640/18.5YIPRT.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt.

[6] Ac. do S.T.J. de 31.05.2016, de que foi relator Garcia Calejo, proferido no proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2.ª ed., pág. 114.
[8] PEREIRA, Célia Sousa, Arbitramento de Reparação Provisória, Almedina, 2003, pág. 130.
[9] Neste sentido vide GERALDES, António Santos Abrantes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, pág. 136.
[10] PEREIRA, Célia Sousa, ob. cit., pág. 126.
[11] GONÇALVES, Marco Carvalho, Providências Cautelares, Almedina, 4ª edição, pág. 324 325.
[12] Ob. cit., pág. 111.