Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULA MARIA ROBERTO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO JUSTA CAUSA SANÇÃO CONSERVATÓRIA DA RELAÇÃO LABORAL | ||
Data do Acordão: | 09/27/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 102.º, 128.º, N.º 1, AL.ªS C), E) E F), 328.º, N.º 1, 330.º, N.º 1, E 351.º, N.ºS 1 A 3, DO CÓDIGO DO TRABALHO | ||
Sumário: | I – A justa causa compreende três elementos: o comportamento culposo do trabalhador; comportamento grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre este comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral face àquela gravidade, ou seja, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa.
II – Tendo em conta que a sanção disciplinar visa reagir contra o comportamento inadequado do trabalhador, procurando harmonizar este para o futuro com o interesse do empregador, e sendo o objetivo natural daquela sanção, de natureza corretiva, intimidatória e conservatória, só no caso de uma sanção deste tipo se mostrar inadequada ou insuficiente para repor a normalidade da relação de trabalho, se poderá aceitar, como razoável e justo, aplicar-se uma sanção rescisória do contrato. III – A existência de justa causa só será, assim, de admitir se os factos praticados pelo trabalhador se refletirem sobre o desenvolvimento normal da relação de trabalho, afetando-o em termos tais que o interesse do despedimento deva prevalecer sobre o interesse oposto da permanência do contrato. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - Relatório
AA, residente em ...,
intentou a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, contra
Banco 1..., SA, com sede em ....
Para tanto, apresentou o formulário de fls. 1, opondo-se ao despedimento de que foi alvo e requerendo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências. * Procedeu-se à realização de audiência de partes e a empregadora, notificada para apresentar articulado motivador do despedimento veio fazê-lo alegando, em síntese, que: A trabalhadora abriu duas contas das quais era a única titular e nas quais foram registadas transferências SEPA provenientes da sociedade A..., Ldª, no montante de € 74.512,78 e € 107.347,54, respetivamente; a atuação da trabalhadora viola os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprir as ordens e instruções do empregador e guardar lealdade ao empregador; as transações efetuadas para a conta da trabalhadora referentes a uma atividade profissional que a mesma não desempenhava e com a qual não tinha qualquer ligação aferível, deveria ter sido recusada ao invés de promovida pela mesma; tais operações não foram rejeitadas dada a ligação privilegiada que o destinatário das transações mantinha com a trabalhadora e através desta, com a empregadora; tal atuação e o incumprimento das normas e procedimentos internos previstos na instrução de serviço, expuseram a empregadora a riscos sérios de sanções pelas autoridades competentes; a conduta da trabalhadora viola as obrigações previstas no Código de conduta, nomeadamente, o dever de pautar toda a sua atuação por comportamentos pessoais e profissionais de acordo com inquestionáveis padrões de integridade, honestidade e lealdade, sendo que o exercício e o respeito por estes valores nunca poderão ser comprometidos; os factos descritos levaram a uma quebra irremediável da confiança da empregadora na boa fé e retidão da conduta da trabalhadora e pela sua gravidade e possíveis consequências, tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral. * A trabalhadora apresentou contestação e reconvenção alegando, em síntese, que: A nota de culpa padece de vícios e de nulidade; inexiste um comportamento grave, culposa e consciente por parte da trabalhadora que impossibilite a manutenção do vínculo laboral, pelo que, o despedimento será sempre desproporcional à alegada infração; as movimentações bancárias imputadas à arguida foram feitas pela empresa A... e nesse sentido nada ocultam; a proveniência e os destinatários e montantes dessa operações encontram-se totalmente identificados e não é reintroduzida em circulação qualquer quantia ilícita, disfarçando-a (quanto à sua origem, proveniência ou natureza) ou ocultando a sua proveniência ilícita. Termina pedindo que: “Termos em que deve a presente Contestação ser considerada provada e procedente, e em consequência: a) Ser declarado Nulo, ou invalido, o Procedimento Disciplinar, por violação das regas ínsitas no artigo 382º nº 1 e ou 2, alíneas a) e d), todos do CT, e inerentemente a ilicitude do despedimento da Autora; b) Ser declarado improcedente o motivo justificativo do despedimento da Autora, e consequentemente, declarada a ilicitude do seu despedimento, por inexistência de justa causa, nos termos do disposto no artigo 381º al. b) e ou c), c) Ser o Reu condenado, em substituição da sua reintegração, a pagar à Autora a indemnização por antiguidade, prevista no artigo 391º do CT, mas calculada nos termos da Clausula 114ª nº1 do AE aplicável, na quantia de 35.630,92€ d) Ser o Reu condenado a pagar à Autora as retribuições, intercalares, que esta deixou de auferir desde a data do seu despedimento e até ao transito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do mesmo, nos termos do disposto no artigo 390º nº 1 do CT, e que neste momento totalizam 3.886,8€ e) Ser o Réu condenado a liquidar à Autora os montantes devidos a título de ferias, subsídios de ferias e de natal, e proporcionais de ferias, subsídios de ferias e de natal que entretanto se vencerem desde a data do seu despedimento e até ao transito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do mesmo, nos termos do disposto no artigo 390º nº 1 do CT, f) Ser o Réu condenado a indemnizar a Autora na quantia de 5.000,00€ por danos não patrimoniais, nos termos do artigo 389º nº1 al. a) do CT g) Ser o Reu condenado a liquidar à Autora a quantia devida a título de Créditos Laborais, respeitante a formação não concedida, no valor de 1.495,29€, e a título de distribuição de dividendos, em pelo menos 800,00€, ou quantia superior, a apurar quando o Reu prestar os esclarecimentos e juntar os documentos que se requereram h) Ser o Reu condenado a pagar juros de mora sobre todas as prestações suprarreferidas, contados desde a data do seu vencimento e até integral pagamento, bem como em custas Tudo com as legais consequências.” * A empregadora apresentou resposta concluindo nos seguintes termos: “Termos em que, e nos melhores de direito doutamente supridos, requer a V. Exa. se digne: i. A julgar improcedente, por não provadas e por carecerem de fundamento legal, todas as exceções deduzidas pela Autora; ii. A julgar improcedente, por não provado e por o despedimento da Autora ter sido lícito, o pedido de condenação do Réu ao pagamento, à Autora, de indemnização em substituição da reintegração; iii. A julgar improcedente, por não provado e por o despedimento da Autora ter sido lícito, o pedido de condenação do Réu ao pagamento, à Autora, dos salários intercalares entre a data do seu despedimento e a data de trânsito em julgado dos presentes autos; iv. A julgar improcedente, por não provado e por o despedimento da Autora ter sido lícito, o pedido de condenação do Réu ao pagamento, à Autora, de indemnização a título de danos não patrimoniais. v. A julgar improcedente, por não provado, o pedido reconvencional da Autora ao pagamento, pelo Réu, de créditos laborais decorrentes de horas de formação não ministradas, vencidas e não pagas. vi. A julgar improcedente, por não provado e não exigível nos termos do Regulamento do Modelo de Incentivos dos Colaboradores do Banco 1..., S. A., o pedido reconvencional da Autora ao pagamento, pelo Réu, de quaisquer prémios de desempenho.” * Foi proferido o despacho saneador de fls. 143 e segs. e dispensada a enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova. * Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento. * De seguida foi proferida a sentença de fls. 163 e segs., cujo dispositivo tem o seguinte teor: “VII- Decisão: I - declaro ilícito o despedimento de AA promovido pelo Banco 1..., S.A.; A empregadora, notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte: (…). O trabalhador apresentou resposta que conclui nos seguintes termos: (…). O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 230 e segs., no sentido de que a “sentença não enferma de qualquer dos vícios que lhe são apontados, pelo que deve ser negado provimento ao recurso, e a sentença ser confirmada nos seus precisos termos.” A recorrente veio responder a este parecer remetendo para as alegações de recurso. * Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. * II – Questões a decidir Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso. Questões prévias: 1. Intempestividade do recurso Veio a recorrida alegar a intempestividade do presente recurso. Como resulta do despacho de admissão do recurso proferido no tribunal de 1ª instância, o mesmo é tempestivo, posto que deu entrada em juízo no dia 01/04/2024, último dia do prazo de 15 dias de que dispunha para o efeito. Assim sendo, inexiste qualquer razão à recorrida. 2. Valor da causa Alega a recorrente que o tribunal a quo cometeu um erro de julgamento no que respeita à fixação do valor da causa, violando o disposto no n.º 2 do artigo 98.º-P do CPT. Compulsados os autos constatamos que por despacho de fls. 220 foi retificado o que se considerou ser um lapso, passando a constar da parte decisória: “Valor da causa Fixo à ação o valor de €33.060,79 (art.º 09.º-P, n.º 2 do CPT).” Assim sendo, e porque nada foi alegado pelas partes no que concerne à retificação, a questão suscitada pela recorrente encontra-se prejudicada, nada mais se impondo dizer. 3. Invalidade parcial da nota de culpa no que concerne ao artigo 29.º Alega a recorrente que o tribunal a quo não fundamentou a não circunstanciação do artigo 29.º da nota de culpa tendo determinado a invalidade parcial da mesma no tocante a tal facto. Compulsados os autos constatamos que por despacho de fls. 220 foi determinada a retificação da sentença proferida nos seguintes termos: “- na folha 53 onde se lê invalidade parcial da nota de culpa no tocante ao factos descrito no art.º 29. da nota de culpa deve passar a ler-se invalidade parcial da nota de culpa no tocante ao facto descrito no art.º 30.º da nota de culpa;” Assim sendo, e porque nada foi alegado pelas partes no que concerne à retificação, a questão suscitada pela recorrente encontra-se prejudicada, nada mais se impondo dizer. * Cumpre, assim, apreciar as questões suscitadas pela recorrente, quais sejam: 1ª – Se não devia ter sido determinada a invalidade da nota de culpa no que concerne ao facto descrito no artigo 30.º. 2ª – Se existe justa causa para o despedimento da trabalhadora. * III – Fundamentação a) - Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida: 1.º AA desempenhou funções correspondentes à categoria profissional de assistente comercial sob as ordens, direção e fiscalização do Banco 1..., S.A. desde 30 de outubro de 2002; 2.º No âmbito das funções que exercia, AA tinha de assegurar o atendimento e o desenvolvimento das atividades operativas inerentes à atividade comercial desenvolvida pela agência e apoiar na promoção de produtos e serviços bancários, estabelecendo relações de confiança com os clientes; 3.º Para cumprimento de tais funções, competia a AA, entre outras tarefas: a) desenvolver atividade por forma a cumprir os objetivos comerciais da agência, em articulação com o gerente, assegurando o respetivo grau de concretização, implementando as medidas corretivas que vierem a ser definidas em caso de desvios; j) cumprir com outras responsabilidades que lhe sejam delegadas, no seu âmbito de atuação ou necessárias à prossecução dos objetivos do Banco; 4.º No momento do seu despedimento, AA exercia funções na agência do Banco 1... de ..., desde 25 de março de 2017, respondendo hierarquicamente ao trabalhador BB; 5.º AA tinha conhecimento e formação no âmbito do código de conduta do Banco 1..., S.A., da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (Lei do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo), do Regulamento (UE) 2015/847, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2022, de 6 de junho e das normas internas em vigor no Banco 1...; 6.º Em fevereiro de 2023, no âmbito do plano anual de auditoria interna para o ano de 2023 no Banco 1..., foi efetuada uma auditoria à agência de ..., onde AA exercia as suas funções; 7.º No âmbito da auditoria referida em 6.º, foi verificada a existência de uma conta com o n.º ...95, com movimentação individual e titulada por AA, designada como conta de Depósito Ordem Particular Normal; 8.º Esta conta foi aberta por AA em outubro de 2021; 9.º AA era a única titular e última beneficiária efetiva desta conta, sendo a única com poderes de movimentação da mesma; 10.º Nessa conta foram registadas, entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2023, 30 transferências SEPA, provenientes da sociedade A..., Lda, que totalizaram o montante de € 74.512,78; 11.º Por email datado de 2 de março de 2023, depois de questionada sobre a existência das referidas movimentações numa conta titulada unicamente por si, AA informou que: Conforme mail infra e de acordo com o solicitado, informo que os fluxos verificados na conta ...95, são referentes a movimentos de pessoa próxima, a qual possui alguma idade, que exerce atividade de promoção imobiliária. Dada a relação próxima existente e tendo em conta que atravessámos uma época pandémica, disponibilizei-me para proceder abertura conta, por forma a facilitar os seus recebimentos, provenientes da sua atividade e desta forma igualmente possibilitar/agilizar as compras para a sua habitação, bem como proceder ao pagamento de respetivos impostos. Presentemente e dado que pandemia se encontra devidamente controlada, tendo da minha parte tomado consciência que por algum motivo ou inconscientemente, fui protelando a situação, contudo, informo que os recebimentos em causa já cessaram no passado mês de fevereiro, pelo que, a conta em questão será saldada e encerrada nas próximas semanas; 12.º Em novembro de 2002, AA abriu a conta n.º ...16, de titulação e movimentação individual, internamente designada como Conta Ordenado Colaborador; 13.º No âmbito da auditoria interna referida em 6.º apurou-se que AA já recebia, desde 2018, transferências provenientes da sociedade A..., Lda., então creditadas na Conta Ordenado Colaborador, com o n.º ...16; 14.º Entre agosto de 2018 e outubro de 2021 - ou seja, muito antes da pandemia de SARS-COV-2 - as transferências recebidas na Conta Ordenado Colaborador, com o n.º ...16, totalizaram € 107.347,54, divididos por 45 transferências; 17.º O produto das várias transferências recebidas em ambas as contas, provenientes da sociedade A..., Lda, foi sendo debitado das referidas contas através de levantamentos de numerário ao balcão e da utilização de cartão de débito ou amortização de cartão de crédito, ambos os cartões da titularidade da AA; 25. Nos termos da I.S. n.º 02/10- Transações em Numerário, a abertura de conta de depósito bancário constitui uma operação bancária central pela qual se inicia, com frequência, uma relação de negócio entre Cliente e Banco; 27. Entre tais obrigações, impostas ao EUROBIC e cujo cumprimento é exigido à trabalhadora-arguida enquanto trabalhadora da referida instituição bancária, conta-se a observação de procedimentos de identificação e diligência previstos nos artigos 24.º a 26.º da Lei do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo e procedimentos complementares de diligência previstos no artigo 27.º da Lei do branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo; 28. A darem-se como provados, a final, os factos praticados pela trabalhadora-arguida, os mesmos são passíveis de fazer incorrer o EUROBIC em incumprimento do Dever de Identificação e Diligência ou, no limite, em violações do dever de identificação do Ultimate Beneficial Owner dos fundos depositados nas contas tituladas pela trabalhadora-arguida; 29. Tais violações, consubstanciadas na aceitação da utilização de contas bancárias por si tituladas para recebimento de fundos provenientes de uma atividade económica especialmente sujeita a obrigações de Know Your Client, como é a atividade de mediação imobiliária, expuseram e expõem o EUROBIC a riscos sérios de sanções pelas autoridades competentes, nomeadamente o Banco de Portugal; 30. A conduta praticada pela trabalhadora-arguida, a provar-se a final, não se demonstra adequada aos standars de boa conduta definidos pelo EUROBIC para todos os seus trabalhadores e colaboradores; Nos termos expostos, considera o EUROBIC que os referidos comportamentos da trabalhadora-arguida, a darem-se, a final, como provados, são suscetíveis de censura e constituem fundamento para aplicação de sanção disciplinar de despedimento com justa causa, cuja intenção expressamente se comunica. (…); Meios de prova: a) Prova documental: documentos juntos aos autos 26.º O Banco 1... remeteu a nota de culpa para o domicilio pessoal de AA, mediante carta registada, com aviso de receção, datada de 7 de junho de 2023 e rececionada em 16 de junho de 2023; 29.º AA não autorizou a junção ao processo disciplinar apenso dos extratos bancários referidos em 28.º; 30.º Os extratos bancários referidos em 28.º permitem identificar a ordenante das transferências bancárias (A..., Lda.), as contas de destino (n.ºs ...16 e ...95) e através da análise dos DUC os impostos que foram pagos; 31.º Todos os movimentos a crédito documentados nos extratos bancários referidos em 28.º foram concretizados através de transferências bancárias (SEPA) e nunca através de depósitos em numerário; 33.º A cópia da instrução de serviço n.º 02/10, com entrada em vigor em 24 de março de 2023, relativa a transações em numerário foi junta ao processo disciplinar em 7 de julho de 2023, data posterior à elaboração e envio da nota de culpa a AA (fls. 46 e 47 verso a 58 do processo disciplinar apenso); 34.º Em 6 de setembro de 2023 a comissão executiva do Banco 1... deliberou aplicar a AA a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, sem qualquer indemnização ou compensação, aderindo à fundamentação de facto e de direito constante do relatório final junto de fls. 69 verso a 82 do processo disciplinar apenso cujos dizeres dou por integralmente reproduzidos; 39.º Na data do despedimento, AA auferia ao serviço do Banco 1... retribuição base mensal de € 1.116,47, acrescida de € 179,20 a título de diuturnidades; 40.º O Banco 1... ministrou a AA as seguintes horas de formação: - 2019: 59 horas de formação; - 2020: 106 horas de formação; - 2021: 61 horas de formação; - 2022: 42 horas de formação; - 2023: 18 horas de formação; 41.º Em consequência do despedimento, AA sentiu tristeza, angústia, ansiedade, revolta e injustiça; 42.º À relação laboral entre o Banco 1... e AA aplica-se o Acordo de Empresa celebrado entre o Banco 1..., S.A. e a Federação dos Sindicatos Independentes da Banca - FSIB- revisão global, publicado no BTE n.º 12, de 20 de março de 2020; Factos não provados: 1.º Os extratos bancários juntos a fls. 13 e 14 do processo disciplinar permitem identificar a conta de onde provêm os fundos, a origem e justificação para os valores em causa e o beneficiário efetivo de tais verbas; 2.º O propósito de AA de utilizar as contas, para receber as transferências de comissões devidas por serviços prestados pelo seu sogro, foi de o auxiliar, porque sendo uma pessoa de idade, não estava habituado aos procedimentos bancários, não dominava a informática e encontrava-se debilitado quanto à sua saúde; 3.º Em consequência do despedimento, AA sofreu enorme indignação, angústia e ansiedade que se prolongam e prolongarão no tempo; 4.º O que levou e leva a trabalhadora a vivenciar dias de terrível sofrimento e angústia; 5.º Em consequência do despedimento, AA passou a ter uma postura diferente, de maior intransigência e inquietude, para com os seus familiares e amigos mais próximos, que frequentemente comentam o seu estado de saúde; 6.º Em consequência do despedimento, AA passou a viver um autêntico pesadelo, pois dorme mal e todos os dias revive essa angústia, de ser penalizada por algo que não é tão grave quanto o Banco 1... o qualifica; * * b) - Discussão 1ª questão Se não devia ter sido determinada a invalidade da nota de culpa no que concerne ao facto descrito no artigo 30.º. Alega a recorrente que: O artigo 30.º da nota de culpa não se deve considerar como não circunstanciado, já que o mesmo não constitui matéria de facto imputada à recorrida, mas um facto conclusivo, inserido no enquadramento jurídico dos factos. Por outro lado, a este propósito consta da sentença recorrida o seguinte: “No que concerne ao artigo 30.º da nota de culpa ocorre falta de circunstanciação dos factos assinalados pela trabalhadora porque não são concretizados os standards de boa conduta definidos pelo EUROBIC e que alegadamente foram desrespeitados pela trabalhadora. (…) E, assim sendo, apenas se determina a invalidade parcial da nota de culpa no tocante ao facto descrito no art.º 30.º da nota de culpa, com repercussão na decisão final (art.º 357.º n.º 4) e na ação de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento (art.º 387.º n.º 3), (…).” Vejamos: Do artigo 30.º da nota de culpa consta: 30. A conduta praticada pela Trabalhadora-Arguida, a provar-se a final, não se demonstra adequada aos standards de boa conduta definidos pelo EUROBIC para todos os seus trabalhadores e colaboradores. Na verdade, esta matéria tem natureza conclusiva, no entanto, ao contrário o alegado pela recorrente, também encerra factos no que respeita aos standards (padrões) de boa conduta definidos pelo empregador que ficamos sem saber quais são pois não é feita qualquer concretização, pese embora a empregadora entenda que a conduta da trabalhadora não se mostra adequada aos mesmos. Pelo exposto, bem andou o tribunal de 1ª instância ao considerar a invalidade parcial da nota de culpa no que concerne ao artigo 30.º da mesma. Improcede, por isso, a conclusão da recorrente.
2ª questão Se existe justa causa para o despedimento da trabalhadora Alega a empregadora recorrente que: - O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de não aplicar a Instrução de Serviço n.º 02/10, no n.º 4 do art.º 357.º do Código do Trabalho, nomeadamente no facto de a referida instrução de serviço ter sido junta aos autos após a receção, pela Recorrida, da Nota de Culpa. - A decisão é manifestamente errada, já que, por um lado, o Código do Trabalho não impõe à Entidade Empregadora a obrigação de realizar, no âmbito do procedimento disciplinar, diligências probatórias tendentes a demonstrar a bondade das acusações que imputa ao trabalhador. - E, por outro, não resulta da lei a impossibilidade de realização de diligências instrutórias após a receção, pelo trabalhador, da Nota de Culpa. - Não podia o Tribunal a quo dar como provado que a Recorrida tem conhecimento das normas internas em vigor na Recorrente e concluir, a final, que uma dessas normas não lhe é aplicável pelo simples facto de o seu texto ter sido junto ao procedimento disciplinar após a nota de culpa. - A Recorrida foi acusada de violar as instruções de serviço n.º 02/10 – Transações em Numerário, algo que a Recorrida vem impugnar ao afirmar que não violou as normas internas da Recorrente. - Por fim, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, não corresponde à verdade que a Instrução de Serviço 02/10 apenas estivesse em vigor desde março de 2023. Essa é a data da última atualização do texto da referida instrução de serviço, cuja versão original data de 11/11/2016. - Tendo o Tribunal a quo dado como provado que a Recorrida conhecia todas as normas internas em vigor na Recorrente, não poderia, em caso algum, desaplicar a referida instrução de serviço. A este propósito decidiu-se na sentença recorrida o seguinte: “- a cópia da instrução de serviço n.º 02/10, com entrada em vigor em 24 de março de 2023, relativa a transações em numerário foi junta ao processo disciplinar em 7 de julho de 2023, data posterior à elaboração e envio da nota de culpa a AA (fls. 46 e 47 verso a 58 do processo disciplinar apenso); - em 6 de setembro de 2023 a comissão executiva do Banco 1... deliberou aplicar a AA a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, sem qualquer indemnização ou compensação, aderindo à fundamentação de facto e de direito constante do relatório final junto de fls. 69 verso a 82 do processo disciplinar apenso; A indicação da prova documental na nota de culpa através da mera remissão para os documentos juntos aos autos, sem os identificar, não produz o efeito invalidante da nota de culpa e do procedimento disciplinar nos termos alegados pela trabalhadora, porque não integra qualquer uma das causas, comuns ou específicas, da ilicitude do despedimento enumeradas nos art.ºs 381.º e 382.º do CT. A lei - art.º 353.º do CT - e o AE aplicável - cláusula 108.ª - não estabelecem a obrigação de a nota de culpa conter o elenco exaustivo dos documentos que constam nos autos e serviram de sustentação à nota de culpa. De resto, decorre claramente do teor da nota de culpa, para um intérprete normal colocado na posição da trabalhadora, que os documentos que a sustentam são aqueles que foram juntos aos autos previamente à sua elaboração. Também a junção da instrução de serviço 02/10 ao processo disciplinar posteriormente à receção da nota de culpa, não produz o efeito invalidante da nota de culpa e do procedimento disciplinar nos termos alegados pela trabalhadora, porque não integra qualquer uma das causas, comuns ou específicas, da ilicitude do despedimento enumeradas nos art.ºs 381.º e 382.º do CT. De facto, o que resulta desta instrução de serviço são regras precisas e específicas sobre o procedimento a adotar pelos trabalhadores do banco empregador, nas transações em numerário e na abertura de conta de depósito bancário, designadamente: - Sempre que estejamos perante depósitos em numerário em conta D.O. Empresa e o respetivo montante em numerário seja igual ou superior a 10.000 euros (ou equivalente em qualquer moeda), ou a soma de transações fracionadas totalizem ou ultrapassem este valor, e que se verifique que os depositantes são entidades particulares terceiras à conta e/ou o cliente empresa não se encontra em sistema como desenvolvendo uma atividade CAE na lista de atividades Cash Intensive3, o Órgão Comercial deve imprimir (….) a Declaração de Proveniência e Justificação de Fundos e assegurar o cumprimento dos seguintes passos: - O documento tem de ser preenchido e assinado pelo depositante em momento anterior à efetiva realização da operação. A Declaração deve estar preenchida, assinada, analisada criticamente e conferida antes de ser premido o botão Confirmar no ecrã da transação; - A informação disponibilizada deve ser analisada criticamente, não se aceitando justificações gerais ou abstratas; Nas operações de depósito a Declaração deve justificar a origem/proveniência dos fundos; nas operações de levantamento, a Declaração deve, ao invés, justificar o destino dos fundos; em caso de dúvida sobre a justificação dada, deve o DC ser imediata e telefonicamente contactada; Este contacto deve ser efetuado num sítio reservado e sem acesso ao público; Mais alega a recorrente que: - A exigência da verificação de uma consequência económica/reputacional para o Empregador, para que a sua conduta ilícita e culposa constitua fundamento para o despedimento, é manifestamente contrário à lei, violando o disposto no número 3 do artigo 351º do Código do Trabalho. - O Tribunal a quo, ao exigir tal consequência, ignorou um elemento essencial à relação laboral: a confiança que subjaz à referida relação. - A referida quebra de confiança é fundamento suficiente para constituição de justa causa de despedimento, independentemente do montante ou sequer da verificação efetiva de prejuízos na esfera da entidade empregadora. - A atuação da recorrida dada como provada pelo Tribunal a quo, é fundamento bastante para a quebra irremediável de confiança que a Recorrente nela depositava. - A recorrida, como trabalhadora bancária, estava especialmente vinculada a um grau de confiança qualificado, já que na atividade bancária, a exigência geral de boa‑fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada. - O Tribunal a quo atribui nenhuma importância ao valor dessa mesma confiança, focando-se apenas na ausência de um prejuízo matemático para fundamentar a falta de gravidade da conduta da Recorrida. - A própria atuação da Recorrida após a descoberta, pela Recorrente, da sua atuação, não poderia deixar de ter sido considerada pelo Tribunal a quo, para decidir pela quebra irremediável da confiança essencial à manutenção da relação laboral. - A apresentação de uma justificação falsa e a ocultação da existência de outra conta utilizada não podiam deixar de relevar para a conclusão inevitável de que a confiança que subjaz à relação laboral, entre Recorrente e Recorrida, ficou irremediavelmente quebrada, constituindo a atuação ilícita e culposa da Recorrida justa causa de despedimento. - Não é legítimo considerar-se que a Recorrente teria de aguardar ser sancionada pela prática ilegal e culposa da Recorrida para que estivesse constituída justa causa de despedimento. - A conduta da Recorrida fez a Recorrente incumprir os deveres de identificação e diligência a que está obrigada nos termos da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, o que constitui a prática de contraordenações especialmente graves, cuja coima pode ascender a €5.000.000,00 (cinco milhões de euros), expondo a Recorrente à aplicação de coima elevadíssima, sendo esse juízo de prognose póstuma que tem de orientar o juízo sobre a gravidade da conduta do trabalhador. - A opacidade das operações concretas é absolutamente irrelevante para o nível de gravidade do incumprimento dos referidos deveres a que a Recorrida está especialmente adstrita por ser trabalhadora de uma instituição bancária. - Também a inexistência de benefício para a Recorrida é manifestamente irrelevante para efeitos de atenuação da gravidade do comportamento. - A não aplicação de medida de suspensão preventiva da Recorrida é, também ela, irrelevante para a aferição da possibilidade de manutenção do vínculo laboral. - Andou mal o Tribunal a quo por ter julgado a diminuição da gravidade da conduta da Recorrida pelo facto de esta ter cessado a sua conduta e ter putativamente esclarecido os factos. Apreciando: O contrato de trabalho pode cessar, além de outras causas, por despedimento por iniciativa do empregador, por facto imputável ao trabalhador. Na verdade, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 351.º, do C.T. <<constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho>>, nomeadamente, os previstos no n.º 2 do mesmo normativo. Por outro lado, a justa causa compreende três elementos: o comportamento culposo do trabalhador; comportamento grave em si mesmo e de consequências danosas e o nexo de causalidade entre este comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral face àquela gravidade, ou seja, o comportamento tem de ser imputado ao trabalhador a título de culpa (com dolo ou negligência) e a gravidade e impossibilidade devem ser apreciadas em termos objetivos e concretos relativamente à empresa - neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-2010 e 29-09-2010, disponíveis em www.dgsi.pt. Acresce que <<para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes>> – n.º 3 do citado artigo 351.º, do C.T.. Cumpre, ainda, dizer que compete ao trabalhador fazer a prova da existência do contrato de trabalho e do despedimento e ao empregador incumbe provar os factos constitutivos da justa causa do despedimento que promoveu. Após estas considerações jurídicas, cumpre verificar se a empregadora logrou provar, como lhe competia, os comportamentos que imputou ao trabalhador e se os mesmos integram aquele conceito de justa causa, ou seja, se este praticou factos culposos que pela sua gravidade e consequências tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. Na sentença recorrida considerou-se, a este propósito, além do mais, o seguinte: “Na sequência do processo disciplinar que o banco empregador lhe moveu, foi aplicada a AA a sanção de despedimento por, alegadamente, os seus comportamentos traduzirem desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do seu cargo ou posto de trabalho a que estava afeta e a lesão (potencial) de interesses patrimoniais sérios da empresa, consubstanciando as justas causas de despedimento previstas no art.º 351.º, n.º 2, als. a), d) e e) do CT. No essencial, é imputado à trabalhadora o facto de ter aceite a utilização de duas contas bancárias de que era titular no banco empregador, para recebimento de fundos provenientes de uma atividade de mediação imobiliária, que era exercida pelo seu companheiro e sogro. Na perspetiva do banco empregador, a trabalhadora, com esta sua conduta, violou culposamente os seus deveres laborais previstos: » nos art.ºs. 128.º, n.ºs 1, als. c), e) e f) do CT; » nos números 1 e 2 do capítulo II do Código de Conduta do Eurobic; » nos art.ºs 23.º a 27.º, 46.º e 50.º da Lei do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo (Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto); » na instrução de serviço n.º 02/10 (que não será considerada pelo tribunal por ter sido junta ao processo disciplinar após a notificação à trabalhadora da nota de culpa e pelos motivos anteriormente explanados); o que determinou uma quebra irremediável da confiança na boa-fé e retidão da conduta futura da trabalhadora e tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral com a mesma. (…) A nível laboral, o princípio do cumprimento das prestações contratuais de boa fé encontra concretização, nomeadamente, no dever de lealdade. c) Se suspeite que as operações, independentemente do seu valor e de qualquer exceção ou limiar, possam estar relacionadas com o branqueamento de capitais ou com o financiamento do terrorismo; d) Existam dúvidas sobre a veracidade ou a adequação dos dados de identificação dos clientes previamente obtidos; 4 - Ao darem cumprimento ao disposto no número anterior as entidades obrigadas têm em conta os procedimentos de identificação e diligência previamente adotados, o momento em que foram aplicados e a adequação dos elementos obtidos. Artigo 24.º - Elementos identificativos 1 - A identificação dos clientes e dos respetivos representantes é efetuada: a) No caso de pessoas singulares, mediante recolha e registo dos seguintes elementos identificativos: i) Fotografia ii) Nome completo; iii) Assinatura; iv) Data de nascimento; v) Nacionalidade constante do documento de identificação; vi) Tipo, número, data de validade e entidade emitente do documento de identificação; vii) Número de identificação fiscal ou, quando não disponha de número de identificação fiscal, o número equivalente emitido por autoridade estrangeira competente; viii) Profissão e entidade patronal, quando existam; ix) Endereço completo da residência permanente e, quando diverso, do domicílio fiscal; x) Naturalidade; xi) Outras nacionalidades não constantes do documento de identificação; b) No caso das pessoas coletivas ou de centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica, mediante recolha e registo dos seguintes elementos identificativos: i) Denominação; ii) Objeto; 2 - No caso dos representantes dos clientes, as entidades obrigadas verificam igualmente o documento que habilita tais pessoas a agir em representação dos mesmos. Artigo 25.º - Meios comprovativos dos elementos identificativos 1 - Para efeitos da verificação da identificação das pessoas singulares, as entidades obrigadas exigem sempre a apresentação de documentos de identificação válidos, dos quais constem os elementos identificativos previstos nas subalíneas i) a vi) da alínea a) do n.º 1 do artigo anterior; d) Através da autorização do titular dos dados para a sua transmissão, nos termos dos n.os 1 e 4 do artigo 4.º-A da Lei n.º 37/2014, de 26 de junho. 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, as entidades obrigadas disponibilizam os meios e serviços tecnológicos necessários. 4 - Fora dos casos previstos no n.º 2, a comprovação dos documentos referidos no n.º 1 é efetuada mediante: i) Do recurso a dispositivos seguros, reconhecidos, aprovados ou aceites pelas autoridades competentes, que confiram certificação qualificada, nos termos a definir por regulamentação; 2 - No caso das transações ocasionais, as entidades obrigadas verificam a atualidade dos elementos de identificação apresentados, independentemente de já terem recolhido elementos de informação sobre o cliente durante a realização de uma transação ocasional anterior. 3 - A verificação da identidade prevista no n.º 1 pode ser completada após o início da relação de negócio, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: a) Se tal for necessário para não interromper o desenrolar normal do negócio; b) O contrário não resulte de norma legal ou regulamentar aplicável à atividade da entidade obrigada; c) A situação em causa apresente um risco reduzido de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, expressamente identificado como tal pelas entidades obrigadas; d) As entidades obrigadas executem as medidas adequadas a gerir o risco associado àquela situação, designadamente através da limitação do número, do tipo ou do montante das operações que podem ser efetuadas. 4 - Sempre que façam uso da faculdade conferida pelo número anterior, as entidades obrigadas concluem os procedimentos de verificação da identidade no mais curto prazo possível. Artigo 27.º - Procedimentos complementares de diligência Em complemento dos procedimentos de identificação previstos nos artigos 24.º e 25.º, as entidades obrigadas procedem ainda: a) À obtenção de informação sobre a finalidade e a natureza pretendida da relação de negócio; c) À manutenção de um acompanhamento contínuo da relação de negócio, a fim de assegurar que as operações realizadas no decurso dessa relação são consentâneas com o conhecimento que a entidade tem das atividades e do perfil de risco do cliente e, sempre que necessário, da origem e do destino dos fundos movimentados. Artigo 46.º- Comunicação de atividades imobiliárias 1 - As entidades obrigadas que exerçam atividades imobiliárias comunicam ao IMPICI.P.: iv) Identificação clara dos meios de pagamento utilizados, com indicação, sempre que aplicável, dos números das contas de pagamento utilizadas; v) Identificação do imóvel; vi) Prazo de duração do contrato de arrendamento, quando aplicável. 2 - A comunicação referida na alínea a) do número anterior: a) É apenas aplicável às entidades referidas na alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º; b) É acompanhada de certidão do registo comercial, caso a entidade comunicante não possua a certidão permanente mencionada na alínea a). 7 - O exercício do dever de recusa ou a cessação da relação de negócio ao abrigo do presente artigo não determinam qualquer responsabilidade para a entidade obrigada que atue de boa-fé. À luz dos critérios e das normas enunciados analisemos os comportamentos que a Banco 1... imputa a AA e que fundaram a sanção disciplinar de despedimento com justa causa que lhe veio a aplicar. (…) No essencial, ressalta da factualidade apurada que: - desde agosto de 2018 até fevereiro de 2023 a autora permitiu que fossem efetuadas transferências nas duas contas bancárias de que era titular no banco empregador, provenientes da sociedade de mediação imobiliária A...; - tais transferências destinavam-se ao pagamento de comissões devidas ao seu companheiro e ao pai deste, por serviços de mediação imobiliária por estes prestados; - numa das contas foram registadas 30 transferências que totalizaram €74.512,78 (conta n.º ...95); - através destas contas foram efetuados pagamentos de onze DUC associados ao NIF do pai do companheiro da trabalhadora; - os extratos bancários referentes a estas contas permitem identificar a ordenante das transferências bancárias (A..., Lda.), as contas de destino (n.ºs ...16 e ...95) e através da análise dos DUC os impostos que foram pagos; Por outro lado, mesmo sendo duvidosa a aplicação das normas da Lei do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, o bom senso e a prudência também impunham à trabalhadora o cumprimento dos procedimentos de identificação e diligência previstos nos art.ºs 23.º a 27.º desta Lei, para que não se suscitassem quaisquer dúvidas ou suspeições sobre a legalidade da sua conduta e a licitude da proveniência e do destino das quantias depositadas nas suas contas. É que desempenhando funções numa instituição bancária, a trabalhadora sabe que impendia sobre si um acrescido dever de transparência, por lidar com dinheiro, num setor de atividade altamente escrutinado e fiscalizado e em que a transparência, a lealdade e a confiança são valores absolutamente essenciais. Omitindo os referidos dever e procedimentos, a trabalhadora não realizou o seu trabalho com zelo e diligência e incumpriu instruções do banco empregador respeitantes à execução do seu trabalho, incumprindo, assim, os deveres enunciados no art.º 128.º, n.º 1, alíneas c) e e) do CT. No mais, regista-se que as obrigações decorrentes do art.º 46.º da Lei do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo são aplicáveis às empresas de mediação imobiliária e às transações em que estas intervêm como mediadoras imobiliárias, não se aplicando à trabalhadora. Assim como também não se aplica à trabalhadora o dever de recusa previsto no art.º 50.º desta Lei porque para ela, a proveniência e o destino das quantias depositadas nas suas contas não eram suspeitas, e esta natureza suspeita também não resultou comprovada nos autos. Em segundo lugar, porque os extratos bancários das contas tituladas pela trabalhadora permitiam identificar a ordenante das transferências bancárias (A..., Lda.), as contas de destino (n.ºs ...16 e ...95) e através da análise dos DUC os impostos que foram pagos e todos os movimentos a crédito documentados nesses extratos bancários foram concretizados através de transferências bancárias (SEPA) e nunca através de depósitos em numerário, pelo que não era total a opacidade sobre as operações bancárias em apreço, não sendo líquido que o banco empregador estivesse sequer sujeito à aplicação de qualquer sanção. Ou seja, as quantias depositadas nas contas da autora não provinham de uma entidade desconhecida, suspeita e não identificável e a grande parte delas serviram para pagamento de impostos. E, em terceiro lugar, porque a trabalhadora não retirou qualquer benefício da sua conduta, esclareceu prontamente os factos e cessou imediatamente a sua conduta ilícita. E, assim sendo, também se conclui pelo não preenchimento do requisito objetivo da justa causa. Por último, entende-se que a sanção de despedimento é desproporcionada, porquanto a trabalhadora tinha já 20 anos completos ao serviço do banco empregador, este nunca a censurou disciplinarmente, teve sempre avaliações positivas, era uma trabalhadora competente e cumpridora das suas funções e da sua conduta não resultou qualquer prejuízo económico, reputacional ou outro para o banco empregador. Neste contexto, afigura-se desproporcionado aplicar à trabalhadora, no quadro de uma primeira censura disciplinar que lhe foi dirigida pela sua empregadora, a sanção capital do despedimento. Desta forma, face ao que ficou dito, entendemos que o comportamento da trabalhadora supra descrito, pese embora ilícito e culposo, não é grave em si mesmo e nas suas consequências de forma a originar uma absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, pelo que, não se verifica a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho. Ao contrário do alegado pela recorrente, o comportamento da trabalhadora não é de tal modo grave que abalou de forma irremediável e definitiva a confiança que deve existir entre empregador e trabalhador. Em suma, não estamos perante um comportamento do trabalhador que tornou impossível a subsistência da relação laboral. Acresce que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator (n.º 1, do artigo 330.º, do C.T.), pelo que, face ao que ficou dito, entendemos também que a sanção de despedimento aplicada à trabalhadora não se mostra proporcional à gravidade do seu comportamento. A trabalhador podia e devia ter sido sancionada mas não com a sanção mais gravosa. Tendo em conta que a sanção disciplinar visa reagir contra o comportamento inadequado do trabalhador, procurando harmonizar este para o futuro com o interesse do empregador, e sendo o objetivo natural daquela sanção, de natureza corretiva, intimidatória e conservatória, só no caso de uma sanção deste tipo <<se mostrar inadequada ou insuficiente para repôr a normalidade da relação de trabalho prejudicada pelo comportamento imputado ao trabalhador, se poderá aceitar, como razoável e justo, aplicar-se uma sanção rescisória do contrato. A existência de justa causa só será, assim, de admitir se os factos praticados pelo trabalhador se reflectirem sobre o desenvolvimento normal da relação de trabalho, afectando-o em termos tais que o interesse do despedimento deva prevalecer sobre o interesse oposto da permanência do contrato>>[2]. Face ao comportamento apurado da trabalhadora, temos para nós que uma sanção conservatória seria a mais adequada já que se nos afigura suficiente para repor o normal desenvolvimento da relação laboral devendo, assim, prevalecer o interesse na permanência do contrato. Pelo exposto, inexistindo justa causa para o despedimento da trabalhadora, o seu despedimento é ilícito tal como consta da sentença recorrida. * * * Coimbra, 2024/09/27 ____________________ (Paula Maria Roberto) _____________________ (Mário Rodrigues da Silva) ____________________ (Felizardo Paiva)
|