Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2882/21.3T8LRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HUGO MEIRELES
Descritores: PRESTAÇÃO FORÇADA DE CONTAS
LEGITIMIDADE
PATRIMÓNIO DE BENEFICIÁRIO DE MEDIDA DE ACOMPANHAMENTO
PARENTE SUCESSÍVEL DO BENEFICIÁRIO
EXCEÇÃO DILATÓRIA ATÍPICA
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 02/18/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 30.º, N.ºS 1 A 3, 941.º, 949.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 151.º, N.º 2, 1161.º, AL.ª D), E 1944.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – No âmbito da ação para prestação provocada de contas, o respetivo autor terá de ser o titular dos bens e o réu o administrador dos mesmos;

II – Assim, a legitimidade para instaurar ação de prestação forçada de contas contra aquele que administrou o património de beneficiário de medida de acompanhamento, em período anterior ao decretamento judicial de tal medida, assiste ao próprio acompanhado, eventualmente representado pelo seu acompanhante;

III – A prestação forçada de contas do acompanhante designado em sentença que decretou a aplicação de medida de acompanhamento a maior apenas pode ser requerida por parente sucessível do beneficiário, nos termos do n.º 1 do art.º 949º do CPC, quando o acompanhante, após cessar as suas funções, não as prestar de forma espontânea.

IV – Tendo aquele parente sucessível do beneficiário da medida de acompanhamento, em vida deste, instaurado ação de prestação forçada de contas contra o acompanhante, sem que este tenha incumprido a obrigação de prestar espontaneamente as contas da sua administração, verifica-se uma exceção dilatória atípica, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, que determina a absolvição do réu da instância.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Requerente/Recorrente: AA

Requeridos/recorridos: BB e CC.


I. Relatório

AA instaurou a presente ação especial de prestação de contas contra BB e CC, pedindo que, na qualidade de acompanhante e protutor, respetivamente, de DD, apresentassem contas dos períodos a que alude no corpo da petição inicial.

Alega, em síntese, que, por sentença proferida a 14 de maio de 2023, os réus BB e CC foram indigitados acompanhante e protutor, respetivamente, do dito DD, e que, no período compreendido entre 25 de março de 2021 (data que a referida sentença fixa o início da incapacidade) e 5 de junho de 2023, o segundo réu administrou o património do beneficiário/acompanhado, tendo, com recurso a uma procuração datada de 15 de setembro de 2021, procedido à alienação de três viaturas da propriedade do beneficiário, embora nunca tenha prestado contas.

Já a ré BB deverá prestar contas da sua administração do património do beneficiário referente ao período compreendido entre 05-06-2023, data do trânsito em julgado da sentença que a nomeou acompanhante e a data da instauração da presente ação

Pretende o autor, que foi nomeado vogal do conselho de família, certificar-se que o património do beneficiário, seu pai, está a ser administrado no interesse deste, uma vez que a ré BB não respondeu à interpelação escrita que lhe dirigiu para que prestasse contas.


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Defendendo-se, os réus vieram dizer que apesar de o réu CC ser quem efetivamente gere o património do beneficiário – por falta de disponibilidade e de conhecimentos técnicos e financeiros da acompanhante – nunca o fez em benefício ou interesse próprios, terminando ambos a prestar as contas da sua administração.

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Dando cumprimento ao preceituado no art.º 3º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o tribunal a quo ordenou a notificação das partes dando conta da intenção de proferir decisão a julgar verificada a ilegitimidade do autor para instaurar a ação de prestação de contas contra os réus, aqui apelados.

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A 16 de junho de 2024 foi proferido despacho que, julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do autor e passiva de ambos os réus e consequentemente decidiu absolver os réus da instância, condenando o requerente nas custas do processo.

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Não se conformando com esta decisão, veio o autor interpor recurso, onde conclui da seguinte forma:

(…).


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Os apelados apresentaram contra-alegações que concluem nos seguintes termos:

(…).


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

No seguimento desta orientação, no presente recurso importa apreciar se havia, ou não, fundamento para absolver os réus da instância, com fundamento na verificação da exceção dilatória de ilegitimidade ativa e passiva.


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A) De Facto

Os factos a considerar são os que resultam do relatório antecedente e das considerações infra exaradas.


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B) De Direito

Na decisão recorrida considerou-se, além do mais, que, nos termos em que foi configurada a ação, não têm o autor/apelante, tal como não têm os réus, legitimidade para a causa.

Vejamos, por isso, a questão da legitimidade processual.

O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar, interesse este que se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação – art. 30º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 30º do Código de processo Civil, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

O preceito em causa exige que o interesse seja direto. O interesse direto é a condição da legitimidade das partes.

Como nos ensina o Professor Alberto dos Reis[1] “O que importa, em cada caso concreto, é apurar quem deve propor a acção e contra quem deve ser proposta para que o tribunal haja de conhecer do pedido, isto é, para que o tribunal se pronuncie sobre a relação jurídica substancial, objecto da acção. Sendo assim, facilmente se compreende que a questão da legitimidade das partes sob o ponto de vista substancial é, na essência, uma questão de posição do autor e do réu relativamente à relação jurídica material que constitui o tema do litígio.” (…)

“Não basta, pois, um interesse indirecto ou reflexo; não basta que a decisão da causa seja susceptível de afectar, por via de repercussão ou por via reflexa, uma relação jurídica de que a pessoa seja titular. Ou seja, não basta que as partes sejam sujeitos duma relação jurídica conexa com a relação litigiosa; é necessário que sejam os sujeitos da própria relação litigiosa[2]

A legitimidade reconduz-se a uma posição das partes em relação ao objeto do litígio que é a relação jurídica controvertida. Só que o objeto do processo em que se traduz o litígio que o autor trouxe ao conhecimento do tribunal para o resolver e decidir é delineado e delimitado pelo próprio autor, sendo, em princípio dentro desses limites que o tribunal o há de conhecer e decidir[3] O interesse direto de que deriva a legitimidade segundo o preceito consiste em as partes serem os sujeitos da relação jurídica material submetida à apreciação do tribunal. A legitimidade deve ser, pois, referida à relação jurídica objeto do pleito e determina-se averiguando quais são os fundamentos da ação e qual a posição das partes relativamente a esses fundamentos[4].

No que concerne à ação de prestação de contas, existe preceito específico a estabelecer por quem e contra quem pode ser proposta.

Nos termos do artigo 941º do Código de Processo Civil, «a ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se».

Deste preceito legal - que contém uma regra relativa à legitimidade (conferindo legitimidade ativa àquele que tenha o direito de as exigir e passiva àquela que tem obrigação de as prestar) - resulta que o direito de exigir a prestação de contas está diretamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem.

Essa atividade de administrador de bens alheios é suscetível de gerar receitas, podendo também impor a realização de despesas. Do confronto das receitas e despesas decorrerá ou não o apuramento de um saldo que aquele será condenado a pagar.

O mesmo entendimento tem a doutrina, como se constata dos ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. I, pág. 302 e segs., onde escreve: “Pode formular-se este princípio geral: quem administra bens alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses”, e na R.LJ, ano 82º, pág. 413, em que escreveu: “a prestação de contas pressupõe que a pessoa a quem são pedidas as contas exerceu gerência ou administração de interesses da pessoa que as pede”.

Diz-nos o Ac. do STJ de 17.03.2016[5] que “(…) Inexistindo norma legal que, em termos gerais, consigne o dever de prestar contas, extrai-se um princípio geral - quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses - dos normativos que, casuisticamente, impõem essa obrigação (cfr. entre outros, artigos 95.º, 465.º, alínea c), 662.º, 1161.º, alínea d), 1920.º, n.º2, 1944.º, 2002.ºA, 2332.º, todos do Código Civil).
Acresce que essa obrigação pode ainda resultar de negócio jurídico, ou mesmo impor-se em nome do princípio da boa-fé, constituindo entendimento pacífico o facto não ser necessário que essa administração se funde em contrato, pois que a essência da obrigação de prestação de contas radica, em primeira linha, numa só circunstância: a ocorrência de administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte.
Independentemente da respectiva fonte, a administração de bens alheios tem por subjacente uma relação jurídica estabelecida entre o titular dos bens administrados e o respectivo administrador. Nessa medida, no âmbito da acção para prestação provocada de contas, o respectivo autor terá de ser o titular dos bens e o réu o administrador dos mesmos. (sublinhado nosso)
Através da presente ação, instaurada por apenso à ação de maior acompanhado de seu pai, na qual, por sentença de 14 de maio de 2023, foi decretada a medida de acompanhamento de representação geral deste, o autor/recorrente arroga-se do direito de exigir dos réus, nomeados acompanhante e protutor, respetivamente, a prestação de contas relativamente à administração dos bens daquele seu pai.
Especifica que o referido CC, no período compreendido entre 25 de março de 2021 (data que a referida sentença fixa o início da incapacidade) e o dia 5 de junho de 2023 (data do trânsito em julgado da mesma sentença), administrou o património do beneficiário, fazendo-o, a partir de 15 de Setembro de 2021, através de uma procuração outorgada pelo seu pai, com a mesma data, sem nunca ter prestado contas da sua administração.
Por seu turno, após o trânsito em julgado da referida sentença, é a ré BB, na qualidade de acompanhante nomeada ao beneficiário, quem administra o património deste, não tendo esta prestado as contas a que está obrigada.
A decisão sob apreciação considerou verificada a exceção de ilegitimidade ativa e passiva (de ambos os réus) e consequentemente determinou a absolvição dos réus da instância.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
Desde logo, afigura-se-nos que, tal como configurada a ação pelo autor, a obrigação de prestação de contas a cargo do réu CC, pela administração do património de seu pai, não poderia ser exigida através do processo especialíssimo previsto no art. 948º do Código Civil, que apenas rege para a prestação de contas das pessoas ali mencionadas, o tutor e o acompanhante.
Como bem refere a decisão recorrida, “(e)ste dever de prestação de informações por via judicial só caberia na previsão do artigo 941.º, do Código Civil, precisamente porque o segundo réu não é representante legal do acompanhado, antes seu protutor, cujas funções são as consagradas nos artigos 1955.º, n.º 1 e 1956.º, ambos do Código Civil: substituição, cooperação e fiscalização da ação do acompanhante, podendo encarregar-se da administração de certos bens”.
De facto, sobre os membros do conselho de família, por força dos deveres de vigiar a fiscalizar a atividade do acompanhante, não recai a obrigação de prestar contas que recai sobre este último.[6]
Não existe, por isso, qualquer fundamento legal para que exigência de contas a este réu fosse instaurada por apenso à sobredita ação de maior acompanhado, uma vez que o art.º 947º do Código de Processo Civil - que estabelece tal “regra conexão ou dependência” - refere-se apenas às contas a prestar por representantes legais dos incapazes, pelo cabeça de casal e por administrador ou depositário judicialmente nomeados 
O dever de prestação de contas a cargo deste réu, pela administração do património do seu pai, cujo período o autor/recorrente limitou entre 25 de março de 2021 e 5 junho de 2022 (portanto, anterior à sua investidura como membro do conselho de família e protutor) poder-se-á fundar numa relação jurídica de mandato estabelecida entre o dito réu e o mencionado DD, por decorrência do disposto no disposto no art. 1161º, al. d) do Código Civil.
Com é sabido, um tal acordo ou contrato não se confunde com a procuração, que é um negócio jurídico unilateral pelo qual alguém concede poderes de representação a outrem e que, por dele não decorrer a obrigação de praticar os atos para os quais foram concedidos poderes ao procurador, é insuscetível de, por si só, gerar a obrigação de prestar contas do procurador[7]
E se assim é, a legitimidade para instaurar ação especial de prestação de contas  recai somente sobre aquele que tem o direito de as exigir, o referido DD, enquanto mandante e/ou enquanto titular dos bens objeto da administração, no caso representado pela acompanhante que lhe foi nomeada - a quem foram atribuídos poderes de representação geral (art.º 145º, n.º 1, al b) do Código Civil) - devidamente autorizada pelo tribunal nos termos do art.º 1938º, n.º 1, al. e) do Código Civil (ex vi do art.º 145º, .º 4 do mesmo Código Civil).
Por conseguinte, o recorrente não tem legitimidade para instaurar contra o réu CC ação a exigir-lhe que preste contas da administração que terá feito do património do beneficiário, seu pai – posto que não se encontra numa posição jurídica subjetiva individual que legitime a exigência de prestação de contas a quem administra os bens deste -  não valendo aqui o argumento, aduzido nas alegações de recurso, de que tal legitimidade lhe advirá da circunstância de ser sucessor daquele beneficiário e eventualmente estar obrigado a prestar alimentos ao mesmo.

É que, estando vivo o mencionado titular do direito a exigir a prestação de contas, o recorrente, enquanto herdeiro legitimário do mesmo, tem somente uma expectativa jurídica de vir a suceder àquele beneficiário e a herdar os bens que este possa deixar, o que não lhe confere, naturalmente, o direito de exigir as contas da administração dos bens deste por terceiro.

Não merece, assim, censura a decisão recorrida quando julgou o recorrente parte ilegítima para instaurar a ação contra o réu CC.

Vejamos, agora, se está verificado o pressuposto da legitimidade ativa no que se refere ao pedido de prestação de contas que o ora recorrente formulou contra a ré BB, na qualidade de acompanhante do beneficiário DD, referentes ao período posterior à data do transito em julgado da sentença que decretou o acompanhamento deste e a nomeou como sua acompanhante.

Estabelece o art.º 151º, n.º 2 do Código Civil que “o acompanhante presta contas ao acompanhado e ao tribunal, quando cesse a sua função u, na sua pendência, quando o tribunal o determinar”.

É também a conclusão que se extrai do disposto no art.º 1944º do Código Civil - que estabelece a obrigação de prestar contas do tutor - posto que, nos termos do n.º 2 do art.º 145º do Código Civil, a representação legal do acompanhado segue o regime da tutela, com as adaptações necessárias.

Estabelecem estas normas, inequivocamente, uma obrigação de prestação de contas a cargo do acompanhante, sendo que o Código de Processo Civil prevê, nos artigos 948º do Código de Processo Civil, um “processo especialíssimo” para a prestação de contas do tutor ou do acompanhante.

Não podemos assim acompanhar a decisão recorrida quando nela se afirma que a ré BB é parte ilegítima. De facto, o que está em causa não é o pressuposto processual da ilegitimidade da Ré – no sentido da sua insusceptibilidade para ser demandada no processo especial de prestação de contas – mas antes a falta de verificação dos pressupostos de que a lei faz depender a exigência daquela sua obrigação de prestação de contas, enquanto acompanhante do beneficiário DD.

Do mesmo modo, parece-nos que não se pode concluir, in casu, pela ilegitimidade do requerente, ora apelante, enquanto parente sucessível do beneficiário do acompanhamento, para requerer a prestação de contas da recorrida, na qualidade de acompanhante deste.

Aliás, tal legitimidade resulta evidente do disposto no n.º 1 do art.º 949º do Código de Processo Civil, segundo o qual, «se o tutor ou acompanhante não prestar espontaneamente as contas, é citado para as prestar no prazo de 30 dias, a requerimento do Ministério Público, do acompanhado, do novo acompanhante, quando o haja, ou de qualquer parente sucessível do incapaz» (sublinhado nosso).

Sucede é que o exercício do direito que a lei confere ao parente sucessível de requerer a prestação de contas do acompanhante está dependente da circunstância de este último não ter espontaneamente prestado as suas contas, sendo que, como se disse, só está obrigado a fazê-lo quando cessem as suas funções de acompanhante, situação que não ocorre (nem é invocada pelo apelante).

Cremos, por isso, poder afirmar que a falta de prestação espontânea de contas pela acompanhante após a cessação as suas funções, constitui um pressuposto da ação de prestação forçada de contas a requerimento de qualquer das pessoas previstas no n.º 1 do art.º 949º do Código de Processo Civil.

A não verificação desse pressuposto em ação instaurada por alguma das pessoas identificadas no n.º 1 do mencionado art.º  949º do Código de Processo Civil - designadamente, como sucede no caso em apreço, pelo parente sucessível do beneficiário/acompanhado – obsta que, nessa instância, se conheça de mérito, traduzindo-se assim numa exceção dilatória inominada insuprível, de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância[8].

Argumenta ainda o recorrente que, perante os factos trazidos aos autos, designadamente através dos requerimentos pelos quais os recorridos vieram apresentar as suas contas – dos quais decorre que ambos assumem ser o réu  CC quem, de facto, nos últimos anos e mesmo após a decisão que determinou o acompanhamento, vem exercendo a administração dos bens do beneficiário – deveria ter o tribunal a quo exigido ex officio a prestação forçada de contas pelos recorridos, nos termos do n.º 2 do art.º 151º do Código de Processo Civil (conclusão XXII). Não o tendo feito – diz o recorrente - “O Tribunal a quo negligenciou os aspetos relevantes do regime do Maior Acompanhado, mormente, o cuidado com a vertente da administração dos bens do Maior”. E, de facto, a componente de administração dos bens do acompanhado levada a cabo pelo acompanhante pode e deve ser seguida pelo tribunal através da prestação de contas judicialmente determinada, nos termos do artigo 151.º, n.º 2 do Código Civil, sempre que o tribunal o entenda por justificado.

Trata-se, contudo, de questão que não foi colocada ao tribunal de 1ª instância e, por isso, não foi objeto da decisão recorrida. Porque somente invocada em sede de recurso, constitui uma questão nova que, não sendo do conhecimento oficioso deste Tribunal, não é passível de apreciação nesta sede.

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Isto posto, entende-se ser de manter a decisão recorrida, que absolveu os réus da instância no processo especial de prestação de contas contra eles movido pelo autor/apelante, ainda que em parte com fundamentos distintos desta.
Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do CPC):
(…).

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III - DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente por não provada a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.


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Custas pela recorrente
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Coimbra, 18 de fevereiro de 2025

Assinado eletronicamente por:
Hugo Meireles
Anabela Marques Ferreira
Cristina Neves

(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam)



[1] Código de Processo Civil Anotado, Volume I, página 76, 3ª Edição – reimpressão, Coimbra Editora.

[2] Professor Alberto dos Reis, op. cit. pag. 82.

[3] Cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de março de 1981 (BMJ, 305º-338).

[4] Cf. Acórdão do STJ de 16-07-1981, RLJ, 116º-12, com anotação de Antunes Varela.

[5] Processo 806/13.0TVLSB.L1.S1 (Relator Lopes do Rego),
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3-03-2022, processo n.º 1631/13.4TBVCT-E.G1 (Relatora Lígia Venade), disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cf., neste sentido, Acórdão do STJ de 10-09-2019, processo n.º 1546/15.1T8CTB.C1.S1, (Relatora Assunção Raimundo), acessível em www.dgsi.pt.
Em sentido diverso, entendeu o Ac. do STJ de 9-02-2006, processo n.º 05B4061, in www.dgsi.pt, que está obrigado a prestar contas o procurador que age com poderes de representação, administrando bens ou interesses do representado, independentemente da existência ou da natureza de negócio de que resultou a procuração.
[8] O art.º 577º do Código de Processo Civil não faz enumeração taxativa das exceções dilatórias, referindo quais são elas entre outras, E o art.º 578º estabelece como regra o conhecimento oficioso das exceções dilatórias.