Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
| Descritores: | PROCESSO DE INSOLVÊNCIA SENTENÇA DE GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS TÍTULO EXECUTIVO EXECUÇÕES SINGULARES TRIBUNAL COMPETENTE JUÍZOS DE EXECUÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 04/29/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 233.º, N.º 1, AL.ª C), DO CIRE, 128.º, N.º 1, AL.ª A), E N.º 3, 129.º, N.ºS 1 E 2, DA LOSJ, E 703.º, N.º 1, AL.ª C), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
| Sumário: | I – A sentença de verificação e graduação de créditos e a sentença de homologação de um plano de recuperação destinam-se, a dentro do processo de insolvência, dar satisfação aos créditos verificados, não sendo suscetíveis de ser executadas, enquanto tal, fora do âmbito do processo de insolvência.
II – Quando se socorre da sentença de verificação de créditos como título executivo, ao abrigo do disposto no artigo 233º, nº1, al. c) do CIRE, o credor não está a executar a sentença de verificação e graduação de créditos: esta já foi executada no processo de insolvência mediante a liquidação do património do devedor e o rateio do respetivo produto pelos credores. III – A sentença de reclamação de créditos só constitui título executivo fora do processo de insolvência, no âmbito de uma execução comum singular, por tal força lhe ter sido expressamente atribuída pelo artigo 233º, nº1, al. c), do CIRE e dentro dos condicionalismos aí previstos, assumindo a natureza de documento a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (artigo 703º, nº1, al. c), CPC). IV – A competência material para as execuções (singulares) que tenham por título executivo a sentença de verificação de créditos proferida no âmbito de processo de insolvência, uma vez este encerrado (artigo 233º, nº1. Al. c), do CIRE), pertence, não ao tribunal de comércio, mas aos juízos de execução. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: |
Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Chandra Garcias 2º Adjunto: José Avelino Gonçalves
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO A... Dac, veio, no Processo de Insolvência n.º 610/14...., que correu termos no Juízo de Comércio de Coimbra, instaurar “Execução de sentença nos próprios autos” contra o aí declarado insolvente AA, Pedindo: o pagamento coercivo da quantia de € 85.392,17, bem como de juros de mora vincendos calculados a partir de 10/07/2024 à taxa de 4,81%, em relação ao mútuo com hipoteca n.º ...43, e à taxa legal de 4,00%, quanto ao crédito pessoal e ao descoberto de conta bancária, até efetivo e integral pagamento da dívida exequenda, bem como o pagamento do montante liquidado pela Exequente a título de taxa de justiça no valor de €51,00, apresentando como título executivo a sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso A. O Juiz a quo, considerando que a competência para a tramitação de execução que tenha como título executivo o previsto no artigo 233º, nº1, al. c), do CIRE, cabe aos juízos de execução, proferiu Despacho a julgar verificada a exceção da incompetência material deste Juízo de Comércio, indeferindo liminarmente a presente ação executiva. * Inconformada com tal decisão, a Exequente dela interpôs recurso de Apelação, sintetizando os respetivos fundamentos nas seguintes conclusões: (…). * Citado o executado, para os termos do recurso e da causa, nada veio dizer. Dispensados os vistos legais nos termos previstos no nº 4, in fine, do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSOTendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só: 1. Se o tribunal do comércio é competente para a execução para pagamento de quantia certa, tendo por base o título executivo a que se refere o artigo a al. c), do nº1 do 233º do CIRE III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O tribunal a quo (citando a posição assumida pela aqui relatora, em voto de vencido proferido no âmbito do processo nº 277/23.3T8ACB.C1[1]), considerou que, tendo a presente execução por título executivo a sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos insolvenciais, não integra uma “execução de sentença”, encontrando-se fora do âmbito de aplicação do artigo 128º, nº3, da LOSJ, rejeitando a competência do tribunal de comércio, competência que atribui aos juízos de execução de Soure. Insurge-se a Apelante contra o decidido, invocando a posição, que reconhecemos ser maioritária na nossa jurisprudência, de que, desde que a decisão tenha sido proferida por um juízo de comércio – ressalvado o regime das execuções por custas – a competência para a sua execução cabe aos juízos de comércio, nos termos dos artigos 128º, nº1, al. a) e nº3, e 129º, ns. 1 e 2, da LOSJ. Segundo tal posição, o artigo 128º do LOSJ, delimitando o âmbito de competência dos juízos de comércio – onde se inserem os processos de insolvência – determina no nº3 que essa competência “… abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões”., daí retirando que os juízos de comércio serão os competentes para as execuções que tenham como titulo executivo decisões proferidas no âmbito dos processos de insolvência, respetivos incidentes e apensos. Embora reconhecendo que que possa causar “alguma perplexidade que os juízos do comércio, mais vocacionados para outras matérias, funcionem na prática, como juízos de execução, para, após o encerramento do processo de insolvência, tramitar as diversas execuções que venham a ser instauradas individualmente por cada um dos credores que viu o seu crédito reconhecido na sentença de verificação de créditos e que, eventualmente, nem sequer disponha de qualquer outro titulo executivo. Mas a verdade é que terá sido essa efetivamente a intenção do legislador quando determinou – sem qualquer restrição – que os juízos do comércio são competentes para execução das suas decisões e, designadamente porque nada se disse em contrário – para as execuções que sejam instauradas com fundamento na sentença de verificação de créditos ou na decisão proferida em ação de verificação ulterior às quais se atribui expressamente força executiva (cfr., nº1, alínea c), do art. 233º do CIRE), não se vislumbrando razão válida para interpretar de forma restritiva o nº3 do citado artigo 128º e para reduzir o seu âmbito de aplicação (…)”[2]. Não questionamos a competência atribuída pelo artigo 128º, nº1, al. a) da Lei de Organização do Sistema Judiciário LOSJ, aos juízos de comércio, para preparar e julgar: “Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização”, competência que o nº3 estende aos respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.” Assim como, temos presente o disposto no artigo 85º do Código de Processo Civil, segundo o qual, “a execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos (...)”. A exequibilidade do título em questão decorre do disposto no artigo 233º, nº1. al. c) do CIRE, nos termos do qual, encerrado o processo de insolvência, “c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do nº1do artigo 242º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em ação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência”. No nosso entendimento, a situação em apreço não é de enquadrar no artigo 128º, nº1, al. a) e nº3, da LOSJ, face à natureza do título executivo em questão – não nos encontramos perante uma execução de sentença (condenatória)[3] [artigo 703º, nº1, al a), do Código de Processo Civil], mas de um título cuja força executiva resulta de disposição especial da lei [artigo 703º-1-d), CPC]. Os títulos executivos previstos na al. d.) do nº1, do artigo 703º, CPC, “resultam de opções legislativas pautadas pelo intuito de acautelar diferentes tipos de interesses, dispensando o uso da via declarativa para obter o reconhecimento de determinados créditos e facultando o imediato acesso à via executiva”. Nesta categoria se inserem, entre outros, o requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória (DL 269/98, de 1-09), as atas lavradas e assembleias de condóminos (DL 268/94, de 25-10), títulos de tributos, coimas, reembolsos ou reposições e outras receitas do Estado (arts. 148º e 162º do CPPT), nota discriminativa de honorários e despesas de agente de execução (art. 721º, nº5 do CPC). A sentença de verificação e graduação de créditos no processo de insolvência – contendo um acertamento, positivo ou negativo, quanto à existência, montante e natureza do crédito e eventual garantia – não prevê a condenação do devedor, pois o seu simples reconhecimento é suficiente para que o credor seja admitido ao concurso, atribuindo-lhe a direito a ver satisfeito o seu crédito no processo de insolvência (seja pela via do pagamento ou da homologação de um plano de recuperação). Nas palavas de Catarina Serra, a sentença de verificação de créditos, tem natureza declarativa – de declaração ou certificação de direitos –, desempenhando a função de título executivo certificativo que habilita os credores a aceder à fase de pagamento, autorizando-os a participar no rateio sobre os bens do devedor[4]. A sentença que verifica e gradua o respetivo crédito atribui a cada um dos credores o direito de ver o seu crédito satisfeito no processo de insolvência (sendo insuficiente a anterior disponibilidade de um título executivo de que disponha). A verificação da pretensão dos credores não é um fim em si mesmo, mas apenas um instrumento para a realização do propósito de satisfação dos credores. “Constituindo todo o processo de insolvência uma sequência destinada ao fim último da realização (na medida do possível) dos direitos dos credores, a função executiva sobrepõe-se à função declarativa da fase inicial do processo, conferindo a todo ele uma indubitável natureza executiva”[5] (execução coletiva e universal – artigo 1º do CIRE). Como sustentava Miguel Teixeira de Sousa[6] no âmbito do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresas e Falência (CPEREF), o objeto do processo de verificação de créditos não é o crédito como direito à prestação, mas sim esse mesmo crédito considerado como direito à execução do património do falido e à distribuição do produto da sua liquidação. Assentando nessa base e na diferença económica entre o direito à execução (que é o único que se encontra verificado) e o direito à prestação, tal autor negava eficácia extra falimentar à decisão sobre a verificação de um crédito reclamado. Na eventualidade de o tribunal reconhecer um crédito reclamado e julgá-lo como verificado, “a diferença económica entre o direito à execução (que é o único que se encontra verificado) e o direito à prestação justifica que aquele reconhecimento não possa ter qualquer eficácia extra falimentar. Dessa verificação do direito à execução não pode resultar uma vinculação das partes quanto ao correspondente direito à prestação. As partes de um processo não podem ficar vinculadas à decisão proferida noutro processo quando os interesses económicos que estavam em causa neste ultimo eram substancialmente menos importantes do que aqueles sobre os quais elas litigam agora no processo pendente[7]”. Quanto à sentença de homologação do plano de recuperação, se, com a sua prolação, se produzem de imediato alterações dos créditos sobre a insolvência (art. 217º, nº5 do CIRE), em caso de incumprimento do plano, e salvo previsão neste em contrário, a moratória e o perdão concedidos aos créditos reconhecidos na sentença de verificação de créditos, ficam sem efeito, ocorrendo como que uma repristinação dos créditos originais (nº1 do art. 218º CIRE)[8]. “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores – artigo 1º do CIRE. A sentença de verificação e graduação de créditos e a sentença de homologação de um plano de recuperação destinam-se, a dentro do processo de insolvência, dar satisfação aos créditos verificados, não sendo suscetíveis de ser executadas, enquanto tal, fora do âmbito do processo de insolvência[9]. Daí que, no atual CIRE, o legislador, para acautelar os créditos que não venham aí a ser satisfeitos, total ou parcialmente, e a fim de dispensar os credores da instauração de novos procedimentos declarativos para a verificação dos seus créditos, sentiu a necessidade de atribuir à sentença de verificação e a sentença homologatória do plano de pagamentos [artigo 233º, nº1, al. c), CIRE], força de “título executivo”: A atribuição de efeitos (fora do processo de insolvência) à sentença verificação de créditos destina-se a, uma vez encerrado o processo de insolvência, facultar aos créditos não satisfeitos no processo de insolvência um meio expedito de realizarem os seus direitos. Encerrado o processo de insolvência e satisfeitos os credores pelo produto dos bens apreendidos para a massa, podem os credores fazer valer os seus direitos não satisfeitos, mas em sede própria, e não no âmbito de um processo de natureza especial, de execução universal, que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido por todos os credores (e não por um concreto exequente), como consagrado no artigo 1.º do CIRE. Ao utilizar tal “sentença” como título executivo ao abrigo do artigo 233º, nº1, al. c), do CIRE, o credor não está a executar a sentença de verificação e graduação de créditos: esta já se encontra executada: os credores nela reconhecidos foram habilitados a concurso, e foram já pagos pelo produto dos bens apreendidos para a massa[10]. A sentença de reclamação de créditos só constitui título executivo fora do processo de insolvência, no âmbito de uma execução comum singular, por tal força lhe ter sido expressamente atribuída pelo artigo 233º, nº1, al. c), do CIRE e dentro dos condicionalismos aí previstos, podendo a oposição que contra ela venha a ser deduzida, ter por fundamento, para além dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, quaisquer outros que possam ser alegados no processo de declaração (artigo 731º, do CPC). A favor da posição aqui assumida, encontrámos o voto de vencido de Fátima Reis Silva, proferido no âmbito do Acórdão do TRL de 16 de junho de 2020[11], do qual destacamos os seguintes argumentos: - o processo de insolvência é um processo especial de natureza mista, declarativa e executiva; - o juízo de comércio pode executar títulos executivos gerados em processo de insolvência e seus apensos, mas apenas nos termos previstos no CIRE e não em execuções singulares sequenciais, por apenso a um processo encerrado; - o artigo 233º, nº1, al. c) do CIRE tem como conteúdo não conferir à sentença de verificação de créditos o carater de título executivo, de que dispõe nos termos do disposto no artigo 703º, nº1, al. a) do CPC; - as funções de tal norma são: i) declarar que após o encerramento do processo cessa a limitação prevista no art. 90º do CIRE (“Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente código, durante a pendencia do processo de insolvência); e ii) condicionar a sentença de verificação ou de verificação ulterior de créditos aplano de insolvência que tenha sido homologado e que a altere. - encerrado o processo de insolvência, quanto aos montantes não satisfeitos, eles estão em situação de igualdade com outros credores do devedor cujos créditos não estejam abrangidos pela insolvência (o devedor prossegue, após o encerramento, a sua vida, participando no tráfico jurídico com normalidade, contraindo novos créditos ou débitos) e que tenham obtido um titulo executivo; - não se vê qualquer razão para, concedendo a competência para execuções singulares sequenciais ao encerramento do processo de insolvência aos juízos do comércio, necessariamente por apenso (não previsto no CIRE) dar a estes credores o verdadeiro privilégio de uma execução urgente (nos termos do disposto no art. 9º, nº1); - a razão de ser da especialização da jurisdição de comércio e a sua expansão igualmente não aconselham esta leitura mais ampla do nº3 do artigo 18º da LOSJ. A instauração da presente execução, tendo por título executivo (entre outros) uma certidão da sentença de verificação e graduação de créditos proferida neste processo de insolvência, natureza que lhe é reconhecida pelo art. 233º, nº1, al. c) do CIRE (natureza atribuída pelo legislador a diferentes títulos, inclusivamente extrajudiciais), não integra uma “execução de sentença”, caindo fora do âmbito de aplicação do artigo 128º, nº3, da LOSJ. Como tal, é de confirmar a decisão recorrida que negou a competência aos Juízos de Comércio de Coimbra para a tramitação da presente execução, competência que atribuiu os Juízos de Execução, ao abrigo do disposto no artigo 129º da LOSJ. A Apelação é, assim, de improceder. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a suportar pela Apelante. Coimbra, 29 de abril de 2025
Voto de Vencido: Revogaria a decisão da 1.ª instância, que considerou que a competência para a tramitação de execução que tenha como título executivo o previsto no artigo 233º, nº1, al. c), do CIRE, cabe aos juízos de execução, por entender que os tribunais/secções de comércio são os competentes para executar as suas próprias decisões, pelo que são os competentes para a execução instaurada a partir do título executivo formado, no processo de insolvência, pela conjugação da sentença homologatória do plano de pagamentos com a sentença de verificação de créditos. Bebendo os argumentos da decisão singular, proferida pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 8.8.2024 (conflito de competência), pesquisável em www.dgsi.pt: “Considerando que se visa executar decisão proferida pelo Juízo de Comércio – que constitui titulo executivo – e na qual se funda o crédito exequendo, não se encontram verificados os pressupostos de consideração da competência do juízo de execução – porque afastados por via do n.º 2 do artigo 129.º da LOSJ – e, consequentemente, mostra-se igualmente arredada a aplicação do n.º 2 do artigo 85.º do CPC. Assim, considerando a aplicação do n.º 1 do artigo 85.º do CPC e a circunstância de estar em causa a execução de sentença de verificação e graduação de créditos, referente a ação que correu termos no Juízo de Comércio de Sintra – Juiz 1, a execução da sentença deverá correr nos próprios autos da ação preexistente, nos termos dos artigos 85.º, n.º 1 e 626º do Código de Processo Civil. Ou seja: A execução fundada na sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos do disposto no artigo 233.º, n.º 1, al. c) do CIRE correrá no próprio processo onde foi proferida – artigo 85º, nº 1, do CPC.
O objetivo estabelecido pelo legislador, efetivamente, foi o de que a sentença seja executada no próprio processo, por forma a vincar a continuidade entre a ação declarativa e a execução e a importância do caso julgado. No caso em apreço, pretende-se executar uma sentença prolatada pelo Juízo de Comércio de Sintra – Juiz “X”. Atento o que já ficou escrito, o requerimento executivo deveria, então, ter sido apresentado em tal processo. Assim, conforme se concluiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-06-2023 (Processo: 2232/14.5T8LSB.L1-2, Relator: ARLINDO CRUA): “Estando-se perante decisão executável, proferida pelos tribunais portugueses, o princípio geral decorrente do nº. 1, do art.º 85º, do Cód. de Processo Civil, impõe que o requerimento executivo inicial seja apresentado no processo (declarativo) em que aquela foi prolatada, correndo a execução nos próprios autos declarativos, ainda que tramitada de forma autónoma”. Em conformidade com este entendimento e relativamente a execução de sentença apresentada com base em certidão de sentença junto do juízo de execução, subscreve-se o entendimento formulado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-06-2018 (Pº 13487/17.3T8LSB.L1-8, rel. OCTÁVIA VIEGAS), de que, “[b]aseando-se a execução em sentença de homologação de pagamento proferida em processo judicial é nesse processo que deve ser apresentado o requerimento executivo (art.º 85, nº1, do CPC. Sendo apresentado requerimento executivo nos juízos de execução acompanhado de certidão da decisão, há lugar à sua rejeição”. No mesmo sentido, tem alinhado a seguinte jurisprudência (elencada por ordem cronológica decrescente) dos nossos tribunais superiores: - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2024 (Pº 277/23.3T8ACB.C1, rel. MARIA CATARINA GONÇALVES): “I – Desde que a decisão exequenda tenha sido proferida por um juízo de comércio – ressalvado o regime especial das execuções por custas –, a competência para a executar cabe ao tribunal que a proferiu, independentemente do estado em que se encontre o processo em que a mesma foi proferida. II – São os juízos do comércio os materialmente competentes para a execução das suas próprias decisões, e não os juízos de execução, mesmo que o processo de insolvência esteja já encerrado, sendo o título executivo a sentença de verificação de créditos”; - Decisão da Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 25-03-2024 (Pº 203/24.2T8ENT.E1, rel. ALBERTINA PEDROSO): “(…) II - Da conjugação do disposto nos artigos 128.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3, e 129.º, n.ºs 1 e 2, da LOSJ, decorre que são os Juízos do Comércio os materialmente competentes para a execução das suas próprias decisões, e não os Juízos de Execução. III – O facto de o processo de insolvência estar encerrado não afasta a manutenção da competência dos Juízos de Comércio, quando o título executivo seja a sentença de verificação de créditos, atento o disposto no artigo 233.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4, do CIRE. IV – Com efeito, se o processo de verificação de créditos se mantém dependente do processo de insolvência, também a sua execução será por apenso a este, já que o artigo 129.º, n.º 2 exclui da competência dos juízos de execução os processos atribuídos aos juízos de comércio, prevalecendo a competência por conexão que o artigo 128.º, n.º 3, da LOSJ consagra”; - Decisão do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 30-11-2023 (Pº 300/21.6T8STR.E1, rel. JOSÉ LÚCIO): “O Juízo do Comércio é competente para a execução das suas decisões”; - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-03-2022 (Pº 3630/21.3T8VLG.P1, rel. CARLOS GIL): “Desde que a decisão exequenda tenha sido proferida por um juízo de comércio e ressalvado o regime especial das execuções por custas decorrente das alterações introduzidas pela Lei nº 27/2019, de 28 de março, por força da conjugação do nº 3 do artigo 128º e do nº 2 do artigo 129º, ambos da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a competência para executar essa decisão cabe ao tribunal que a proferiu, independentemente do estado em que se ache o processo em que a mesma foi proferida”; e - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (Pº 755/14.5T8STB.1.E1, rel. MATA RIBEIRO): “Em face do disposto no art.º 128º da LOSJ são Juízos de Comércio, e não os Juízos de Execução, os materialmente competentes para executarem as decisões proferidas no âmbito das ações que neles correram termos”. Assim, a execução fundada em sentença de verificação e graduação de créditos proferida no processo de insolvência é da competência do juízo onde tal decisão foi proferida, em conformidade com o disposto no artigo 85.º, n.º 1, do CPC, pelo que, no caso, tendo a respetiva sentença sido proferida pelo Juízo de Comércio de Sintra – Juiz “X”, aí correrá termos a respetiva execução, em conformidade com o que resulta da conjugação do disposto no referido preceito, com o disposto nos artigos 80.º, 81.º, 128.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 e 129.º (a contrario sensu) da LOSJ, ponderando ainda o disposto no artigo 88.º do ROFTJ”. Na alegação da Apelante: O) Ademais, considera a Recorrente que, neste caso concreto, o facto de o processo de insolvência estar encerrado não tem relevância para a determinação da competência; P) Até porque, determina o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), no seu artigo 233.º os efeitos do encerramento do processo de insolvência, sendo que, nos termos da alínea c) do nº 1, resulta que encerrado o processo “os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor (…), constituindo para o efeito título executivo (…) a sentença de verificação de créditos (…)”; Q) Acresce que, se dúvidas houvesse sobre o facto de esse exercício dos direitos ser in casu por dependência do processo de insolvência, bastaria atentar ao n.º 4 do mesmo preceito legal, que excetua da desapensação daquele processo, e consequente remessa aos tribunais competentes, precisamente os processos de verificação de créditos; R) Ora, se o processo de verificação de créditos se mantém dependente do processo de insolvência, também a sua execução será dependente deste, já que o artigo 129.º, n.º 2 exclui da competência dos juízos de execução, os processos atribuídos aos juízos de comércio, prevalecendo assim a competência, por conexão, que o artigo 128.º, n.º 3 da LOSJ consagra; S) Em reforço da posição assumida pela ora Recorrente, também não é aplicável, ao caso concreto, o disposto no art. 85.º, n.º 2 do CPC, atendendo a que este normativo pressupõe que, nos termos da Lei da Organização Judiciária, seja competente para a execução de sentença a secção especializada de execução, a qual, neste caso concreto, não é, atendendo à expressa atribuição de competência, por conexão, aos juízos de comércio, para execução das suas decisões; T) De acordo com a melhor interpretação dos preceitos legais em apreço e das regras de competência dos Tribunais Judiciais, tem de se concluir que são os Juízos do Comércio os materialmente competentes para a execução das suas próprias decisões; U) Até porque, o facto de o processo de insolvência estar encerrado não afasta a manutenção da competência dos Juízos de Comércio, quando o título executivo seja a sentença de verificação de créditos, atento o disposto no artigo 233.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4 do CIRE; V) Ora, este entendimento que a ora Recorrente adere e defende foi também sufragado pelos doutos Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora de 14/09/2017, 30/11/2023 e 25/03/2024 nos processos n.º 755/14.5T8STB.1.E1, 300/21.6T8STR.E1, 203/24.2T8ENT.E, respetivamente, bem como no Acórdão proferido no âmbito do processo nº 3630/21.3T8VLG.P1, datado de 21/03/2022, do Tribunal da Relação do Porto e no Acórdão proferido a 06/04/2024 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo nº 277/23.3T8ACB.C1, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt;
W) Veja-se ainda, igualmente, o doutamente decidido acerca desta questão no âmbito do mencionado Acórdão proferido a 06/04/2024 pelo Tribunal da Relação de Coimbra processo nº 277/23.3T8ACB.C1 onde se ressalva que, “(…) Desde que a decisão exequenda tenha sido proferida por um juízo de comércio – ressalvado o regime especial das execuções por custas – a competência para a executar cabe ao tribunal que a proferiu, independentemente do estado em que se encontre o processo em que a mesma foi proferida”; X) Ainda no mesmo Acórdão poderá ler-se que “São os juízos do comércio os materialmente competentes para a execução das suas próprias decisões, e não os juízos de execução, mesmo que o processo de insolvência esteja já encerrado, sendo o título executivo a sentença de verificação de créditos”; Y) Por todo o exposto, e de acordo com os preceitos legais supra mencionados, tendo em conta que a presente execução se fundamenta numa decisão proferida no âmbito de um processo de insolvência (sendo que o título executivo invocado corresponde à sentença de verificação de créditos), apenas poderá ser julgado competente, em razão da matéria, para tramitar e julgar estes autos, o Juízo de Comércio de Coimbra - Juiz 3, Juízo onde foi instaurada a presente execução e onde os autos deverão correr os seus trâmites; Como se escreveu no Acórdão do STJ de 17.10.24, acessível em www.dgsi.pt : (…) Temos pois – nisto não há qualquer discussão – que a execução se funda no disposto no art. 233.º/1/c) do CIRE, segundo o qual “os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos (…).” Significa isto que o título executivo “dado” à execução é constituído/composto pela sentença homologatória do plano de pagamentos e pela sentença de verificação de créditos, porém, por ser composto, não significa que seja, como a exequente refere no final do seu requerimento executivo, da espécie referida no art. 703.º/1/d) do CPC. Há, é certo, uma disposição a dizer que a conjugação da sentença homologatória do plano de pagamentos com a sentença de verificação de créditos constitui título executivo, mas tal é dito para dissipar dúvidas sobre a executoriedade do que conjugadamente resulta de decisões judiciais que reconhecem créditos e estabelecem o modo como devem ser pagos (que é o que a sentença de verificação de créditos e a sentença homologatória do plano respetiva e conjugadamente reconhecem e estabelecem), isto é, a situação prevista no art. 233.º/1/c) do CIRE não é comparável à de um título executivo de formação processual (de que são exemplos os arts. 650.º/4, 721.º/5, 776.º/4, 777.º/3, 792.º73 ou 944.º/5, todos do CPC), nem às situações previstas em lei especial (como é o caso das atas das reuniões de condóminos ou do art. 14.º-A do NRAU). Enfim – é onde se pretende chegar – o que está sob execução são sentenças, cujo conteúdo condenatório resulta conjugadamente das duas sentenças: a sentença de verificação de créditos declara/certifica direitos (e, no processo de insolvência, habilitava os credores a aceder à fase do pagamento), sendo que a sentença homologatória do plano, ao homologar o plano, representa a condenação do devedor-insolvente a cumpri-lo nos exatos termos aprovados. Estamos, pois, perante a espécie de título executivo prevista no art. 703.º/1 do CPC (sentença condenatória), não podendo assim ser ultrapassada a regra, em termos de competência, decorrente dos arts. 129.º/2 e 128.º/3 da LOSJ, ou seja, a regra que diz que os tribunais/secções de comércio são os competentes para executar as suas próprias decisões. (…) É o caso: trata-se de uma decisão do tribunal/secção de comércio2 e, por conseguinte, cabe-lhe a competência exclusiva própria para a sua execução. Não se podendo dizer – convocando para a interpretação do art. 128.º/3 da LOSJ o argumento teleológico e racional – que o legislador não pode ter pretendido transformar os tribunais de comércio em juízos de execução destinados a executar créditos individuais, na medida em que o legislador, como se acabou de referir, não atribuiu idêntica competência apenas em relação aos tribunais/seções de comércio, antes a atribuindo – para a execução das decisões próprias – a outros e diversos tribunais e secções de tribunais. Em matéria de competência para as execuções, podemos dizer que a LOSJ estabelece, como regra, que a competência pertence à secção especializada de execução, regra essa que cede, quanto aos tribunais referidos no art. 129.º/2 da LOSJ, em relação à execução das decisões próprias de tais tribunais. É quanto basta para considerar, como decidiram as Instâncias, o Juízo de Comércio o competente para a execução instaurada (…). Revogava, pois, a decisão objecto deste recurso. (José Avelino Gonçalves)
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