Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA DA CONCEIÇÃO MIRANDA | ||
Descritores: | CONTRAORDENAÇÕES AMBIENTAIS PRAZO ORDENADOR TAXATIVIDADE DAS NULIDADES | ||
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Data do Acordão: | 03/26/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA, JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE PORTO DE MÓS | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 36.º, N.º 1, 13.º, N.º1, A) AMBOS DO POPNSAC, ARTIGO 43.º, N.º 1, A) DO DECRETO-LEI N.º 142/2008, DE 24 DE JULHO, ARTIGO 22.º, N.º4, B) DA LEI N.º 114/2005, DE 28 DE AGOSTO, ARTIGO 30.º, N.º 1, J), 41ºE 48º, DA LEI N.º 50/2006, DE 29 DE AGOSTO, ART. 58º, Nº 1 DO RGCOC. | ||
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Sumário: | 1 - A nulidade de um ato só ocorre quando a lei expressamente o preveja, de acordo com o princípio da taxatividade das nulidades em processo penal, consagrado no nº 1 do artigo 118º do Código Penal Português.
2 - O incumprimento do prazo previsto no artigo 48º. da Lei nº. 50/2006, de 29/08, não está sancionado em qualquer disposição legal como nulidade. 3 - Os prazos previstos no art.º 48º, n.ºs 2 e 3 da Lei-quadro das Contraordenações Ambientais (LQCOA) são meramente ordenadores, como desde logo decorre da simples leitura do disposto no 41º (nº 2, al. d)) do referido regime, que prevê apenas como resultado da ultrapassagem do prazo de instrução, o termo das medidas cautelares que estejam vigentes no processo. 4 - O prazo meramente ordenador estabelece um limite temporal para a prática de um ato, ou para a prolação de uma decisão, pelo que o seu eventual incumprimento não extingue o direito de praticar os respectivos actos, nem determina a invalidade do ato ou da decisão, nem a nulidade do processo, sendo apenas susceptível de implicar responsabilidade disciplinar. 5 - O artigo 48º. nº 3 da Lei nº. 50/2006 ao afirmar que a prorrogação é sempre fundamentada pela autoridade administrativa, prevê apenas a excepcionalidade da prorrogação. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 5ª. SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Relatório No processo de contra-ordenação 1348/24.4T9LRA, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Local Criminal de Porto de Mós, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “ Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência, condeno a recorrente A... Ld.ª, pela prática, em 18.02.2019, a título de negligência, de uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punida pelos artigos 36.º, n.º1, 13.º, n.º1, a) ambos do POPNSAC, conjugados com o artigo 43.º, n.º1, a) do Decreto-Lei n.º142/2008, de 24 de Julho, e artigo 22.º, n.º4, b) da Lei n.º114/2005, de 28 de Agosto, e artigo 30.º, n.º1, j) da Lei n.º50/2006, de 29 de Agosto: 3.1. na coima especialmente atenuada no montante de doze mil euros, outrossim 3.2. na sanção acessória de reposição anterior à infração, devendo a Recorrente, em 90 dias a contar do trânsito em julgado da presente Decisão, proceder à reposição da situação anterior à infração e informar previamente o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros sobre a data exata do início dos trabalhos para que possam ser acompanhados pelos Vigilantes da Natureza no terreno; 3.3. suspendendo parcialmente a execução da coima no montante de quatro mil euros, pelo prazo de um ano, com a condição de a Recorrente cumprir a sanção acessória aplicada, e mantendo o pagamento da coima na parte remanescente de oito mil euros.”
Inconformada com esta decisão, a recorrente A..., Lda., interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões: “ 1- A sentença sob recurso entendeu não assistir razão à Recorrente ao arguir a violação do disposto no artigo 48º. nºs 2 e 3 da LQCOA. 2- Entre a distribuição dos autos a instrutor (em 23-05-2019) e a prolacção de decisão pelo ICNF (em 14-08-2023) decorreram 1545 dias. 3- O reconhecimento das características de celeridade e de simplicidade processual aos processos contraordenacionais na sua fase administrativa não se compagina com a decisão do Tribunal a quo no sentido de que os prazos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 48.º da LQCOA “são meramente indicativos” e que nenhum efeito processual, dessa inobservância, decorre. 4- Tal violação deverá ser cominada com a invalidade de todo o processado subsequente à assinalada invalidade (uma vez decorridos os 180 dias após a distribuição do processo a instrutor), nos termos dos artigos 48º, nº 2 da LQCOA, 118º e 123º do CPP. 5- Ao decidir que os prazos previstos no artigo 48º são indicativos, o Tribunal a quo realizou errada interpretação dos normativos do artigo 48º, nº 2 da LQCOA, 118º e 123º do CPP, e 13º e 20º, nº 4 da CRP. 6- Suscitando-se a inconstitucionalidade do citado artigo 48º, n.º 2 da Lei 50/2006, de 29-08, por violação dos indicados normativos constitucionais (artigos 13º e 20º, n.º 4 da CRP), se interpretado no sentido de que o prazo nele estabelecido não tem carácter imperativo e a sua violação não seja cominada com invalidade processual. 7- Essas normas deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido exposto na anterior conclusão 4: de que o excesso de tal prazo deverá ser sancionado, determinando-se o arquivamento dos autos e/ou absolvição da aqui Recorrente. 8- Na decisão administrativa, inexiste efectiva descrição dos factos imputados à Recorrente, com indicação das provas obtidas e não é cabalmente observado o dever de fundamentação que se lhe impunha. 9- Ao não conter, no mínimo, os requisitos essenciais, omitidos (e/ou descritos de forma manifestamente insuficiente), a decisão administrativa violou o artigo 58º, nº 1, als. b) e c) do RGCO. 10-A decisão da autoridade administrativa padece de nulidade a que se alude no artigo 379º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41º do RGCO (este aplicável por força do artigo 2º, nº 1 da Lei nº 50/2006). 11-O Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente os normativos mencionados na antecedente conclusão, os quais deveriam ter sido interpretados e aplicados conforme anteriores conclusões 8 a 10. 12-Impõem-se, como tal, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por acórdão que determine a absolvição da arguida/Recorrente. 13-Foi valorado pelo Tribunal a quo depoimento que configura depoimento indirecto nos termos e para os efeitos do artigo 129º, nº 1 do CPP. 14-Não foram observadas as condições previstas no normativo do artigo 129º, nº 1 do CPP, para que o depoimento da testemunha Senhor Vigilante da Natureza, pudesse, na parte em que constitui depoimento indirecto, ser objecto de valoração pelo Tribunal. 15-Nessa parte, não poderá valer como meio de prova válido. 16-Ao valorar, nessa parte, o depoimento dessa testemunha, o Tribunal a quo incorreu na violação do artigo 129º, nº 1 do CPP, tendo sido apreciada e valorada prova não admitida – o qual deveria ter sido interpretado e aplicado no sentido indicado na antecedente conclusão 14. 17-A sentença recorrida padece de vícios decisórios e intrínsecos, que afectam a decisão. 18-Existe vício de contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão, previsto no artigo 410º, n.º 2-b) do CPP. 19-Existe a contradição entre os factos provados indicados, entre si, donde emerge a verificação do vício previsto no artigo 410º, nº 2, al.-b) do CPP, que se invoca e que pugnamos determine a revogação da sentença e absolvição da aqui Recorrente. 20-Omitindo-se na decisão a actividade a que se dedica a Recorrente (e/ou a B...), mas fundamentando-se aquela decisão na actividade das sociedades, verifica-se existir uma incompatibilidade inultrapassável entre os fundamentos e a decisão – o que expressamente se invoca. 21-Ou, assim não se entendendo, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício a que se alude no artigo 410º, n.º, al. a) do CPP e que expressamente se invoca). 22-A matéria de facto dada como provada revela-se (no seu todo) manifestamente insuficiente para fundamentar a decisão de direito e para sustentar a imputação à Recorrente da prática de contraordenação. 23-Verifica-se o vício previsto no artº 410º, nº 2, al.-a) do CPP, aplicável ex vi artigo 41º, n.º 1 do RGCOC: a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. 24-A sentença (tal como sucedeu com a decisão administrativa) dá por provados“factos” genéricos e/ou juízos conclusivos. 25-A matéria de facto é insuficiente para sustentar a imputação à aqui Recorrente de conduta infractora da qual emergiria responsabilidade contraordenacional. 26-Sem que sejam indicados os factos materiais dos quais se poderia retirar a conclusão de que teria sido praticada conduta infractora (o que não se admite) não podem esses factos preencher os tipos objectivo e subjectivo da contraordenação imputada à Recorrente nos autos. 27-Integram factos genéricos e /ou juízos conclusivos, designadamente os factos provados 3 a 5 da sentença recorrida. 28-O elenco dos factos provados é omisso quanto à data e hora em que terão sido presenciados os factos; à identificação completa e apreensível do local onde os mesmos ocorreram e suas características e coordenadas ou elementos de identificação no espaço; aos seus agentes; às actividades ou actos praticados / factos que permitissem concluir pela violação do Plano do Parque Natural, etc.; 29-Do elenco dos factos provados (inexistindo factos não provados indicados), nada resulta que permita suportar imputação à Recorrente da conduta ilícitacontraordenacional em causa nestes autos. 30-Haverá que declarar-se existir insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – vício previsto no artigo 410º, nº 2, al. a) do CPP, que igualmente se invoca e que também deverá determinar a anulação e revogação da decisão recorrida. 31-Tendo em conta os documentos que fazem prova plena dos factos que representam, não impugnados - certidões de registo comercial das sociedades Recorrente e “O B... UNIPESSOAL, LDA.” por existir erro manifesto no texto da decisão quando aí se escreve que “reconduziram a gerência de ambas ora o AA, ora a BB”. 32-Deverá ser declarado o vício de erro notório na apreciação da prova. 33-Face às insuficiências da decisão administrativa, afigura-se-nos que não restaria outra solução ao Tribunal de 1ª Instância que não fosse a de dar como não demonstrada a prática da contraordenação pela arguida. 34-Inexiste prova suficiente e convincente para a condenação da arguida pela prática da contraordenação que lhe vem imputada. 35-Atentas as vicissitudes decisórias apontadas à sentença recorrida, esta não poderia considerar-se suportada de forma suficiente e sem margem para dúvidas, sob pena de violação do princípio in dubio pro reo (artigo 32º, nºs 1 e 10 da CRP) - o que, assim, se verificou, tendo este principio sido violado. 36-A sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por acórdão que, alterando esse sentido decisório da 1ª Instância, determine a absolvição da arguida da prática de contraordenação.”
O Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, sem formular conclusões, concluindo pela improcedência do recurso. “A recorrente alega que a Decisão Administrativa violou o disposto no artigo 48º. nºs 2 e 3 da LQCOA. Ora, sobre este tema não nos vamos alongar muito porquanto, como já foi sobejamente pela Doutrina e Jurisprudência, “Os prazos previstos no art.º 48º, n.ºs 2 e 3 da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais (LQCOA) são indicativos, como decorre, desde logo, claramente da simples leitura do disposto no 41º (nº 2, al. d)) do referido regime, de onde resulta que o excesso do prazo de instrução, no entanto, impõe um termo às medidas cautelares que estejam vigentes no processo”, conforme Decisão que consta do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo n.º 1993/23.5T8VFX.L1-3, de 08.05.2024 (disponível em www.dgsi.pt). Pelo que bem se perceberá que não se trata de qualquer prazo imperativo, conforme também já foi discutido anteriormente, o que não viola qualquer norma constitucional. Invoca, ainda, a recorrente que “na decisão administrativa, inexiste efectiva descrição dos factos imputados à Recorrente, com indicação das provas obtidas e não é cabalmente observado o dever de fundamentação que se lhe impunha”. Também sobre tal entendimento não se colhe qualquer arrimo. Vejamos que “A decisão administrativa não é uma sentença, nem tem que obedecer ao formalismo da sentença penal. É entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contra-ordenação, caracterizada pela celeridade e simplicidade processual, o dever de fundamentação tem uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal, comportando a decisão administrativa um modo sumário de fundamentar, desde que permita ao coimado perceber o que se decidiu e por que razão assim se decidiu. Constando da decisão administrativa que integra os autos, a afirmação de facto de que a arguida não agiu com a diligência necessária para cumprir as suas obrigações legais, e a conclusão de facto de que a Arguida agiu negligentemente; Tendo a arguida, através da impugnação judicial que deduziu, revelado perfeito entendimento dos factos que lhe foram imputados na decisão administrativa e do título a que o foram, fica demonstrado que a fundamentação da decisão foi suficiente para permitir o exercício do direito de defesa e portanto, que a mesma observou as exigências do art. 58º, nº 1 do RGCOC” (sublinhados nossos), in Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 09.01.2019, no processo n.º 257/18.0T8SRT.C1 (disponível em www.dgsi.pt). Invoca, ainda, a recorrente que foi valorado um depoimento indireto, porquanto o Tribunal a quo quando a testemunha mencionou a conversa que teve com o gerente da sociedade arguida. Ora, o gerente da sociedade arguida representa em primeira linha a sociedade e por isso mesmo as suas declarações são prestadas na qualidade de legal representante da arguida, e com as salvaguardas reservadas aos arguidos. Pelo que, o que a testemunha referiu em Tribunal foi o que a ‘voz da arguida’ lhe disse, e não uma qualquer outra pessoa. Aliás, a arguida tem o direito a não prestar declarações e assim sendo, e uma vez que fala através do seu legal representante, nunca poderia este ser chamado a Juízo quando declarou a sua Mandatária que não pretendia prestar declarações. E, na verdade, ainda que se entenda – posição que não sufragamos pelo supra exposto – que o Tribunal a quo não poderia ter escrito e considerado que “igualmente com interesse, o Vigilante da Natureza narrou que, em momento ulterior à fiscalização, em contacto com AA, este lhe assumiu a autoria dos factos e lhe disse que iria repor a situação, o que, porém, não foi feito até à data”, a verdade é que a demais prova é suficiente, bastante e clara para se concluir e se anotarem como provados os factos que constam da Sentença. Pelo que tal factualidade, ainda que se decidisse por não escrita (posição que não sufragamos) seria insuficiente para dar como não provados os factos dados como provados. Por fim, a recorrente invoca que a Sentença padece de todos os demais vícios que conhecerá, nomeadamente, que padece do “vício de contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão”, “vício previsto no artº 410º, nº 2, al.-a) do CPP, aplicável ex vi artigo 41º, n.º 1 do RGCOC”, do “vício de erro notório na apreciação da prova”, e que violou o “princípio in dubio pro reo (artigo 32º, nºs 1 e 10 da CRP)”. Quanto a este alegado apenas no permitimos dizer que basta ler a D. Sentença para se concluir que todos os factos com relevo para a boa decisão da causa aí constam. Ademais, citaremos nesta matéria o sumário do Ac. STJ, de 27-06- 2007, (Henriques Gaspar, no Proc. 2057/07-3.ª Secção), in www.pgdlisboa.pt, “Os vícios do art. 410.°, n.° 2, do CPP não podem, por outro lado, ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inscrito no art. 127.° do CPP. Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.°, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente formada pelo recorrente e que ele próprio alcançou sobre os factos” (sublinhados nossos). Acresce, ainda, que o Tribunal a quo não ficou na dúvida e não tendo ficado, não se percebe por que razão haveria de ‘lançar mão’ do princípio in dubio pro reu. Somos, pois, do entendimento que a D. Sentença recorrida, de um modo articulado elencou os elementos probatórios, fundamentando a sua convicção e decisão, e realizou uma correta e precisa aplicação do Direito à matéria de facto provada, a qual não merece censura, valorando e apreciando corretamente as provas e fundamentando a sua decisão, após a realização de um exame crítico e assertivo da prova produzida, na sua livre convicção, assente na imediação e na oralidade, não se tendo pronunciado sobre a sanção acessória porquanto essa questão não foi levada ao seu Julgamento, de modo direto. Nestes termos e nos melhores de Direito que Doutamente se suprirão, não se deverá dar provimento ao recurso interposto pela arguida/recorrente, mantendo-se integralmente a Douta Decisão recorrida, por tal corresponder, in casu, a um ato conforme à Justiça.”
O Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual afirmou, em síntese, que adere integralmente à resposta oferecia pelo Ministério Público junto do tribunal a quo. Foi observado o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Fundamentação. Delimitação do objeto do recurso. Em consonância com o disposto no artigo 412.º n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamente ao processo contraordenacional ex vi do disposto nos artigos 41º n.º 1 e 74º n.º 4, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12, doravante designado por RGCO, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas questões de conhecimento oficioso, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995. Salienta-se, ainda, que no âmbito do recurso que tenha por objeto decisão da 1ª instância sobre a impugnação judicial de decisão administrativa contraordenacional, o Tribunal da Relação funciona como tribunal de revista só apreciando matéria de direito, artigo 75º. do Regime Geral das Contra-Ordenações. Portanto, está vedada a apreciação de questões relativas à matéria de facto, salvo se se verificar a existência dos vícios previstos nas várias alíneas do nº.2 do artigo 410º. do Código de Processo Penal, caso em que a Relação deles deverá, oficiosamente, conhecer. Assim no caso vertente, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente: - Invalidade da decisão, por incumprimento do artigo 48º. da LQCO; - Inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 48º. da LQCO, na interpretação feita pelo Tribunal recorrido; - Nulidade da decisão administrativa, por violação do disposto no artigo 58º. do Regime Geral das Contraordenações. - Vícios previstos no artigo 410º., nº 2º. do Código de Processo Penal. - Decisão assente em prova nula; - Violação do princípio do “in dubio pro reo”.
A Decisão Recorrida. Recebido o recurso da decisão administrativa foi proferida sentença, que tem o seguinte conteúdo: “ (…) II. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. DE FACTO Com interesse para a apreciação do presente recurso de contraordenação, resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia 22.02.2019, foi levantado pelos Vigilantes da Natureza do Parques Natural das Serras de Aire e Candeeiros, o Auto de Notícia n.º...19..., pelos factos nele constantes, à Recorrente, com registo fotográfico. 2. Por Despacho da Chefe do Departamento de Conservação da Natureza Florestas e Vale do Tejo de 23.05.2019, foi determinado o processamento do presente processo de contraordenação e constituída arguida a Recorrente. 3. No lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., em área de proteção parcial do tipo I, a Recorrente, responsável pelos atos e atividades interditas, pelo Plano de Ordenamento do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, Resolução de Conselho de Ministros n.º57/2010, de 12 de Agosto, procedeu à alteração da topografia do relevo natural, através da abertura de pedreira de laje e aterro/escombreira, ocupando uma área aproximada de 880m2 em terreno baldio administrado pela Junta de Freguesia .... 4. No lugar de ..., em terreno baldio, administrado pela Junta de Freguesia ..., encontrava-se um camião da marca Volvo de cor branca e matrícula RM-..-.., que estava a ser carregado de pedra por uma máquina giratória, que estava a proceder a ao arranque de pedra aquando da fiscalização dos Vigilantes da Natureza. 5. A área em causa está classificada no Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque em causa, aprovado pela Resolução de Conselho de Ministros n.º57/2010 de 12 de Agosto, como área de Proteção Parcial do Tipo I, alterando assim a topografia de relevo natural, através de abertura de pedreira de laje e aterro/escombreira, numa área aproximada de 880m2. 6. A Recorrente tinha o dever, e podia tê-lo feito, de se informar junto das autoridades administrativas competentes sobre se lhe era permitido no local em causa proceder à alteração da topografia do relevo natural mediante abertura de frente de pedreira de laje e aterro/escombreira de aproximadamente 880m2, no local sito em ..., no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, e, não o tendo feito, não agiu com a diligência que se lhe impunha. 7. A Recorrente não teve o cuidado de verificar se a sua conduta era ou não contrária à lei. 8. Não se apurou, nem quantificou o benefício económico que a Recorrente possa ter extraído da conduta supra descrita. 9. A Recorrente não tem antecedentes contraordenacionais ambientais. * O Tribunal não se pronuncia quanto à (demais) matéria alegada, designadamente na Decisão Administrativa e no Recurso de impugnação judicial, porquanto se reconduz a matéria conclusiva, conceitos de direito e/ou de mera repetição e/ou irrelevante diante do objeto dos presentes autos à luz das soluções de direito aplicáveis. * Este Tribunal analisou a prova documental produzida e colhida em sede administrativa, concluindo que a Autoridade Administrativa fez uma análise crítica e ponderada da mesma, em concreto do auto de notícia com que se iniciou o presente procedimento, com inclusão da localização (espacial) em fotografia área dos factos, em ..., em APPI, e de seis fotografias tiradas na data dos factos à atuação da Recorrente, onde é possível visualizar o tipo e a composição do solo em causa, o camião e a máquina que estavam a ser usadas e o tipo de trabalhos que estavam a ser executados, tudo em conformidade com o descrito naquele auto de notícia, a fls.1 a 6 dos autos. Em audiência de discussão e julgamento, tudo quanto foi direta e pessoalmente percecionado e, como tal, descrito naquele auto de notícia foi confirmado e, ainda melhor explicitado por CC, Vigilante da Natureza no Parque em causa desde 1988, de 60 anos de idade, que prestou um depoimento irrepreensível, porque espontâneo, completo, concreto, por apelo à sua experiência e àquilo que, especificamente na data e local em causa, verificou, merecedor, por isso, de toda a credibilidade. O Vigilante da Natureza descreveu os trabalhos que estavam a ser realizados em clara conformidade com o que é possível visualizar nas sobreditas fotografias que tirou e que em nada se assemelham a trabalhos de limpeza, conforme veio a ser referido pelas Testemunhas indicadas pela Recorrentes e também inquiridas nesta sede (de julgamento) – “estavam a arrancar pedra e a carregar o camião”. O Vigilante da Natureza, de forma firme e por mais do que uma vez questionado, disse e reiterou que, uma vez abordados, “os senhores disseram que estavam a trabalhar para (a Recorrente), pelo que levantaram o auto a esta Empresa, pois “não é possível fazer levantamento de solo naquela zona, e não pelo terreno em si, se baldio, se particular, no sentido de ser particular ou não (…) à luz do Plano naquele sítio classificado com TIPO 1, não era possível a realização dos trabalhos observados: um a arrancar pedra e a carregar no camião, como era hábito nesta empresa, carregavam o camião e depois levavam para estaleiro para ir trabalhar a pedra”. Disse que não conhecia os trabalhadores em particular, mas, sem prejuízo, reiterou que, então por si questionados, lhe disseram que trabalhavam para a Recorrente – “confiámos no que lhes disseram”; e, com interesse, acrescentou que “conheciam a máquina e o camião, por serem usados por esta Empresa nos vários locais, incluindo em casos em que foram levantados outros autos, incluindo numa situação posterior em que era o Sr. AA quem estava a operar”. Igualmente com interesse, o Vigilante da Natureza narrou que, em momento ulterior à fiscalização, em contacto com AA, este lhe assumiu a autoria dos factos e lhe disse que iria repor a situação, o que, porém, não foi feito até à data. As Testemunhas indicadas pela Recorrente e que se encontravam, à data, no local, a executar os trabalhos sob apreço, prestaram depoimentos em contradição com o descrito pelo Vigilante da Natureza, quer no auto que elaborou, quer em audiência de julgamento, o que, por si só, é, já, elemento indicador de que não mereceram credibilidade, o que, de resto, também decorre da pouca ou inexistente compatibilidade entre a versão que apresentaram – de que estariam a executar trabalhos de limpeza – e aquilo que é normal acontecer DD, motorista de 42 anos de idade, condutor-manobrador de máquinas, por conta da Empresa C... desde Dezembro de 2022, em data anterior por conta de outra empresa B... e, em momento anterior, por conta da Recorrente onde começou há 25 anos atrás, disse que, à data, trabalhava por conta da B... e que andavam a fazer “limpeza do terreno, (…) limpeza de mato e nivelamento de terreno, (…) por conta da antiga patroa na altura, da B..., (…) sim, havia lá entulho e montes e terra e pedras, que estavam a ser retiradas para fazer o endireitamento do terreno”. Conforme avançado, a versão da limpeza do terreno não encontra qualquer suporte probatório nos autos, nem é compatível com as regras da experiência comum, nem, na verdade, com o tipo de atividade que quer Recorrente, quer a mencionada B... exerciam Este Tribunal não entende que tipo de limpeza poderiam estas Testemunhas andar a fazer, para quê e com que intuito. Ao invés, em conformidade e compatível com a atividade exercida pela Recorrente, com a experiência do Autuante e com as regras da experiência comum, apresenta-se como razoável e probatoriamente suportada – desde logo nas seis fotografias que integram o auto de notícia – a versão veiculada pelo Vigilante da Natureza, explanada no Auto de Notícia, de que estavam a ser executados trabalhos de arranque e carregamento de pedra por conta da Recorrente, e não da mencionada B... Atente-se, neste conspecto: i) no facto desta Testemunha, questionada sobre a localização da sede da B... (por conta de quem disse se encontrar a laborar), ter identificado a sede desta Empresa como aquela que é a sede da própria Recorrente; ii) na confusão com que esta Testemunha se referiu à data em que passou a estar por conta da B...; iii) e, ainda mais importante, na sua afirmação “o patrão foi sempre o mesmo, o senhor AA”, conjugada com a confusão e a ambiguidade que marcou o seu depoimento quando questionado sobre quem era o patrão de uma e de outra Empresa. Também questionável, fazendo emergir dúvidas em torno da verosimilhança do seu depoimento, é a sua negação, do mesmo passo que ausência de memória, quando confrontado com o facto referido pelo Vigilante da Natureza de lhe ter sido questionado sobre por conta de quem se encontravam, ali, a trabalhar e de ter respondido por conta da Recorrente. Atente-se, justamente, no teor da certidão permanente da Recorrente, junta aos autos na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, donde decorre a gerência de AA e o regresso à atividade baseado na homologação de plano de insolvência, registado em 16.05.2019; no cotejo com o teor da certidão permanente da B..., tendo como gerência BB, a qual foi, já, dissolvida e encerrada. Atente-se, ainda, no facto, referido quer por esta Testemunha, quer pela testemunha EE – manobrador de máquinas por conta da atual empresa há quatro anos, tendo-o sido por conta da Empresa Recorrente há 17 anos, de 51 anos de idade –, de utilizar, não obstante já formalmente como trabalhadores da B..., a maquinaria da Recorrente, cimentando a ideia de ser a Recorrente quem, durante todo o tempo, exercia materialmente a atividade em causa, contratava e pagava aos trabalhadores, tendo como gerente de direito e de facto AA, e não BB, que, segundo crê este Tribunal, uma vez analisada toda a prova testemunhal produzida, assumiria um papel meramente administrativo no cotejo com a gerência assumida por AA. Também esta Testemunha, EE oscilou o seu depoimento entre afirmações segundo as quais era a Sr.ª BB quem mandava, porém não sabe quem mandava. Igualmente de forma conveniente, disse não se lembrar de ter sido questionado pelo Vigilante à data sobre por conta de quem estava a executar os trabalhos. Certo é que estas Testemunhas, trabalhadores, em dado momento, quer da Recorrente, quer da B..., não prestaram um depoimento consistente e coerente sobre por conta de quem trabalhavam e quem lhes dava as ordens e era o seu patrão, revelando grande confusão e ambiguidade, eventualmente para proteger a Recorrente e/ou por, de facto, ter havido grande promiscuidade de relações com e entre ambas as Empresas, cujas sedes identificaram como sendo a mesma, assim como os meios de trabalho (maquinaria), já para não falar que reconduziram a gerência de ambas ora a AA, ora a BB, que, de resto, e segundo as Próprias Testemunhas, mantinham e mantiveram, até ao falecimento desta, relação análoga à dos cônjuges. No mesmo sentido – isto é, de que a gerência e, neste âmbito, as ordens, da Recorrente e – na verdade, também da B..., pertencia a AA, ocupando BB uma posição de facto meramente administrativa, prestaram depoimentos FF, economista e administrador judicial de 66 anos de idade – “era a companheira…acho que não era a gerente, (…) acho que era esse senhor, reunimos duas vezes no escritório do senhor, (…) aprovámos um plano (…) nunca foi à pedreira, acho que nunca conheci o gerente…pessoalmente”; e GG, professor universitário e economista de 61 anos de idade, contabilista da Recorrente até 2013, que, igualmente, expressou a sua ideia segundo a qual “o gerente era o Senhor AA e que a Sr.ª BB não era”, e momento do seu depoimento em que se emocionou, por conta do relacionamento que tinha com BB e do seu falecimento. Os demais elementos documentais juntos aos autos, seja pela Recorrente, em sede administrativa, a fls.22-25 dos autos, quer com o seu recurso de impugnação judicial, a fls.106-107 dos autos, seja pela testemunha FF entre a primeira e a segunda sessão da audiência de julgamento, não infirmam o teor e alcance probatório do auto de notícia e do depoimento prestado pelo Vigilante a Natureza tal como supra analisados. Pelo exposto, este Tribunal conclui, de forma segura, no sentido constante da Decisão Administrativa, ou seja, que os trabalhos estavam a ser realizados por conta e ordem da aqui Recorrente, que poderia e deveria ter agido com o cuidado que lhe era devido e possível, evitando a realização de atos que importavam a alteração à topografia do relevo natural naquele local integrado em APPI (Área de proteção Parcial do Tipo I), onde, justamente, tal atividade é interdita. (…)”
Apreciação do mérito do recurso Entende a recorrente que o incumprimento do prazo previsto no artigo 48º. da Lei nº.50/2006, de 29/08, consubstancia uma invalidade, nomeadamente nulidade ou irregularidade processual, que inquina todo o processado e consequentemente implica o arquivamento dos actos e/ou a sua absolvição. Dispõe o artigo 48º. da Lei Quadro das Contraordenações Ambientais, doravante designado por LQCA: “ (…) 2 - O prazo para a instrução é de 180 dias contados a partir da data de distribuição ao respetivo instrutor. 3 - Se a instrução não puder ser concluída no prazo indicado no número anterior, a autoridade administrativa pode, sob proposta fundamentada do instrutor, prorrogar o prazo por um período até 120 dias.” Por seu turno, o artigo 41º. da LQCA, com a epígrafe “Determinação das medidas cautelares” determina: 1 - Quando se revele necessário para a instrução do processo de contraordenação ambiental ou quando estejam em causa a saúde, a segurança das pessoas e bens e o ambiente, a autoridade administrativa pode determinar uma ou mais das seguintes medidas: (…) 2 - A determinação referida no número anterior vigora, consoante os casos: (…) d) Até à ultrapassagem do prazo de instrução estabelecido pelo artigo 48.º” Não restam dúvidas sobre a razão que assiste à recorrente quando afirma que a instrução do processo ultrapassou o prazo previsto neste artigo 48º da LQCA. Tal configura uma invalidade do processo? Entendemos que não. Os artigos 118º. a 123 º. todos do Código de Processo Penal, neste âmbito aplicáveis “ex vi” artigo 41º., do RGCO regulam, em geral, as consequências da inobservância das prescrições estabelecidas por lei (o processo penal está subordinado ao princípio da legalidade) para a prática dos atos processuais geradoras de invalidade. As invalidades são os efeitos dos desvios ao modelo prescrito na lei a que esta faz corresponder uma inutilização mais ou menos extensa dos atos processuais. A lei processual penal cataloga as invalidades em três espécies, (no caso a inexistência não revela para a decisão) a saber: as nulidades insanáveis e as irregularidades. Sob a com a epígrafe “ Princípio da legalidade” determina o artigo 118º. do Código de Processo Penal com a epígrafe “ Princípio da legalidade”: “1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei. 2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular.” Para se declarar a nulidade do ato é necessário que a lei expressamente comine a nulidade, sendo insanável, importa que a lei explicitamente assim o preveja - ( princípio da tipicidade também designado por princípio da legalidade e da taxatividade ou numerus clausus, como estipula o referido artigo 118º n.º 1) -, pois as demais nulidades, são dependentes de arguição, como se extrai dos artigos 119º. e 120º., ambos do Código de processo Penal. Em primeiro lugar há a reparar que, no caso em análise, o decurso do prazo não está sancionado em qualquer disposição legal como nulidade. Em segundo lugar, porque se retira do artigo 41º. (nº. 2, al. d)) do da LQCA, que se trata de um prazo meramente ordenador ou procedimental, na medida em que a ultrapassagem desse prazo só impõe um termo às medidas cautelares que estejam vigentes no processo. O prazo meramente ordenador estabelece um limite temporal para a prática de um ato, ou para a prolação de uma decisão, pelo que o seu eventual incumprimento não extingue o direito de praticar os respetivos atos, nem determina a invalidade do ato ou da decisão, nem a nulidade do processo, sendo apenas suscetível de implicar responsabilidade disciplinar. No que respeita à abrangência da remissão do artigo 41º. (nº 2, al. d)) da LQCA verifica-se que não se limitou simplesmente a remeter para qualquer dos números do artigo 48º., mas para a norma e, como tal, à possibilidade de findo o termo inicial, haver sucessivas prorrogações. O que este artigo 48º. prevê é a excecionalidade daquelas prorrogações, ao afirmar que a prorrogação é fundamentada sempre pela autoridade administrativa. Em suma, não estamos perante prazos perentórios e os atos processuais praticados para além desse prazo são válidos. Entende a recorrente que a interpretação que é feita desta norma, no sentido de se tratar de um prazo indicativo, não está conforme com o preceituado nos artigos 13º. e 20º. nº.4º. da Constituição da República Portuguesa. A verdade é que tratando-se de um prazo meramente ordenador, a sua ultrapassagem com ou sem despacho, fundamentado ou não, não tem implicações relativamente aos direitos deveres e obrigações em questão, com exceção do decurso do prazo prescricional. Não se vislumbra nesta interpretação qualquer violação de princípios ou de preceitos constitucionais, mormente os referidos pela recorrente. Impõe-se dizer que também no domínio do inquérito no processo penal, o qual é de aplicação subsidiária ao processo contraordenacional (artigo 41º, nº 1 do RGCO), se preveem prazos (ordenadores) para a duração do inquérito (artigo 276º do Código Processo Penal), não se cominando, todavia, a sua violação com qualquer efeito extintivo do procedimento criminal. E, assim sendo, é manifesta a improcedência, nesta parte, do recurso. Sob a epígrafe “Decisão condenatória”, preceitua o artigo 58º, nº 1 do RGCO, que a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: (…) b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; ” Por seu lado, o artigo 49º., nº1 da LQCA, impõe a obrigação de, em qualquer tipo de sanção contraordenacional ou administrativa, o arguido ser previamente ouvido de modo a que possa defender-se das imputações que lhe são feitas, implicando que lhe sejam comunicados todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito; A exigência de tais requisitos formais, no que à decisão administrativa condenatória respeita, prendem-se com a necessidade de, em observância do comando previsto no nº 10º. do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, assegurar o exercício efetivo do direito de defesa. O exercício do direito de defesa pressupõe o conhecimento pelo arguido da factualidade relevante, e atento o princípio da culpa, a que integre os elementos objetivos e subjetivos da infração, nº 1 alínea b) do sobredito artigo 58º. Por igual forma, se dirá que, aquando da notificação efetuada ao abrigo do disposto no artigo 50º. do RGCO - foi remetido a arguida o Auto de Notícia n.º...19..., o qual menciona que o dia e hora da ocorrência - 18/02/1019 pelas 15.40 horas – , pelo que, não ficou prejudicado o exercício efetivo do direito de defesa. Outrossim, na decisão está indicado o elemento subjetivo da conduta, ou seja, a inobservância do cuidado a que estava adstrito a recorrente e de que era capaz. Em suma, está descrita, de forma clara e simples, a imputação de uma conduta negligente consubstanciada na alteração da morfologia do solo num local que se situa dentro da área de preservação do mais importante repositório das formações calcárias existente em Portugal e uma das razões subjacente à sua classificação como Parque Natural pelo Decreto-Lei n.º 118/79, de 4 de Maio. Assim sendo, conclui-se que o acervo fáctico permite, como permitiu, o conhecimento da conduta -(ocorrência da vida real)- imputada à recorrente. Acresce que os factos imputados na decisão administrativa ( e ainda na sentença recorrida) não são genéricos e conclusivos, como pugna a recorrente, mas olvidando a indicação dos conceitos que carecem de preenchimento. Pese embora a inclusão de meios de prova na descrição da matéria de facto provada e a remissão para esses meios de prova (ponto 1 dos factos provados -( o que podia e devia, por uma questão de rigor, ter sido expurgado na sentença)- inexiste motivo bastante para a sua alteração ou eliminação. Mais alega a recorrente que a decisão padece de nulidade visto que não indica os meios probatórios que alicerçam a condenação como ainda inexistem meio de prova para fixar factos dados como provados. O objetivo do dever de fundamentação é permitir “a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decisora a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando por isso como meio de autodisciplina”, Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, pág. 294. Em sentido idêntico, vai o entendimento de Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal, Anotado, vol.II, pág.537. Dito de outro modo, a obrigação de fundamentação respeita à possibilidade de controlo da decisão, de forma a impedir a avaliação probatória arbitrária e deve ser conjugada com o sistema de livre apreciação da prova. Assim sendo, a fundamentação da decisão deve obedecer a uma lógica de convencimento que permita a sua compreensão pelos destinatários, mas também ao tribunal de recurso. No que concerne ao dever de fundamentação ou motivação é entendimento pacífico que na fase administrativa do processo de contra-ordenação, atenta a celeridade, simplicidade processual e menor ressonância ética, não se exige uma fundamentação com o rigor que se exige a uma sentença penal, quer porque tal decisão, quando impugnada judicialmente, se converte em acusação. Não faz sentido, portanto, que uma decisão possa adquirir a função de acusação e, simultaneamente, deva obedecer aos requisitos da sentença penal. Neste sentido, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 50/2003, 62/2003, 469/2003 e 492/2003, in www.tribunalconstitucional.pt. Daí que não é exigível uma fundamentação profundamente detalhada de facto a facto, sendo suficiente uma explicação e fundamentação que justifique, segundo regras de entendimento normal da lógica e da experiência, as razões pelas quais as provas obtidas foram ou não relevantes para a aquisição probatória de modo a que o infrator possa saber as razões que levaram à sua condenação. A decisão Administrativa indica as provas obtidas, nomeadamente a testemunha inquirida, o suporte fotográfico e o auto de notícia elaborado pelo vigilante da natureza, que deu conta dos trabalhos de alteração da morfologia do relevo natural, falou com dois trabalhadores que ali levavam a cabo a operação de extração de pedra por conta da recorrente e tomou conta da ocorrência, Note-se que o auto de notícia levantado pelo vigilante da natureza serve de meio de prova das ocorrências verificadas, portanto, faz fé em juízo do estado de coisas presenciado no local e nele narrado pelo agente, a não ser que fundadamente sejam postos em causa. Em boa verdade, a recorrente ao invocar a falta de fundamentação da decisão o que revela é discordância com a avaliação da prova produzida em julgamento e a valoração que a mesma mereceu, por não a aceitar como correta os factos que foram considerados como provados. Acontece, porém, que a discordância quanto aos factos descritos como provados não é fundamento para assacar a nulidade que invoca. Assim sendo, improcede o recurso, neste segmento. Estatui o artigo 410.º do Código de Processo Penal que: “1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova. 3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.” Ocorre o vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito ou seja, quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adotada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objeto do processo, relevante para a decisão, e cujo apuramento conduziria à solução legal, neste sentido Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 9ª Edição, Rei dos Livros, págs. 74 e segs. O vicio da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões antagónicas entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição se estabelece entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão Por seu lado, existe o vicio do erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a quo valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao homem médio, por ser grosseiro, ostensivo, evidente, neste sentido Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 9ª Edição, Rei dos Livros, págs. 80 e segs. e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Editorial Verbo, pág. 341. É pacífico que os vícios decisórios se têm de manifestar no texto da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Tais vícios devem ser conhecidos mesmo nos casos em que os poderes de cognição do tribunal de recurso se restrinjam à matéria de direito, Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro, DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995. Refira-se, desde já, que não existe insuficiência na matéria de facto provada, como defende a recorrente, o que só ocorreria se tribunal não tivesse investigado toda a matéria relevante e acervo fáctico dado como provados não fosse suficiente para justificar a decisão. Afirma a recorrente que sempre seria essencial a identificação na decisão condenatória, da concreta pessoa singular que procedeu à omissão indevida para que a pessoa coletiva seja imputada a conduta ilícita geradora de responsabilidade contraordenacional. Não desconhecendo orientação diversa em que a recorrente se sustenta, porém, perfilhamos o entendimento, cremos ser maioritário, que tal responsabilização, que encontra suporte legal expresso no artigo 7º. do RGCO, não exige a identificação da pessoa física que perpetrou o facto ilícito ou o conjunto de pessoas que para ele contribuiu, na estrita medida em que tal não é elemento necessário para efeitos de responsabilidade da pessoa coletiva, bastando o conhecimento apenas daquelas condutas, a indicação da pessoa singular que praticou o facto correspondente à contraordenação não é relevante, tendo em conta que vigora o principio da responsabilidade autónoma. Neste sentido acórdãos da Relação de Coimbra de 08/05/2024, 08/03/2023, 13/12/23, Relação de Lisboa de 10/04/2018, Daí que as atuações dadas como assentes na decisão a condenatória são condição suficiente da respetiva imputação, enquanto atos próprios, à pessoa coletiva. Alega a recorrente que existe contradição entre os factos provados, visto constar da sentença recorrida que “existiu alteração da topografia do relevo natural, através da abertura de pedreira de laje e aterro/escombreira” e do mesmo passo “ que se estava a proceder ao arranque de pedra aquando da fiscalização dos vigilantes da natureza”. Salvo o devido respeito por opinião contrária, pela nossa parte, francamente, não conseguimos vislumbrar factos provados contraditórios ou incongruentes. Na verdade, não se deteta que o tribunal recorrida tenha dada como provados dois factos que manifestamente não podem estar simultaneamente provados. Entende ainda a recorrente que ocorre contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, tendo em conta que o tribunal a quo na valoração da matéria de facto consignou que “ (…) Conforme avançado, a versão da limpeza do terreno não encontra qualquer suporte probatório nos autos, nem é compatível com as regras da experiência comum, nem, na verdade com o tipo de atividade que quer a Recorrente, quer a mencionada B... exerciam(…)”, porém, a sentença é omissa, nos factos provados, relativamente à atividade a que se dedica a recorrente. Existe esta contradição quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. Não temos dúvida que este vicio - aliás deficientemente formulado, pois funda-se numa alegada colisão entre a fundamentação da decisão com matéria que não consta do elenco dos factos dados como provados ou não provados – não se mostra espelhado na decisão recorrida para que se possa dar razão à recorrente. Sempre se dirá que o tribunal a quo teve em conta o teor da certidão da conservatória do registo comercial, junta aos autos, como é assinalado na motivação da sentença, assim, extrai-se que a convicção sobre a atividade desenvolvida pela arguida decorre da análise dessa certidão. Pese embora alguma falta de precisão evidenciada pela motivação da decisão da matéria de facto, nessa parte da exposição, tal não é suscetível de integrar o vício da contradição entre a fundamentação e a decisão que a recorrente pretende assacar a sentença. Também não se divisa que o tribunal a quo tenha considerado factos provados impossíveis ou ilógicos ou contrários às regras da experiência comum, da lógica ou às regras sobre prova vinculada ou das leges artis quando na decisão se diz que as testemunhas reconduziam a gerência das sociedades ora a AA ora a sua companheira BB, pois que a gerência de direito, inscrito no registo comercial, nem sempre coincide com o exercício da gerência de facto. Impõe-se, assim, a conclusão que esta parte do recurso é de improceder. Sustenta ainda a recorrente que o tribunal se serviu de prova indireta fora das condições previstas na lei e, portanto, nula. Neste enfoque, contesta a validade do depoimento da testemunha, vigilante da natureza, no que concerne ao que este ouviu de AA, gerente da sociedade arguida. Conquanto se trata de questão conexionada com a valoração da prova e a decisão da matéria de facto, fora dos poderes de cognição deste tribunal - (atenta a natureza deste processo está vedado ao Tribunal da Relação conhecer de facto, mas apenas de direito, artigo 75º., nº.1 do RGCO), afigura-se-nos que contém uma dimensão normativa subjacente que deve ser apreciada no âmbito da competência deste Tribunal. Nos termos do artigo 125º. do Código de Processo Penal que são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. Dispõe o artigo 128º., nº. 1, do Código de Processo Penal, que a testemunha é inquirida “sobre factos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto da prova”. O artigo 129º. sob a epigrafe “Depoimento indireto”, preceitua: “1 – Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas. Conhecimento direto dos factos, escreve o Prof. Germano Marques da Silva, é aquele que a testemunha adquire por se ter apercebido imediatamente deles através dos seus próprios sentidos. No testemunho indireto a testemunha refere meios de prova, aquilo de que se apercebeu foi de outros meios de prova relativos aos factos, mas não imediatamente dos próprios factos. Com efeito, consta da fundamentação da sentença que o vigilante da natureza afirmou que “ em momento ulterior à fiscalização, em contacto com AA, este lhe assumiu a autoria dos factos e lhe disse que iria repor a situação, o que, porém, não foi feito até à data.” Sucede, no entanto, que não foi exclusivamente este segmento da prova que ditou a condenação da recorrente como decorre da motivação da sentença. Com efeito, há outros elementos relevantes no depoimento da testemunha, vigilante da natureza, com conhecimento direto da realidade que explicou o que observou no local que está integrado em área de proteção de habitats, a conversa que manteve com os trabalhadores ( chamados a depor na audiência) que levavam a cabo a atividade de extração de pedra. No seu depoimento também explicou que viu no local um veículo pesado de transporte da pedra que sabia ser da propriedade da recorrente. Assim sendo, a sobredita parte do depoimento torna-se irrelevante no caso concreto, dado que existe prova suficiente e sustentada que esclareceu e convenceu o Tribunal a quo, permitindo dar como provados os factos. Suscita igualmente o recorrente a questão da violação do princípio in dubio pro reo. O princípio in dubio pro reo é considerado pela doutrina largamente maioritária um princípio estritamente atinente ao direito probatório, como tal relevante em fase de apreciação da matéria de facto, competindo ao julgador, em caso de dúvida sobre a verificação de determinado facto, decidir a favor do arguido. Trata-se de situação diversa daquela em que, apesar de o arguido entender que determinado facto é duvidoso, para o julgador, em face da prova existente e com a qual fundamentou a sua convicção, inexiste qualquer dúvida sobre a existência desse facto. Como já dissemos, em sede de contra-ordenações a segunda instância, por regra, tem os seus poderes de cognição limitados à matéria de direito, estando excluída a sua intervenção em sede de decisão sobre a matéria de facto, embora sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios decisórios ao nível da matéria de facto previstos nas várias alíneas do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, desde que resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. A apreciação da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio Ora, da leitura de fundamentação da decisão não se evidencia que pelo espírito do julgador tivesse perpassado qualquer dúvida relativamente à matéria de facto que deu como assente, como se mostra exposto de modo lógico e coerente, e foi explicado pelo tribunal a quo. Concluindo, não há qualquer fundamento válido para a recorrente sustentar a alegada violação do princípio in dubio pro reo. Desta forma, improcede o recurso.
Decisão
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