Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | EMENDA DA PARTILHA INTEMPESTIVIDADE PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO TORNAS ESCOLHA DOS BENS A VENDER PRINCÍPIO DA SUFICIÊNCIA E PROPORCIONALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 12/11/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 293.º A 295.º, 751.º, 1122.º, N.º 2, E 1127.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | I – Se os demais interessados deduzem oposição ao incidente de emenda da partilha, invocando a sua intempestividade, não havendo lugar a audiência prévia e não se encontrando previsto um articulado de resposta a eventuais exceções, o juiz deve, antes de decidir e em obediência ao princípio do contraditório, ouvir o requerente quanto a tal exceção (arts. 1127º, nº2, e 293º a 295º, do CPC).
II – Constituindo o expediente previsto no artigo 1122º, nº 2, do CPC, um procedimento executivo, a escolha dos bens a vender para satisfação do produto das tornas obedece ao princípio da suficiência e proporcionalidade, nos termos em que se mostra densificado no artigo 751º do CPC. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: José Avelino Gonçalves 2º Adjunto: Helena Gomes Melo
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO Nos presentes autos de inventário para partilha do património hereditário por óbito de AA e BB, transitada em julgado a sentença homologatória da Partilha, após vários recursos julgados improcedentes, e encontrando-se os autos a prosseguir para venda de um bem imóvel adjudicado ao interessado/cabeça de casal, CC, por falta de pagamento de tornas, ao abrigo do disposto no artigo 1122º, nº1, do CPC, veio o referido CC, requerer: 1. por requerimento de 08-01-2024: a) a anulação da partilha por consubstanciar uma situação de abuso de direito ou, caso assim se não entenda, 2. por requerimento de 09-01-2024, a emenda na partilha, alegando, em síntese, que a adjudicação dos imóveis ao requerente e aos seus filhos legatários por via deste Inventário, só foi possível por força de erro-vício cometido nestes autos, pois, quando licitaram em 09/06/2017 nos bens, tanto o requerente, como os seus filhos legatários, estavam convencidos de que o testamento era válido, e que os bens tinham de ser partilhados, por serem pertença da herança dos referidos BB e AA, seus pais e que, caso soubessem que o testamento era nulo quanto à substância, não teriam requerido o inventário, nem teriam licitado. Concluiu, pedindo a convocação dos interessados a uma Conferência para acordarem na forma de se emendar a partilha. Notificados, os demais interessados DD e EE, vieram, a 22/01/2024, deduzir oposição a ambos os requerimentos: - pugnando pela improcedência do requerido, na medida em que há falta de acordo de todos os interessados e que o alegado erro invocado pelo cabeça-de-casal já precludiu, por o conhecer há mais de um ano; - não assiste razão ao interessado quanto ao invocado abuso de direito, porquanto, há muito que fora decidido proceder-se à venda da verba nº45, decisão já transitada em julgado, tendo-se assim esgotado o poder jurisdicional; - requerendo a condenação do reclamante como litigante de má-fé, nos termos dos ars. 542º e 543º do CPC, em multa e indemnização a favor dos interessados em montante nunca inferior a 500,00 € para cada um. A 05/02/2024, pelo juiz a quo foi proferido Despacho a julgar totalmente improcedentes os incidentes de emenda e anulação da partilha instaurados pelo cabeça de casal, indeferindo o pedido de substituição da verba nº 45º indicada para venda, não se pronunciando sobre o pedido de condenação do mesmo como litigante de má-fé, por se encontrar ainda a decorrer o prazo de resposta. * Não se conformando com o decidido, o Requerente CC, dele interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, (…). * Pelo Juiz a quo foi proferido Despacho a condenar o cabeça de casal como litigante de má-fé e multa processual equivalente a 4 UCS e no pagamento aos interessados, DD e EE, de indemnização que fixou em 500 € para cada um. Não se conformando com o decidido, o cabeça de casal vem interpor recurso de Apelação, remando as respetivas alegações, nas seguintes conclusões: (…). * Não foram apresentadas contra-alegações a qualquer uma das Apelações. Pelo juiz a quo foi proferido despacho a determinar a subida conjunta de ambas as Apelações, “considerando que a decisão de litigância de má-fé, em multa e indemnização advém e tem estrita relação com os incidentes de emenda e anulação de partilha, uma vez que o pedido foi daí decorrente”. * Dispensados foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº4, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto dos recursos. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, nº4, e 639º, do Novo Código de Processo Civil, as questões a decidir, são as seguintes: 1ª Apelação 2ª Apelação – Litigância de má-fé 1. Se a condenação em litigância de má-fé não podia ser tomada depois de proferida a sentença, por se mostrar esgotado o poder jurisdicional 2. Se o tribunal errou ao considerar que o Requerente litiga com má-fé * III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Nulidade da sentença por ter produzido decisão surpresa ao julgar improcedentes os pedidos, sem a requerida produção de prova e marcação de necessária e prévia conferência de interessados Se bem entendemos o sentido das suas alegações de recurso, o Apelante começa por invocar a nulidade da sentença que julgou improcedentes os pedidos de emenda e anulação da partilha, ao abrigo do disposto no artigo 615º, nº1, al. d), do CPC, alegando que o tribunal apreciou questões de que ainda não podia tomar conhecimento: o tribunal deveria ter cumprido o principio do contraditório efetivo – perante a existência ou não de acordo, haveria que convocar uma conferência para que os interessados, em temos pessoais possam expressar a sua posição, permitindo ainda, aos mandatários, em alegações orais, ter oportunidade de melhor fundamentar o seu pedido; só na conferência de interessados se pode apurar da verdadeira existência de acordo dos interessados para formulação e apoio da requerida emenda; só após, poderão prosseguir os autos nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1126º, nº 2 do C.P.C. só ao Autor cabe demonstrar o conhecimento posterior à decisão homologatória do erro existente, e a demonstração do decurso do prazo de um ano fica a cargo dos recorridos. No despacho de admissão do recurso, o tribunal a quo veio-se pronunciar no sentido da inexistência de qualquer nulidade, porquanto, o tribunal conheceu da questão submetida à apreciação do tribunal, apenas não levando a cabo as diligencias probatórias requeridas pelo cabeça de casal, porque, no caso concreto, as mesmas não se mostraram necessárias. Cumpre apreciar a invocada nulidade, consistente em o tribunal se ter pronunciado sobre questões de que ainda não podia tomar conhecimento. Os termos em que o Apelante suscita tal nulidade envolve a resposta a três questões distintas: a) se a realização de conferência era obrigatória; b) não sendo obrigatória, se, na ausência de realização de conferência, o tribunal podia conhecer de imediato dos pedidos: i) sem a realização da prova oferecida pelo requerente; Dispõe o artigo 1126º, do Código de Processo Civil, quanto à “Emenda da partilha”: 1. Ainda que a decisão homologatória tenha transitado em julgado, a partilha pode ser emendada no próprio inventário por acordo de todos os interessados, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro suscetível de viciar a vontade das partes. 2. Na falta de acordo quanto à emenda, o interessado requer fundamentadamente, no próprio processo, que a ela se proceda, no prazo máximo de um ano e contar da cognoscibilidade do erro, desde que seja posterior à decisão, aplicando-se à tramitação o disposto quanto aos incidentes da instancia. Quanto à “Anulação da partilha”, dispõe o artigo 1127º CPC: 1. Sem prejuízo dos casos de recurso extraordinário de revisão, a partilha confirmada por sentença homologatória transitada em julgado só pode ser anulada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada. 2. O pedido de anulação constitui incidente do processo de inventário, ao qual se aplicam as regras gerais dos incidentes da instância. No caso de herdeiro preterido, prevê ainda o artigo 1128º do CPC que este requeira a convocação de conferência de interessados para se determinar o montante do quinhão. Quanto ao pedido de emenda da partilha, a partir do momento em que, notificados os restantes interessados, os mesmos responderam, opondo-se à requerida emenda, não se justifica a marcação de conferência de interessados para que aí seja declarado que não há acordo. Sendo conhecida nos autos a inexistência de acordo, a marcação de uma conferência para acordarem na emenda à partilha, tornou-se um ato desnecessário e inútil, e como tal, proibido por lei. Relativamente ao incidente de anulação da partilha, a marcação de uma conferência só se encontra prevista para o caso de falta de intervenção ou de preterição de herdeiro, e de tal situação vir a ser reconhecida nos autos, tendo por objetivo a composição do quinhão desse herdeiro. Como tal, perante a posição assumida pelos interessados, nos respetivos requerimentos de emenda e anulação da partilha e articulado de resposta, não se impunha a marcação de Conferência de interessados, pelo que a sua não convocação não integra qualquer nulidade. Questão distinta passa por determinar se o tribunal poderia ter, de imediato, apreciado os pedidos de emenda ou anulação, sem a prática de qualquer outro ato ou a produção da prova oferecida pelo Requerente. Remetendo o regime da emenda e da anulação da partilha, na falta de acordo dos interessados, para as regras gerais dos incidentes da instância, o respetivo processado consta dos artigos 292 a 295º do CPC: - no requerimento de prova em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova; - a oposição é deduzida no prazo de 10 dias; - finda a produção da prova, pode cada um dos advogados fazer uma breve alegação oral, sendo imediatamente proferida decisão por escrito. O cabeça de casal deduziu incidente de emenda da partilha, com fundamento em que, tendo vindo a determinar-se por sentença proferida em 15/07/2020, que o testamento apenas é válido quanto à forma e não quanto à substância, a adjudicação dos imóveis ao requerente e aos seus filhos legatários, por força deste inventário, só foi possível por força de erro-vício, pois quando licitaram estavam convencidos de que o testamento era válido. Os demais interessados deduzem oposição, alegando que, não existindo acordo entre os interessados, o requerimento de emenda de partilha teria de ter sido deduzido no prazo de um ano, sendo que, o “alegado” erro é do conhecimento do interessado CC muito antes da decisão homologatória da partilha. Tendo-se limitado o interessado CC a juntar cópia de certidão predial e de registo do prédio id. sob a verba nº 45, inexistia qualquer outra prova a produzir. Entendendo o juiz a quo que os autos dispunham de todos os elementos para apreciar tal incidente, por intempestividade do pedido – a sentença que apreciou a validade de tal testamento transitou em julgado a 30-09-2020, muito antes da sentença homologatória da partilha, proferida a 22-05-2022, pelo que era do conhecimento deste há mais de um ano, pois o interessado era parte naquela ação – a única questão que se coloca é se o juiz devia ter ouvido previamente o requerente do incidente quanto a tal questão, antes de apreciar a caducidade do incidente. Não se encontrando previsto articulado de resposta à oposição deduzida ao incidente, nem a realização de audiência prévia onde pudesse ser dada possibilidade ao requerente para se pronunciar sobre tal exceção ou para uma “breve alegação oral”, afigura-se que, em observância do contraditório, deveria o tribunal ter notificado o requerente para se pronunciar, querendo, sobre tal questão, nos termos do artigo 3º, nº3, do Código de Processo Civil. Não o tendo feito, cometeu-se uma nulidade, havendo que, nesta parte, anular a decisão recorrida que julgou improcedente o pedido de emenda da partilha, a fim de assegurar o prévio cumprimento do contraditório. Quanto ao pedido de anulação da partilha com fundamento em “abuso de direito”, formulado no requerimento de 08-01-2024, não tendo o Requerente requerido a produção qualquer meio de prova para sustentar tal pedido (as declarações de parte e a testemunha indicadas são oferecidas unicamente para prova confirmação de que a verba nº.45 é a sua habitação permanente, e a indicação de um perito, para eventual avaliação dos bens que oferece em substituição), não haveria qualquer prova a produzir. E, nesta parte, não tendo os réus na oposição que deduziram ao pedido de anulação, alegado qualquer exceção, relativamente à qual houvesse que cumprir o contraditório, dispunha o tribunal de todos os elementos necessários para apreciar tal pedido, não se reconhecendo a existência da invocada nulidade. Quanto ao pedido de substituição da verba nº 45, por outras verbas adjudicadas ao Requerente, - se era importante a prova de que a verba n. 45 é a sua casa de habitação – lida a decisão recorrida constata-se que o tribunal aceita que tal verba constitua a casa de habitação do executado; - quanto à indicação do perito, atentar-se-á em que o reclamante não requer a avaliação dos bens, limitando-se a indicar o seu perito para a hipótese de o tribunal entender ser de proceder à avaliação dos bens. Pelo exposto, relativamente à decisão de improcedência do pedido de anulação da partilha ou de substituição da verba indicada para venda, nega-se a verificação da alegada nulidade decorrente de o tribunal ter apreciado questão que ainda não pudesse conhecer. * Passamos, agora às razões de fundo pelas quais o Apelante pede a revogação da decisão que julgou improcedente o pedido de anulação da partilha. O tribunal veio a julgar improcedente o pedido de anulação da partilha, com fundamento em que: - não se verifica nenhuma das situações legalmente previstas para anulação da partilha; - não se verifica qualquer situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, uma vez que o cabeça de casal desde o inicio dos autos esteve representado por advogado, sendo que, a venda do vem adjudicado resulta da falta de pagamento de tornas devidas aos interessados DD e EE, no exercício do seu direito. Insurge-se o Apelante contra o decidido, insistindo pela existência de abuso de direito, sem que ponha em causa o primeiro e principal fundamento de rejeição do pedido de anulação da partilha – o de não se verifica nenhuma das situações legalmente previstas para anulação da partilha, previsto no nº1 do artigo 1127º – sem prejuízo dos casos de recurso extraordinário de revisão, a partilha só pode ser anulada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros. Assim sendo, mantendo-se tal fundamento de rejeição, sempre será de manter a decisão recorrida de improcedência do pedido de anulação da partilha, improcedendo, nesta parte a Apelação. * Passamos a analisar os fundamentos de mérito pelos quais o Apelante pretende ver revogada a decisão de indeferimento do pedido de substituição da verba nº 45 indicada para venda. O Cabeça de casal fez assentar tal pedido de substituição, nos seguintes fundamentos: a verba nº45 indicada para venda constitui a sua casa de morada de família, nos termos do art. 751º do CPC, a penhora de bens deve observar os princípios da proporcionalidade e da equidade; segundo o art. 751º, nº4, al. c), sendo o imóvel a habitação própria e permanente do executado, em execução de valor superior à alçada no tribunal de 1ª instância, se a penhora de outros bens presumidamente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 18 meses; é possível a satisfação do direito dos legatários com a venda de outros bens, nomeadamente os indicados no requerimento de 10/03/21. Conclui pedindo a “substituição do indicado bem para venda – verba nº45 – pelos indicados no requerimento de 10/03/2021, até perfazer o total de €92,301,96 €”. O tribunal proferiu decisão de indeferimento de tal pedido de substituição, com os seguintes fundamentos: o bem indicado é o único que permite prosseguir o fim da venda que é a realização de valor suficiente para pagamento da referidas tornas que conjuntamente ascendem a 92.301,96 €; correspondendo este valor a mais do dobro da alçada da relação, seria aplicável a al. b), do nº4 do art. 751º do CPC, segundo o qual, sendo o imóvel habitação permanente do executado só pode ser penhorado, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses; todos os restantes bens indicados pelo cabeça de casal no requerimento de 10/03/2021 têm um valor muito mais baixo e na globalidade do seu valor fica muito aquém do valor reclamado pelos interessados, pelo que a substituição da verba nº 45 por todos os outros bens não permitirá a satisfação dos interessados no prazo de 12 meses, o que desde logo se conclui pelo próprios valores oferecidos pelo cabeça de aquando da proposta apresentada na Conferencia de interessados em sede de inventário notarial. Inconformado, recorre o CC/Apelante com os seguintes fundamentos: a decisão mostra-se ferida de inconstitucionalidade por violação do direito à habitação constitucionalmente protegido pelo art. 65º da CRP, e do disposto no art. 811º e ss. e 751º do CPC; não está demonstrado nos autos, apesar da prova oferecida e avaliação requerida, que os bens por si oferecidos tenham um valor mais baixo do que o reclamado pelos interessados e que não permitem a satisfação dos interessados no prazo de 12 meses; o tribunal não podia retirar tal conclusão sem uma ponderada análise, impondo-se antes de tudo a avaliação requerida, sendo que o valor global da herança como resulta do mapa da partilha, ascende a 293.156,73 €. Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida, sendo substituída por outra que ordene a avaliação dos bens indicados pelo requerente e se necessário se promova a venda destes, dando-se sem efeito a prematura venda da verba nº 45. Cumpre apreciar. Transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, os interessados a quem tiver sido reconhecido o direito a tornas podem solicitar a venda de bens que tenham sido adjudicados ao devedor em situação de incumprimento de tal obrigação (nº2 do artigo 1122º do CPC). Este procedimento é enxertado no próprio processo de inventário, seguindo-se o regime da venda executiva (artigo 549º, nº2, CPC)[1], aplicando-se à apreensão e venda os artigos relativos à execução e à venda a efetuar nesta[2]. Em tal procedimento, apesar de não haver lugar a penhora, a escolha dos bens a vender, deve obediência ao principio da suficiência ou da proporcionalidade (com raiz constitucional no artigo 62º da CRP), prevendo-se a venda dos bens adjudicados ao devedor “até onde seja necessário ao seu pagamento” (nº2, art. 1122º). Tal principio da suficiência ou da proporcionalidade que deve reger a ordem de realização da penhora na ação executiva comum, e também, da escolha dos bens a vender, surge concretizado no nº1 do artigo 751º do CPC, pela conjugação de dois critérios: “A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito exequendo.” Como refere Rui Pinto[3], com vista a cumprir o principio da adequação, a escolha dos bens a penhorar tem de ter em consideração “os bens que apresentam maior probabilidade de realizarem uma quantia pecuniária em menor tempo”. Em concretização de tal ideia, dispõe-se na al. b), do nº4 do artigo 751º do CPC, que, sendo o imóvel a habitação permanente do executado só pode ser penhorado, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses. “Nesta execução, em nome da proporcionalidade ou suficiência, os bens a vender devê-lo-ão ser apenas na medida do necessário e suficiente para atingir o montante de tornas e juros devidos, devendo o julgador ter especial atenção relativamente à venda destes bens, quando esteja em causa a habitação própria e permanente do aí executado, a semelhança do que se passa na normal”[4]. Desçamos, assim, ao caso em apreço. No requerimento de 08/01/2024, o cabeça de casal, a quem foram adjudicados a quase totalidade dos bens da herança – aqueles nos quais havia licitado e ainda outros que não foram objeto de qualquer licitação –, veio pedir a substituição do bem indicado para venda – verba nº45 –, pelos por si indicados no requerimento de 10/03/2021, até perfazer o total de 92.301,96 €. No requerimento por si apresentado a 10/03/2021, de proposta de mapa da partilha, o cabeça de casal, escolheu para preenchimento da sua quota hereditária, os bens por si licitados (entre os quais se encontra a verba nº 45º), no valor global de 188.787,40 €, defendendo que “deverão as restantes verbas preencher o quinhão hereditário dos interessados DD e EE, verbas com valores suficientes para preenchimento das suas quotas hereditárias, decorrentes do valor do legado, referido nos autos.” Supomos, assim, que as verbas oferecidas pelo Cabeça de Casal em substituição da verba nº45, corresponderão às verbas que, no requerimento de 10.03.2021, propôs que fossem adjudicadas aos interessados para preenchimento das suas quotas. Contudo, se o valor global dos bens da herança ascendeu a 293.156,73 € e se o cabeça de casal escolheu para si bens no valor de 188.787,49 €, se aos interessados/legatários foram adjudicadas verbas no valor de 8.327,91 €, e 10.741,41 €, respetivamente, significa que as inúmeras verbas oferecidas pelo C.C. em substituição da verba nº45 ascenderiam, no seu total, ao valor de 85 299, 92 €, inferior ao valor de 92.301,96 €, ainda em dívida aos interessados para satisfação dos seus legados. Por outro lado, para além do valor necessário ao pagamento das tornas, haveria ainda que entrar em consideração com os custos da própria venda judicial, a suportar pelo devedor de tornas, que não as pagou voluntaria e atempadamente. É certo que no seu requerimento, ao indicar as verbas por si oferecidas, não se restringiu a estas, uma vez que, utilizou o termo “nomeadamente”, dando a entender que, se necessário, poder-se-iam, ainda, vender outras verbas dentro das que foram por si escolhidas. Contudo, o executado que requeira a substituição de bens penhorados por outros que igualmente assegurem os fins da execução, terá de concretizar os bens que oferece em substituição, não sendo válida uma proposta genérica, remetendo para todos os demais bens da herança (com exceção da verba nº 45) – mais de 90 verbas, de diversa natureza, entre bens móveis e imóveis –, a escolher pelo tribunal. Por outro lado, quanto ao argumento de que o tribunal não podia ter chegado à conclusão de que os bens indicados sempre seriam suficientes para pagamento do valor dos legados atribuídos aos interessados, sem previamente proceder à respetiva avaliação, avaliação por si requerida, assenta num pressuposto errado, o de que fora por si requerida a realização de avaliação. Com efeito, no final do seu requerimento, sob a epigrafe prova, apenas se afirma “Caso se entenda necessária a efetivação da avaliação dos bens indicados no requerimento de 10/03/2021, para prova de que o seu valor atinge o indicado montante de 92.301,96 €.” Em requerimento, o C.C. limita-se a indicar um perito para a hipótese de o tribunal vir a realizar uma avaliação dos bens a substituir, sem que requeira, ele próprio tal avaliação. Quanto à alegada violação do disposto no artigo 65º da CRP, por desrespeito do princípio do direito à habitação, tal argumentação não colhe, porquanto, é o próprio legislador que, no nº4, do artigo 751º define as circunstâncias em que é possível a penhora e venda judicial de imóvel que constitua a casa de habitação do executado, normas estas observadas na decisão recorrida. A Apelação é, também nesta parte, de improceder. * O Apelante termina as suas alegações de recurso, invocando a “autoridade/ofensa” de caso julgado, com os seguintes fundamentos: - Consta dos autos e da sentença de 15/07/2017, de que agora se recorre, e existente nos autos conforme ponto 2 dos factos provados o seguinte: “ 2 - Por sentença proferida na acção de processo comum n.º 1884/19.... a 15-07-2020, transitada em julgado a 30-09-2020, decidiu-se declarar que o «testamento, identificado no ponto 7) dos factos provados [testamento público, lavrado no Livro de Testamentos públicos e Escrituras de Revogação de Testamentos n.º 7, de folhas cento e trinta quatro a folhas cento e trinta e quatro verso], no que concerne às disposições testamentárias, é válido quanto ao seu valor e nulo/inválido quanto à substância, convertendo-se ope legis em legado de valor;». - Significa assim que a partir da data do trânsito em julgado de tal sentença em 30-09-2020, todos os bens da herança passaram a ser propriedade do recorrente, sem necessidade de qualquer partilha, pois que o ora recorrente ficou obrigado a partir de tal trânsito de cumprir uma obrigação pecuniária traduzida no pagamento do valor do legado. Nessa medida deveriam desde logo os autos de Inventário terem sido arquivados, por inutilidade superveniente da lide com as legais consequências, ou seja, a do seu próprio arquivamento. Assim, a manutenção destes autos, e a prolação da sentença de que se recorre constitui ofensa de caso julgado, qual seja a sentença anteriormente referida de 15/07/2020, violando assim a sua autoridade, o que impõe sempre também a revogação da presente sentença nos precisos termos do disposto no artº 607 e 619 e ss do C.P.C e o consequente arquivamento dos autos. O caso julgado – quer invocado enquanto ofensa, quer enquanto autoridade – pressupõe, em regra, a existência de uma tríplice identidade, quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (artigo 581º) )[5]. E se, os sujeitos são os mesmos embora ocupando posições processuais distintas, já quanto ao pedido – quando numa outra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico – e quanto à causa de pedir – quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, não se verifica tal identidade. Na referida ação o legado em espécie foi convertido em legado em valor – com fundamento em que o testador não seria proprietário exclusivo dos bens legados –, e no incidente de anulação da partilha o pedido é indeferido por não se enquadrar na situação excecional em que se encontra consagrada pelo artigo 1127º. Se com a invocação da ofensa do caso julgado se estava a referir à decisão que indeferiu o pedido de substituição da verba nº 45 (com fundamento em que os bens indicados em substituição não são de valor suficiente, nem de fácil realização no prazo de 12 meses), também não se alcança de que modo a decisão recorrida, respeitante a uma fase de execução da sentença de homologação da partilha transitada em julgado (nº2 do art. 1122º CPC) – possa ofender o caso julgado formado numa outra ação em que se determinou a conversão do legado em valor. Na fase processual em questão, o que se encontra em causa é a cobrança coerciva de tal valor, por o CC, devedor do mesmo aos legatários ter incumprido a sua obrigação. * Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, sendo que, a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes (artigo 195º, nº2 do CPC). Baseando-se a condenação do cabeça de casal por litigância de má-fé na circunstância de o cabeça de casal, ao formular os pedidos de emenda da partilha, e de anulação da partilha ou substituição da verba nº 45, ter agido de forma reprovável, bem sabendo que deduziu pretensões cuja falta de fundamento não podia ignorar, a decisão a incidir sobre o pedido de emenda da partilha constituiu questão prejudicial da apreciação do pedido de condenação por litigância de má-fé. Assim sendo, a declaração de nulidade da decisão que julgou improcedente o pedido de emenda da partilha, acarretará a anulação da decisão proferida quanto à litigância de má-fé por parte do cabeça de casal. * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em: i) Julgar parcialmente procedente a 1ª Apelação: - confirmando a decisão de improcedência do pedido de anulação da partilha, bem como do pedido de substituição do bem indicado sob a verba nº 45. - anulando a decisão que incidiu sobre o pedido de emenda da partilha, por incumprimento do contraditório, com a consequente anulação da decisão que incidiu sobre o pedido de condenação do cabeça de casal como litigante de má-fé. ii) Não apreciar a 2ª apelação, deduzida contra a decisão que condenou o cabeça de casal como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor dos legatários DD e EE, por prejudicada. O cabeça de casal suportará as custas do incidente de anulação da partilha e de substituição da venda nº45, em taxa de justiça que se fixa em 2 UCS. As custas da 1ª Apelação serão suportadas a meias e partes iguais, entre o Apelante e os Apelados, ficando a 2ª Apelação sem custas, por prejudicado o seu conhecimento. Coimbra, 11 de dezembro de 2024
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