Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
772/23.4T8MGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
MEMBRO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESA MUNICIPAL
ESTATUTO DO GESTOR PÚBLICO (EGP)
CRÉDITO POR FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL E INDEMNIZAÇÃO
TRIBUNAL DE COMPETÊNCIA GENÉRICA
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 60.º, 65.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 33.º, 37.º, N.º 1, 40.º, 80.º, 81.º E 126.º DA LSOJ, APROVADA PELA LEI N.º 62/2013, DE 26-08, 26.º E 27.º DO EGP, APROVADO PELO DLEI N.º 71/2007, DE 23-03
Sumário:
.É da competência do tribunal de competência genérica (e não dos juízos especializados do trabalho), a ação pela qual o autor, alegando ter sido demitido das funções de membro do Conselho de administração da ré/empresa municipal, para o qual fora nomeado com sujeição ao Estatuto do Gestor Publico, pede o pagamento dos dias de férias não gozadas e ao respetivo subsídio de natal, bem como a indemnização prevista no n.º 3 do art.º 26.º do Estatuto do Gestor Público.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo nº 772/23.4T8MGR.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Paulo Correia

2º Adjunto: Arlindo Oliveira

                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra A..., EM Unipessoal, Lda.,

alegando, em síntese:

 a autora era, e é, trabalhadora do Município ... e, por acordo entre ambas, foi a autora exercer funções em regime de cedência, na Ré, sendo remunerada por esta;

a Câmara Municipal ..., em reunião ordinária de 11/11/2013 deliberou nomear a autora como membro do Conselho de Administração da Ré e a sua sujeição ao Estatuto do Gestor Público, com mandato a cessar aquando da cessação do mandato dos titulares municipais;

por email de 31/05/2023, o Presidente da Câmara Municipal ... comunicou à R. que “tendo ocorrido a renúncia do cargo da Presidente do Conselho de Administração,  a 30 de abril de 2023, da Dr.ª BB, e sendo o Conselho de Administração um órgão   colegial da A..., constituído nos termos do artigo 13º do Estatutos, por dois membros, o mesmo  deixou de ter condições de funcionamento, termos em que V. Ex.ª cessa as suas funções na qualidade de administradora, no dia 01 de junho de 2023, exclusive;

até ao presente e não obstante sucessivamente interpelada para tal, a R. não efetuou qualquer pagamento à A. a título de remunerações vencidas, bem como a indemnização pela demissão operada;

não obstante ser trabalhadora do Município, o exercício das suas funções ao serviço da Ré, como administradora, configura um contrato de mandato;

ocorreu uma verdadeira demissão do gestor público (aqui autora) por mera conveniência;

a autora tinha à data da demissão mais de 12 meses seguidos no exercício de funções, pelo que, ao abrigo do disposto no nº3 do art. 26º do EGP, tem o direito a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do mandato, com a redução do valor do lugar de origem à data da cessação de funções, para onde regressou;

a autora tem ainda direito a dias de férias não gozadas e ao respetivo subsidio de férias e de natal de 2023.

Conclui, pedindo:

- a condenação da ré a pagar à autora a quantia de 30.243,57 €, acrescida de juros legais desde 02 de junho de 2023 até efetivo e integral pagamento.

A Ré apresenta Contestação, invocando a exceção da incompetência material do tribunal, com a seguinte alegação:

a autora funda o seu direito ao recebimento dos referidos valores nos seguintes pressupostos: (i) relativamente aos valores referidos nas alíneas a) a e), na existência de uma relação laboral (‘créditos laborais’) estabelecida entre as partes; (ii) relativamente à indemnização a atribuir ao abrigo da norma do n.º 3 do artigo 26.º do EGP, por alegadamente ter sido demitida do cargo de administradora da Ré para a qual tinha sido nomeada pelo Município ...;

a autora defende a existência de uma relação laboral (pela ocorrência de uma cedência por razões de interesse público) do mesmo passo que sustenta igualmente a subsistência de um contrato de mandato, o qual, por seu turno, lhe permite mobilizar a aplicação da norma constante do n.º 3 do artigo 26.º do EGP;

se é certo que decorre da jurisprudência recente dos tribunais superiores quanto à competência da jurisdição cível comum para o conhecimento das ações em que se peticione a eventual atribuição de uma indemnização ao abrigo do artigo 26º do EGP, o mesmo já não se pode dizer quanto ao conhecimento do eventual direito ao recebimento de quantias a título de créditos laborais

Nesse pressuposto, conclui a ré, que «cumpre reconhecer que o presente Tribunal não é

competente em razão da matéria para conhecer do primeiro pedido, porquanto tal caberia ao Tribunal do Trabalho, considerando o modo como a própria Autora configura a presente ação e o seu pretenso direito a créditos laborais - «a cedência de interesse público determina a suspensão do vínculo jurídico de origem, o que significa que o trabalhador cedido passa a estar sujeito ao regime jurídico que seja aplicável ao empregador para o qual passa a trabalhar», no caso, a Ré (cf. doc. 7 da petição inicial).

A autora apresenta articulado de resposta à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência, alegando que, ao contrário do referido pela Ré, a autora não reclama créditos laborais, mas créditos decorrentes da relação de mandato estabelecida entre a autora e Ré, remuneração que era paga 14 vezes por ano, tendo a autora direito a 22 dias uteis de férias.

Foi proferido Despacho Saneador que decidiu:

I. Julgar verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da matéria;

II. Declarar este Tribunal incompetente, em razão da matéria, para dirimir o presente litígio;

III. Declarar competentes para dirimir o presente litígio os Juízos de Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria;

IV. Absolver a ré A..., Unipessoal, S.A. da presente instância;.”


*

Inconformada com tal decisão, a autora dela interpôs recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

 1 - Na presente ação reclama a A. o pagamento de diversas quantias a que entende ter direito na sequência do exercício das funções de administradora da sociedade R.;

2 - Tais direitos reclamados pela A. não têm natureza laboral, pois subjacentes aos mesmos está um contrato de mandato, em virtude do qual a A. exerceu aquelas funções de administradora;

3 - Nos termos do artigo 398º do Código das Sociedades Comerciais, deve entender-se que “o legislador vedou a todos aqueles que exerçam funções de Administrador nas circunstâncias definidas pelo preceito supra citado, e durante o período para o qual foram designados, a possibilidade de o fazerem ao abrigo de contratos de trabalho, subordinado ou autónomo”;

4 - Existe uma incompatibilidade absoluta entre os vínculos laboral e de Administração, pelo que o exercício das funções de um Administrador societário não pode nunca assentar num contrato de trabalho;

5 - Não emergindo a relação estabelecida entre A. e R. de relações de trabalho subordinado, a jurisdição de competência especializada laboral nunca seria competente para apreciar o litígio em discussão;

6 - Ao declarar-se incompetente, em razão da matéria, para dirimir o presente litígio e competentes os Juízos de Trabalho do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, absolvendo a R. da instância, a decisão recorrida, entre outras disposições legais, violou o disposto no artigo 40º, al. b) do nº1 do artigo 126º da Lei º62/2013 de 26 de Agosto, e o nº2 do artigo 97º, artigo 99º, al. a) do nº1 do artigo 278º do CPC;

7 - A douta sentença, ao absolver a Recorrida da instância, fez errada apreciação e aplicação do direito.

Nos termos sobreditos, deve ser dado provimento ao recurso interposto, revogando-se em conformidade a douta sentença recorrida, declarando-se competente para dirimir o presente litígio o Juízo de Competência Genérica ... do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, ordenando-se, consequentemente, o prosseguimento dos autos.


*

Pela Ré foram apresentadas contra-alegações, que sintetiza nas seguintes conclusões:

A) Antes do mais e a título preliminar, importa, desde já, tornar claro que a sentença recorrida, que veio a absolver a ora Recorrida da instância, por verificação da exceção dilatória de incompetência material absoluta do Tribunal a quo, não é passível de qualquer censura, devendo, nessa medida, o presente recurso ser julgado totalmente improcedente por não provado.

B) Na verdade, e justamente em virtude do modo como a Recorrente conformou os termos essenciais da presente ação – pedido e causa de pedir –, o que temos é uma coligação  inadmissível de pedidos, porquanto se ao tribunal a quo seria dado conhecer do pedido de indemnização, nos termos e para efeitos do art.º 26.º do EGP, o mesmo já não sucede com os créditos laborais igualmente reclamados, cuja competência material para a respetiva apreciação caberia aos juízos de competência especializada do trabalho.

C) Mais, em bom rigor, e conforme decorre da jurisprudência dos tribunais superiores: «existe uma incompatibilidade absoluta entre os vínculos laboral e de Administração, pelo que o exercício das funções de um Administrador societário não pode assentar num contrato de trabalho» (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/11/2016, proferido no âmbito do proc. n.º 394/10.0TTTVD.L1.S)

D) O que tudo converge no sentido de que ou os créditos laborais reclamados pela ora Recorrente não são, de todo em todo, devidos, porquanto incompatíveis com o exercício de funções enquanto Administrador(a) de uma empresa pública ou, em alternativa, que, a serem devidos, sempre deveriam ser feitos valer no contexto de uma ação a intentar junto dos juízos de trabalho, sob pena de, assim não sendo, tal implicar uma coligação inadmissível de pedidos, em virtude de consubstanciar a infração das regras de competência em razão da matéria, determinando a consequente incompetência absoluta do tribunal e a absolvição do réu da instância (artigos 37.º, n.º 1, 97.º, n.º 2, 99.º, 278.º, n.º 1, alínea a), 576.º, n.º 2, 577.º, alínea a) e 578.º, todos do citado diploma).

Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso de apelação interposto pela Recorrente, mantendo-se a sentença recorrida, com todas as devidas e legais consequências.


*
Dispensados os vistos legais nos termos previstos no nº4, in fine, do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. (In)competência dos tribunais comuns – se o Tribunal de Competência Genérica ... é incompetente em razão da matéria, por tal competência se encontrar atribuída por lei atribuída aos juízos de trabalho
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Se o tribunal de competência genérica é incompetente em razão da matéria, por tal competência pertencer aos juízos de trabalho.

Invocando a Ré a incompetência material do tribunal de competência genérica para conhecer do primeiro pedido formulado pela autora, por, no seu entender, respeitarem a “créditos laborais”, a decisão recorrida veio a negar a competência para dirimir o conflito dos autos ao Tribunal de Competência Genérica ... (relativamente a todas as pretensões da autora), atribuindo-a aos juízos do trabalho, com base na seguinte apreciação que faz das pretensões formuladas na ação:

da factualidade invocada pela autora extrai-se a alegação de que foi nomeada administradora, pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal ..., integrando, por essa via, o Conselho de Administração da ré;

por e-mail datado de 31/05/2023, foi a autora demitida daquelas funções, sendo, por esse meio, informada de que cessaria as suas funções na qualidade de administradora, no dia 01 de junho de 2023;

os valores peticionados pela autora à ré são a título de remunerações vencidas, bem como da indemnização do artigo 26º, nº3, do EGP;

a autora alega pontualmente a existência de um alegado contrato de mandato, parece-nos, com o devido respeito, como forma de almejar justificação estrita para a competência dos Tribunais comuns, e não dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nada mais (artigo 10.º da petição inicial).

a demais factualidade alegada e a documentação que a instrui induzem, claramente, para a invocação de uma causa de pedir diversa, subjacente a direitos inerentes a uma relação jurídico-laboral.

além de a autora referir que era, e é, trabalhadora do município, peticiona, além do mais, o pagamento de subsídios de férias e de Natal, além de referir que «a R. não pagou a retribuição»

Insurge-se a Apelante contra o decidido, com fundamento em que a autora reclama na presente ação o pagamento de diversas quantias a que entende ter direito na qualidade de administradora da sociedade ré, direitos que não têm natureza laboral, pois subjacentes aos mesmos está um contrato de mandato.

Quanto à Ré apelada, mantém a sua posição exarada nos autos, de que haverá uma coligação inadmissível de pedidos, porquanto se ao tribunal seria dado conhecer do pedido de indemnização, nos termos e para os efeitos do artigo 26º do EGP, o mesmo não sucede com os créditos laborais igualmente reclamados, cuja competência material caberia aos juízos de competência especializada do trabalho.

Cumpre apreciar o objeto do recurso, desde já se adiantando, ser de dar razão à autora/Apelante.

No confronto com a jurisdição administrativa, os tribunais superiores têm vindo a entender, maioritariamente, que a  competência para este tipo de ações pertence à jurisdição comum[1].

Já quanto à questão de saber se, dentro dos tribunais comuns, a apreciação das mesmas cabe aos tribunais de competência genérica/juízos cíveis ou se encontra reservada aos juízos de competência especializada de trabalho, as opiniões dividem-se.

A competência material do tribunal, constituindo um pressuposto processual, é aferida pela forma como o autor configura a ação, definida pelo pedido e pela causa de pedir, isto é, pelos objetivos com ela prosseguidos.

Nos tribunais judiciais vigora a regra da especialização em função da natureza das questões, atribuindo-se competência própria a juízos especializados, sendo atribuída aos juízos cíveis uma competência residual nas situações em que a competência não couber aos juízos especializados (arts. 60.º, 65.º do CPC e 33.º, 37.º n.º 1, 40.º, 80.º e 81.º da LSOJ).

A competência dos tribunais de trabalho em matéria civil restringe-se às questões taxativamente elencadas nas várias alíneas do artigo 126º da Lei nº62/2013, de 26-08, onde se destacam, no que aqui interessa, às emergentes de relação de trabalho subordinado ou emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho (als. b) e f) do art. 126º).

A autora faz apoiar as pretensões que formula na presente ação, nas funções que exerceu no Conselho de Administração da Empresa Municipal aqui Ré, na qualidade de administradora (com funções executivas), para a qual havia sido nomeada por deliberação da Câmara Municipal de (cfr., Ata da reunião da Câmara Municipal deliberativa da sua nomeação), funções a que o Presidente da Câmara Municipal pôs termo, o que constituiu uma demissão de gestor público, por mera conveniência.

E reclama com a presente ação o pagamento das diversas quantias a que entende ter direito na sequência do exercício e da cessão de funções de administradora na sociedade ré, invocando a sua sujeição ao Estatuto do Gestor Público e a celebração de um contrato de mandato entre a autora e a Ré.

Ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, a referência, na petição inicial, à existência de um contrato de trabalho não é reportada à sua relação com a Ré, mas com o Município, para quem trabalhava e que a nomeou como membro de administração da Ré, e para o qual regressou após a sua demissão como administradora da Ré. Quer na petição inicial, quer na reposta que apresenta à exceção de incompetência, a autora faz questão de frisar que “não reclama créditos laborais”, mas créditos decorrentes da relação de mandato estabelecida com a ré”.

O simples facto de peticionar quantias a título de “vencimento” e de “subsídios de férias e de natal” não nos remete necessariamente para uma relação emergente de um contrato de trabalho subordinado, nem implica automaticamente a sua qualificação como “créditos laborais”, constituindo uma questão de mérito determinar se, na qualidade de administrador executivo, em ou não direito aos montantes reclamados.

Com efeito, as funções de administrador executivo sujeito ao Estatuto do Gestor Público são remuneradas, remuneração cujas componentes são definidas no “contrato de gestão”[2],  a celebrar no prazo de 30 dias após a nomeação do gestor público (nº1 do artigo 18º do Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo DL nº71/2007, de 23-03).

Envolvendo o exercício de membro de administração de uma empresa a celebração de um contrato de gestão, no qual se define a remuneração em cada uma das suas componentes e que “integra um vencimento mensal”, nos termos do art. 28º, nº1) e eventuais prémios de gestão, não é pelo facto de peticionar as várias parcelas a que, no seu entender, tem direito a título de remuneração, a par da indemnização prevista no artigo 26º do EGP, que nos remete para “uma causa de pedir diversa, subjacente a direitos inerentes a uma relação jurídico-laboral”.

A nomeação da autora pelo Município, para o Conselho de Administração da Ré/Empresa Municipal, envolve a atribuição de um mandato, sujeito ao Estatuto do Gestor Público, com a possibilidade de livre cessão de tal relação mediante demissão ou renúncia, nos termos do arts. 26º e 27º do Estatuto, e um processo de fixação das remunerações dos gestores públicos e de outros benefícios, tomando como base a distinção entre gestores executivos e não executivos e fazendo depender a remuneração variável, aplicável apenas aos gestores com funções executivas, da efetiva obtenção dos objetivos predeterminados, do mesmo passo que se limita a cumulação de funções e remunerações.

E, como se afirma no preâmbulo do DL nº71/2007, em tal decreto lei aproxima-se o regime do gestor público da figura do administrador de empresas privadas, tal como regulado na lei comercial (determinando-se no art. 40º a aplicação subsidiária do Código das Sociedades Comerciais).

Assim sendo, os termos em que a autora configura a presenta ação não integram quaisquer “questões emergentes de relações de trabalho subordinado” ou de “contratos equiparados por lei aos de trabalho”, nos termos do nº1, als. b) e f), do artigo 126º, da LOSJ, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de agosto, questões essas, sim, da competência dos juízos do trabalho em matéria cível.

Como tal, consideramos ser da competência dos tribunais comuns a apreciação dos formulados pela autora, de vencimentos e subsídios de férias e de natal[3], bem como do pedido de indemnização formulado por via da revogação do mandato do gestor nomeado.

A Apelação é de proceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, pelo que, revogando-se a decisão recorrida, julga-se improcedente a invocada exceção de incompetência do Tribunal de Competência Genérica ....

Custas a suportar pela Apelada.                   

                                                                Coimbra, 18 de junho de 2024                                                                                  


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…).



[1] Quanto à atribuição da competência à jurisdição comum, no confronto com a jurisdição administrativa, cfr., Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 11-01-2017, relatado por Ana Paula Boularot, e Ac. do STJ de 23-10-2003, relatado por Ferreira de Almeida.
[2] Remetendo o artigo 18º do EGP para os elementos previstos no nº1 do artigo 30, com o seguinte teor:
Artigo 30º
“Remunerações decorrentes de contratos de gestão
1 - Os contratos de gestão a celebrar com gestores públicos que exerçam funções executivas, previstos no artigo 18.º, contemplam, além das matérias aí indicadas, os seguintes pontos, nos termos do presente decreto-lei:
a) Valores fixados para cada uma das componentes da remuneração consideradas;
b) Prémios de gestão passíveis de atribuição no final do exercício ou do mandato, que não podem ultrapassar metade da remuneração anual auferida, de acordo com o cumprimento dos critérios objetivos dos quais dependa a sua eventual atribuição, sem prejuízo do limite fixado nos respetivos estatutos;
c) Outras regalias ou benefícios aplicáveis aos demais colaboradores da empresa.
[3] Quanto à atribuição aos juízos cíveis em confronto com os juízos de trabalho, cfr. Ac. do TRC de 13-06-2023, relatado por Moreira do Carmo, disponível in www.dgsi.pt.