Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
971/20.0T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: TRANSMISSÃO DA POSIÇÃO DE EMPREGADOR
UNIDADE ECONÓMICA
ATIVIDADES DE SEGURANÇA DE INSTALAÇÕES
Data do Acordão: 10/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 285.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – O artigo 285º, nº 1, do Código do Trabalho predispõe vários requisitos: (1) deve haver uma transmissão, a qualquer título; (2) relativa a uma empresa ou estabelecimento; (3) ou parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica; (4) havendo contratos de trabalho a eles relativos.
II – Em atividades essencialmente assentes na mão de obra, como certas atividades de segurança de instalações, um conjunto organizado de trabalhadores especial e duradouramente afetos a uma tarefa comum pode, mesmo na ausência de outros fatores de produção, ser uma unidade económica, que se transmite quando o novo prestador de serviços decide manter a maioria ou o essencial dos efetivos do anterior.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Tribunal Judicial de Viseu

Tribunal de Trabalho de Viseu- Juiz 1

971/20.0T8VIS.C1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

1º- AA

2º- BB, e

3º- CC;

instauraram, cada um separadamente, ação com processo comum, que vieram a ser apensadas, contra:

A..., S.A, pedindo todos que se declare a ilicitude do despedimento efetuado pela ré e consequentemente esta condenada a pagar a cada um dos autores:

a) As retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento, deduzidas as importâncias a que se refere o nº 2 do art.º 390º do Código do trabalho;

b) A indemnização em substituição da reintegração, a fixar pelo valor mínimo, sendo de €2.187,33 relativamente aos autores AA e BB e de €1.367,07 relativamente ao autor CC.

Alegaram, em síntese:

-Celebraram contrato de trabalho com a empresa B.... S.A para exercerem as funções de vigilantes, em estabelecimentos do grupo C... em ...;

-Tendo a autora AA sido admitida ao serviço de tal empresa em 22-03-2019, auferindo por último a remuneração mensal de €729,11 acrescida de subsídio de férias e de Natal de igual montante cada e subsídio de alimentação de €5,00/dia e outras remunerações variáveis;

-O autor BB foi admitido ao serviço daquela empresa em 25-05-2017, auferindo por último a remuneração mensal de €729,11 acrescida de subsídio de férias e de Natal de igual montante cada e subsídio de alimentação de €6,06/ dia e outras remunerações variáveis;

-O autor CC foi admitido para a mesma empresa em 16-04-2019, auferindo por último a remuneração mensal de €455,69 acrescida de subsídio de férias e de Natal de igual montante cada e subsídio de alimentação de €6,06/ dia e outras remunerações variáveis;

-Os serviços de vigilância que a “B...” prestava para o grupo C..., em particular no “D...”, foram concessionados à ora ré, com efeito a partir do dia 01-01-2020 em consequência do que, por força da transmissão de estabelecimento operada, os autores passaram a partir daquela data a estar ao serviço da ré, sob a sua autoridade, direção e fiscalização e na sua dependência económica, mantendo todos os direitos anteriores;

-No dia 02-01-2020, quando se apresentaram no dito estabelecimento “D...” para iniciar a jornada de trabalho, foram os autores impedidos de o fazer por responsável da ré, DD, sob alegação de que não pertenciam aos quadros da empresa e não havia “vaga naquele posto de trabalho”, situação que se repetiu, nos dias seguintes, e que configura um despedimento, o qual é ilícito por não ter justa causa, nem ter sido precedido de processo disciplinar, ilicitude que deve ser declarada com as legais consequências.

Em cada uma das ações apensas foi realizada a audiência de partes, tendo sido frustrada a tentativa de conciliação.

A ré apresentou contestação em cada uma das ações.

Cada um dos autores veio, na respetiva ação, requerer ainda a intervenção principal provocada da sociedade B..., S.A, pretendendo deduzir contra a mesma, em modo subsidiário, os pedidos que formularam na petição inicial, para o caso de se vir a concluir que não ocorreu a transmissão do estabelecimento e esta continuar a ser a sua entidade patronal.

Admitida a requerida intervenção principal provocada e citada a interveniente veio esta apresentar contestação, na qual requereu que se declare a existência da transmissão da posição de entidade empregadora da interveniente B... para a ré A... Empresa de Segurança S.A, nos contratos de trabalho em que os autores figuram como trabalhadores, a partir de 1-01-2020 e, em consequência serem os pedidos deduzidos pelos autores contra a interveniente, declarados totalmente improcedentes, por não provados. Para o efeito alega que efetivamente existia uma unidade económica que veio a ser transmitida para a ré pelo que se transmitiu para esta a posição de empregadora nos contratos de trabalho dos autores pelo que a interveniente não procedeu a qualquer despedimento ilícito dos mesmos.

Foi determinada a apensação das ações.

Foi proferido despacho saneador e realizada audiência de julgamento.

Em 15-07-2022 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas:
1- Julga-se parcialmente procedente cada uma das acções e em consequência:

A- Absolve-se a Ré A..., S.A dos pedidos contra ela formulados pelos Autores AA, BB e CC.

B- Declara-se ilícito o despedimento promovido pela Interveniente B..., S.A contra os Autores e em consequência condena-se a Interveniente a pagar:

a) À Autora AA:

i) a quantia de € 2.187,33 (dois mil cento e oitenta e sete euros e trinta e três cêntimos) a título de indemnização em substituição da reintegração pela ilicitude do despedimento, acrescida de juros de desde a data do despedimento até integral pagamento.

ii) O valor das retribuições que esta deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção, ou seja desde 20-01-2020, até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data do respectivo vencimento mensal até integral pagamento. A tais retribuições, terão que ser feitas as deduções previstas no nº 2, als. a) e c) do art.º 390º do CT, ou seja, ao montante apurado de tais retribuições são deduzidas as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, sendo que o montante do subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador é deduzido na compensação, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

b) Ao Autor BB:

iii) a quantia de € 2.187,33 (dois mil cento e oitenta e sete euros e trinta e três cêntimos) a título de indemnização em substituição da reintegração pela ilicitude do despedimento, acrescida de juros de desde a data do despedimento até integral pagamento.

iv) O valor das retribuições que esta deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção, ou seja desde 26-01-2020, até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data do respectivo vencimento mensal até integral pagamento. A tais retribuições, terão que ser feitas as deduções previstas no nº 2, als. a) e c) do art.º 390º do CT, ou seja, ao montante apurado de tais retribuições são deduzidas as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, sendo que o montante do subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador é deduzido na compensação, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

c) Ao Autor CC:

v) a quantia de € 1.610,10 (mil seiscentos e dez euros e dez cêntimos) a título de indemnização pelo despedimento ilícito, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data do despedimento até integral pagamento.

d) Absolve-se a Interveniente B... S.A dos restantes pedidos formulados.

Custas de todas as acções pela Interveniente B... S.A.

Notifique e Registe.”

A interveniente B..., S.A., interpôs recurso, com as seguintes conclusões:

“Da matéria de facto

[…].

Do Direito

bb. Considerou o Tribunal ad quo que o serviço de vigilância e segurança privada nas instalações do CBD ... não constitui uma unidade económica (conjunto de meios organizados e autónomos) porquanto não se verificou o elemento transmissivo – falta de transmissão de equipamento, know how e alvará e não detinha um mínimo grau de autonomia;

cc. Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal ad quo cometeu, não só um erro de julgamento na interpretação da matéria de facto dada como assente como no respetivo e consequente enquadramento jurídico, como também violou a norma jurídica de índole constitucional;

dd. A interpretação realizada pelo Tribunal ad quo não tem em conta a posição da nossa doutrina e jurisprudência, quer nacional quer comunitária, quanto à determinação do elemento transmissivo da unidade económica, sempre numa perspetiva e abordagem global;

ee. Violando em consequência o princípio pelo direito comunitário, cfr. artigo 8.º, n.º 4 da CRP;

ff. A interpretação realizada pelo Tribunal ad quo padece de uma inconstitucionalidade material, por violação do disposto no art.º 8.º, n.º 4 da CRP;

gg. O Estado-juiz encontra-se subordinado às orientações comunitárias e delas não poderá escudar-se, sob pena de violação do primado do direito comunitário.

hh. O que não foi cumprido pelo Tribunal ad quo quando não considerou a mais recente jurisprudência comunitária sobre esta temática, presente no acórdão do TJUE de 17.10.2017, processo C-200/16, este que declarou que a norma comunitária deve ser interpretada com vista a estar abrangida pelo conceito de transferência da unidade económica, desde que transferidos os bens corpóreos indispensáveis;

“O artigo 1.°, n.º 1, alínea a), da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de «transferência […] de uma empresa [ou de um] estabelecimento», na aceção desta disposição, uma situação em que um contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância e de segurança das suas instalações celebrado com uma empresa e, em seguida, para a execução dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa, que recusa integrar os trabalhadores da primeira, quando os equipamentos indispensáveis ao exercício da referida prestação foram retomados pela segunda empresa”.

ii. Uma interpretação diversa, como a que foi configurada na decisão judicial em escrutínio, viola não só o princípio da segurança no trabalho [art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa] como se mostra contrária ao princípio da interpretação conforme ou compatível com o Direito da União relativamente à norma jurídica presente no artigo 285.º, n.º 1, 3 e 5 do Código do Trabalho, violando manifestamente a disposição constitucional presente no artigo 8.º, n.º 4 da CRP;

*

jj. Entende a Recorrente, com o devido respeito, que o Tribunal ad quo não andou corretamente quanto à subsunção normativa da matéria de facto, quando, indevidamente, concluiu pela não verificação da unidade económica simplesmente por ausência dos elementos corpóreos [equipamentos e instrumentos] e incorpóreos, tais como os alvarás/licenças e o “know how”;

kk. Efetivamente, os alvarás/licenças não foram transmitidos entre as empresas cedente e cessionária;

ll. Todavia, para além da existência de norma jurídica [art.º 51.º/6 da Lei da Segurança Privada] a proibir expressamente a sua transmissão — o que por si só, caso esta circunstância pudesse merecer qualquer tipo de relevância, esboroaria qualquer possibilidade de transmissão de unidades económicas neste setor de atividade, —já o STJ [445/19.2T8VLG.P1.S1] se pronunciou quanto à desnecessidade da transmissão dos alvarás para o funcionamento da figura legal e automática da transmissão da unidade económica;

mm. Acresce que não considerou o Tribunal ad quo toda a matéria factual levada ao seu conhecimento com vista a determinar e apurar todas as circunstâncias que compõem a operação da transmissão da unidade económica relativamente ao serviço de segurança e vigilância privada prestado nas instalações do “D...”;

nn. Pelo que cometeu um erro de julgamento quanto à interpretação do quadro jurídico-legal que baliza o instituto da transmissão da unidade económica, presente no artigo 285.º, n.º 1, 3 e 5 do Código do Trabalho e também da Diretiva 2001/23/CE;

oo. Dos referidos factos extrai-se a ocorrência de uma transmissão de bens e equipamentos indispensáveis e necessários à prossecução e prestação dos serviços de segurança e vigilância privada nas instalações do “D...”, como a transmissão do know how (saber fazer);

pp. Tanto a transmissão de bens e equipamentos, como a transmissão do conjunto de conhecimentos práticos (know how) do serviço de segurança e vigilância privada do “D...” ocorreram de forma indireta; a primeira traduzida na retoma, ou por outras palavras, na continuação da utilização dos equipamentos do cliente pela 1.ª Ré A... ora Recorrida quando iniciou o serviço e a segunda através da (i) assunção de efeitos e (ii) o reconhecimento prévio efetuado às instalações pela 1.ª Ré ora Recorrida, antes do início da prestação do serviço e quando ainda a empresa cedente ora 2.ª Ré Recorrente B... assegurava os serviços de segurança, unicamente com vista a instruir os seus vigilantes e consequentemente a dar cabal cumprimento às obrigações contratualizadas com o beneficiário;

qq. Acresce ainda que com a assunção de parte substancial dos efetivos [tanto em número como em conhecimento], pois não só foram contratados 7 dos 11 trabalhadores vigilantes, como um deles detinha a categoria de chefe de grupo, verificou-se a transmissão do saber fazer para a empresa cessionária, ou nas palavras do Tribunal ad quo, “cedência/passagem de uma vantagem para a cessionária”;

rr. Estes elementos devem ser apreciados no âmbito de uma avaliação de conjunto das circunstâncias do caso concreto e não podem, por isso, ser considerados isoladamente (v., neste sentido, acórdão de 26 de novembro de 2015, Aira Pascual e Algeposa Terminales Ferroviarios, C-509/14, EU:C:2015:781, n.º 32);

ss. Esforço interpretativo este que não foi realizado pelo Tribunal ad quo quando simplesmente teve em consideração duas das diversas circunstâncias, e erroneamente, sempre com o devido respeito;

tt. O Tribunal de Justiça da União Europeia já definiu a posição interpretativa vigente quanto à transmissão da unidade económica na atividade da segurança privada:  pode verificar-se a transmissão da unidade económica com a transmissão, indireta, de bens corpóreos, por via da continuação da utilização dos equipamentos e instrumento do cliente/beneficiário, mesmo quando não se verifica a assunção de efetivos

uu. Quanto mais, como nos presentes autos, quando se verifica o elemento indiciador da assunção de parte substancial dos efetivos;

vv. Como igualmente a transmissão do know how e dos procedimentos de organização do trabalho/serviço, conjunto de conhecimento práticos;

ww. Vislumbra-se, assim, um erro de julgamento na vertente de violação de lei substantiva laboral;

xx. Para o Tribunal ad quo o serviço de vigilância e segurança privada em análise apenas representaria uma unidade económica com manutenção da identidade, por força do regime instituído no artigo 285.º do Código do Trabalho, desde que fossem transmitidos os equipamentos e o know how;

yy. O que efetivamente aconteceu;

zz. Alicerçou-se o Tribunal ad quo no aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de dezembro de 2017, processo 357/13.3TTPDL.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, com fundamento na similitude quer da temática jurídica quer da matéria factual;

aaa. Acontece, porém, que a matéria factual nos presentes autos se mostra como mais rica quanto à verificação dos diversos elementos indiciários do elemento transmissivo, quando se realiza um juízo de comparação com o referido aresto de referência e que, tendo em conta determinado pelo Acórdão do TJUE subjacente a esse aresto (STJ), conduziriam a uma decisão diametralmente oposta à que agora se coloca em crise.

bbb. Mais, o Tribunal ad quo considerou que não se verifica igualmente a transmissão da unidade económica pois a equipa de vigilantes não detinha o mínimo de autonomia;

ccc. Antes de mais, salientar que a adoção pelo Tribunal quanto ao critério de definição de uma unidade económica com recurso à figura da autonomia não tem acolhimento quer jurisprudencial quer doutrinária;

Sem conceder,

ddd. Efetivamente, a equipa de vigilância que prestava os serviços de segurança e vigilância privada nas instalações do cliente D... tinha autonomia

ww. Vislumbra-se, assim, um erro de julgamento na vertente de violação de lei substantiva laboral;

xx. Para o Tribunal ad quo o serviço de vigilância e segurança privada em análise   apenas representaria uma unidade económica com manutenção da identidade, por força do regime instituído no artigo 285.º do Código do Trabalho, desde que fossem transmitidos os equipamentos e o know how;

yy. O que efetivamente aconteceu;

zz. Alicerçou-se o Tribunal ad quo no aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de dezembro de 2017, processo 357/13.3TTPDL.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, com fundamento na similitude quer da temática jurídica quer da matéria factual;

aaa. Acontece, porém, que a matéria factual nos presentes autos se mostra como mais rica quanto à verificação dos diversos elementos indiciários do elemento transmissivo, quando se realiza um juízo de comparação com o referido aresto de referência e que, tendo em conta determinado pelo Acórdão do TJUE subjacente a esse aresto (STJ), conduziriam a uma decisão diametralmente oposta à que agora se coloca em crise.

bbb. Mais, o Tribunal ad quo considerou que não se verifica igualmente a transmissão da unidade económica pois a equipa de vigilantes não detinha o mínimo de autonomia;

ccc. Antes de mais, salientar que a adoção pelo Tribunal quanto ao critério de definição de uma unidade económica com recurso à figura da autonomia não tem acolhimento quer jurisprudencial quer doutrinária;

                Sem conceder,

ddd. Efetivamente, a equipa de vigilância que prestava os serviços de segurança e vigilância privada nas instalações do cliente D... tinha autonomia instalações se encontrava um superior hierárquico “chefe de grupo”, que também foi integrado pela Recorrida A..., a determinar e conformar as tarefas a desempenhar pelos vigilantes, sem necessitar de recorrer a outras estruturas da empresa na execução diária do serviço de segurança;

eee. Eram os profissionais de segurança/vigilantes que asseguravam, em concreto os Autores, um dia após o outro, todos os dias do ano, os serviços de segurança e vigilância humana nas instalações do cliente D..., resolvendo as normalizadas questões/ocorrências de segurança impostas e cumprindo procedimentos, rotinas e exigências diárias, sem necessitarem de interagir com elementos do quadro de supervisão das empresas de segurança externos à unidade para esse efeito, que apenas espaçadamente visitavam as instalações —veja-se, entre outros, a posição mais recente sobre esta temática, vertida no Acórdão do STJ [proc. 445/19.2T8VLG.P1.S1 — pág. 33].

“No caso dos autos existe uma entidade económica suscetível de ser transferida: os trabalhadores que asseguravam a vigilância das instalações do cliente, com o recurso a equipamentos disponibilizados em parte pelo seu empregador e em parte pelo cliente, têm o mínimo de autonomia técnico-organizativa para se falar em uma unidade económica. Recorde-se que o pequeno número de trabalhadores que compunham esta unidade (quatro) não é obviamente obstáculo, tendo o Tribunal de Justiça admitido já a existência de uma unidade económica composta por um único trabalhador no célebre Acórdão Christel Schmidt de 14 de abril de 1994, C-392/92.”

fff. Não consegue a Recorrente encontrar justificação para compreender a posição assumida e adotada pelo Tribunal ad quo quando invoca que a unidade económica não detinha autonomia suficiente;

ggg. Razão pela qual deverá ser dado provimento ao presente recurso de Apelação quanto à revogação do dispositivo que considerou inexistir transmissão da unidade económica, revogando-se consequentemente a douta sentença recorrida,

hhh. Neste sentido, violou o Tribunal ad quo a correta interpretação ao regime da transmissão da unidade económica, mais precisamente os n.ºs 1, 2 e 5 do artigo 285.º do Código do Trabalho.

Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverão V. Exas.,  Venerandos Juízes Desembargadores, assegurar o cumprimento das normas do nosso ordenamento jurídico e, nessa medida, deve ao presente recurso ser dado provimento total, revogando-se assim a decisão judicial, tanto na vertente factual como normativa, de condenação da Apelante, por, contrariamente ao doutamente decidido na sentença em crise, verificação do preenchimento da previsão da norma jurídica respeitante à transmissão da unidade económica.

Só, assim, Venerandos Juízes Desembargadores, se iluminará o caminho para a realização da JUSTIÇA, como é de Direito!”.

A ré A..., S.A e o Ministério Público contra-alegaram, sendo que aquela requereu ampliação do recurso quanto a determinados pontos da matéria de facto.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
1. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto.
2. Recurso ampliado da ré quanto a determinados pontos da matéria de facto.
3. Se ocorreu transmissão da unidade económica da interveniente para a ré, nos termos e para os fins do artigo 285º do Código do Trabalho.
4. Inconstitucionalidade da interpretação realizada pelo Tribunal ad quo, por violação do disposto no artigo 8º, nº 4, da CRP.                                                                                                    
5. Condenação no pagamento de retribuições intercalares em quantias não liquidadas a relegar para o respetivo apuramento para liquidação em execução de sentença (suscitada pela recorrida A...).                                                                                                          

FUNDAMENTOS DE FACTO

A 1ª instância fixou a matéria de facto da seguinte forma:
(…).

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Impugnação da decisão quanto à matéria de facto

                   (…).

                                                                                              x

                   A matéria de facto fica assim definitivamente estabelecida:
1. A autora AA outorgou documento escrito denominado “Contrato de Trabalho Sem Termo”, celebrado em 22-3-2019, através do qual foi admitida ao serviço da interveniente “B..., S.A.”, com efeitos no dia 25 de março de 2019, para, sob a autoridade, direção, fiscalização e na dependência económica desta e mediante a retribuição mensal base, ao tempo, €694,39 e, última, de €729,11, acrescida de subsídios de  férias e de Natal de igual montante cada e ainda de um subsídio de alimentação de € 5,00/dia e outras remunerações variáveis, lhe prestar a sua força de trabalho, como vigilante, em estabelecimentos do grupo C..., em ..., designadamente, “D...”, “E...”, “F...” e “G...”.
2. O autor BB no dia 25 de maio de 2017 foi admitido verbalmente ao serviço da interveniente “B..., S.A.”, para, sob a autoridade, direção, fiscalização e na dependência económica desta e mediante a retribuição mensal base, última, de €729,11, acrescida de subsídios de férias e de Natal de igual montante cada e ainda de um subsídio de alimentação de €6,06/dia e outras remunerações variáveis, lhe prestar a sua força de trabalho, como vigilante, em estabelecimentos do grupo C..., em ..., designadamente, no “D...”.
3. O autor CC outorgou documento escrito denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo” celebrado a 16 de abril de 2019 e para vigorar desde essa data até 16-4-2020, através do qual foi admitido ao serviço da interveniente “B..., S.A.”, para, sob a autoridade, direção, fiscalização e na dependência económica desta e mediante a retribuição mensal base, de €455,69, acrescida de subsídios de férias e de Natal de igual montante cada e ainda de um subsídio de alimentação de €6,06/dia e outras remunerações variáveis, lhe prestar a sua força de trabalho, como vigilante, em estabelecimentos do grupo C..., em ..., designadamente, “D...”, “E...”, “F...” e “G...”.
4. Os serviços de vigilância que a “B...” prestava para o grupo C... nos estabelecimentos referidos, em particular no “D...”, foram concessionados à ré A... com efeitos a partir do dia 1 de janeiro de 2020.
5. A interveniente B... enviou aos autores uma missiva datada de 03 de Dezembro de 2019, com o assunto Informação sobre a transmissão do estabelecimento correspondente ao C... e nova entidade empregadora, através da qual informava que os serviços de vigilância prestados pela B... nas instalações do D... de ... foram adjudicados à  empresa de segurança A..., ora ré, com efeitos a partir do dia 01 de Janeiro de 2020, passando a partir dessa data tal empresa a ser a sua entidade patronal, sendo garantidos todos os direitos, designadamente, a manutenção da antiguidade, de retribuição e da categoria profissional.
6. Sucede que, no dia 02-01-2020, quando se apresentaram no dito estabelecimento “D...” para iniciar a jornada de trabalho, foram os autores impedidos de o fazer por responsável da ré, DD, sob alegação de que não pertenciam aos quadros da empresa e não havia “vaga naquele posto de trabalho”.
7. A ré A... é associada da AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança desde 2006, não sendo associada da AES –Associação de Empresas de Segurança.
8. Dos estabelecimentos referidos nos nºs 1 e 3 apenas foram adjudicados à ré A... os serviços de vigilância no D... de ... e no H... de ....
9. A autora AA ao serviço da interveniente B... exerceu funções no posto de trabalho da E... e no Retail Parque de ..., mas a partir de agosto de 2019 passou a exercer funções apenas no Posto do D... de ....
10. O autor CC ao serviço da interveniente B... inicialmente, exerceu funções em vários locais designadamente na I... em ..., na J... no G..., um dia no Fórum em ... e no Retail Parque, sendo que nos últimos cinco meses estava apenas no D... de ..., saindo apenas quando era chamado para a realização de eventos, o que acontecia todos os meses e por vezes também era chamado para substituir algum colega noutro posto.
11. A ré A..., apresentou-se a um concurso para prestação de serviços de segurança e vigilância em várias instalações dos clientes: K..., SA, L..., SA, M..., SA, N..., Sa e O..., SA, designadas abreviadamente por D..., tendo sido selecionada como adjudicatária de entre outros concorrentes e celebrou com as entidades adjudicantes o contrato de prestação de serviços correspondente ao objeto do concurso, cuja execução teve início em 2 de janeiro de 2020.
12. Os vigilantes que a ré A... coloca ao seu serviço em cada posto, designadamente os vigilantes que foram colocados nas instalações do D... de ..., dependem hierarquicamente, em primeira linha de um supervisor local que organiza, coordena e fiscaliza o seu trabalho, o qual, por sua vez, reporta ao gestor de operações, a nível regional e ao diretor de operações, a nível nacional para além da equipa de vigilantes/operadores de central que operam a Central Recetora de Alarmes na ....
13. Para além da equipa de vigilantes a prestar funções no D... de ..., a partir do dia 2 de janeiro de 2020 prestam ainda funções o supervisor DD – os quais já vinham exercendo cumulativamente as mesmas funções noutros postos de outros diversos clientes na região (O supervisor cerca de 30 postos), o gestor operacional EE que já vinha exercendo as mesmas funções junto de outros diversos clientes da região e o diretor de operações, dando apoio e supervisionando todos os postos de diversos clientes a nível nacional.
14. Apenas parte da equipa de vigilantes que trabalhava no D... de ... da interveniente B... passou a trabalhar para a ré A... a partir de 02 de janeiro de 2020.
15. Tanto o supervisor, o gestor operacional, como também o diretor de operações, são trabalhadores do quadro permanente da ré A... que nunca estiveram ao serviço da interveniente B... nas instalações do cliente D..., sendo trabalhadores da ré desde data anterior a Janeiro de 2020 e também os vigilantes/operadores de central que asseguram serviço de segurança (remotamente desde a sede na ...) aos postos em causa e a muitos outros de outros diversos clientes, nunca antes laboraram por conta da B....
16. Estes trabalhadores da ré nunca antes orientaram, coordenaram ou fiscalizaram qualquer atividade dos vigilantes que a B... tinha colocado no posto do cliente D..., que fosse do âmbito da prestação de serviços a efetuar pela B....
17. São também este conjunto de trabalhadores do quadro permanente da ré, globalmente considerado que passou, a partir de 2 de janeiro de 2020, a prestar a sua atividade neste posto, mas também, em simultâneo a outros postos de clientes, desde que entraram ao serviço da ré, sendo o supervisor a nível local, neste e noutros postos, o gestor operacional a nível regional e o diretor de operações a nível nacional.
18. Eliminado.
19. Os clientes da ré avaliam regular e periodicamente a qualidade dos serviços prestados, considerando de forma autónoma não só o desempenho dos vigilantes, mas também do desempenho do supervisor, do gestor operacional, do diretor de operações e da empresa, em geral.
20. A prestação de serviços não se altera pelo facto de qualquer um dos vigilantes ser substituído.
21. A ré A... tem trabalhadores vigilantes que apenas substituem os seus colegas em vários postos de diversos clientes de uma região, em caso de gozo de férias ou noutros impedimentos.
22. A ré detém no seio da sua organização um departamento de formação permanente, devidamente autorizado e acreditado.
23. Para além dos meios humanos afetos à atividade de segurança, designadamente no posto D... de ... do cliente D..., são utilizados pelos vigilantes que aí prestam serviço e também pelo Supervisor da Ré, meios materiais, designadamente fardas, registos/meios informáticos, impressos, lanternas e bastões de ronda, Central Recetora de alarmes 24H/dia a funcionar na sede da Ré A..., na ... abrangendo televigilância/CCTV/deteção de Intrusão/Incêndio (alterado).
24. Instrumentos de trabalho da ré que lhe pertencem e que não foram transmitidos, ou por qualquer forma, cedidos pela empresa B..., nem pelo próprio cliente-D....
25. A ré tem também no seu ativo empresarial elementos incorpóreos, que utiliza de forma direta em todos e quaisquer postos onde presta serviço, designadamente, alvarás próprios, seguros, métodos de organização de trabalho, cultura empresarial e Know how que lhe são próprios e que não lhe foram transmitidos pela empresa B... ou sequer pelo cliente D....
26. Por concurso, para aquisição de serviços de segurança e vigilância, a D..., adjudicou à ré, com efeitos a partir de 2 de janeiro de 2020 a prestação de serviços de segurança e vigilância.
27. No âmbito desse contrato de prestação de serviços, a ré obrigou-se, com efeitos a partir de 2 de janeiro de 2020 à prestação de serviços de segurança e vigilância, nas instalações do D..., designadamente, entre muitos outros, no D... de ....
28. A ré colocou no posto de D... 2 vigilantes que já pertenciam aos seus quadros.
29. A ré admitiu ao seu serviço 7 trabalhadores vigilantes - FF, GG, HH, II, JJ, KK, este desempenhando as funções de chefe de grupo, e ...- que anteriormente prestavam serviço para a Interveniente B..., celebrando com os mesmos os contratos de trabalho juntos aos autos em 18-01-2021 (alterado).
30. Na sequência da adjudicação da prestação de serviços de vigilância, o supervisor, da ré DD, deslocou-se ao posto de trabalho em causa, tendo em vista proceder ao levantamento das necessidades e se inteirar das particularidades do serviço com o cliente, de forma a que no dia 2 de janeiro de 2020 se iniciasse a prestação de serviços contratados e adjudicados por concurso.
31. O que fez, além do mais, para proceder ao recrutamento e admissão de vigilantes em número suficiente e com o perfil adequado ao serviço em causa.  

                   32. Tendo questionado os vigilantes que exerciam funções para a Interveniente B... estes manifestaram-lhe interesse em ingressar nos quadros da ré.

                   33. Após ré ter selecionado os vigilantes que pretendia admitir, estes facultaram à ré, antes de 2 de janeiro de 2020 todos os documentos individuais que esta lhe solicitou com vista à sua admissão.

                   34. A interveniente B... manteve após 2 de janeiro de 2020 e mantém ainda a sua atividade de forma regular, continuando a prestar serviços de segurança noutros locais e clientes.

                   35. A Interveniente B... enviou à Ré uma missiva datada de 03-12-2019 na qual lhe comunicava que ocorreu uma transmissão do estabelecimento que implicava a transferência automática para a Ré dos contratos de trabalho e que a partir de 01 de janeiro de 2020 dos Autores e os funcionários que prestavam serviço de segurança e vigilância nas instalações da C..., passavam a ser seus trabalhadores.

                   36. A ré respondeu a tal missiva em 18-12-2019 comunicando à interveniente que não ocorreu transmissão dos contratos de trabalho dos trabalhadores.

                   37. Os autores enviaram à ré em 18 de fevereiro de 2020 uma missiva solicitando à mesma o envio do Modelo RP Declaração de situação de desemprego, sendo que a ré lhes comunicou em 22 de fevereiro de 2020 que em virtude de não ter ocorrido transmissão de estabelecimento e não ter ocorrido cessação do contrato de trabalho estava impedida de emitir a declaração solicitada, destinada ao Fundo de Desemprego – Modelo RP5044.

                   38. A interveniente é uma empresa de segurança privada cujo objeto societário exclusivo é a prestação de serviços de segurança privada, nomeadamente a vigilância humana e eletrónica.

                   39. No âmbito dessa atividade, a Interveniente garante a vigilância e segurança de pessoas e bens em locais de acesso ao público; de acesso vedado ou condicionado ao público; vigiando a entrada, a presença e a saída de pessoas e bens nesse local de trabalho.

                   40. Serviços que assegura aos seus clientes, quer entidades/sociedades privadas quer entes públicos, em vários locais do território nacional, garantindo a segurança de instalações.

                   41. A interveniente assegurou, à C.../D..., serviços de segurança e vigilância humana que assentaram na disponibilização de serviços de vigilância, nos exatos termos acordados no contrato de prestação de serviços em vigor à data de 31.01.2019.

                   42. No âmbito de tal contrato a Interveniente prestou serviços de vigilância e segurança, ininterruptamente, em várias instalações da C.../D..., incluindo o D... de ... e H... de ....

                   43. Os autores em 31 de dezembro de 2019 exerciam funções de vigilantes no local de trabalho das instalações do cliente C..., ao serviço da interveniente.

                   44. No referido local de trabalho os serviços de vigilância e de segurança humana, contratados pela C..., eram assegurados pelos três (3) autores ao serviço da Interveniente e por outros oito (8) colegas, a saber - FF, GG, LL, HH, II, JJ, KK e ... - e do seguinte modo:

                   a) Controlo de entrada e saída de pessoas;

                   b) Monotorização através de sistema CCTV interno das imagens recolhidas a partir das câmaras distribuídas pelas instalações;

                   c) Executar giros periódicos às instalações – rondas de segurança

                   d) Circulação no interior do estabelecimento comercial;

                   e) Encerramento das instalações com fecho portas e ativação alarme, com fiscalização de despistagem de intrusos;

                   f) Elaborar os relatórios de ocorrências diárias;

                   g) Proceder ao encerramento das instalações;

                   h) Proceder à colocação de selos de segurança em todas as portas de emergência das instalações no fecho das instalações.

                   i) Monotorização dos sistemas de intrusão, deteção de incêndios e do sistema de frio (alterado).

                   45.  No mencionado local de trabalho, os referidos serviços de vigilância e de segurança humana contratados pela C..., foram assegurados pela interveniente durante alguns anos e até ao dia 31 de dezembro de 2019.

                   46. Para assegurar os serviços de vigilância os autores eram titulares e portadores do respetivo cartão de vigilante, pessoal e intransmissível.

                   47. Os autores possuíam habilitações profissionais para o cabal desempenho das funções que lhe estavam atribuídas, uma vez que frequentaram, com aproveitamento, as ações de formação exigidas pelo regime jurídico da atividade de segurança privada.

                   48. O que sucedia com os demais colegas vigilantes dos autores, que nas referidas instalações, que correspondiam ao seu local de trabalho, exerciam as funções de segurança privada.

                   49. Tarefas que os autores e seus colegas, sempre executaram de acordo com as especificidades características da instalação da C..., por conta da interveniente até ao dia 31 de dezembro de 2019.

                   50. Os autores desempenharam até ao dia 31 de dezembro de 2019, essas funções, nas instalações da C..., sob as ordens e direção da Interveniente.

                   51. A interveniente tinha uma equipa estável no posto do D... sendo que, dos 11 trabalhadores, os mais novos eram a autora AA e o autor CC sendo que os restantes já ali trabalhavam há algum tempo de forma estável.

                   52. Ao longo do referido período de prestação dos serviços de vigilância, a Interveniente desenvolveu a sua atividade naquelas instalações através dos autores e seus colegas, os quais cumpriam e faziam cumprir procedimento de segurança e operacionalidade, e com recurso a bens e equipamento destinados a controlar o acesso, permanência e saída das instalações de pessoas e bens, para dar resposta às especificidades e rotinas de segurança exigidas pelo cliente C....

                   53. Eliminado.

                   54. A partir de 01 de janeiro de 2020, os trabalhadores aludidos no nº 29, agora por conta e no interesse da ré A... Empresa de Segurança S.A., continuaram a assegurar, os mesmos serviços de vigilância e de segurança humana contratados e prestados nas instalações da C....

                   55. Eliminado.

                   56. Eliminado.

                   57. Eliminado.

                   58. Eliminado.

                   59. Para o exercício das funções dos autores ao serviço da interveniente os autores dispunham nas referidas instalações do cliente C..., de uma secretária, uma cadeira, um computador com um monitor, teclado, sistema de CCTV interno com a monitorização de rádios de comunicação, impressos, destacadores, telefone, e um sistema de alarme de intrusão e de incêndio, que eram propriedade da C... (alterado).

                    61. A ré A... Empresa de Segurança S.A. no dia 01 de janeiro de 2020 quando iniciou o serviço de segurança e vigilância humana nas instalações da C... passou a utilizar os bens e equipamentos referidos nos pontos 23, 25 e 59 (alterado).

                   62. A interveniente prestou serviço até às 24h00 do dia 31 de dezembro de 2019, tendo a ré A... Empresa de Segurança S.A., iniciado funções às 00h00 do dia 1 de janeiro de 2020, inexistindo qualquer momento de ausência de prestação de serviço de segurança, não tendo ocorrido nenhuma interrupção do serviço de segurança e vigilância prestados no cliente C....

3. Se ocorreu transmissão da unidade económica da interveniente para a ré, nos termos e para os fins do artigo 285º do Código do Trabalho

Os autores instauraram ação alegando ter ocorrido despedimento ilícito por parte da ré A..., S.A, porque lhe foi transmitida a posição de empregadora que a interveniente B.... S.A, detinha, ao não lhes permitir que prestassem trabalho no local onde vinha prestando serviço como vigilantes.

O tribunal a quo concluiu não ter ocorrido a transmissão de uma unidade económica, que manteve a sua identidade, e nessa medida foi condenada a interveniente B... e absolvida a ré dos pedidos.

Para melhor enquadramento, reproduzimos aquilo o tribunal a quo escreveu em conclusão:

“Desta forma, perante todo este circunstancialismo fáctico não resulta provado que tivesse ocorrido uma qualquer transferência (direta ou indireta), da Interveniente B... para a Ré A..., de equipamentos ou bens ou dispositivos pertença daquela e indispensáveis ao exercício da prestação de serviços de vigilância naquelas instalações daquela cliente.

Também não resulta provado que tivesse sido transmitido, da Interveniente B... para a Ré A..., o concreto “modus operandi” de prestar o serviço em causa naquele cliente e naquele local em concreto, isto  é, o conjunto de conhecimentos práticos e os meios materiais e técnicos essenciais à prossecução da actividade de segurança privada direcionada àquelas instalações daquele cliente, nem se provou que tivesse sido transmitido, o know-how indispensável à prossecução daquela actividade económica de segurança privada.

Também não se provou que Ré A... tivesse recebido da Interveniente B... a demais clientela desta, antes tendo resultado provado que a interveniente B... manteve após 2 de Janeiro de 2020 e mantém ainda a sua actividade de forma regular, continuando a prestar serviços de segurança noutros locais e clientes.

Assim, para ocorrer a transmissão, como supra exposto, não basta o exercício de actividade similar das duas empresas, quer em termos da mão-de-obra e número daqueles que exercem as funções de vigilantes ao serviço do respectivo cliente, quer em termos de locais de prestação, já que essa similitude do serviço a prestar advém da pretensão do respectivo cliente e por este, prévia e contratualmente, definida no respectivo caderno de encargos.

Também não é suficiente para o efeito que não tivesse havido interrupção temporal na prestação de serviço a essa mesma cliente, pois esta cliente pretende, apesar da mudança de empresa prestadora, manter a sua segurança sem qualquer interrupção.

Não bastando que a cliente mantivesse disponível um idêntico conjunto de bens e equipamentos (tais como câmaras de vigilância e monitores para visualização de imagens, cadeira, secretária, telefone) de sua propriedade para serem utilizados pela nova empresa prestadora e que esta tivesse passado a utilizá-los. Pois, para além das instalações propriamente ditas objecto desse serviço, tais bens pertença da cliente são indispensáveis ao exercício da actividade da empresa prestadora de serviços de vigilância.

Por outro lado, também não é suficiente que alguns vigilantes tivessem continuado, ininterruptamente, a exercer as suas funções ao serviço dessa mesma cliente, no mesmo local ou noutro local dessa mesma cliente.

Sendo de salientar que o facto de, no mesmo ou noutro local dessa mesma cliente, terem permanecido muitos dos mesmos vigilantes, apenas significa que a nova prestadora pretendeu retirar vantagem do facto de os mesmos já conhecerem o serviço, aproveitando a mesma tal situação.

Mas, sem que isso, por si só, signifique que estes trabalhadores/vigilantes dispusessem de especiais conhecimentos ou de especial posição na estrutura da anterior empresa prestadora, por forma a poder considerar-se que, por si só, configurassem uma organização dotada de autonomia e de identidade própria, ou seja, que formassem e tivessem continuado a formar uma entidade económica que se mantivesse ou sobrevivesse à mudança da empresa prestadora.

Assim sendo, dos factos provados não decorre a transferência de elementos ou meios organizados, com autonomia e identidade própria, não se podendo concluir que tivesse sido transmitida/transferida, da Interveniente B... para a Ré A..., uma unidade económica, nos termos que supra ficaram referidos.

Pelo que, não tendo ocorrido qualquer transmissão de estabelecimento, para efeitos de aplicação do regime previsto no citado art.º 285.º do CT, não se operou qualquer transmissão da posição de empregadora nos contratos de trabalho celebrados entre os Autores e a Interveniente, mantendo-se esta como entidade empregadora dos Autores.

Para além disso, e como refere a Ré na sua contestação, não é aplicável ao caso em apreço a cláusula 14ª do CCT celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas - STAD e outro, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego nº 38, de 15/10/2017 e com alterações publicadas no BTE nº 48, de 29/12/2018, no BTE nº 20, de 29/5/2019 e no BTE nº 22, de 15/6/2020.

Tal cláusula 14ª, sob a epígrafe “Sucessão do posto de Trabalho”, prevê (como regra): a substituição automática da entidade empregadora do vigilante em situações de sucessão de empregadores na execução de contratos de prestação de serviços de segurança privada.

Não sendo essa cláusula desse CCT aplicável no presente caso porque à Ré A..., enquanto associada da AESIRF – Associação Nacional das Empresas de Segurança, é-lhe aplicado o CCT celebrado entre a AESIRF e a ASSP – Associação Sindical da Segurança Privada, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego nº 26, de 15/7/2019.

E cuja cláusula 14ª, nº 2, deste CCT expressamente, prevê que: «Não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador».

E, por outro lado, face ao disposto no art.º 1º, nº 3, da Portaria nº 307/2019 publicada no DR–I de 13/9/2019 e publicada no BTE nº 34, de 15/9/2019, que constitui Portaria de Extensão das alterações ao CCT celebrado entre a AES e o STAD e outro, a Ré A... (enquanto empregadora associada da AESIRF) está, expressamente, excluída do âmbito subjectivo de aplicação extensiva do sobredito CCT entre AES e STAD e outro.

Pois, conforme impõe esse mesmo normativo convencional (nº 3 do art.º 1º desta mesma Portaria): «A presente extensão não é aplicável aos empregadores representados pela Associação Nacional das Empresas de Segurança – AESIRF».

Assim sendo, no caso em apreço, não obstante ter havido uma sucessão de empresas prestadoras de serviços de vigilância e segurança privada para o cliente D... de ..., não se operou a substituição automática da entidade empregadora destes trabalhadores (autores), mantendo-se como tal a Interveniente B... como empregadora.

Por isso, a Ré A... não estava nem está obrigada a assumir a posição de entidade empregadora nos contratos de trabalho dos Autores, os quais eram e continuaram a ser trabalhadores da Interveniente B..., mesmo após esta ter perdido (para a Ré A...), a concessão dos serviços de vigilância e segurança privada naquele local.

Desta forma não tendo ocorrido transmissão da posição de empregadora para a Ré A..., continuando os Autores a ser trabalhadores da Interveniente B..., não poderá a Ré ser condenado nos pedidos formulados pelos Autores, o que determina a sua absolvição.

Contudo, e no que concerne à Interveniente B..., terá que se considerar que com a sua conduta a mesma despediu os Autores de forma ilícita.

Efectivamente, resultou provado que a Interveniente comunicou aos Autores que o seu contrato se havia transmitido para a Ré e a partir de 01-01-2020 não voltou a dar trabalho aos mesmos, pelo que continuando os Autores a ser seus trabalhadores, nos termos que ficaram expostos, tal comunicação que foi feita aos Autores configura uma cessação do contrato por iniciativa da Interveniente/ entidade empregadora, o que constitui um despedimento unilateral, o qual é ilícito por não ter sido precedido de processo disciplinar e inexistir justa causa para o mesmo.

Na verdade, a Interveniente não instaurou aos Autores qualquer processo disciplinar, optando por lhe comunicar a transmissão dos seus contratos para a Ré A..., sem que estivessem verificados os pressupostos para o efeito, despedindo-o assim de forma unilateral e sem instauração de processo disciplinar.

Efectivamente, tal comportamento traduz-se numa atitude unilateral da Interveniente de fazer cessar a relação laboral, configurando um despedimento dos Autores, o qual é ilícito por inexistir justa causa para o mesmo e por não ter sido precedido da instauração de processo disciplinar [art.º 381º, als.  b) e c) do CT].

Assim, terá que se concluir que o despedimento efectuado pela Interveniente B... foi um despedimento ilícito, havendo por isso que proceder o pedido de declaração de ilicitude do despedimento formulado pelos Autores.”

Vejamos:

Preocupações de concorrência e de livre circulação levaram as instâncias europeias a preocupar-se com os direitos dos trabalhadores, aquando da transferência das respetivas empresas ou estabelecimentos.

Assim, foram adotadas:

– a Diretriz 77/187, de 14 de fevereiro, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresa, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos;

– a Diretriz 98/50, de 29 de junho, que alterou em extensão a 77/ /187;

– a Diretriz 2011/23, de 12 de março, que substituiu a 77/187.

Retemos o artigo 3º/1, 1º §, desta última Diretriz:

Os direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência na aceção do nº 1 do artigo 1º são, por este facto, transferidos para o cessionário.

Entre nós, a transposição foi feita pelo artigo 318º Código do Trabalho de 2003 – artigos 318º a 321º – passando, com alterações formais, aos artigos 285º a 287º do Código de 2009. As novidades cifraram-se na introdução de regras sobre a informação e a consulta dos trabalhadores e na previsão de representantes dos trabalhadores após a transmissão.

Nos termos do art.º 285º, nº 1, do Código do Trabalho, em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa ou estabelecimento ou ainda de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores.

Este preceito predispõe vários requisitos.

Assim:

(1) deve haver uma transmissão, a qualquer título;

(2) relativa a uma empresa ou estabelecimento;

(3) ou parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica;

(4) havendo contratos de trabalho a eles relativos[1].

O nº 1 visa proteger, em primeiro lugar, os interesses das empresas e da atividade económica, garantindo uma certa continuidade na prossecução dos objetivos empresarias ou comerciais em causa e, em segundo lugar, “proteger os trabalhadores em caso de mudança de empresário especialmente para assegurar a manutenção dos seus direitos”, ponto 3, do Preâmbulo, da Diretiva 2001/23/CE.

Segundo João Leal Amado[2] “…. ao acolher este princípio de transmissão automática da posição contratual do empregador, a lei inspira-se, sem dúvida, numa preocupação fundamental: a de garantir a manutenção do emprego dos trabalhadores na hipótese de transmissão da unidade económica em que laboram. Mas outros interesses relevantes concorrem para este regime legal, desde logo o da tutela da operacionalidade do próprio estabelecimento, isto é, a ideia de garantir ao respetivo transmissário um estabelecimento funcionante, não desprovido de mão-de-obra. Trata-se, em suma, de um regime de proteção centrado na ideia de continuidade dos vínculos laborais, os quais acompanham o estabelecimento ou a empresa transmitida de forma automática, isto é, independentemente da vontade do transmissário/adquirente.”

“O art.º 285º, nº 5, do Código do Trabalho estabelece que se considera unidade económica o conjunto de meios organizados que constitua uma unidade produtiva dotada de autonomia técnico-organizativa e que mantenha uma identidade própria, com o objetivo de exercer uma atividade económica ou acessória.

A Diretiva 2001/23 considera entidade económica aquela que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, principal ou acessória.

Milena Silva Rouxinol, depois de salientar que de se deve fazer uma interpretação conforme ao direito da União Europeia, afirma que o elemento da identidade deve ser deslocado para a fase posterior à transmissão. Não deve considerar-se necessária uma unidade económica com identidade própria antes da transmissão. Este aspeto apenas deve ser relevante depois da transmissão comparando-se com o que existia antes com o que passou a existir posteriormente. No que respeita à autonomia técnico-organizativa, a autora afirma que “deve, a nosso ver, ser lida como significando que a unidade deve ser um conjunto de meios aptos, autonomamente, à prossecução de uma atividade”.

Importa referir o entendimento de Maria do Rosário Palma Ramalho que propõe uma leitura do art.º 285º, nº 5, do Código do Trabalho em que “o critério a ter em conta não deve ser o da organização formal da empresa (em seções ou serviços), mas antes o critério económico da possibilidade de individualização de uma parte da sua atividade numa unidade negocial autónoma”. Assim, “o que parece decisivo para a equiparação da transmissão de parte da empresa ou do estabelecimento à transmissão da própria empresa ou do próprio estabelecimento é o conceito de unidade de negócio”.

Afigura-se-nos que este entendimento é o mais concordante com a jurisprudência do Tribunal de Justiça e, fundamentalmente, com a circunstância de esta jurisprudência ter vindo a evoluir sempre no sentido da maior relevância do elemento pessoal em detrimento de outros elementos materiais ou organizacionais.

Nos setores de atividade em que o elemento essencial é a mão de obra, um conjunto de trabalhadores que exerce a atividade de forma duradoura num determinado local deve ser considerado uma unidade económica.

Nestes setores deve privilegiar-se como elemento de transmissão a continuação da atividade de forma idêntica e com os mesmos trabalhadores sem qualquer diferença substancial que não seja a mudança da entidade prestadora do serviço, tantas vezes limitada à substituição do fardamento.

Na generalidade das situações a seleção de um novo operador limita-se à auscultação do mercado no sentido de obter o melhor preço sendo o caderno de encargos exatamente igual ao anterior.

O conceito de unidade económica não pode ser entendido como o mero exercício de uma atividade e a sua continuação pelo cessionário, mas também não deve exigir-se uma entidade económica com autonomia técnico-organizativa no sentido de uma entidade que tem uma organização interna e uma forma de funcionamento próprias, pelo que, embora seja uma parte da empresa, é simultaneamente uma entidade separada desta. A autonomia técnico-organizativa deve ser entendida com o sentido de uma unidade de negócio constituída pela afetação de um conjunto de trabalhadores a determinada atividade, o que, acompanhado de uma apreciação global de todo o circunstancialismo, permite distinguir as situações que não se enquadram na transmissão de empresa ou estabelecimento, mas, em contrapartida, não exclui situações que se inserem no conceito da Diretiva 2001/23 e na jurisprudência do Tribunal de Justiça.”[3].

Rui Carmo Oliveira[4] adverte que “é legitimo considerar como transversalmente aceite que a unidade económica tem que manter a identidade, mas não obrigatoriamente a autonomia técnico-organizativa. E ambos os conceitos não se devem confundir, em nenhuma circunstância[5].

O Direito Europeu, a jurisprudência europeia, o nosso ordenamento jurídico e a praxis no funcionamento regular de qualquer empresa, considera que a unidade económica deve manter a identidade, podendo não manter a autonomia. E estes dois conceitos não devem ser confundidos, não estando a redação do artigo 285º, nº 5 do CT em conformidade com Direito Europeu”.

No que tange às empresas de prestação de serviços de vigilância, foi decidido pelo TJ que está abrangida pelo conceito de transferência uma situação em que um “contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância e de segurança das suas instalações celebrado com uma empresa e, em seguida, para a execução dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa, que recusa integrar os trabalhadores da primeira, quando os equipamentos indispensáveis ao exercício da referida prestação foram retomados pela segunda empresa”[6].

A RE decidiu existir transmissão de unidade económica, para efeitos do presente artigo, num situação em que “uma empresa de prestação de serviços de vigilância e segurança sucede, sem interrupções, a outra empresa de prestação de serviços de vigilância e segurança, por ter ganhado o concurso público e lhe ter sido adjudicado tal serviço, realizando-se a prestação com o mesmo cliente, no mesmo local, com os mesmos trabalhadores, a utilização dos mesmos indispensáveis meios de vigilância e segurança, pertencentes ao cliente, e tendo por objetivo a execução do serviço nas mesmas condições essenciais”[7].

Sobre os serviços de segurança prestados a uma unidade de saúde, no quadro de um modelo de organização próprio, com regras próprias de funcionamento, a RE declarou que os mesmos constituíam uma unidade económica, para efeitos da sua transmissão nos termos do presente artigo[8]. Nesse aresto, lê-se ainda que a sucessão de empresas de segurança na prestação de serviços de segurança, nesse contexto, “acompanhada de equipamento essencial e alguns trabalhadores da empresa anterior, constitui transferência de estabelecimento para efeitos do disposto no art.º 285º do CT”.

Por Ac. de 20-04-2023[9], a RE entendeu que “ocorre a transmissão dessa unidade, se a nova prestadora desses serviços mantém a atividade com 16 dos 27 vigilantes que a antecessora ali havia colocado, admitindo-os com a antiguidade que tinham ao serviço da anterior prestadora, prescindindo do período experimental e não os submetendo a nova formação profissional”.

Já a RP entendeu que não ocorreu uma situação de transmissão de estabelecimento num processo em que uma empresa deixou de “prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços de vigilância a outra empresa, sem que se tivesse verificado a assunção de qualquer trabalhador da anterior empresa e tão pouco qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da atividade suscetível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento”[10].

“Não constitui transmissão de estabelecimento, para efeitos do artigo 285.º do Código do Trabalho, uma situação em que uma empresa prestadora de serviços de vigilância e segurança que, para as necessidades de um cliente, tinha afetado a este último uma equipa composta por onze trabalhadores, é substituída por uma nova empresa prestadora de serviços que contrata de novo apenas três dos onze trabalhadores que integravam aquela equipa, sem que se tenha demonstrado que os referidos três trabalhadores tenham competências e conhecimentos específicos indispensáveis para a prestação dos serviços ao referido cliente e sem que tenha havido transmissão direta entre as empresas de bens necessários à continuidade da atividade”, decidiu a RP[11].

“Não se verifica uma situação de transmissão de unidade económica para efeitos do artigo 285.º do Código do Trabalho e da Diretiva n.º 2001/23/CE do Conselho de 12 de Março de 2001, mas uma mera sucessão de prestadores de serviços, quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços de vigilância a outra empresa, se não se demonstra que o novo prestador de serviços retoma o essencial dos efetivos do anterior prestador, em termos de número e de competências, o mesmo sucedendo com os bens materiais e equipamentos”[12].

“Para efeitos do art.º 285º do Código do Trabalho, em atividades essencialmente assentes na mão-de-obra, como seja a prestação de serviços de segurança e vigilância em instalações de outrem, um conjunto organizado de trabalhadores especial e duradouramente afetos a uma tarefa comum pode, mesmo na ausência de outros fatores de produção, constituir uma unidade económica, que se transmite quando o novo prestador de serviços decide manter a maioria ou o essencial dos efetivos, “aproveitando” a organização já existente para desenvolver a sua própria atividade de prestação de serviços de segurança e vigilância, sendo o caso de o novo prestador de serviços manter 1 dos 2 vigilantes”[13].

A RL[14] decidiu que “Em virtude da trabalhadora exercer actividade de vigilância em unidade própria, com identidade, e uma vez que parte do equipamento foi retomado pela empresa adjudicatária que manteve ao seu serviço quatro dos cinco elementos que integravam a anterior equipa, dever-se-á concluir que ocorreu transmissão parcial do estabelecimento, nos termos previstos no art.º 285º do CT”.

Por sua vez, a RC[15] entendeu que “No caso das empresas de segurança, com atividade assente essencialmente na mão de obra, quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços a outra empresa, é determinante para se concluir pela existência de unidade transmitida a verificação que a nova prestadora integrou na organização do seu trabalho de prestação o essencial dos efetivos humanos antes ao serviço da anterior prestadora Securitas e que ocorreu mesmo a execução de um protocolo de transmissão muito apropriado à transmissão de uma unidade organizativa dotada de identidade operacional”.

Por fim, o STJ[16] veio esclarecer que não “ocorre uma situação de transmissão de estabelecimento quando uma empresa deixa de prestar serviço de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços de vigilância a outra empresa, sem que se tivesse verificado a assunção de qualquer trabalhador da anterior empresa e tão pouco qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da atividade suscetível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento.

Mais recentemente, o STJ tem-se pronunciado sobre casos de transmissão de empresa/estabelecimento em que está em causa a atividade de segurança privada da seguinte forma:

-Ac. de 13-09-2023[17]: “Sendo a atividade de segurança privada uma atividade que repousa fundamentalmente sobre a mão de obra, inexiste transmissão de estabelecimento quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação (por este) de tais serviços a outra empresa, sem que para esta tenha transitado daquela qualquer trabalhador ou quaisquer outros recursos, competências ou instrumentos organizatórios, suscetíveis de consubstanciar uma “unidade económica”.

-Ac. do STJ, de 13-09-2023[18]: “Inexiste transmissão de estabelecimento quando uma empresa deixa de prestar serviços de vigilância e segurança junto de determinado cliente, na sequência de adjudicação, por este, de tais serviços de vigilância a outra empresa, sem que se tivesse verificado a assunção de qualquer trabalhador da anterior empresa e tão pouco qualquer transferência de bens ou equipamentos de prossecução da atividade suscetível de consubstanciar uma “unidade económica” do estabelecimento”.

-Ac. do STJ, de 24-05-2023[19]: “I- No caso de sucessão de prestadores de serviços para o mesmo cliente e em atividades que assentam essencialmente na mão-de-obra assume especial relevo a manutenção pelo novo prestador da maioria ou essencial dos efetivos do anterior.

II- Não tendo ocorrido a reassunção da maioria dos efetivos e não se demonstrando nem que os trabalhadores reintegrados tivessem competências e conhecimentos específicos indispensáveis para a prestação dos serviços ao referido cliente nem a transmissão para o novo prestador de bens corpóreos ou incorpóreos necessários para a continuidade desses serviços, não há transmissão da unidade económica.”

-Ac. do STJ, de 24-05-2023[20]: “Em atividades essencialmente assentes na mão de obra, como certas atividades de segurança de instalações, um conjunto organizado de trabalhadores especial e duradouramente afetos a uma tarefa comum pode, mesmo na ausência de outros fatores de produção, ser uma unidade económica, que se transmite quando o novo prestador de serviços decide manter a maioria ou o essencial dos efetivos, “aproveitando” a organização já existente para desenvolver a sua própria atividade produtiva”.

-Ac. do STJ, de 8-03-2023[21] “Em uma atividade que repouse essencialmente sobre a mão de obra a identidade da entidade económica não se mantém – e não há transmissão – quando o novo prestador de serviços não retoma o essencial dos efetivos, em termos de número e de competências, tanto mais que não foi provada a transmissão de know-how.”

Cumpre ainda vincar que a lei da segurança privada (Lei nº 34/2013, de 16 de maio) não permite a transmissão, por qualquer via e título, do alvará/licença entre as empresas de segurança privada (cf. art.º 51º/6 do referido diploma legislativo).

Resultou provado que a ré A... é associada da AESIRF- Associação Nacional das Empresas de Segurança desde 2006, não sendo associada da AES- Associação de Empresas de Segurança (facto 7).

A AESIRF celebrou com a ASSP - Associação Sindical da Segurança Privada um CCT (revisão global)[22], o qual contém uma cláusula 14.ª n.º 2 com a seguinte redação: “Não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador”.

O TRL[23] declarou a invalidade do n.º 2 da cláusula 13.ª do supra identificado CCT entre a AES (Associação das Empresas de Segurança) e AESIRF (Associação Nacional das Empresas de Segurança) e o STAD (Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas) que tinha a seguinte redação:  “Não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador”.

Assim sendo, a cláusula 14ª, nº 2 não pode subsistir validamente[24].

No caso vertente, resultaram provados, nomeadamente os seguintes factos:

-Os serviços de vigilância que a “B...” prestava para o grupo C... nos estabelecimentos referidos, em particular no “D...”, foram concessionados à ré A... com efeitos a partir do dia 1 de janeiro de 2020 (facto 4).

- Dos estabelecimentos referidos nos nºs 1 e 3 apenas foram adjudicados à Ré A... os serviços de vigilância no D... de ... e no H... de ... (facto 8).

-Apenas parte da equipa de vigilantes que trabalhava no D... de ... da interveniente B... passou a trabalhar para a ré A... a partir de 02 de janeiro de 2020 (facto 14).

-Para além dos meios humanos afetos à atividade de segurança, designadamente no posto D... de ... do cliente D..., são utilizados pelos vigilantes que aí prestam serviço e também pelo Supervisor da Ré, meios materiais, designadamente fardas, registos/meios informáticos, impressos (notas de comunicação internas, registo de entradas e saídas de pessoas, relatório de turnos, escalas de turno), lanternas e bastões de ronda, Central Recetora de alarmes 24H/dia a funcionar na sede da Ré A..., na ... abrangendo televigilância/CCTV/deteção de Intrusão/Incêndio (facto 23).

-Instrumentos de trabalho da ré que lhe pertencem e que não foram transmitidos, ou por qualquer forma, cedidos pela empresa B..., nem pelo próprio cliente-D... (facto 24).

-A ré tem também no seu ativo empresarial elementos incorpóreos, que utiliza de forma direta em todos e quaisquer postos onde presta serviço, designadamente, alvarás próprios, seguros, métodos de organização de trabalho, cultura empresarial e Know how que lhe são próprios e que não lhe foram transmitidos pela empresa B... ou sequer pelo cliente D... (facto 25).

-Por concurso, para aquisição de serviços de segurança e vigilância, a D..., adjudicou à ré, com efeitos a partir de 2 de janeiro de 2020 a prestação de serviços de segurança e vigilância (facto 26).

- No âmbito desse contrato de prestação de serviços, a ré obrigou-se, com efeitos a partir de 2 de janeiro de 2020 à prestação de serviços de segurança e vigilância, nas instalações do D..., designadamente, entre muitos outros, no D... de ... (facto 27).

-A ré colocou no posto de D... 2 vigilantes que já pertenciam aos seus quadros (facto 28).

-A ré admitiu ao seu serviço 7 trabalhadores vigilantes - FF, GG, HH, II, JJ, KK, este desempenhando as funções de Chefe de Grupo, e ...- que anteriormente prestavam serviço para a Interveniente B..., celebrando com os mesmos os contratos de trabalho juntos aos autos em 18-01-2021 (facto 29).

- Na sequência da adjudicação da prestação de serviços de vigilância, o Supervisor, da Ré DD, deslocou-se ao posto de trabalho em causa, tendo em vista proceder ao levantamento das necessidades e se inteirar das particularidades do serviço com o cliente, de forma a que no dia 2 de janeiro de 2020 se iniciasse a prestação de serviços contratados e adjudicados por concurso (facto 30).

- O que fez, além do mais, para proceder ao recrutamento e admissão de vigilantes em número suficiente e com o perfil adequado ao serviço em causa (facto 31).

- Tendo questionado os vigilantes que exerciam funções para a Interveniente B... estes manifestaram-lhe interesse em ingressar nos quadros da ré (facto 32).

- Após a ré ter selecionado os vigilantes que pretendia admitir, estes facultaram à Ré, antes de 2 de janeiro de 2020 todos os documentos individuais que esta lhe solicitou com vista à sua admissão (facto 33).

- A interveniente B... manteve após 2 de janeiro de 2020 e mantém ainda a sua atividade de forma regular, continuando a prestar serviços de segurança noutros locais e clientes (facto 34).

-A interveniente é uma empresa de segurança privada cujo objeto societário exclusivo é a prestação de serviços de segurança privada, nomeadamente a vigilância humana e eletrónica (facto 38).

-No âmbito dessa atividade, a Interveniente garante a vigilância e segurança de pessoas e bens em locais de acesso ao público; de acesso vedado ou condicionado ao público; vigiando a entrada, a presença e a saída de pessoas e bens nesse local de trabalho (facto 39).

- A interveniente assegurou, à C.../D..., serviços de segurança e vigilância humana que assentaram na disponibilização de serviços de vigilância (facto 41).

-No âmbito de tal contrato a interveniente prestou serviços de vigilância e segurança, ininterruptamente, em várias instalações da C.../D..., incluindo o D... de ... e H... de ... (facto 42).

-No referido local de trabalho os serviços de vigilância e de segurança humana, contratados pela pelos três (3) C..., eram assegurados pelos três (3) Autores ao serviço da Interveniente e por outros oito (8) colegas, Interveniente e por a saber - FF, GG, LL, HH, II, JJ, KK e ... - e do seguinte modo:

a) Controlo de entrada e saída de pessoas;

b) Monotorização através de sistema CCTV interno das imagens recolhidas a partir das câmaras distribuídas pelas instalações;

c) Executar giros periódicos às instalações – rondas de segurança

d) Circulação no interior do estabelecimento comercial;

e) Encerramento das instalações com fecho portas e ativação alarme, com fiscalização de despistagem de intrusos;

f) Elaborar os relatórios de ocorrências diárias;

g) Proceder ao encerramento das instalações;

h) Proceder à colocação de selos de segurança em todas as portas de emergência das instalações no fecho das instalações.

i) Monotorização dos sistemas de intrusão, deteção de incêndios e do sistema de frio (facto 44).

- No mencionado local de trabalho, os referidos serviços de vigilância e de segurança humana contratados pela C..., foram assegurados pela Interveniente durante alguns anos e até ao dia 31 de Dezembro de 2019 (facto 45).

-Os autores possuíam habilitações profissionais para o cabal desempenho das funções que lhe estavam atribuídas, uma vez que frequentaram, com aproveitamento, as ações de formação exigidas pelo regime jurídico da atividade de segurança privada (facto 47).

-O que sucedia com os demais colegas vigilantes dos Autores, que nas referidas instalações, que correspondiam ao seu local de trabalho, exerciam as funções de segurança privada (facto 48).

- A interveniente tinha uma equipa estável no posto do D... sendo que, dos 11 trabalhadores, os mais novos eram a autora AA e o autor CC sendo que os restantes já ali trabalhavam há algum tempo de forma estável (facto 51).

- Ao longo do referido período de prestação dos serviços de vigilância, a Interveniente desenvolveu a sua atividade naquelas instalações através dos Autores e seus colegas, os quais cumpriam e faziam cumprir procedimento de segurança e operacionalidade, e com recurso a bens e equipamento destinados a controlar o acesso, permanência e saída das instalações de pessoas e bens, para dar resposta às especificidades e rotinas de segurança exigidas pelo cliente C... (facto 52).

-Para o exercício das funções dos autores ao serviço da Interveniente os autores dispunham nas referidas instalações do cliente C..., de uma secretária, uma cadeira, um computador com um monitor, teclado, sistema de CCTV interno com a monitorização de câmaras de vídeo instaladas, e um sistema de alarme de intrusão e de incêndio, que eram propriedade da C... (facto 59).

-A ré A... Empresa de Segurança S.A. no dia 01 de janeiro de 2020 quando iniciou o serviço de segurança e vigilância humana nas instalações da C... retomou a utilização dos bens e equipamentos afetos ao referido serviço, cuja propriedade pertence à entidade C... (facto 61).

-A interveniente prestou serviço até às 24h00 do dia 31 de dezembro de 2019, tendo a ré A... Empresa de Segurança S.A., iniciado funções às 00h00 do dia 1 de janeiro de 2020, inexistindo qualquer momento de ausência de prestação de serviço de segurança, não tendo ocorrido nenhuma interrupção do serviço de segurança e vigilância prestados no cliente C... (facto 62).

Constata-se assim, que no caso vertente, o novo prestador de serviços reassumiu a maioria dos efetivos – mais concretamente 7 dos 11 vigilantes, como resulta do facto 44 – que o anterior prestador afetava à vigilância das instalações do mesmo cliente.

Conforme se escreveu no Ac. do STJ, de 24-05-2023, proc. 10691/19....  acima citado “O Tribunal de Justiça proferiu recentemente, a 16 de fevereiro de 2003, no processo B..., C-675/21, um Acórdão em que decidiu que “[o] artigo 1.°, n.º 1, da Diretiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que não é suscetível de ser abrangida pelo âmbito de aplicação desta diretiva uma situação em que uma empresa prestadora de serviços que, para as necessidades de um dos seus clientes, tinha afetado a este último uma equipa composta por um certo número de trabalhadores é substituída, por esse cliente, para prestar os mesmos serviços, por uma nova empresa prestadora e em que, por um lado, esta última assume apenas um número muito limitado dos trabalhadores que integravam essa equipa, sem que os trabalhadores reintegrados tenham competências e conhecimentos específicos indispensáveis para a prestação dos serviços ao referido cliente, e, por outro, não se verificou a transmissão para a nova prestadora de bens corpóreos ou incorpóreos necessários para a continuidade desses serviços.

(…).

Ora, o Tribunal de Justiça decidiu, em relação a uma empresa de limpeza, que um conjunto organizado de trabalhadores que são especial e duradouramente afetados a uma tarefa comum pode, na ausência de outros fatores de produção, corresponder a uma entidade económica”.

Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que, em certos setores nos quais a atividade assenta essencialmente na mão-de-obra, um conjunto de trabalhadores que executa de forma duradoura uma atividade comum pode corresponder a uma entidade económica, essa entidade é suscetível de manter a sua identidade para além da sua transferência, quando o novo empresário não se limita a prosseguir a atividade em causa, mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efetivos que o seu  predecessor afetava especialmente a essa missão. Nessa situação, a nova entidade patronal adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitirá a prossecução, de modo estável, das atividades ou de parte das atividades da empresa cedente.

A atividade de segurança das instalações, como a que está em causa no presente processo, é uma atividade que se baseia essencialmente na mão-de-obra, sendo os bens corpóreos secundários para o exercício da referida atividade.

Um conjunto organizado e estável de trabalhadores afeto à atividade em benefício de um cliente pode, assim, constituir uma unidade económica na aceção do nº 5 do artigo 285º do CT, não sendo relevante para a existência de uma unidade económica que a mesma não possua, por exemplo, um alvará próprio.

(…).

E se um conjunto organizado de trabalhadores pode constituir, em si mesmo, uma unidade económica, então a manutenção da maioria dos efetivos, ainda que desacompanhada de outros indícios, é suficiente para que haja transmissão de unidade económica.

Na verdade, “[t]al entidade, embora deva ser suficientemente estruturada e autónoma, não inclui necessariamente elementos de ativos, materiais ou imateriais, significativos. Com efeito, em certos sectores económicos como a limpeza e a segurança, estes elementos são muitas vezes reduzidos à sua expressão mais simples e a atividade assenta essencialmente na mão-de-obra. Assim, um conjunto organizado de trabalhadores que são especial e duradouramente afeitos a uma tarefa comum pode, na ausência de outros fatores de produção corresponder a uma entidade económica” (sublinhado nosso). Neste caso a reassunção da maioria ou do essencial dos efetivos acarreta que o novo prestador de serviços optou por adquirir “um conjunto organizado de elementos que lhe permitem a prossecução, de modo estável, das atividades ou de parte das atividades da empresa cedente”, verificando-se a transmissão de uma unidade económica, com as suas legais consequências.

Importa, pois, concluir pela existência de transmissão de unidade económica da interveniente B... para a ré A..., pelo que procede a apelação, com a consequente, revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra em que se decide absolver a interveniente, ora recorrente, dos pedidos deduzidos contra si pelos autores.

                                                                           x

Ficam assim prejudicadas as demais questões suscitadas- artigo 608º, nº 2 “parte final” ex vi do artigo 663º, nº 2 “parte final”, ambos do CPC.

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em revogar o decidido na sentença recorrida, e em substituição decide-se absolver a interveniente, ora recorrente, dos pedidos deduzidos contra si pelos autores.

Custas pelos recorridos, atendendo ao seu vencimento- artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC, sendo certo que os trabalhadores representados pelo Ministério Público estão isentos de custas- art.º 4º, nº 1, al. h), do RCP.
                                                                                                           Coimbra, 6 de outubro de 2023
Mário Rodrigues da Silva- relator
Joaquim Felizardo Paiva- adjunto
Paula Maria Roberto- adjunta

Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC):
(…).

Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original


([1]) António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho II, Direito Individual, 2021, p. 778.
([2]) Contrato de Trabalho- Noções Básicas- 2022, p. 189.
([3]) Manuel Eduardo Bianchi Sampaio, Prontuário de Direito de Trabalho 2021-I, “Transmissão de empresa ou estabelecimento nos setores de atividade em que o elemento essencial é a mão de obra e a Lei nº 18/2021 de 8 de abril, pp. 274, 275, 276 e 277.
([4]) Transmissão de Estabelecimento, 2021, pp. 43-44.
([5]) Segundo este autor “Pode dizer-se, grosso modo, que a autonomia técnico-organizativa é a aptidão para produção de bens e serviços, mas que a interpretação, no entanto, deve ser feita com cautela e à luz do direito comunitário, significando a existência de uma estabilidade e de uma suficiente autonomia funcional da entidade prévias à transmissão. Isto refere-se, também, aos poderes que determinados responsáveis de grupo de trabalhadores têm para distribuir tarefas e dar instruções sem a necessidade de intervenção direta de outras estruturas da organização. A identidade, por sua vez, traduz-se não só pela atividade que a unidade económica desenvolve, mas também (e essencialmente) pelos trabalhadores a ela afetos, e pela organização do trabalho, seus meios e métodos de exploração”.
([6]) Ac. de 19-10-17, proc. C-200/16, in JOUE, C-424, de 11-12-17.
([7]) Ac. de 11-02-21, proc. 100/20.0T8SNS.E1, relatora Paula do Paço, www.dgsi.pt.
([8]) Ac. de 28.01.21, proc. 959/18.1T8BJA.E1, relator Moisés Silva, www.dgsi.pt.
([9]) Proc. 1999/20.6T8FAR.E1, relator Mário Branco Coelho, www.dgsi.pt.
([10]) Ac. de 21-10-2020, proc. 4094/19.7T8PRT.P1, relator Nelson Fernandes, www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Ac. do TRP, de 12-07-2023, proc. 2810/20.3T8PNF.P1, relatora Teresa Sá Lopes, www.dgsi.pt.
([11]) Ac. de 31-05-2023, proc. 9810/20.1T8SNT.L1-4, relatora Maria José Costa Pinto, www.dgsi.pt.
([12]) Ac. do TRP, de 3-05-2023, proc. 1240/21.4T8BRR.L1-4, relatora Maria José Costa Pinto, www.dgsi.pt.
([13]) Ac. do TRP, de 5-06-2023, proc. 563/20.4T8MAI.P1, relator António Luís Carvalhão, www.dgsi.pt.
([14]) Ac. de 29-03-2021, proc. 1661/20.0T8CSC.L1-4, relatora Francisca Mendes, www.dgsi.pt.
([15]) Ac. de 16-09-2022, proc. 3037/20.0T8CBR.C1,  relator Azevedo Mendes, www.dgsi.pt.
([16]) Ac. de 06-12-17, proc. 357/13.3TTPDL.L1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes, www.dgsi.pt.
([17]) Proc. 1150/20.2T8EVR.E1.S1, relator Mário Belo Morgado, www.dgsi.pt.
([18]) Proc. 8268/20.7T8LSB.L1.S1, relator Domingos José de Morais, www.dgsi.pt.
([19]) Proc. 545/20.6T8PNF.P1.S1, relator Júlio Gomes, www.dgsi.pt.
([20]) Proc. 10691/19.3T8 PRT.P1.S1, relator Júlio Gomes, www.dgsi.pt.
([21]) Proc. 445/19.2T8VLG.P1.S1, relator Júlio Gomes. www.dgsi.pt.
([22]) Publicado no BTE, n.º 26, de 15-07-2019.
([23]) Ac. de 25-03-2015, proc. 357/13.1TTPDL.L1-4,  relator José Eduardo Sapateiro, www.dgsi.pt.
([24]) Cf. Ac. do TRC, de 16-09-2020, proc. 3037/20.0T8CBR.C1, relator Azevedo Mendes, www.dgsi.pt.