Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JOSÉ AVELINO GONÇALVES | ||
Descritores: | COMPRA E VENDA PARA CONSUMO INCÊNDIO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL DEFEITOS DA COISA INDEMNIZAÇÃO ÓNUS DA PROVA | ||
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Data do Acordão: | 09/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 3.º DO DLEI N.º 67/2003, DE 8-4, 342.º, N.º 1, 349.º E 350.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I – Como subtipo do contrato de compra e venda, surge o contrato de compra e venda para consumo, que se regula, além das regras gerais do Código Civil, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho – que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores –, e de outros diplomas de proteção dos consumidores, o Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado posteriormente pelo Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05, pelo Dec. Lei nº 9/2021, de 29/1 e pelo Dec. Lei n.º 84/2021, de 18/10[9], que “procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores”.
II – A introdução desta regulamentação, específica, mais protetora do comprador consumidor consiste em haver o legislador considerado o comprador – que seja consumidor – a parte mais fraca no respetivo negócio de compra e venda, e, por isso, carecido de uma maior proteção legal. III – Dada a dificuldade da prova da existência do defeito à data da entrega, quando ele se manifesta ao longo de um período de tempo relativamente longo, a lei, protegendo o consumidor, consagra a presunção de que a falta de conformidade verificada dentro do referido prazo, faz presumir que o defeito já existia à data da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade. IV – Assim, o consumidor/comprador apenas tem de fazer a prova do defeito de funcionamento da coisa – da falta de conformidade/facto base da presunção –, sem que sobre si impendam os ónus de alegar e provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: |
Processo n.º 135/21.6T8LRA (Juízo Local Cível de Leiria - Juiz 2)
Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
1.Relatório Nos presentes autos de processo comum proposta por AA contra K..., Unipessoal, Lda., ambos melhor identificados nos autos, pede o Autor que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 38.080,00€ - sendo 25.5000,00€ o valor que pagou pela aquisição à Ré do veículo com matrícula ..-ZL-..; 5.150,00€ o preço da aquisição de um outro veículo que teve que adquirir para se deslocar; 2.430,00€ pela perda do uso do referido veículo; e 5.000,00€ por danos não patrimoniais -, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. Alega os factos em que fundamenta a sua pretensão, mormente a aquisição do referido veículo à Ré, as garantias que lhe foram dadas por esta quanto ao estado veículo, o incêndio do veículo, as necessidades decorrentes da falta do mesmo, os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu. Mais alega de direito, invocando os art.ºs 4.º, nº 1 e 5º, do DL 67/2003 de 08 de Abril, bem como os art.ºs 1º-A, nº1, 1ºA, als. a), b) e c) e 2º do mesmo diploma legal, a Lei da Defesa do Consumidor (Lei 24/96 de 31 de Julho, atual redação) e os art.ºs 913º e seguintes do Código Civil Citada, a Ré contestou, pugnando pela improcedência da ação. Alega em síntese que o A. deveria ter alegado e depois provar qual a avaria que provocou o incêndio do veículo, competindo-lhe alegar e provar os necessários pressupostos da não conformidade, sendo que nenhum dos factos relatados pelo A. são enquadráveis na situação de presunção de não conformidade enumerados no art. 2º, nº2 do Dec. Lei nº57/2003. Nada diz o A. sobre algum defeito pré-existente do veículo, podendo o incendio ter ocorrido por uso anormal do veículo, falta de manutenção ou intervenção mecânica desajustada, ou prévio acidente. A existir no momento da venda a anomalia havia de se manifestar logo nos dias seguintes à compra feita pelo A. Quanto aos danos diz, em síntese, que entende o pedido de compensação pelo valor de custo do veículo nos termos do artigo 921º do Código Civil pela imputação que o A. quer fazer à R. da sua culpabilidade, mas não pode entender que não calcule uma desvalorização do veículo pela respetiva utilização por mais de 6 meses e mais de 16.000km, desvalorização nunca inferior a 20% do valor da viatura, isto partindo da hipótese, meramente académica, de que o defeito que deu origem ao incidente é uma não conformidade. Mais diz não entender o fundamento do pedido relativo à imobilização do veículo, pois nada impedia o A. de ter feito a sua substituição quando muito bem entendesse, como não tem justificação o pedido por danos morais e o de indemnização sobre o valor de aquisição do seu veículo novo, que não têm fundamento legal.
O Juízo Local Cível ... - Juiz ... julga a acção e, consequentemente, decide: “Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia de 24.660,00€ (vinte e quatro mil seiscentos e sessenta euros), acrescida de juros de mora vencidos desde 18/11/2021 e vincendos, até integral pagamento, à taxa legal, de 4% ou à que eventualmente a substituir, absolvendo a Ré quanto ao mais peticionado. Custas por Autor e Ré, na proporção do respetivo decaimento – art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC Registe e notifique. ..., 24/04/2022 (ac. serv.; f. jud. e f. pessoais).”
A Ré, K..., Unipessoal, Lda, não se conformando com tal decisão, dela interpõe recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, assim concluindo: 1) O Tribunal errou na decisão sobre a matéria de facto por inúmeras contradições, falta de equidade e justiça e também não fez a melhor aplicação do direito; 2) O A. não perdeu qualquer utilidade que lhe era proporcionada pelo veículo e muito menos estão provadas quaisquer datas das referidas em sentença. 3) Até porque a sentença não deu como provada a aquisição de um veículo de substituição. 4) A sentença não entende que o A. tenha sofrido danos não patrimoniais graves, mas em contrasenso condena a R. numa indemnização. 5) O facto de o veículo ter 120 000 Km na data do sinistro e não ter sido sujeito a qualquer manutenção durante o período de utilização feito pelo A. não está provado. 6) Está provado que o veículo estava em conformidade com o contrato de compra e venda na aceção do artigo 2º do Decreto Lei nº 67/2003. 7) Está provado que é público e notório que a deficiência dos motores 3.20 d da ... foi noticiada nos órgãos de informação. 8) Está provado que habitualmente os veículos que se incendeiam por causa da válvula dos gases de escape não ardem por completo. 9) Não ficou provado que a origem do incêndio se tenha ficado a dever a uma avaria. 10) O A. não entregou o veículo sinistrado à R., nem à oficina por esta designada. 11) O A. não pediu a resolução do contrato de compra e venda com a R. 12) O sinistro aconteceu no dia 10.06.2020 e a ação entrou no dia 11.01.2021, o A. interpelou a R. no próprio dia do sinistro e depois por carta no dia 17.06.2020 e a R. foi apenas notificada da ação no dia 18.01.2021, pelo que se encontra prescrito o direito do A., conforme jurisprudência citada. 13) O A. não provou a existência de qualquer avaria no veículo. 14) No caso aqui tratado havia garantia do fabricante, que não foi demandado, logo cessa a responsabilidade da R. Termos em que, V. Excª, VENERANDOS DESEMBARGADORES, acolhendo as conclusões que antecedem e dando provimento ao recurso farão a costumada JUSTIÇA!
2. Do objecto do recurso Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente cumpre apreciar as seguintes questões: 1.Da prescrição; Alega a Apelante: “12) O sinistro aconteceu no dia 10.06.2020 e a ação entrou no dia 11.01.2021, o A. interpelou a R. no próprio dia do sinistro e depois por carta no dia 17.06.2020 e a R. foi apenas notificada da ação no dia 18.01.2021, pelo que se encontra prescrito o direito do A., conforme jurisprudência citada”. Ora, tal matéria não foi alegada pela ré na sua contestação e não é do conhecimento oficioso do tribunal – artigo 303.º do Código Civil - e, por isso, não consta dos Temas de Prova, que são os seguintes: 1. Saber em que circunstâncias de tempo, lugar e modo ocorreu o incêndio do veículo automóvel marca ..., matrícula ..-ZL-..; 2. Saber quem viajava no veículo automóvel e em que medida a ocorrência descrita em 1. perturbou o Autor; 3. Saber quanto tempo esteve o Autor privado de um veículo automóvel; 4. Saber em que despesas o Autor incorreu durante o período de tempo em que esteve privado de um veículo automóvel”. Como é sabido, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Enquanto meios de impugnação e de correção de decisões judiciais, os recursos não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas. 2.Da discordância quanto à matéria de facto; A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova - consagrado no artigo 607.º nº 5 do Código do Processo Civil, que será o diploma a citar sem menção de origem - que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição. Todavia, na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal da Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. O princípio da prova livre significa a prova apreciada - a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes - em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – neste preciso sentido, Alberto dos Reis, CPC Anotado, 3ª ed. Vol. III, pág.245. Acresce, que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas, pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas – “a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico”/no Acórdão do STJ de 11.12.2003, pesquisável em dgsi.pt. Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova - artigo 342º do Código Civil - é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. A traduzir-se para a parte a quem compete no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova. Para o recorrente obter uma alteração da resposta dada a um facto – artigo 640.º– tem de expor, ele também, um mínimo de análise crítica da prova, de modo a concluir no sentido da alteração factual que pretende obter, sob pena do tribunal da Relação concluir que não lhe foi colocada uma questão de facto que tenha de decidir. Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. Para desencadear a reapreciação dos factos pelo Tribunal da Relação, a parte tem de colocar uma questão a este tribunal. Ora, só coloca uma questão se elaborar uma argumentação que se oponha à argumentação produzida pelo juiz em 1.ª instância, colocando então o tribunal de recurso perante uma questão a resolver. Não basta, pois, identificar meios de prova e dizer-se que os mesmos deviam ter sido valorados em certo sentido e em detrimento daqueles que o tribunal valorou. A formação da convicção do juiz não pode resultar de “partículas probatórias”, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto da prova produzida - a prova é um todo que deve ser analisado e conjugado de forma coerente, ponderadas as regras de experiência e tendo em atenção as regras do ónus da prova. Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora, se assiste razão à recorrente. A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto: 1. A R. dedica-se ao “comércio, importação, exportação, reparação e manutenção de veículos automóveis. Consultoria e assistência técnica relacionada com as atividades desenvolvidas. Mediação de seguros. Intermediação de crédito” 2. O Autor adquiriu à R., na KK..., em ..., um veículo ..., modelo ..., matrícula ..-ZL-.., ano de fabrico 2017, em 06 de novembro de 2019, tendo a venda sido faturada em 15-11-2019, pelo preço de 25.500,00€, que foi pago à Ré através da entrega de outro veículo e o restante com recurso ao crédito. 3. O referido veículo foi entregue ao Autor no dia do contrato. 4. Foi dada garantia ao A. de que o veículo se encontrava como novo e em perfeitas condições a nível mecânico. 5. No ato da compra foi dito pelo vendedor BB ao A. que o veículo tinha todas as revisões efetuadas pelos representantes oficiais da marca, encontrando-se, por isso, em plenas condições de funcionamento, sendo que a próxima revisão deveria ser efetuada até aos 128.000 kms do veículo ou até ao mês de novembro de 2020. 6.No dia 10 de junho de 2020, por volta das 10h, o A. circulava na A23 sentido norte/sul, próximo do Km ..., (...) quando o veículo disparou um alerta de avaria no propulsor. 7. Ao mesmo tempo, o A. apercebeu-se que começou a sair fumo branco do capô e de imediato encostou e parou o veículo na berma da estrada. 8. De seguida, o A. abriu o capô, deparando-se com o motor em chamas, tendo a viatura incendiado por completo, ficando totalmente destruída. 9. O veículo tinha 104.000kms na data da compra e cerca de 120.000kms na data em que se incendiou, não tendo sido objeto de qualquer manutenção em tal período. 10. O A. utilizara o veículo de forma prudente e a título particular, nas deslocações para o trabalho (é bancário) e para viagens de lazer, em família, não tenho o veículo sido objeto de qualquer manutenção no período de utilização pelo A. 11. O A., em 17 de junho de 2020, enviou uma carta registada com aviso de receção à Ré a denunciar a situação, interpelando-a para acionar a garantia e pedindo o agendamento de reunião com vista a resolver a situação. 12. A Ré respondeu, dizendo que a questão suscitada pelo A. não tinha enquadramento na garantia que prestara e referiu que poderia ser um problema de fabrico da viatura a que era alheia, aconselhando o A. a fazer reclamação junto à .... 13. Dado o estado em que ficou o veículo, o A. não procedeu à reparação do mesmo, que está paralisado desde o dia do incêndio. 14. O A. precisava de se deslocar diariamente para o trabalho e nos primeiros tempos a cunhada emprestou-lhe um carro, mas depois adquiriu um Peugeot em 2º mão, em agosto de 2020. 15. No dia da ocorrência o A. ficou com o sistema nervoso alterado e nos dias que se seguiram andava nervoso, angustiado, ansioso pelo susto e desgostoso por ter ficado sem o veículo. 16. Para além do A., seguiam no veículo no referido dia e hora a mulher e o filho. 17. Também estes, quando se aperceberam do fumo, e assim que o A. parou o carro, saíram de imediato do interior do veículo, com receio de explosão. 18. Todos estavam apavorados, todos viram o carro a arder e temeram pela própria vida e pelas vidas uns dos outros. * B) Factos não provados, com interesse para a decisão da causa: 1. O carro referido em II. 1 A) 14. é um Peugeot 308 SW, de 2009, adquirido pelo valor de 5.150,00€. 2. No dia da ocorrência o A. foi assistido no local por uma ambulância e apresentava a tensão arterial muito baixa. 3. Durante o período de utilização pelo A. o veículo não sofreu qualquer desvalorização a nível comercial. 4. O veículo estava em conformidade com o contrato na aceção do artigo 2º do Decreto-Lei nº 67/2003. 5. O evento de um incêndio no veículo, mesmo causado por avaria é totalmente incompatível com as caraterísticas de uma falta de conformidade do veículo. 6. As causas do incêndio podem nada ter que ver com más condições mecânicas. 7. Sendo público e notório a deficiência nos motores 3.20 d da ..., que foi noticiada em vários órgãos de informação. 8. O veículo do A. tinha essa ação técnica para fazer na ... e o A. não foi fazer assistência de substituição do radiador de gases de escape ao seu veículo como recomendava a marca e lhe oferecia gratuitamente. 9. Não é normal no caso dos relatos que há sobre incêndios por causa dos gases de escape que os veículos ardam por completo. 10. Mesmo que a causa do incêndio tenha sido um problema com os gases de escape, este só apareceu no veículo muito depois da venda pela R. pelo que esta nada pode ter que ver com essa eventual anomalia ou deficiência. 11. A existir no momento da venda, a anomalia havia de se manifestar logo nos dias seguintes à compra feita pelo A., até ao final do mês de novembro de 2019. 12. A utilização do veículo por mais de 6 meses e mais de 16.000km causou desvalorização nunca inferior a 20 % do seu valor. Alega a Apelante 4. O Tribunal “a quo“ na sua sentença dá como provado que: - “4. O A. precisava de se deslocar diariamente para o trabalho e nos primeiros tempos a cunhada emprestou-lhe um carro, mas depois adquiriu um Peugeot em 2ª mão, em agosto de 2020“; 5. Trata-se de uma condenação sem qualquer facto que a fundamente, em primeiro lugar porque pelo raciocínio seguido na sentença, o A. não perdeu qualquer uma das utilidades proporcionadas pelo veículo que adquiriu à R., porque por via dessa compra e do sinistro, a sua cunhada substituiu de imediato tal veículo, não ficando o A. sem o uso de veículo automóvel, por outro lado, a sentença a quo, de forma absolutamente arbitrária e sem qualquer prova, considera o dia 01.08.2020 como o da compra do veículo Peugeot, quando considerou não provado o facto de ter havido aquisição do veículo Peugeot ..., facto com que se concorda em absoluto porque não só não foi exibido ou junto qualquer elemento de registo de um veículo a favor do A., como não foi também junta qualquer fatura ou documento equivalente que demonstre essa mesma aquisição. 6. Ou seja, condena a Ré a indemnizar o A. pela perda do uso do veículo por 52 dias, quando, nunca houve perda de uso, porque o veículo foi substituído com a ajuda de terceiros, nem tal está provado. Por outro lado, fixou como intervalo da impossibilidade de uso, o inicio no dia após o sinistro e o final num (nem alegado) dia de agosto de uma compra de um segundo veículo que, pasme-se!, entendeu não provada. 7. O Tribunal “a quo” deu como não provada a aquisição do veículo de substituição, mas conseguiu decidir que a partir de um determinado dia, que nem alegado foi, tinha cessado o período da perda das utilidades que eram proporcionados ao A. pelo seu veículo. 8. Uma completa e perfeita contradição e uma decisão que não foi alicerçada em qualquer facto. 9. É um facto absolutamente indesmentível que a decisão agora recorrida segue em absoluto, até em matéria de direito o que foi proferido no invocado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.04.2011. 10. No entanto, não reflete a decisão aqui recorrida que a matéria de facto provada na decisão de 1ª Instância que serve de base a esse Acórdão é substancialmente diferente da que foi dada como provada na decisão aqui recorrida, pelo que se impunha resultado diferente, como veremos adiante. 11. No entanto e apesar do referido sobre a “colagem“ ao entendimento do Acórdão invocado, a sentença do Tribunal “a quo” consegue divergir na condenação da R. em indemnização por danos não patrimoniais. 12. Efetivamente, muito embora, não dê como provado que o A. sofreu quaisquer danos patrimoniais graves, condena a R. numa indemnização por estes danos no montante de 800 €, o que se revela um contrassenso e uma violação do próprio direito. 13. Porque não cumpriu o disposto no nº 1 do artigo 496º do Código Civil, já que tais danos apenas são indemnizáveis se pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e a sentença recorrida não deu como provada a existência de danos não patrimoniais graves, no caso, porque nem sequer foram alegados factos que estejam para além de incómodos ou contrariedades e muito menos provados ou dados como provados, a decisão foi tomada tendo em conta apenas as declarações do próprio A. e da sua esposa que entende terem ficado apavorados, que terão temido pela sua vida, seguindo-se o sistema nervoso alterado, a angustia e desgosto do A., que são perfeitamente naturais, mas que por não terem relevância nem foi feita qualquer prova, referimo-nos aos factos provados sob os nºos 15 a 18. 14. Estes factos foram apenas referidos por duas testemunhas e pela esposa do próprio A. que classificou o seu estado como “desanimado” e a testemunha CC como “abatido”, conforme consta dos seguintes áudios: [identificação do ficheiro áudio 20211124151940_4017453_2870956, com 0 h 14mn 06ss] [00:06:21] Mandatário do Autor: Muito bem. Então e vou-lhe pedir de uma forma muito resumida o que é que, o que é que, só para o tribunal perceber se o marido teve necessidade de receber tratamento, se. O que é que se passou? Tiveram medo? [00:06:39] DD: (impercetível). Cheirou-me a fumo, a queimado. (impercetível). Só queria tirá-lo dali. [00:07:47] Mandatário do Autor: Muito bem. Olhe, nos tempos que se seguiram o seu marido ficou afetado com esta situação? Psicologicamente ele andou bem, se andou mal? [00:07:58] DD: Andou algum tempo, umas semanas (impercetível). Desanimado. [identificação do ficheiro áudio 20211124153548_4017453_2870956, com 0 h 06mn 37ss] [00:04:36] Mandatário do Autor: Muito bem. Olhe, eu não sei se teve com o EE depois deste incêndio, para explicar ao tribunal se isto o afetou psicologicamente, se não? Se ele andou bem? [00:04:47] CC: Eu nunca tive (impercetível), mas sei que ele andou muito abatido com isso. [00:04:52] Mandatário do Autor: Foi a situação afetou, afetou-o? [00:04:55] CC: Foi a compra de um carro novo, vamos ter que o pagar e depois acontece uma situação destas, qualquer pessoa ficaria (impercetível) com isso. Vejamos. Neste particular, consideramos o depoimento do A. que referiu, além do mais, que o carro em causa nos autos não teve qualquer manutenção desde a compra até o incêndio, e que deixou, desde o dia do sinistro, de desempenhar a sua função (transporte do autor e da família), facto este que a autora aceita. Estas declarações são aconchegadas pelo depoimento de DD, casada com o Autor e que seguia com ele e o filho de ambos no carro aquando do incêndio, descrevendo o que se passou na ocasião, bem como referiu a utilização dada ao carro antes do incêndio, a forma como o marido o tratava, o empréstimo pela irmã de um carro até à aquisição de um Peugeot em segunda mão, por cerca de 6.000,00€, mais referindo o estado de nervosismo e ansiedade em que o marido ficou durante algumas semanas por causa do incêndio do carro. Considerou-se também quanto ao sinistro e estado em que ficou o carro os docs. 4 e 5 juntos com a p.i. e as fotografias juntas no início do julgamento, bem como o depoimento de FF, engenheiro eletrotécnico, familiar do autor que disse, além do mais, que na altura o A. trabalhava em ..., que é muito calmo na condução e antes do incêndio nunca o ouvira queixar-se de problemas com o carro, que depois viu o carro, que ficou completamente destruído, que ele andou com um carro seu até comprar um Peugeot, cerca 2/3 meses depois do incêndio. Também, GG, bancário, colega de trabalho do A., que à data da sinistro trabalhavam em ..., refere que ele é muito cuidadoso com os carros, também com o ... com o qual não tinha tido qualquer problema, nada fazendo prever o que aconteceu. Que o A. ficou muito afetado, que nos dias seguintes andava desorientado com a situação, que ele comprara o ... também para se deslocar para o trabalho, andou com um carro emprestado de um familiar e depois comprou outro carro. Por sua vez, CC, comercial, disse conhecer o A. desde alguns anos, por terem estudado juntos, que andou uma os duas vezes no ..., que parecia novo. Depois do incêndio ele andou com um carro emprestado e posteriormente comprou outro, que ele andou muito abatido com a situação, que ele teve medo na altura em que o carro ardeu. Por isso, mantemos as respostas dadas pela 1.ª instância. Mas, se bem compreendemos, a Recorrente não coloca em causa os factos provados em 14 a 18, apenas alega que tais factos não merecem a tutela da norma do artigo 496.º do Código Civil, invocando, por isso, contradição entre estes factos e a decisão. Mas esta, é uma questão de direito, que será tratada mais à frente. A Apelante impugna, ainda, o facto provado nº 9 do qual consta o seguinte: “O veículo tinha 104 000 Km na data da compra e cerca de 120 000 KM na data em que se incendiou, não tendo sido objeto de qualquer manutenção em tal período”, pretendendo que o mesmo seja dado como não provado ou retirado da lista de factos, nestes termos: “16. Concretamente a recorrente entende que tal facto não ficou realmente provado, tendo sido apenas as declarações do próprio A. que vieram nesse sentido, quando outros testemunhos considerados isentos e objetivos nada afirmaram objetivamente sobre o número de quilómetros do veículo, nem sobre a manutenção do mesmo. [identificação do ficheiro áudio: 20211124143556_4017453_2870956, com 0 h 14mn 18ss] [00:03:08] Meritíssima Juiz: Isso é uma ideia que o senhor tem ou tem mesmo, fixou mesmo sendo o valor? Ou dirá que terá sido à volta disso? Tem a certeza necessária, certeza absoluta ou terá sido à volta dos cento e quatro mil? [00:03:23] EE: À volta dos cento e quatro. [00:03:24] Meritíssima Juiz: Mais coisa para trás. E depois quando houve, portanto no tal dia 10 de junho, quando houve o problema com o motor e que o carro teve a situação que aqui está em causa nos autos. Ele teria quantos quilómetros? [00:03:40] EE: Tinha cerca de cento e vinte mil. [00:03:57] Meritíssima Juiz: Durante esse período de tempo o carro foi sujeito a alguma manutenção, algum acompanhamento em termos de oficina? [00:04:09] EE: Absolutamente nada. 17. Nenhuma das restantes testemunhas soube dizer quantos quilómetros o carro fez após a compra, nem quantos tinha à data do sinistro e isto apesar da insistência na obtenção desse facto na inquirição da testemunha HH, que no primeiro caso nem nunca andou no carro e no segundo andou uma a duas vezes, não tendo ficado minimamente provados os quilómetros do veículo à data do sinistro. 18. Destes testemunhos resulta claro que o A. não provou o número de quilómetros do veículo, nem ficou provado que não havia feito qualquer manutenção, pois todas as testemunhas desconheciam esses factos. Não tem razão a Apelante. As declarações do autor são, na nossa perspectiva, suficientes para declarar como provado, que o veículo aquando do sinistro teria cerca de 120.000 Kms. Refere este, que a 1.ª revisão teria lugar aos 120.000 Kms e que o carro possuía um avisador prévio dessa revisão, o que é normal nos carros mais modernos, e que ainda não tinha sido accionado. Se juntarmos a estas declarações o facto de o veículo ter sido completamente consumido pelas chamas, não havendo, por isso, outra forma de retirar essa informação, mantemos o decidido pela 1.ª instância. Não concorda, ainda, a recorrente com os factos dados como não provados no Ponto 4 - O veículo estava em conformidade com o contrato na aceção do artigo 2º do Decreto Lei nº 67/2003“. Mas, este Ponto 4, configura uma conclusão com um juízo jurídico - por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão -, sendo que, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Daí que só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova - só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado - quando o tribunal a quo se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas essa pronúncia deve ter-se por não escrita. Mais, salvo o devido respeito pela alegação da Apelante, “as novas informações que circulam nos meios de comunicação requerer a junção aos autos da notícia do “Observador” que dá conta de que o Vice-Presidente para a qualidade da ..., Sr.º II, assumiu em definitivo, em declaração oficial do passado dia 23.08, que os motores de 2 Litros a ..., anteriores a 2017, têm um problema de fabrico com o EGR o que tem provocado o incêndio em vários veículos, assumindo a ... a respetiva responsabilidade”, não configuram facto notório - este, por via da sua perceção e conhecimento pela generalidade das pessoas, adquire um carater de certeza, que leva o legislador a admitir que o mesmo seja considerado no processo, dispensando a sua prova -, carecendo, por isso, de prova sobre tal facto. Como escreve o Autor, na resposta à junção de tal documento, “entende que o facto de a ... ter vindo identificar problemas numa série de modelos da marca em nada afasta a responsabilidade da R., enquanto vendedor, conforme alegado na P.I.. O A. desconhece, e não tem obrigação de conhecer, o que provocou o incendio no seu veículo, não tem, no entanto, dúvidas de que o incendio se deveu a uma notória e grave falta de conformidade do veículo em questão nos autos com o contrato estabelecido com o vendedor, pela qual a R. não pode deixar de ser responsabilizada. Na verdade, o facto de a ... ter vindo agora identificar anomalias em veículos da marca em nada afasta a responsabilidade da R., pode, quando muito, valer-se a R. desta notícia, para, posteriormente, vir, por ela, pedir responsabilidades à marca”. Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto. Avançando. Diz a Apelante: (…) a sentença entende que na origem do incêndio está uma avaria, mas tal não está provado. Tanto pode ter sido causado por uma má utilização do veículo (pois o A. não terá parado a viatura de imediato com dois sinais luminosos no painel de comando), como pode ter sido uma causa absolutamente externa (por exemplo uma ingnição por fricção na estrada), portanto não estando provada a avaria, não podia ser esta a decisão. 29. Também em total colisão com o Acórdão citado na sentença do Tribunal “ a quo”, o veículo não foi sequer entregue à R., nem foi levado a uma oficina autorizada da marca, como expressamente ficou provado que lhe comunicou a R., escapando por completo a uma peritagem sobre o veículo tanto por parte da R., como por parte do fabricante do veículo. 30. Neste circunspecto a sentença não tem qualquer fundamento e abriria portas a um mundo de ilegalidades e de incerteza jurídica nos negócios de compra e venda dos veículos usados, levando, no limite, que qualquer consumidor insatisfeito com a sua opção de compra, mudança de ideia ou por qualquer outra razão incendiasse o veículo adquirido e seria reposto o seu valor total. 31. Muito apesar do que disseram as testemunhas da R., o Tribunal “a quo” não valorizou de forma alguma o facto de o A. não ter entregue o veículo à R., nem à oficina por este designada (...), ficando por apurar todos os factos, quando estas testemunhas foram claras a afirmar que apenas com a chave de ingnição do veículo, esta marca consegue saber se houve alguma avaria que afetou o veículo antes do sinistro. 32. Não havendo sequer prova da existência da avaria, nunca poderia a sentença seguir o plasmado no Acordão aí citado. Bem se sabe que há uma presunção a favor do consumidor nesta matéria que lhe facilita a necessidade de não ter que provar em concreto a avaria, mas que tem que provar a existência da avaria, disso não há dúvida alguma. 34. Ao referido acresce que efetivamente e face ao próprio Acórdão citado na decisão, “o comprador apenas terá de alegar e provar o mau funcionamento da coisa”, e tal não foi concretizado, pois a simples existência de um incêndio no veículo não prova por si só o mau funcionamento do veículo, no qual, também não foi detetada qualquer não conformidade com o contrato de compra e venda. 35. Dos factos provados nesta ação resulta que a ter havido algum problema de funcionamento do veículo, tal cairia nas malhas da garantia do fabricante, neste caso a ..., e este fabricante não foi sequer demandado, logo cessa por completo a responsabilidade da R. que é a vendedora, neste sentido veja- se o Acórdão do Supremo Tribunal dde Justiça de 04.10.2016 no processo nº 2679/13.4TBVCD P1.S1 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.12.2017 no pro cesso nº 3293/16.8T8MTS.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt 36. A tudo o referido anteriormente ainda acresce a ilegalidade da própria sentença porque não só o A. não peticionou a resolução do contrato celebrado com a R., como a sentença aqui recorrida também não o declara, consequentemente não pode a R. ser condenada nos termos referidos. 37. Aliás, a condenação da R. resulta até numa situação de facto caricata, o A. recebe uma indemnização equivalente ao valor pelo qual comprou o carro com a respetiva desvalorização pelo proveito que lhe tirou e ainda fica proprietário do veículo ou do seu salvado, por outro lado, a R. nem sequer pode demandar o fabricante para eventual reembolso porque não terá legitimidade para tal porque não é proprietária do veículo e nem o pode entregar para perícia técnica”. Será assim? Nestes autos, mostra-se provado que a Ré é uma sociedade comercial que se dedica, além do mais, ao comércio, importação, exportação, reparação e manutenção de veículos automóveis e no exercício de tal atividade vendeu o veículo de marca ..., modelo ..., matrícula ..-ZL-.., ao Autor, veículo utilizado por este para se deslocar para o trabalho e para viagens de lazer, em família. Assim, o Autor é tido por “Consumidor”, visto que adquiriu o veículo para a uso não profissional, nos termos do referido art. art.º 2º, nº1 da Lei de Defesa do Consumidor. Em causa está um contrato de compra e venda que teve por objeto um veículo usado, alegadamente defeituoso - cuja falta de conformidade se manifestou posteriormente à entrega -, compra e venda essa realizada entre Ré/recorrente, como vendedora e Autor/recorrido, como vendedor. A compra e venda vem definida no artigo 874º, do Código Civil, como sendo “o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”. Deste modo, a celebração deste tipo de contrato gera obrigações reciprocas: a do vendedor, de transmitir a propriedade da coisa ou a titularidade do direito e a obrigação de entregar a coisa; a do comprador, de pagar o preço - arts. 879º, 882º e 883º, todos do Código Civil. Como subtipo do contrato de compra e venda, surge o contrato de compra e venda para consumo, que se regula, além das regras gerais do Código Civil, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho - que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores -, e de outros diplomas de proteção dos consumidores, o Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado posteriormente pelo Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05, pelo Dec. Lei nº 9/2021, de 29/1 e pelo Dec. Lei nº84/2021, de 18/10, que “procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores” Como é sabido, a introdução desta regulamentação, específica, mais protetora do comprador consumidor consiste em haver o legislador considerado o comprador – que seja consumidor – a parte mais fraca no respetivo negócio de compra e venda, e, por isso, carecido de uma maior proteção legal. Dada a dificuldade da prova da existência do defeito à data da entrega, quando ele se manifesta ao longo de um período de tempo relativamente longo, a lei, protegendo o consumidor, consagra a presunção de que a falta de conformidade verificada dentro do referido prazo, faz presumir que o defeito já existia à data da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade - nº2, do art. 3º, do Dec. Lei n.º 67/2003. Assim, o consumidor/comprador apenas tem de fazer a prova do defeito de funcionamento da coisa - da falta de conformidade/facto base da presunção -, sem que sobre si impendam os ónus de alegar e provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega - v. arts. nº1, do art. 342º, 349º e nº1, do 350º, do Código Civil. Por outro lado, o comprador de bem de consumo não conforme pode ter direito a resolver o contrato e direito de indemnização, nos termos gerais. Como escreve a 1.ª instância, “no caso dos autos verifica-se situação enquadrável no art. 2º. d) e a causa do incêndio do carro, do próprio carro, não consubstancia defeito que o Autor conhecesse ou devesse conhecer - o carro estava a funcionar normalmente quando o comprou – cfr. II. 1. A) 3. a 5. Por outro lado, a referida falta de conformidade presume-se existente no momento em que o carro foi entregue ao Autor, nos termos do art. 3º, n.ºs 1 e 2, presunção que a Ré não afastou, como lhe competia (art. 344º, nº1 do Cód. Civil) – cr. II. 1. A) 2. e 6”. É certo, como alega a Apelante, que as causas do incêndio podem nada ter que ver com más condições mecânicas, podem resultar de problemas eléctricos com cabos, problemas de falta de arrefecimento do motor ou falta de arrefecimento de gases de escape e que o A. nada diz sobre o assunto, sobre a causa do incêndio. Nem o teria de dizer, com todo o respeito pela posição da Apelante. Nesta linha, entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 11.1.2022 e 24.1.2022 - Compete ao comprador/consumidor alegar e provar o defeito de funcionamento da coisa, isto é, a sua desconformidade com o contrato e que esse defeito existia à data da entrega. II - Compete então ao vendedor ilidir a presunção de não conformidade, mediante a demonstração de que a falta de conformidade resulta de facto imputável ao consumidor, nomeadamente a incorreta utilização do bem, ou que, atentas as circunstâncias, o defeito não existia na data da entrega/ dada a dificuldade da prova da existência do defeito à data da entrega, quando ele se manifesta ao longo de um período de tempo relativamente longo (dentro de 2 anos, a contar da entrega de coisa móvel corpórea), a lei, protegendo o consumidor, consagra a presunção de, a falta de conformidade verificada dentro do referido prazo, faz presumir que o defeito já existia à data da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (nº2, do art. 3º, do Dec. Lei n.º 67/2003). Assim, o consumidor/comprador apenas tem de fazer a prova do defeito de funcionamento da coisa (da falta de conformidade) - facto base da presunção -, sem que sobre si impendam os ónus de alegar e provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega (v. arts. nº1, do art. 342º, 349º e nº1, do 350º, do CC”. No acórdão desta Relação de Coimbra de 11-06-2019, - processo nº 1675/18.0T8CTB.C1, em www.dgsi.pt -, numa situação semelhante à dos autos, ou seja, em que o carro se incendiou quando circulava, entendeu-se: “Ainda que se entenda, como na sentença, que o incêndio, em si mesmo, não é um defeito, mas antes uma consequência de um defeito, ele não é exterior ou alheio ao veículo e à exigibilidade de o mesmo não pegar fogo. Versus o entendido na decisão, o facto de ser um veículo usado e com vários proprietários em nada justifica abolir-se ou atenuar-se esta exigência. Caso contrário estaria escancarada a porta para que os profissionais do comércio automóvel vendessem autênticas sucatas não inspeccionadas e revisionadas, com os inerentes perigos para a segurança e vida dos seus condutores e demais utilizadores das rodovias. Antes se impondo, com tal exigência de adequada e ampla inspecção e revisão antes da venda, uma cultura de rigor nesta matéria, de sorte a evitarem-se o mais possível eventos infortunísticos do jaez do presente ou ainda piores (…) devendo o devedor, ilidir tal presunção, provando que a desconformidade inexiste. Ou que agiu diligentemente - o que não seria o bastante pois que assim o tribunal ficaria na ignorância de qual a causa do defeito - e que as causas deste lhe são completamente estranhas, porque nada tiveram a ver com a sua atuação, ou seja, que atuou sem culpa – cfr. João Cura Mariano, in “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, Almedina, 2004, p. 58. Efetivamente: «Ao vendedor, para se ilibar da responsabilidade, incumbirá alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa vendida e imputável ao comprador, a terceiro ou devida a caso fortuito» - Ac. da RL de 04.11.2011, p. 391/09.8YXLSB.L1-1” (…) Assim, à autora não era nem é exigível provar qual a causa, ou sub causa, do incêndio”. Por isso, bem andou a 1.ª instância na sua decisão, a qual aqui reproduzimos: (…) Refira-se ainda que não resultou provado que o veículo do A. antes do dia do incêndio tinha ação técnica de substituição do radiador de gases para fazer na ..., como esta recomendava e oferecia gratuitamente. Como se diz no Ac. R.L. de 12/04/2011, proc. 391/09.8YXLSB.L1-1, in www.dgsi.pt., “ para o exercício dos direitos cobertos pela garantia, o comprador apenas terá de alegar e provar o mau funcionamento da coisa, durante o prazo da garantia, sem necessidade de alegar e provar a específica causa do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega. Ao vendedor, para se ilibar da responsabilidade, incumbirá alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega a coisa vendida e imputável ao comprador, a terceiro ou devida a caso fortuito”, prova que a Ré não fez. Do exposto resulta verificada a responsabilidade da vendedora, a Ré, pela não conformidade do veículo. O art. 4º do Dec. Lei nº67/2003, de 08/04, tem por epigrafe “direitos do consumidor”, dizendo que: “ 1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato. 2 - Tratando-se de um bem imóvel, a reparação ou a substituição devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza do defeito, e tratando-se de um bem móvel, num prazo máximo de 30 dias, em ambos os casos sem grave inconveniente para o consumidor. 3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material. 4 - Os direitos de resolução do contrato e de redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador. 5 - O consumidor pode exercer qualquer dos direitos referidos nos números anteriores, salvo se tal se manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais. 6 - Os direitos atribuídos pelo presente artigo transmitem-se a terceiro adquirente do bem.” Segundo o art. 5º “1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel. 2 - Tratando-se de coisa móvel usada, o prazo previsto no número anterior pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes.” Dispõe o art. 8º, nº1 da Diretiva nº 1999/44/CE que “O exercício dos direitos resultantes da presente Diretiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual.” Segundo o art. 12º, nº1, da Lei nº 24/96, de 31/07 “O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestação de serviços defeituosos.” De acordo no nº 5 do referido art. 4º o consumidor “pode exercer qualquer dos direitos” previstos no mesmo, não estando sujeito a uma qualquer hierarquia, desde que se mostre possível e não constitua abuso de direito nos termos gerais, ou seja, como previsto no art. 334º do Cód. Civil. A resolução do contrato, na falta de disposição especial “é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos seguintes”, diz o art. 433º do Cód. Civil, efeitos esses previstos no art. 289º do Cód. Civil. Assim, considerando as alternativas previstas no referido art. 4º, nº1 do Dec. Lei nº 67/2003, importa concluir que a pretensão do Autor de indemnização no montante pago a título de preço do carro se enquadra na resolução do contrato de compra e venda celebrado com a Ré. Vejamos se lhe assiste razão. Como diz Calvão da Silva, in Obra citada, pág. 109, no que respeita à resolução importa salientar o seguinte: “Primeiro: “O consumidor não tem direito à resolução do contrato se a falta de conformidade for insignificante” (art. 3º, nº6 da Diretiva) – o que constitui a regra geral do direito à resolução: resolução só por incumprimento significativo ou de não escassa importância (arts. 793º e 802º do código Civil) (…); Segundo: no reembolso ao consumidor do preço por força da resolução potestativa do contrato (…) a eventual utilização do produto pelo consumidor pode justificar uma redução do valor a restituir (cfr. o espirito do art. 434º, nº2 do Código Civil).” É que, o objetivo da lei é colocar as partes o mais possível na situação que estariam se não tivessem celebrado o contrato. Nos termos do nº 4 do referido art. 4º a impossibilidade de restituição por parte do comprador da coisa adquirida, como acontece em casos como o dos autos, de destruição por força de incêndio (restando apenas o salvado do veículo), não afasta o direito do comprador ao reembolso do preço por resolução do contrato. Poderá, sim, o valor do preço ser reduzido nos termos referidos. Voltando ao caso dos autos, do exposto e dos factos provados resulta que o A. pode pedir o reembolso do preço que pagou, descontado o benefício que teve com a utilização do carro desde a aquisição até ao incêndio, pois que se é certo que a Ré não provou que no período de utilização pelo Autor, o veículo sofreu a alegada desvalorização, também é certo que a sua utilização trouxe um benefício para o Autor. Esta questão remete-nos para o pedido que o Autor faz, no montante de 2.430,00€, relativo à privação do uso do carro desde o incêndio até à aquisição de outro carro. A privação do uso de um veículo pode causar prejuízos patrimoniais, discutindo-se se o direito à indemnização pela privação do uso do veículo depende ou não da prova da perda efetiva dos rendimentos que a utilização do veículo poderia proporcionar ou das despesas que a sua falta causou (cfr. a este propósito Ac. RP, de 13/10/2009, proc. 6020/07.7TBVNG.PA, e Ac. R.L. de 25/05/2017, proc. 12795/15.2T8AJM.L1-2, in www.dgsi.pt e António Abrantes Geraldes, in Indemnização do dano de Privação do Uso, 33/41), entendendo nós que não dependerá de tal prova, que a privação do uso de um veículo acarreta para o seu proprietário a perda de uma utilidade. Como se diz no Ac. R.L. de 13/10/2016, proc. 640/13.8 TCLRS.L1-2, in www.dgsi.pt., “a privação do uso de um bem é suscetível de constituir, por si dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é licito ao proprietário gozar, i. é., o uso e fruição da coisa.” Ora, no caso dos autos temos que, de facto, o Autor utilizava o seu utilizava o seu veículo para as suas deslocações, quer para o trabalho quer viagens de lazer, em família. Assim, após o incêndio o Autor não retirou do veículo ..-ZL-.. as utilidades que lhe proporcionaria, tendo que arranjar alternativas, mormente veículo emprestado de familiar, até à aquisição de um outro veículo, em data não apurada de agosto de 2020. Tendo em conta o disposto no n.º 3 do art. 566º do Código Civil, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (neste sentido, cfr. Ac. RL, de 10/03/2016, proc. 1132/13.0TVLSB.L1-2, in www.dgsi.pt. Como se diz no Ac. da R.C. de 09/11/2021, proc. 1434/10.2T8CVL.C1, in www.dgsi.pt, citando vários Acórdãos “Na fixação do valor do dano segundo juízos de equidade, na falta de outros elementos, é admissível recorrer aos parâmetros que a jurisprudência tem considerado em situações algo semelhantes, pois a ponderação prudencial inerente à equidade também é sensível ao estabelecimento de critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.” No que respeita aos automóveis de uso particular e com vista à fixação da indemnização pela privação do uso, a jurisprudência tem considerado atualmente valores à volta dos €10,00 por cada dia de paralisação. Pelo exposto, ponderando as circunstâncias do caso, nomeadamente, o tipo de utilização que o Autor fazia do ZL, considera-se equitativo fixar o valor indemnizatório pela perda das utilidades proporcionadas pelo uso deste, uma indemnização de 10,00€/dia, no total de 520,00€ (de 11/06 a 01/08 = 10,00€x52), improcedendo o pedido quanto ao mais peticionado a este título. Como resulta do já referido tal valor diário deverá também ser considerado para efeito de desconto no preço do veículo a reembolsar pela Ré. Assim, considerando o tempo de utilização do veículo pelo A. temos o valor de 2.160,00€ (216 dias x 10,00€) a descontar no preço, o que dá 23.340,00€ (25.500,00€ - 2.160,00€)”. Ou seja, a mera privação do uso do veículo configura um dano patrimonial específico e autónomo que atinge o direito de propriedade, por retirar ao proprietário lesado a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela quando e como melhor lhe aprouver. A lesão patrimonial decorrente da perda dessa possibilidade de utilização do veículo é passível de avaliação pecuniária, devendo recorrer-se à equidade na falta de prova de danos efectivos causados pela privação do uso do veículo, que a 1.ª instância usou no seu bem ponderado critério. Mais, “Vejamos agora a indemnização por danos não patrimoniais. Dispõe o art. 496º, nº1 que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. em anotação ao referido art. 496º, “Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Os simples incómodos, desconfortos e arrelias, porque não atingem um grau suficientemente elevado, não conferem direito a indemnização por danos não patrimoniais. Como vimos deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, gravidade que há de medir-se por um padrão objetivo. No caso dos autos provou-se que o Autor no dia da ocorrência levava no carro o filho e a mulher, quando se aperceberam do fumo, e assim que o A. parou o carro, saíram de imediato do interior do veículo, com receio de explosão, todos estavam apavorados, todos viram o carro a arder e temeram pela própria vida e pelas vidas uns dos outros, que o A. ficou com o sistema nervoso alterado e nos dias que se seguiram andava nervoso, angustiado, ansioso pelo susto e desgostoso por ter ficado sem o veículo, factos que assumem relevância para efeito de conferir ao Autor direito a indemnização. Assim, tendo conta os referidos critérios legais aplicáveis, bem como que não se está perante critérios rígidos, nem de quantias pré-determinadas nem fixas, atento ainda ao disposto no art. 566º, nº2, entende-se ser de atribuir ao Autor, a este título, indemnização no montante de 800,00€”. A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular. Ora, o momento em que ocorre o incêndio, dada a sua inopinada emergência e intensidade fulminante, foi, seguramente, traumatizante para o autor, agravado por estar acompanhado pela família - 15. No dia da ocorrência o A. ficou com o sistema nervoso alterado e nos dias que se seguiram andava nervoso, angustiado, ansioso pelo susto e desgostoso por ter ficado sem o veículo; 16. Para além do A., seguiam no veículo no referido dia e hora a mulher e o filho; 17. Também estes, quando se aperceberam do fumo, e assim que o A. parou o carro, saíram de imediato do interior do veículo, com receio de explosão; 18. Todos estavam apavorados, todos viram o carro a arder e temeram pela própria vida e pelas vidas uns dos outros. Assim, teremos de concluir que o presente sinistro e as consequências nocivas psíquico emocionais que causou no autor, saem da mediania e vulgaridade e merecem a tutela do direito para o efeito que nos ocupa. Atentos os critérios legais supra mencionados e considerando que nada se apurou quanto à situação económica da ré, que a sua culpa aqui mais deve ser taxada de negligência, e que o valor em causa, apesar de não despiciendo, não é exorbitante, consideramos a quantia fixada pela 1.ª instância como adequada a compensar o autor a título de danos não patrimoniais. Nestes termos, mantemos a decisão proferida pela 1.ª instância: As conclusões (sumário): 1. Como subtipo do contrato de compra e venda, surge o contrato de compra e venda para consumo, que se regula, além das regras gerais do Código Civil, da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho - que estabelece o regime legal aplicável à defesa dos consumidores -, e de outros diplomas de proteção dos consumidores, o Dec. Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado posteriormente pelo Dec. Lei. n.º 84/2008, de 21.05, pelo Dec. Lei nº 9/2021, de 29/1 e pelo Dec. Lei nº84/2021, de 18/10[9], que “procede à transposição para o direito interno da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores”; 2. A introdução desta regulamentação, específica, mais protetora do comprador consumidor consiste em haver o legislador considerado o comprador – que seja consumidor – a parte mais fraca no respetivo negócio de compra e venda, e, por isso, carecido de uma maior proteção legal; 3.Dada a dificuldade da prova da existência do defeito à data da entrega, quando ele se manifesta ao longo de um período de tempo relativamente longo, a lei, protegendo o consumidor, consagra a presunção de que a falta de conformidade verificada dentro do referido prazo, faz presumir que o defeito já existia à data da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade; 4.Assim, o consumidor/comprador apenas tem de fazer a prova do defeito de funcionamento da coisa - da falta de conformidade/facto base da presunção -, sem que sobre si impendam os ónus de alegar e provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega.
As custas ficam a cargo da apelante.
Coimbra, 13 de Setembro de 2022 (José Avelino Gonçalves - Relator) (Arlindo- 1.º adjunto) (Emidio Francisco – 2.º adjunto)
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