Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | HENRIQUE ANTUNES | ||
Descritores: | UNIÃO DE FACTO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
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Data do Acordão: | 12/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA POR UNANIMIDADE | ||
Legislação Nacional: | LEI N.º 7/2001, DE 11 DE MAIO, E ARTIGOS 280.º, 405.º E 473.º, N.ºS 1 E 2, TODOS DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I - As relações patrimoniais das pessoas unidas de facto estão sujeitas ao regime geral ou comum das relações obrigacionais e reais.
II - Às pessoas unidas de facto é lícito, ao abrigo da sua autonomia privada, contratualizar a regulação dos aspectos patrimoniais da relação, designadamente o aspecto capital da divisão dos bens que venham a adquirir durante a vivência em comum; na falta dessa convenção, que é meramente facultativa, a divisão do património adquirido com o esforço dos membros da união de facto deve ser actuada segundo as normas e princípios gerais do direito comum, entre os quais se conta, evidentemente, os que dão corpo ao instituto do enriquecimento sem causa. III - A composição dos interesses patrimoniais conflituantes dos membros da união de facto, consequente à sua extinção, deverá assentar no instituto do enriquecimento sine causa, que disponibiliza uma tutela adequada àquela composição. IV - O desaparecimento da causa jurídica á sombra da qual foi realizada uma prestação, dá lugar ao enriquecimento injustificado do beneficiário dessa prestação, determinante da constituição de uma pretensão dirigida à restituição desse enriquecimento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Henrique Antunes Adjuntos: Mário Rodrigues da Silva Cristina Neves
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório. AA pediu, em acção declarativa de condenação, com processo comum, a condenação de BB a entregar-lhe a quantia de € 15.000,00 com que indevidamente se enriqueceu à custa do seu empobrecimento em consequência da venda da referida fração autónoma, acrescida dos juros de mora civis vencidos, desde a data de 22.11.2019, e vincendos, até efetivo e integral pagamento, ou, sem conceder, supletivamente, a entregar-lhe a quantia, a apurar nos presentes autos ou em liquidação de sentença, com que indevidamente se enriqueceu à custa do seu empobrecimento, em consequência da venda da referida fração autónoma, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento, com todas as consequências legais daí advenientes. Fundamentou estas pretensões no facto de, em 2013, ter passado a partilhar com o réu, cama, mesa e habitação e, em 11 Dezembro de 2015, com o propósito de restabelecerem uma plena comunhão de vida, terem adquirido, para habitação própria permanente, a fracção autónoma, letra ... do prédio urbano sito na Quinta ..., em Coimbra, pelo preço de € 191 500,00, parte do qual foi pago – € 30 000,00 – foi pago com dinheiro seu, por lhe ter sido dado pelos seus pais, no pressuposto de iriam viver permanentemente um com outro, tendo a parte remanescente do preço sido pago com dinheiro emprestado pela C..., SA, de, em Maio de 2019, terem posto termo à vida em comum e, em 22 de Novembro do mesmo ano, vendido aquela fracção, pelo preço de € 227 500,00, com os quais pagaram ao mutuário € 153 752,68, e de o remanescente do preço a repartir entre ambos ser apenas de € € 43.747,32 (€ 227.500,00 - € 153.752,68 - € 30.000,00), ficando para cada um a quantia de € 21.873,66, pelo que ao receber apenas € 36.873,66, ficou com menos € 15.000,00 do que devia ter recebido relativamente ao preço da venda que legalmente lhe cabia (€ 30.000,00 + € 21.873,66 = € 51.873,66) e o réu ao receber € 36.873,66, ficou com mais € 15.000,00 do que efetivamente lhe cabia (€ 21.873,66), enriquecendo-se assim indevida e injustificadamente com esse montante, que corresponde ao seu indevido e injusto empobrecimento, importância que, apesar das suas insistência, o réu se recusou a entregar-lhe. O réu, na contestação, defendeu-se por impugnação, alegando a falsidade de parte dos factos articulados pela autora como causa petendi, e afirmando que parte do valor da aquisição da fracção foi adiantado por familiares da autora a esta - € 10 000,00, por doação dos seus pais, e € 20 000,00 por mútuo dos seus avós - que no período compreendido entre 11 de Dezembro de 2015 e 22 de Novembro de 2019, assumiu, conforme acordado, o pagamento de prestações. bancárias, impostos, quotas de condomínio, consumos domésticos e restituição de parte do valor adiantado pelos avós da autora a esta, pagamentos que ascendem a € 43 664,53, tendo ainda gasto € 3 000,00 com a aquisição de mobiliário que a autora foi dissipando, pelo que detém um crédito sobre a autora, no valor de € 8 332,27, e que foi só com a acção que a autora o interpelou pela primeira vez para pagar a quantia de € 15 000,00. Pediu, em reconvenção, a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 8 332,27. Fundamentou a pretensão reconvencional no facto de ter feito pagamentos no valor de € 46 664,53, quando apenas deveria ter pago € 3 000,00, pelo que a autora se enriqueceu, injustificadamente, no valor de € 8 332,27. Oferecida a réplica e realizadas a audiência prévia e a audiência de discussão e julgamento, a sentença final, com fundamento em que a união de facto não é modo de aquisição do direito de propriedade, pelo que, a cessação da relação de união de facto entre autora e réu não importou a cessação da compropriedade naquela fracção, mantendo-se ambos, não obstante a cessação da união de facto, como se manteriam quaisquer outras duas pessoas, comproprietários da fracção, que, assim, se a causa para a aquisição da fracção na proporção de metade para autora e réu foi a relação de união de facto que os mesmos mantinham e no pressuposto de que a mesma se manteria, a partir do momento em que autora e réu decidiram comprar a referida fracção na proporção de metade para cada um, em compropriedade, a extinção dessa compropriedade no imóvel não se produziu com a extinção da relação de união de facto, mantendo-se ambos, não obstante a extinção da união de facto, comproprietários da fracção na proporção de metade, que, no caso vertente, sendo autora e réu comproprietários na proporção de metade para cada um deles da fracção em referência, extinta a compropriedade com a venda dessa fracção, assistia à autora o direito a receber do comprador a parte que lhe competia em razão da sua quota, o que sucedeu, e só assim não seria se autora e réu tivessem acordado em contrato de coabitação, ou de divisão da coisa comum, que uma vez dissolvida a união de facto, a divisão do produto resultante da venda do imóvel adquirido em compropriedade se operaria de forma diferente, ou seja, que neste caso, assistiria à autora uma parte diferente daquela que a lei presume, e tal não decorre, minimamente da factualidade provada, concluiu que não se está, pois, perante uma situação enquadrável no instituto do enriquecimento sem causa, julgou a acção e a reconvenção improcedentes e absolveu o réu e autora dos pedidos correspondentes. É esta sentença que a autora impugna no recurso – no qual a sua revogação e a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 15.000,00, acrescida dos correspondentes juros de mora vencidos e vincendos - tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: 1. O Réu enriqueceu à custa da Autora, em virtude de uma causa que deixou de existir, com o correspondente empobrecimento da Autora. 2. Verifica-se, assim, manifestamente no caso em apreço uma situação de “condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir).” 3. Esse enriquecimento sem causa justificativa cifrou-se em € 15.000,00. 4. Com efeito, a Autora contribuiu com a quantia de € 30.000,00 (que lhe havia sido doado pelos pais, e que, portanto, era exclusivamente sua) a mais do que o Réu para o pagamento do preço da aquisição, feita em partes iguais para ambos, da fracção autónoma em causa nos autos no pressuposto, que acabou por não se verificar, da permanência da vida em comum existente entre ambos (vd. Pontos 4 5 e 6 dos factos provados e Documentos n.ºs ... a ... juntos à petição inicial) e recebeu a mesma quantia que o Réu aquando a revenda desse imóvel (vd. Pontos 15, 16, 17 e 18 dos factos provados). 5. A aplicabilidade das regras do enriquecimento sem causa, designadamente do disposto no artigo 474.º do Código Civil, ao caso em apreço é manifesta uma vez que: o enriquecimento do Réu e o correspondente empobrecimento da Autora se deram quando aquele ficou a ser comproprietário de metade do imóvel apesar de esta ter contribuído para a sua compra com mais € 30.000,00 (no pressuposto da permanência da vida em comum); a causa do enriquecimento deixou de existir quando Autora e Réu puseram termo à vida em comum e o enriquecimento do Réu e o empobrecimento da Autora tiveram expressão pecuniária concreta aquando da venda do imóvel. 6. A união de facto encerrou e constituiu a causa jurídica da contribuição monetária realizada pela Autora para a aquisição da fracção autónoma e a dissolução da união de facto implicou a extinção da causa jurídica dessa contribuição (vd., neste sentido, douto Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 04.07.2019, no âmbito do Proc. n.º 2048/15.1T8STS.P1.S1). 7. Face a tudo quanto antecede e por não haver na lei outro meio que permita à Autora ser restituída, a douta sentença recorrida violou, por errada interpretação, as regras do instituto do enriquecimento sem causa, especialmente as normas consagradas nos artigos 473.º, n.ºs 1 e 2, e 474.º do Código Civil, que deveria ter aplicado e erroneamente não aplicou. 8. A ação proposta pela Autora contra o Réu deve ser julgada totalmente procedente. O apelado, na resposta, depois de observar que estamos perante um recurso de matéria de direito, mas que a apelante não observou as formalidades mencionadas no art.º 639.º. nºs 1 e 2, concluiu que o recurso deve ser liminarmente rejeitado ou, subsidiariamente, que lhe deve ser negado provimento. 2. Factos provados. 2..1. O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes: 1. Autora e réu conheceram-se há mais de dez anos e, depois de encetarem uma relação amorosa, passaram a partilhar cama, mesa e habitação no ano de 2013. 2. Em 2015, com o propósito de estabelecerem uma plena comunhão de vida, autora e réu, que até aí residiam num apartamento arrendado em Coimbra, decidiram adquirir uma casa para habitação própria permanente na mesma cidade. 3. Assim, com tal finalidade, mediante contrato de compra e venda formalizado por escritura pública de compra e venda, mútuo com hipoteca, e fiança, outorgada na ... Conservatória do Registo Predial ..., em 11 de Dezembro de 2015, a autora e o réu, declararam comprar a CC, que declarou vender-lhes, livre de ónus ou encargos, a fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ...andar... – um apartamento com dois estacionamentos com os n.ºs 17 e 18 no piso -1 – do prédio urbano sito na Quinta ..., Lote ...1, ..., freguesia ..., concelho ..., distrito ..., descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...66 – M e inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo n.º ...38, destinada a habitação própria e permanente de autora e réu, pelo preço de € 191.500,00. 4. Parte do preço da compra, no montante de € 30.000,00, foi pago com dinheiro próprio da autora, através do cheque da titularidade desta, com o n.º ...09, datado de 2015.11.06, sacado sobre a C..., SA e emitido à ordem do vendedor CC. 5. E foi entregue pela autora no acto da aquisição, para pagamento de parte do preço daquela fracção no pressuposto de que autora e réu iriam viver permanentemente um com o outro. 6. Esse montante de € 30.000,00, foi doado à autora por seus pais, DD e EE. 7. O remanescente do preço, € 161.500,00, foi pago no acto da aquisição, com dinheiro emprestado pela C..., SA à autora e ao réu. 8. Com efeito, pela escritura supra referida escritura pública, foi celebrado um contrato de mútuo com hipoteca em que intervieram a C..., SA, na qualidade de mutuante, e autora e réu na qualidade de mutuários, através do qual a C..., SA, declarou conceder à autora e ao réu um empréstimo no montante de € 161.500,00, que estes confessaram ser solidariamente devedores, destinado ao pagamento do remanescente do preço da aquisição da referida fracção, mútuo esse garantido por hipoteca sobre tal fracção. 9. Tal montante mutuado, € 161.500,00, nos termos do disposto na cláusula 1ª do documento complementar anexo à escritura, foi entregue nessa data à autora e ao réu, através de crédito lançado na conta de depósito à ordem nº ...00, aberta na agência da credora, em ..., Coimbra, em nome de autora e réu. 10. A conta de depósito à ordem nº ...00, era titulada pelo réu na qual o mesmo tinha domiciliado o seu vencimento, e por este movimentada. 11. E por via do referido crédito habitação, passou a ser co-titulada pela autora. 12. O que importou em 27.10.2015, na quantia de € 8,49. 13. Autora e réu passaram a viver nessa fracção autónoma que adquiriram, em comunhão de vida, partilhando cama, mesa, habitação, recebendo em conjunto familiares e amigos, compartilhando rendimentos do seu trabalho e contribuindo ambos para as despesas inerentes ao custo da habitação, alimentação, vestuário e lazer de ambos. 14. Em Maio de 2019, autora e réu desentenderam-se de forma grave e irreversível, pondo termo à vida em comum, tendo deixado de partilhar cama e mesa e de receber em conjunto familiares e amigos, bem como de compartilharem despesas e rendimentos. 15. Em 22.11.2019, a autora e o réu venderam a supra identificada fracção, pelo preço global de € 227.500,00. 16. Para pagamento de parte do referido preço global, foram entregues pelos compradores à autora as seguintes importâncias: - Em 11.10.2019, a de € 13.375,00, mediante cheque bancário n.º ...43, sacado sobre a C..., SA; - Em 22.11.2019, a de € 23.498,66, mediante cheque bancário n.º ...80, sacado sobre a C..., SA 17. E, para pagamento de outra parte do referido preço global, foram entregues pelos compradores ao réu, as seguintes importâncias: - Em 11.10.2019, a de € 13.375,00, mediante cheque bancário n.º ...42, sacado sobre a C..., SA; - Em 22.11.2019, a de € 23.498,66, mediante cheque bancário n.º ...79, sacado sobre a C..., SA 18. Na mesma data, e ainda por conta do preço da venda, foi entregue pelos compradores um cheque no valor de € 153.752,68, emitido à ordem do réu, que este endossou de imediato à C..., SA para liquidação final do mútuo contraído junto desta e distrate da hipoteca que impendia sobre a referida fração. 19. Durante a vivência marital, a autora e o réu sempre tiveram contas bancárias separadas. 20. A conta bancária supra referida de que a autora ficou co-titular por via do empréstimo acima mencionado, era movimentada pelo réu, na qual este tinha domiciliado o seu vencimento. 21. Por sua vez, a autora tinha uma conta pessoal na qual estava domiciliado o seu vencimento, que era movimentada por esta. 22. Durante o período de vivência marital, para fazer face às despesas havidas com a habitação, designadamente para pagamento das prestações associadas ao crédito bancário, a autora transferiu os seguintes montantes para a conta bancária de que era co-titular com o réu, acima identificada: − 05 de Março de 2016: € 175,00; − 06 de Abril de 2016: € 180,00; − 30 de Abril de 2016: € 180,00; − 31 de Maio de 2016: € 180,00; − 01 de Julho de 2016: € 170,00; − 14 de Agosto de 2016: € 170,00; − 05 de Setembro de 2016: € 120,00; − 11 de Outubro de 2016: € 175,00; − 01 de Dezembro de 2016: € 175,00; − 27 de Dezembro de 2016: € 175,00; − 01 de Fevereiro de 2017: € 175,00; - 14 de Fevereiro de 2017: € 350,00; - 02 de Março de 2017: € 175,00; - 03 de Abril de 2017: € 175,00; − 02 de Maio de 2017: € 175,00; - 01 de Junho de 2017: € 175,00; - 05 de Julho de 2017: € 175,00; - 31 de Julho de 2017: € 175,00; - 13 de Setembro de 2017: € 175,00; - 29 de Setembro de 2017: € 175,00; - 31 de Outubro de 2017: € 175,00; - 23 de Setembro de 2018: € 500,00; - 10 de Outubro de 2018: € 200,00; - 18 de Outubro de 2018: € 100,00; - 26 de Outubro de 2018: € 40,00; - 09 de Novembro de 2018: € 200,00; - 17 de Dezembro de 2018: € 60,00; - 14 de Janeiro de 2019: € 300,00; - 12 de Fevereiro de 2019: € 200,00; - 09 de Abril de 2019: € 200,00; - 12 de Abril de 2019: € 190,00 (caldeira); - 18 de Abril de 2019: € 100,00; - 22 de Maio de 2019: € 150,00; 23. Durante a vivência marital, era a autora quem, de modo regular, fazia as compras de supermercado, incluindo as relativas à alimentação, que eram pagas através da sua conta bancária. 2.2. A Sra. Juíza de Direito adiantou, para justificar o julgamento dos pontos de facto n.ºs 4 a 6, esta motivação: Quanto à vivência marital de autora e réu, e período temporal por que perdurou, bem como quanto à aquisição por compra pelo então casal da fracção autónoma supra identificada nos factos provados, termos desse negócio, e motivos da aquisição dessa fracção; venda desse imóvel após a cessação da vivência marital entre autora e réu, e montante do preço recebido com tal venda por autora e réu, forma como foi efectuado tal pagamento, e termos deste negócio; contas bancárias de autora e réu, ancorou o Tribunal a sua convicção nos documentos juntos com a p.i., extractos bancários juntos aos autos, declarações de autora e réu, conjugadas com os depoimentos das testemunhas ouvidas, e factualidade admitida pelo réu na contestação, considerando assim provados os factos descritos em 1. a 5., 7. a 12. e 14. Relativamente ao facto provado elencado em 6., e aos factos não provados elencados em 7.7., 8.8., e 9.9., fundou o Tribunal a sua convicção, conjugadamente, nas declarações da autora, depoimento da testemunha DD, mãe da autora, e, documento junto com a p.i., sob o nº 5. A testemunha DD, revelou conhecimento directo de tal factualidade, porque juntamente com seu marido, pai da autora, intervieram na situação em apreço, merecendo quanto a tal credibilidade o seu depoimento, pela forma coerente e consistente como o prestou, assim surgindo também credibilizadas as declarações da autora, em sentido convergente com as da testemunha, sendo que tal depoimento e declarações surgem credibilizados pelo documento nº ... junto com a p.i.. Não mereceram, assim, credibilidade as declarações do réu, infirmadas pelo depoimento da testemunha referida, declarações da autora, e documento junto com a p.i. sob o nº 5. 3. Fundamentos. 3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso. O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, expressa ou tacitamente, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.º 635.º nºs 2, 1.ª parte, e 3 a 5, do CPC). Considerados estes parâmetros da competência decisória desta Relação, a questão concreta controversa que importa resolver é uma só: a de saber se uma atribuição ou transferência patrimonial realizada por uma pessoa em vista da comunhão de vida instituída pela união de facto confere a um dos membros dessa união, cessada esta, relativamente ao outro, uma pretensão assente no enriquecimento sine causa. A resolução desta questão vincula à determinação do regime jurídico aplicável às relações patrimoniais das pessoas unidas de facto, à liquidação do património adquirido com o esforço comum dos seus membros à destinação das atribuições patrimoniais feito por um deles ao outro e, evidentemente, dos pressupostos da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa. Previamente, porém, há que decidir uma questão de índole puramente processual, suscitada pelo apelado na reposta ao recurso: a de saber se o recurso – que versa sobre matéria de direito e só sobre esta matéria - deve ser rejeitado com fundamento no não cumprimento, nas conclusões, do ónus, que vincula a apelada, de indicação das normas violadas, do sentido que, no seu ver, deve ser impresso às normas interpretadas e aplicadas, nas quais se fundamenta a decisão impugnada e, no caso de erro na determinação daquela norma, da norma jurídica que deve ser aplicada. 3.2. Cumprimento pela apelante, nas conclusões, do ónus de especificação das normas violadas e do sentido de deve ser impresso às normas interpretadas e aplicadas pela sentença impugnada. O recorrente está adstrito a um duplo ónus: o de alegar e o de formular conclusões (art.º 639.º n.º 1, do CPC). A omissão – absoluta – da falta de conclusões é sancionada de forma enérgica e radical – o indeferimento in limine do requerimento de interposição do recurso (art.º 641.º, n.º 2, b), in fine, do CPC). A alegação deve, pois, terminar por conclusões. Se o recurso versar sobre a matéria de direito, as conclusões devem conter as normas jurídicas violadas, o sentido que, no ver do recorrente, deve ser impresso às normas interpretadas e aplicadas, nas quais se fundamenta a decisão impugnada e, no caso de erro na determinação daquela norma, a norma jurídica que deve ser aplicada (art.º 639.º, nº 2, a) a c), do CPC). Para o bom julgamento do recurso não é, pois, suficiente que a alegação tenha conclusões. Estas deverão ser precisas, claras e concisas de modo a habilitar o tribunal ad quem a conhecer quais as questões postas e quais os fundamentos invocados. O recurso é constituído por um pedido – que consiste na solicitação de revogação da decisão impugnada - e por um fundamento – traduzido na invocação de um vício de procedimento – error in procedendo – ou de julgamento – error in iudicando. As conclusões têm por finalidade a especificação, sintética e contida, dos fundamentos do recurso, destinada a delimitar o seu objecto (art.º 635.º, n.º 3, do CPC). As alegações poderão – mas não deverão - ser extensas, prolixas e confusas; importa que, no fim, a título de conclusões, o recorrente indique, de forma sintética, os fundamentos da impugnação. Mas a verdade é que, muitas vezes, suscita embaraços a questão de saber se o fecho da alegação merece realmente a qualificação de conclusões – dado que, não raro, são a pura simples reprodução da alegação - e, com uma frequência igualmente indesejável, as conclusões são deficientes, obscuras ou complexas ou não contêm as especificações exigidas por lei. Quando as conclusões padeçam destes vícios, o relator deve, em princípio, convidar o recorrente a completá-las, a esclarecê-las ou sintetizá-las, ou a formulá-las na devida forma, sob pena de não conhecimento, na parte afectada, do recurso (art.º 639.º, n.º 3, do CPC). No caso, temos por certo que a recorrente cumpriu, com a pontualidade exigível, o apontado ónus, dado que, versando o recurso exclusivamente sobre matéria de direito, especifica, nas conclusões da sua alegação, de modo claro e cristalino, a lei violada ou ofendida e que, na sua perspectiva, foi aplicada, em erro, aos factos materiais da causa. Na verdade, a sentença impugnada concluiu que não se está perante uma situação enquadrável no instituto do enriquecimento sem causa; nas conclusões com que rematou a sua alegação, a apelante é terminante em imputar àquela sentença a violação, por erro de interpretação, dos art.ºs 473.º. nºs 1 e 2, e 474.º do Código Civil – normas reguladoras daquele instituto – e em sustentar a aplicabilidade, ao caso, dessas mesmas normas. De resto, ainda que não fosse esse o caso, não se justificaria logo a violência da rejeição do recurso, antes haveria que, previamente, dirigir, à apelante, convite a que desse satisfação às exigências apontadas. Não há, pois, razão para pelo motivo indicado pelo apelado – ou por qualquer outro – para rejeitar o recurso ou para não conhecer do seu objecto. 3.2. Regime jurídico aplicável às relações patrimoniais das pessoas unidas de facto, à liquidação do património adquirido com o esforço comum dos seus membros e à destinação das atribuições patrimoniais feito por um deles ao outro. A união de facto é a convivência duradoura, i.e., superior a dois anos, de duas pessoas como se casados fossem (art.º 1.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na sua redacção actual); descritivamente, a única diferença entre esta união e o verdadeiro matrimónio será, pois, a falta do vínculo formal do casamento[1]. A conjugação dos direitos de fundação constitucional de constituir família e de contrair casamento mostra que a Constituição não admite a redução do conceito da família à união conjugal, baseada no casamento. O conceito constitucional de família não compreende, portanto, apenas a família matrimonializada. Do ponto de vista constitucional, o casal nascido da união de facto juridicamente protegida também é família, ainda que os seus membros não tenham o estatuto de cônjuges[2]. Todavia, nada impõe, constitucionalmente, um tratamento jurídico inteiramente igual das famílias baseadas no casamento e das não matrimonializadas, desde, claro está, que as diferenciações não sejam arbitrárias, irrazoáveis ou desproporcionadas[3]. O princípio da protecção da união de facto – quer decorra directamente da abertura constitucional à união de facto quer do direito ao livre desenvolvimento da personalidade – não exige que o legislador dê à união de facto direitos idênticos aos que dá ao casamento, equiparando as duas situações. Casamento e união de facto são situações materialmente diferentes: os casados assumem um compromisso de vida em comum, do qual resultam limitações graves aos seus direitos absolutos, pessoais e patrimoniais; os unidos de facto não querem, ou não podem assumir esse compromisso. Um tratamento diferente das duas situações, em que as pessoas que vivem em união de facto não tendo os mesmos deveres, não tenham em contrapartida os mesmos direitos das pessoas casadas, mostra-se, portanto, conforme com o princípio da igualdade, que só trata como igual o que é igual e não o que é diferente: o princípio da igualdade não impõe um tratamento igual – mas um tratamento como igual. A norma que equiparasse, por inteiro, a união de facto ao casamento é que seria, ela sim, constitucionalmente ilegítima. Uma norma que nivelasse a união de facto e o casamento, impondo aos seus membros os mesmos deveres e reconhecendo-lhes os mesmos direitos que impõe e concede às pessoas casadas seria inconstitucional dado que o violaria o direito de não casar, dimensão ou vertente negativa ineliminável do direito de casar; se as pessoas não podem casar, porque, por exemplo, existe um impedimento legal ao seu casamento, mal se compreenderia que a união de facto tivesse os mesmos efeitos do casamento que elas não podem celebrar (art.º 2.º da Lei 7/2001, de 11 de Maio, na sua redacção actual); se as pessoas unidas de facto não querem casar, embora lhes fosse lícito contrair casamento, seria violento impor-lhes um estatuto matrimonial que deliberadamente, não desejam: uma tal imposição violaria, abertamente o seu direito de não casar[4]. O direito a não ser forçado a contrair matrimónio, designadamente porque se quer desenvolver livremente a personalidade, ficaria vazio se as consequências jurídicas de viver em união de facto fossem exactamente as mesmas, em termos de deveres e direitos recíprocos, que as derivadas do casamento[5]. Se duas pessoas se recusam a casar são submetidas ao mesmo estatuto de direitos e deveres recíprocos que se aplica às pessoas casadas, que sentido tem recusar-se a contrair matrimónio, e, consequentemente, que sentido tem o reconhecimento do direito a não casar? Assim, bem se compreende que os membros da união de facto não estejam vinculados aos deveres pessoais que lei impõe aos cônjuges – seja qual o valor que hoje se deve reconhecer a esses deveres – e que na união de facto não haja um regime de bens, nem tenham aplicação as regras que disciplinam os efeitos patrimoniais do casamento, que sejam independentes do concreto regime de bens: neste plano, os membros da união de facto são estranhos entre si, estando as respectivas relações patrimoniais sujeita ao regime geral ou comum das relações obrigacionais e reais. As relações entre os unidos de facto são, portanto, as de direito comum[6]. Os unidos de facto não têm, como sucede com os cônjuges, um património comum, i.e., uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia - embora limitada e incompleta - mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela[7], em que cada um dos cônjuges tem uma posição jurídica em face do património comum - no qual participam por metade - posição que a lei tutela (artº 1730 nºs 1 e 2 do CC), e segundo a expressão da própria lei, um direito à meação, um verdadeiro direito de quota, que exprime a medida de divisão e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar[8]. Os unidos de facto não têm, como os cônjuges, bens comuns objecto de uma relação de propriedade colectiva ou de mão comum[9], mas poderão ter – e muitas vezes têm - bens objecto de uma relação jurídica real de compropriedade. Há compropriedade, ou propriedade comum quando duas ou mais pessoas detêm simultaneamente o direito real de propriedade sobre a mesma coisa (art.º 1403.º do Código Civil). Discute-se a natureza jurídica da compropriedade. Segundo alguma doutrina, a compropriedade redundaria na titularidade de partes intelectuais da coisa comum[10]; outra defende que nela existe um único direito real, com dois ou mais titulares[11]. Finalmente, sustenta-se – posição que corresponde à doutrina dominante entre nós – que na compropriedade existe um conjunto de direitos sobre a totalidade da coisa que reciprocamente se autolimitam no seu exercício[12]. Há, portanto, uma situação de concurso entre direitos reais da mesma espécie – v.g., de propriedade - em que direitos iguais recaem, em simultâneo, sobre uma mesma coisa, atingindo-a na totalidade. E sendo esta a verdadeira natureza da compropriedade, facilmente se intui, com precisão, o que seja a quota. Esta é a medida ideal de cada direito coexistente em determinada compropriedade, que serve o propósito de resolver o conflito potencial entre os comproprietários, no tocante ao exercício de poderes e deveres que assumam uma feição quantitativa, mas que não constitui o próprio objecto do direito real nem define uma porção da coisa que fique afecta aquele direito (art.º 1402.º, n.º 2, do Código Civil). A situação jurídica de cada um dos comproprietários ou consortes é qualitativamente igual, sendo indiferente que o seja ou não sob o ponto de vista quantitativo. Contudo, salvo indicação contrária do título constitutivo quanto à participação de cada um dos comproprietários na coisa comum, presume-se a igualdade (art.º 1403.º, n.ºs 1 e 2, do CC). Sendo dois os comproprietários, a sua quota será, pois, presuntivamente, de metade. A indicação do valor das quotas não tem que ser expressa, podendo resultar, v.g., do contexto do negócio ou de outras circunstâncias reveladas pelo título constitutivo. O diferente preço pago pelos compradores em contrato de compra e venda, será indicativo de uma quota proporcional ao valor do preço suportado por cada um deles[13].
É, porém, controverso saber se trata de uma verdadeira presunção – e sendo uma presunção se se trata de uma presunção absoluta, i.e., iuris et de iure[14], ou meramente relativa – iuris tantum – ou antes uma norma substantiva supletiva[15]. Em face da previsão legal de quem salvo indicação contrária do título constitutivo quanto à participação de cada um dos comproprietários na coisa comum, se presume igualdade de quotas, alguma jurisprudência – como, por exemplo, o Ac. da RL de 7 de Janeiro de 2021, citado na decisão impugnada – apressa-se a concluir que a presunção só pode ser afastada com recurso a elementos do próprio título de constituição e não por elementos exteriores, tornando inadmissível, para o efeito, a prova testemunhal. Mas é patente que tal entendimento confunde ou faz equivaler o título constitutivo a documento. Nada de menos exacto. Título é o facto ou conjunto de factos de que uma situação jurídica tira a sua existência e o seu modo de ser: título constitutivo da compropriedade é, portanto, o facto ou conjunto de factos de que decorrem os direitos reais dos comproprietários e que moldam o seu conteúdo[16]. Que assim é, basta pensar que a compropriedade pode ser constituída, v.g., por usucapião e, neste modo constitutivo dos direitos reais dos comproprietários e que modelo seu conteúdo, v.g., o valor das quotas, o título não é um documento, que nem sequer existe – mas o facto ou conjunto de factos constitutivos de que aqueles direitos derivam: o exercício possessório bom para a usucapião (art.º 1316.º do Código Civil). Se, por exemplo, a compropriedade for constituída por contrato, é este – e não o documento que o contém – o seu título constitutivo. Aceite este entendimento das coisas, nada parece obstar a que se recorra ao contexto do contrato, para determinar o valor das quotas dos comproprietários e à utilização, para determinar esse contexto, de prova exterior ao documento. Em qualquer caso, desde que a lei admite que o título constitutivo da compropriedade, tomado aqui no sentido de documento, não mencione o valor relativo das quotas dos comproprietários – fazendo intervir uma norma supletiva ou uma presunção para suprir a omissão, conforme o entendimento que para o problema se tenha por exacto – segue-se que o documento correspondente não constitui, nesse segmento, um documento ad substantiam – caso em que aquela omissão geraria a nulidade do negócio - mas meramente ad probationem, i.e., que apenas exerce a função de prova da declaração relativa ao valor das quotas, de facultar prova segura acerca desse valor, então é admissível, como meio de prova do valor relativo das quotas, a confissão judicial, designadamente a confissão judicial espontânea expressa feita em processo, por iniciativa do próprio confitente, confissão que pode ser feita nos articulados, não carecendo o mandatário judicial de procuração especial para a fazer (art.ºs 352.º, n.º 2, 355.º, n.º 1 e 356.º, n.º 1, 364.º. n.ºs 1 e 2, do Código Civil, e 46.º. 1.ª parte, do CPC). Por último, ainda que, ex-adverso, as considerações anteriores se devessem ter por equivocadas, crê-se que a razão de ser da apontada presunção reside na necessidade de proteger terceiros que nela confiam, confiança que influencia, por exemplo, a disposição desses terceiros, v.g., para conceder crédito ao comproprietário, fiados num dado valor da quota deste na coisa comum, evitando que sejam confrontados, em momento ulterior, com a controvérsia sobre o valor – inferior - da quota do comproprietário e, consequentemente, com a diminuição da garantia patrimonial do respectivo crédito e o risco consequente da sua insatisfação. Sendo uma ideia de protecção de terceiros que justifica a presunção, a sua aplicação só deverá aceitar-se onde o interesse de terceiros o exigir; não estando em causa o interesse de terceiros, mas única e simplesmente o dos comproprietários, nada parece impedir que o valor exacto da respectiva quota seja provado por quaisquer meios. Não se trata de afastar a norma em favor de uma solução ditada pela vontade do comproprietário – mas de não a aplicar quando não está presente a razão material que a ilumina[17]. É, portanto, admissível e justificada uma interpretação restritiva, citra litteram, da norma continente da presunção, dado que o espírito da lei fica aquém da sua letra – i.e., a sua dimensão pragmática fica aquém da sua dimensão semântica – pelo que não se justifica que se infira uma regra que seja aplicável a todos os casos que são abrangidos pela sua letra. Vale evidentemente no tocante à compropriedade das pessoas unidas de facto, considerados os patentes inconvenientes da propriedade em comum, o princípio geral de que nenhum comproprietário será obrigado a permanecer na indivisão e, poderá, a todo o tempo, requerer a sua cessação. Os comproprietários não podem renunciar ao direito de exigir a divisão, mas é-lhes lícito convencionar que que a coisa se conserve indivisa por certo espaço de tempo, contanto que o prazo não exceda cinco anos, embora lhes seja autorizado renovar esse prazo por nova convenção (art.º 1412.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil). A actuação do direito – potestativo - de exigir a dissolução da compropriedade que a lei reconhece aos comproprietários não é, evidentemente, o único modo de obter a extinção da compropriedade. Esta pode cessar também através de vários negócios entre vivos ou mortis causa capazes de operar a concentração da propriedade da coisa comum numa só pessoa, que tanto pode ser um dos dois ou mais comproprietários, como um qualquer terceiro: é o que sucede no caso da venda a terceiro da coisa comum; neste caso dá-se a extinção dos direitos reais dos comproprietários que partilharão entre si, já não a coisa comum, mas o seu valor, representado pelo preço da alienação. Cessada a união de facto, coloca-se frequentemente o problema da liquidação do património adquirido com o esforço comum dos seus membros e da destinação das atribuições patrimoniais feito por um deles ao outro. De harmonia com certa doutrina, essa liquidação deve ser actuada de acordo com os princípios das sociedades de facto – quando os respectivos pressupostos se verifiquem[18]. Na jurisprudência, porém, havendo património adquirido com esforço comum, admite-se que a respectiva liquidação seja feita de harmonia com as regras do enriquecimento sem causa ou com os princípios das sociedades de facto[19]. No entanto, a ausência da finalidade lucrativa da comunhão de vida[20] em que se traduz a união de facto, opõe-se ao uso da construção da sociedade de facto. Nestas condições, a composição dos interesses patrimoniais conflituantes, consequente à extinção da união, deverá assentar no instituto do enriquecimento sine causa, que disponibiliza uma tutela adequada ao membro da união de facto que, por exemplo, contribuiu com dinheiro seu para que o outro interviesse como adquirente no contrato de compra e venda de um imóvel ou de um automóvel[21]. É esta, cremos, a orientação dominante, tanto na jurisprudência, como na doutrina[22]. Doutrina e a jurisprudência que exigem, una voce, três requisitos para a verificação do enriquecimento sem causa, que, aliás, se compreendem nitidamente na previsão legal: um enriquecimento; um empobrecimento ou dano; a falta de causa desse enriquecimento (artº 473.º. n.º 1, do Código Civil). A estes requisitos deve adicionar-se um outro: o da existência de um nexo entre o enriquecimento e o dano, dado que se exige que o enriquecimento seja feito à custa de outrem. De modo deliberadamente simplificado, mas sem erro, podemos, pois, assentar, em que são três os pressupostos cumulativos constitutivos da obrigação de restituir fundada no enriquecimento sine causa: a existência de um enriquecimento, sem causa justificativa, à custa de quem requer a restituição (art.º 473.º, n.º 1, do Código Civil)[23]. A falta de causa justificativa resolve-se na falta de norma que legitime a aquisição patrimonial que deve ser restituída e compreende tanto a ausência originária de uma causa, com a sua supressão ulterior (art.º 473.º, n.º 2, do Código Civil). A falta de causa justificativa deve ter-se por verificada sempre que, à luz de uma correcta ordenação jurídica dos bens, não exista um facto ou uma relação que legitime o enriquecimento. Este dá lugar uma obrigação de restituição que compreende tudo aquilo com o que se tenha obtido à custa do empobrecido (art.º 479.º do Código Civil). Por força do carácter da subsidiariedade que a nossa lei – clara, mas discutivelmente - imprime ao enriquecimento sine causa, a acção de enriquecimento não pode ser utilizada sempre que sejam disponibilizados ao empobrecido outros meios para se defender (art.º 474.º, 1ª parte, do Código Civil). Um dos pressupostos do enriquecimento é que seja carecido de causa. Neste ponto, a nossa lei exemplifica diversas hipóteses de ausência de causa, individualizando outras tantas modalidades de enriquecimento (art.º 473.º, n.º 2, do Código Civil). Em geral, a ausência de causa ocorre sempre que, originaria ou supervenientemente, falte uma norma jurídica que, a título permissivo ou de obrigação, leve a considerar o enriquecimento como coisa estatuída, i.e., tolerada ou desejada pelo Direito[24]. Assim, por exemplo, se o enriquecido tiver sido investido num direito subjectivo, faltará a causa quando não tenha ocorrido qualquer forma de constituição ou de transmissão a seu favor do direito em causa. A lei incluiu entre as hipóteses típicas de enriquecimento sine causa o caso de alguém ter realizado uma prestação em virtude de uma causa que deixou de existir, assim fazendo compreender a situação tradicional da condictio ob causam finitam. A particularidade deste caso de enriquecimento injustificado reside no facto de no momento em que a prestação foi realizada existir, efectivamente, uma causa jurídica subjacente, mas posteriormente, se dar o desaparecimento dessa causa jurídica, em termos que legitimam o surgimento de uma pretensão dirigida à restituição do enriquecimento[25]. É o que sucede nos casos em que a comunhão de vida entre duas pessoas, não ligadas entre si pela vínculo jurídico do casamento, e a expectativa da permanência dessa comunhão constitui a causa jurídica da realização de uma atribuição patrimonial e, ulteriormente, essa comunhão se extingue, com a consequente cessação daquela causa: o desaparecimento desta causa permite a aplicação da condictio ob causam finitam. Este património de considerações é mais suficiente para resolver a questão concreta controversa objecto do recurso. 3.3. Concretização. É indiscutível, em face dos factos adquiridos, sem controversão, para o processo que a apelante e o apelado viveram um com o outro em união de facto. Também é irrecusável que no contexto da relação de convivência e de comunhão instituída pela união de facto e na esperança ou na expectativa, se não da perenidade, ao menos da tendencial perdurabilidade dessa união, que a apelante e o apelado adquiriram, para a sua habitação própria e permanente, uma fracção de um prédio urbano e que parte substancial do preço - € 30 000,00 – foi pago com dinheiro próprio da apelante, tendo a parte remanescente do preço sido liquidada com dinheiro mutuado, a ambos, por instituição bancária. Indubitável é também que o pagamento, pela apelante, daquela parte do preço com dinheiro seu foi feito no pressuposto de que ela e o apelado viveriam permanentemente um com outro. Todavia, uma tal expectativa frustrou-se e a apelante e o apelado puseram termo à união de facto e, na sequência da ruptura, venderam a terceiro a fracção de edifício apontada, pelo preço de € 227 500,00, parte do qual – € 153 752,68 - logo afectaram à liquidação do mútuo bancário contraído para a sua aquisição, tendo, cada um deles, recebido, do comprador, do remanescente do preço, um valor igual - € 36 873,66 – em que portanto se não considerou a parte do preço da aquisição daquele bem pago com dinheiro próprio da autora, consideração que determinaria o recebimento pela apelante a quantia de € 51 873,66 e, pelo apelado a de € 21 873,66; ao receberem, ambos, a quantia de € 36 873,66, desconsiderando a parte do preço da aquisição suportado exclusivamente pela apelante, esta ficou com menos € 15.000,00 do que devia ter recebido relativamente ao preço da venda que lhe caberia (€ 30.000,00 + € 21.873,66 = € 51.873,66) e que o apelado, ao receber ficou com mais € 15.000,00 do que efetivamente lhe competiria (€ 21.873,66). Se relembrarmos que o pagamento de parte do preço da aquisição da fracção com dinheiro próprio da apelante teve como causa jurídica próxima a relação instituída pela união de facto com o apelado e a perdurabilidade dessa relação, e que tal causa se extinguiu com a ruptura da união, segue-se, com naturalidade, que, com o desaparecimento daquela causa, a apelante tem direito, com fundamento no enriquecimento sine causa, a que lhe seja restituído a quantia correspondente, sob pena de o apelado com ela se enriquecer, à custa de um simétrico empobrecimento da apelante. Não o entendeu assim a sentença impugnada, que dá para uma tal decisão, as razões seguintes: que a partir do momento em que autora e réu decidiram comprar a referida fracção na proporção de metade para cada um, em compropriedade, a extinção dessa compropriedade no imóvel não se produziu com a extinção da relação de união de facto, mantendo-se ambos, não obstante a extinção da união de facto, comproprietários da fracção na proporção de metade; que sendo autora e réu comproprietários na proporção de metade para cada um deles da fracção em referência, extinta a compropriedade com a venda dessa fracção, assistia à autora o direito a receber do comprador a parte que lhe competia em razão da sua quota, o que sucedeu e que só assim não seria se autora e réu tivessem acordado em contrato de coabitação, ou de divisão da coisa comum, que uma vez dissolvida a união de facto, a divisão do produto resultante da venda do imóvel adquirido em compropriedade se operaria de forma diferente, ou seja, que neste caso, assistiria à autora uma parte diferente daquela que a lei presume, e tal não decorre, minimamente da factualidade provada; que, independentemente da existência de uma causa para que a divisão do imóvel se faça de acordo com as quotas de autora e réu que se presumem pelo regime da compropriedade iguais, desconhece-se qual o esforço conjunto, a contribuição para as despesas comuns e a colaboração na vida quotidiana e profissional por parte da autora e réu por forma a concluir que se geraram ou deixaram de gerar expectativas, designadamente da autora reaver aquando da venda da fracção, por considerar ter pago uma dívida alheia do réu na aquisição da fracção, a quantia correspondente aos € 30.000,00, que pagou aquando da aquisição. Mas há boas e várias razões para ter esta argumentação por improcedente. O último dos argumentos expostos pela sentença impugnada é nitidamente improcedente: o objecto da acção – tal como surge recortado pelos factos materiais adquiridos pelo exercício da prova e pela pretensão material que a apelante deles faz derivar - é constituído apenas pela relação patrimonial – de compropriedade – relativa à aquisição da fracção autónoma para habitação própria permanente do apelado e da apelante e pela realização, pela última de uma prestação – o pagamento de parte substancial do preço com dinheiro só seu – e o seu eventual direito à sua restituição - e não pelo conjunto das relações patrimoniais travadas pela apelante e pelo apelado no contexto da convivência e da comunhão instituída pela união de facto ou pela destinação de quaisquer outras prestações e atribuições que reciprocamente realizaram nesse mesmo contexto. Aliás, os factos adquiridos para o processo – e só estes é que agora relevam - mostram que a apelante não só procedeu ao pagamento de uma pluralidade das prestações de reembolso do mútuo contraído para a aquisição da fracção de que, com o apelado, era co-devedora, como na constância da união de facto era a apelante que de modo regular, fazia as compras de supermercado, incluindo as relativas à alimentação, que eram pagas através da sua conta bancária, prestações ou atribuições patrimoniais relativamente às quais nenhuma pretensão de restituição, com fundamento no enriquecimento injustificado ou em qualquer outra causa, se mostra deduzida. O que a matéria de facto assente não documenta, de todo, é que o apelado - ao contrário do que alegou - tenha realizado qualquer atribuição patrimonial em beneficio da união. Note-se que não se diz que não realizou uma qualquer atribuição patrimonial – mas simplesmente que não se provou que o tivesse feito. Também se não se julga correcto afirmar-se – como se escreveu na sentença impugnada – que a apelante, ao pagar parte do preço da aquisição da fracção com dinheiro seu, considera ter pago uma dívida alheia do apelado: ao fazer aquele pagamento, a apelante – como linearmente decorre da causa de pedir que desenhou na petição inicial - satisfez uma dívida de que também era devedora, contraída para satisfazer um interesse que também era seu: a necessidade de habitação própria permanente, assente na expectativa da permanência ou perdurabilidade da relação de facto que a unia ao apelado. É exato que a cessação da união de facto não operou, ipso facto, a extinção da compropriedade – rectius dos direitos reais dos comproprietários sobre o bem imóvel apontado, extinção que só se verificou com a alienação a terceiro do bem objecto mediato desses direitos. Simplesmente, a cessação da causa jurídica da prestação realizada pela apelante não se dá com a extinção da compropriedade – mas com a cessação da união de facto, pelo que mesmo que a apelante e o apelado não tivessem procedido à alienação da fracção, e à divisão do produto da venda – portanto, à sua partilha em valor - a partir do momento da extinção da união de facto, deu-se, do mesmo passo, a extinção daquela causa e o empobrecimento da apelante e o correspondente enriquecimento do apelado, em razão da diferente contribuição de ambos para o pagamento do preço da aquisição do bem imóvel comum. De igual modo, não se julga exacto dizer-se – como declara a sentença recorrida – que a autora e réu decidiram comprar a referida fracção na proporção de metade para cada um, em compropriedade, dado que uma tal afirmação não encontra, nos factos incontroversamente adquiridos para o processo o mínimo eco: a única coisa que a este propósito se provou foi, tout court, que a apelado e a apelante decidiram comprar aquele bem imóvel. Também se não julga necessário para que a partilha do bem comum – em espécie ou em valor - opere em partes desiguais, que os unidos de factos tenham convencionado essa desigualdade em contrato de coabitação, i.e., que tenham regulado, contratual e previamente os aspectos patrimoniais da relação, designadamente o aspecto capital da divisão dos bens que venham a adquirir durante a vivência em comum. Na falta dessa convenção, desde que se mostra feita a prova de que as quotas dos unidos de facto no bem comum são desiguais – por serem desiguais as suas contribuições para a sua aquisição – a partilha deve ser feita de harmonia com o valor relativo da quota de cada um no activo comum. Os unidos de facto podem, realmente, ao abrigo da sua autonomia privada, contratualizar a regulação das suas relações patrimoniais, designadamente quanto ponto crucial da sua partilha – contrato, que - salvo no caso de conter convenções violadoras de normas injuntivas – se deve ter por válido (art.ºs 280.º e 405.º do Código Civil). Mas a conclusão de um tal contrato não é imperativa, mas meramente facultativa: na sua falta regem as normas e princípios gerais do direito comum, entre os quais se conta, evidentemente, os que dão corpo ao instituto do enriquecimento sem causa. Toda a retórica argumentativa da sentença só se compreende a partir do pressuposto de que partiu: a de que a presunção de igualdade das quotas estabelecida neste preceito legal – o n.º 2 do artº 1403.º do Código Civil - só pode ser afastada com recurso a elementos do próprio título de constituição e não por elementos exteriores, logo é inadmissível a prova testemunhal para o efeito. Simplesmente, a verdade é que a sentença impugnada nem sequer se mostra fiel a um tal pressuposto. Se não era admissível a prova da desigualdade das quotas por prova testemunhal – e, por extensão de regime – por prova por declarações de parte, então porque é que se permitiu a produção de prova dessa espécie relativamente aos factos julgados provados sob os n.ºs 4 a 6, que visavam, precisamente, provar aquela desigualdade? Mais do que isso: foi justamente – também, mas sobretudo - naquelas provas que a Sra. Juíza de Direito fundamentou a sua convicção para julgar provados os apontados pontos de facto, dos quais que se extrai, irrecusavelmente, a desigualdade das contribuições da apelante para a aquisição do bem e, consequentemente, a desigualdade das respectivas quotas nesse mesmo bem. Como quer que seja, já se adquiriu, designadamente, por um lado, que nada obsta a que o valor relativo das quotas dos comproprietários possa ser determinado por recurso à prova por confissão judicial, feita nos articulados - sendo certo o apelado no articulado de contestação, contra se pronuntiatio, reconheceu, de forma inequívoca, que a apelante satisfez com dinheiro seu € 30 00,000 do preço da aquisição da fracção, que adquiriu por doação dos seus pais e por mútuo – que transferiu para aquela a propriedade do dinheiro mutuado – e, por outro, de harmonia com o entendimento que se tem por preferível – que a presunção da igualdade só vale quanto a terceiros, pelo que não é impeditiva da prova, por quaisquer meios, pelos comproprietários, no estrito âmbito das relações entre si, de que o valor relativo das respectivas quotas é diverso do que, presuntivamente, é dado pelo título constitutivo. E, no caso, é patente – em face dos factos que se têm já por incontroversos – que, por virtude da aquisição da fracção comum ter sido adquirida em parte com dinheiro só da apelante, que as quotas desta e do apelado têm um valor desigual, pelo que a partilha do seu valor líquido– justamente sob pena de enriquecimento do último e empobrecimento da primeira – não deve ser feita em partes iguais, antes deve reflectir o valor relativo das contribuições de um de outro para a sua aquisição. Seria, realmente, profundamente injusto e desconforme com uma correcta ordenação dos bens que o apelado recebesse um valor igual na partilha de um bem para cuja aquisição contribuiu com um valor desigual. E é aquela injustiça e esta desconformidade que com o recurso ao enriquecimento sine causa se visa, precisamente, acudir. Assim, há que concluir que, neste ponto, a apelante tem razão e, portanto, que o apelado deve ser judicialmente vinculado a restituir àquela a quantia com que injustamente se locupletou: € 15 000,00. A obrigação de restituição a que o apelado deve ser adstrito é, no caso, indubitavelmente, uma obrigação pecuniária dado que tem por objecto uma prestação em dinheiro, através da qual se assegura um determinado valor patrimonial abstracto expresso num montante monetário nominal. A indemnização moratória consiste, portanto, dada a natureza pecuniária da obrigação, aos juros contados desde a constituição do devedor em mora que ocorre, designadamente, com a interpelação, judicial ou extrajudicial, para cumprir (art.ºs 805.º, n.º 1, e 806.º, nº 1, Código Civil). Esses juros são os legais, salvo se antes da mora for devido juro mais elevado ou se se houver estipulado um juro moratório diferente do legal (art.º 806.º, nº 2 do Código Civil). A apelante pediu a condenação do apelado na indemnização moratória, contada desde 22 de Novembro de 2019. Se porém, se tiver presente que o devedor só se constitui em mora se tiver sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, ou independentemente dessa interpelação, a obrigação tiver, por exemplo, prazo certo, segue-se que, no caso o apelado só se deve ter constituído em mora, relativamente à obrigação de restituição, com a sua citação para a acção, já que, por um lado, aquela obrigação não tinha prazo certo, nem a apelante demonstrou ter interpelado aquele, em momento anterior ao da sua citação, para o cumprimento (art.º 805.º, nºs 1 e 2, do Código Civil) Neste segmento, o recurso deve proceder – mas apenas parcialmente. Dos fundamentos expostos é possível extrair, em síntese apertada, as proposições conclusivas seguintes: - As relações patrimoniais das pessoas unidas de facto estão sujeitas ao regime geral ou comum das relações obrigacionais e reais; - Às pessoas unidas de facto é lícito, ao abrigo da sua autonomia privada, contratualizar a regulação dos aspectos patrimoniais da relação, designadamente o aspecto capital da divisão dos bens que venham a adquirir durante a vivência em comum; na falta dessa convenção, que é meramente facultativa, a divisão do património adquirido com o esforço dos membros da união de facto deve ser actuada segundo as normas e princípios gerais do direito comum, entre os quais se conta, evidentemente, os que dão corpo ao instituto do enriquecimento sem causa; - A composição dos interesses patrimoniais conflituantes dos membros da união de facto, consequente à sua extinção, deverá assentar no instituto do enriquecimento sine causa, que disponibiliza uma tutela adequada àquela composição; - O desaparecimento da causa jurídica á sombra da qual foi realizada uma prestação, dá lugar ao enriquecimento injustificado do beneficiário dessa prestação, determinante da constituição de uma pretensão dirigida à restituição desse enriquecimento; A apelante e o apelado sucumbem, reciprocamente, no recurso. Deverão, por esse motivo, suportar, na medida da sua sucumbência, as respectivas custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). 4. Decisão. Pelos fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso, revoga-se a decisão impugnada e, consequentemente, condena-se o apelado, BB, a entregar à apelante, AA, a quantia de € 15 000,00, acrescida de juros de mora civis, contados, de harmonia com a respectiva taxa supletiva, desde a citação até integral pagamento. Custas do recurso – e da acção – pela apelante e pelo apelado, na proporção da respectiva sucumbência. 13.12.2022 [1] Guilherme de Oliveira, A família e os Menores, Enciclopédia Legal, Selecções do Readers Digest, Lisboa, 1987, pág. 19, e Manual do Direito da Família, Almedina, Coimbra, reimpressão, 2021, pág. 354, e Francisco Manuel Pereira Coelho, Filiação, UC, FD, Coimbra, 1978, pág. 123. [5] Para uma enumeração dos efeitos – favoráveis, neutros e desfavoráveis – da união de facto, Nuno de Salter Cid, A Comunhão de Vida à Margem do Casamento, Entre o Facto e o Direito, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 674 a 691. A lei mantém uma clivagem entre o estatuto social da união de facto – invocação da relação perante terceiros, maxime entidades públicas sempre que isso convier aos interessados para efeitos de benefícios sociais, laborais, etc. – e o seu estatuto privado, relativo aos direitos e deveres recíprocos, às exigências de solidariedade, cooperação e responsabilidade, aos efeitos da ruptura, alimentos, etc. Ao reconhecimento público da união de facto não correspondeu uma responsabilização mínima dos seus membros nas suas relações recíprocas e para com a sociedade. A reivindicação da consagração para os unidos de facto apenas de direitos ficou a dever-se a uma propensão para a dependência face ao Estado que cada vez mais evidente na sociedade portuguesa. Todas as contas feitas, pode retirar-se esta conclusão: a união de facto não envolve a responsabilidade e a solidariedade inerentes ao compromisso matrimonial: Rita Lobo Xavier, Notas sobre a União “More Uxori” em Portugal, in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, UCP, 2002, págs. 1392 a 1406. |