Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
167/21.4T8TCS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: INVENTÁRIO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
ELEMENTOS DO CONTRATO DE DOAÇÃO
ENTREGA DE QUANTIA EM DINHEIRO
DEPÓSITOS BANCÁRIOS PLURAIS
SUFICIÊNCIA DO PROCESSO DE INVENTÁRIO
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 362.º; 363.º E 408.º DO C. COMERCIAL
ARTIGOS 4.º E 8.º, 1 E 2 DO RGICSF
ARTIGOS 5.º, 1; 7.º 1 E 2; 46.º; 91.º, 1; 119.º, 1 E 2; 130.º; 411.º; 417.º, 1; 433.º; 436.º; 490.º, 1; 526.º, 1; 574.º; 607.º, 4; 613.º; 615.º; 619.º, 1; 620.º; 625.º, 2; 628.º; 662.º, 1; 663.º, 2; 780.º, 5; 1092.º; 1093.º, 1 E 1118.º, 2, DO CPC
ARTIGOS 217.º; 236.º; 295.º; 342.º, 1; 347.º, 1; 348.º, 1; 349.º; 350.º, 2; 351.º; 352.º, 355.º, 1 E 2; 356.º, 1 E 2; 457.º; 516.º; 940.º; 954.º, A) E B); 1403.º, 2; 2016.º, 2104.º; 2105.º; 2108.º, 2; 2109.º, 1; 2113.º; 2114.º; 2117.º; 2156.º; 2157.º; 2159.º, 2; 2162.º; 2163.º; 2168.º; 2171.º; 2173.º; 2174.º, 1 E 2; 2179.º; 2181.º; 2183.º; 2204.º E 2205.º ,DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I- Na fundamentação do acórdão esta Relação pode extrair os factos presumidos com base nos factos probatórios, pelo que nada obsta a que a Relação, independentemente de qualquer controlo, possa, através de presunções judiciais, baseadas nos factos apurados na 1.ª instância, deduza outros, só não lhe sendo lícito, excepto no caso de erro de julgamento, por recurso a essas presunções, dar como provado um facto que a 1ª instância julgou não provado;
II- A inferência presuntiva pressupõe uma relação entre o facto probatório e o facto probando, que se justifica através da inferência para a melhor explicação, pelo que só é possível inferir o facto probando do facto probatório, quando o primeiro constitui a melhor explicação do segundo, quando o facto presumido surja como consequência necessária do facto assente;
III- Da definição legal do contrato de doação extraem-se como elementos extraem-se os seguintes elementos estruturais característicos: como objecto, uma coisa ou direito ou uma obrigação; como função eficiente a transmissão daquele direito ou a assunção desta obrigação; como função económico-social, a liberalidade;
IV- A liberalidade– ou o espírito de liberalidade ou o animus donandi – não se presume;
V- Saber se os elementos do contrato de doação se verificam numa dada situação concreta depende da interpretação dos actos realizados e das declarações emitidas, pelo qual se afere o sentido ou significado daqueles actos, atendendo ao cânones hermenêuticos aplicáveis no caso;
VI- Nos casos em que alguém se limite a entregar a outrem dinheiro ou qualquer outra coisa móvel, sem declarações que expressem o título que justifica a entrega, para se chegar à conclusão de que a entrega é feita a título de doação é necessário, mas suficiente, excluir todos os outros títulos, i.e., provar que não há outro título justificativo dessa mesma entrega, dado que, em abstracto, dado que em abstracto, a entrega pode corresponder à formação de um contrato de liberalidade – doação, comodato ou mútuo gratuito – de troca – compra e venda – ou de garantia – penhor – ou ao cumprimento de uma qualquer outra obrigação contratual proveniente de outra fonte.
VII- A relação, no processo de inventário, de uma doação prejudica o interessado o pretenso donatário e beneficia o co-interessado, dado que só com essa relação poderá haver lugar à colação e, eventualmente, à redução por inoficiosidade, pelo que este último que está vinculado com a prova da conclusão do contrato de doação;
VIII- Nos depósitos bancários plurais, i.e., em que figuram como titulares da respectiva conta bancária duas ou mais pessoas, presume-se, iuris tantum, a sua pertença, em partes iguais, aos vários co-titulares;
IX- O processo especial de inventário está também submetido ao princípio da suficiência, tomado aqui com o significado de que esse processo é, em regra, o lugar adequado ao conhecimento de todas as questões cuja solução se revele necessária para a decisão a tomar - a partilha do património hereditário – princípio que tem o seu bom fundamento nas exigências de concentração, continuidade e celeridade do processo de inventário, pelo que deve ser actuado na medida do possível;

X- O fundamento da remessa dos interessados para os meios judiciais comuns relativamente a qualquer questão reside na complexidade da matéria de facto a ela subjacente, que torna inconveniente, na óptica das garantias das partes, a resolução no processo no processo de inventário, e não na concessão ao interessado, vulnerado com o ónus da prova, de que, naquele processo se não conseguiu livrar, de uma segunda oportunidade para satisfazer esse mesmo ónus.

Decisão Texto Integral:
Relator: Henrique Antunes
1.º Adjunta: Cristina Neves
2ª Adjunta: Teresa Albuquerque



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório.
No processo de inventário judicial, que, para por termo à comunhão do património hereditário de AA e cônjuge, BB, falecidos nos dias .../.../1995 e .../.../2001, respectivamente, corre termos no Juízo de Competência Genérica ..., do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, no qual são interessados CC e DD, que exerce as funções de cabeça-de-casal, este relacionou, entre outros bens, como bens próprios da inventariada, os seguintes:
- Verba 32.^: ta do depósito à ordem n.° ...OO, sediada na Caixa Geral de Depósitos, SA, no valor de € 1 939,89:
- Verba 33.^: ta da conta poupança com o n.° ...61, sediada na Caixa Geral de Depósitos SA, no valor de € 8 000,44.
O cabeça-de-casal relacionou ainda, sob a verba 36., como bens doados ao co-interessado, no dia 14 de Dezembro de 2020, a quantia de € 8 000,00.
O interessado CC reclamou contra a relação de bens, pedindo que os saldos das contas bancárias sejam relacionados pela totalidade, na exacta medida em que as quantias nelas depositadas foram-no pela inventariada com exclusão de outrem, e a eliminação da verba n.° 36, por não consubstanciar qualquer doação a seu favor.
O cabeça-de-casal, DD, respondeu que o reclamante reconhece expressamente que a quantia relacionada sob a verba n.° 36 lhe foi entregue em 14 de Dezembro de 2020, questionando apenas a qualificação jurídica de tal acto, que os € 8 000,00 se mantêm em seu poder e que se entende que tal quantia não lhe foi doada, deverá disso informar os autos para que a possa incluir na relação de bens como activo da inventariada, ainda a partilhar, pese embora em seu poder, e que nenhuma alteração deverá ser efectuada nas verbas n°s 32 e 33.
Na diligência de produção de prova testemunhal, realizada no dia 30 de Novembro de 2022, o interessado CC, requereu que, por reporte às verbas n.°s 32 e 33 da petição inicial a notificação da Caixa Geral de Depósitos para vir informar de que origem eram os depósitos efectuados nas contas e a quem pertencia o dinheiro nessas contas depositado.
Porém, o Sr. Juiz de Direito - ouvido o cabeça-de-casal, que se opôs ao requerimento - com fundamento em que o requerimento é manifestamente extemporâneo, que, tratando-se de contas também co-tituladas pela inventariada, tendo a possibilidade de o requerer e apresentar em juízo, pelo que só na eventualidade da instituição financeira recusar prestar a informação pretendida é que, então aí, se mostraria justificada a sua requisição por intermédio do Tribunal e, por fim, que a informação pretendida não se mostra idónea a demonstrar, per si, a propriedade dos valores titulados naquela conta bancária - indeferiu o requerimento.
Finalmente, por decisão de 29 de Dezembro de 2022, notificada às partes no dia 4 de Janeiro de 2032, o Sr. Juiz de Direito, com fundamento em que, não tendo o reclamante, como lhe competia, ilidido a presunção de que os valores depositados nas aludidas contas pertenciam em partes iguais aos seus titulares, e que não tendo o cabeça-de-casal provado a existência da doação, julgou improcedente e procedente, respectivamente, a reclamação, pelo que determinou a exclusão da doação da relação de bens.
É esta decisão - e só esta decisão - que o reclamante e o cabeça-de-casal impugnam através de recurso independente e subordinado, respectivamente.
O reclamante - que pede no seu recurso a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que ordene a remessa das partes para os meios comuns com vista a aferir da propriedade do dinheiro depositado nas contas bancárias ou, quando assim se não entenda, que sejam as verbas n.°s 37 e 38 relacionadas pela totalidade do saldo e não por metade - rematou a sua alegação, oferecida no dia 8 de Janeiro de 2023, com estas conclusões:
I. Quanto à questão da propriedade do dinheiro existente nas contas bancárias dadas como provada nos pontos 7 e 8 da matéria de facto, o Tribunal não se podia ter socorrido da presunção derivada do art.° 516.° do C. Civil, a qual apenas pode ser aplicada no caso de contas solidárias, mas já não no caso de contas conjuntas (Ac. T.R.L. de 12-02-2015, Proc. n.° 189/11.3TBFUN.L1-6 e Ac. T.R.C. de 04.10.2011, Proc. n.° 1233/09.0TBAVR.C1). Sendo certo que, no caso dos autos, nada foi dado como provado quanto a tal questão. Pelo que, o Tribunal não podia ter-se sorrido da referida presunção e com base nela julgar improcedente a reclamação à relação de bens deduzida no que concerne à questão da propriedade da totalidade do dinheiro da inventariada, invocada pelo aqui recorrente.
II. Dizer-se como faz o Tribunal, “a quo” na fundamentação da douta sentença recorrida, que “terá igualmente de se julgar improcedente a matéria que contende com a propriedade dos valores depositados nas contas bancárias das quais a inventariada era co-titular, tendo sido relegada para matéria de facto não provada que a mesma fosse proprietária da sua totalidade”, é meramente conclusivo, genérico e desprovido de qualquer fundamento de facto, já que o Tribunal não diz, em concreto, porque é que tal factualidade foi dada como não provada. Pelo que, deve a douta sentença recorrida ser declara nula e de nenhum efeito, ao abrigo do disposto no art.° 615.°, n.° 1 al. b) do C. P. Civil.
III. O Tribunal violou o princípio da descoberta da verdade material e da igualdade de armas previstos nos arts.° 4.° e 6.° do C:P. e os arts.° 1105.°, n.° 3 e 1093.° do C.P.C, pois que, caso entendesse que da prova testemunhal arrolada pelo reclamante e produzida não resultou, de modo suficientemente esclarecida a questão relativa à propriedade do dinheiro, então, atento o que foi dito pelas testemunhas, e em vez de lançar mão de uma presunção judicial - que não é um meio de prova - deveria ter ordenado a produção de outras diligências de prova que entendesse necessárias a esse fim, por se tratar de questão complexa, mormente, deveria ter ordenado que se oficiasse à respectiva entidade bancária para informar os autos sobre a natureza das contas bancárias (se eram conjuntas ou
solidárias); a data em que foram constituídas e data em que passaram a ser tituladas pela inventariada e pelo cabeça-de-casal; o saldo da conta existente nessa data em que passaram a ser tituladas por ambos e quais os depósitos efectuados nas referidas contas bancárias desde a data em que passaram a ser tituladas por ambos. Sendo certo que,
IV. essa produção de prova “ex officio” pelo Tribunal encontrava-se mais do que necessária e do que justificada, para além do mais, à vista das diligências de prova cuja produção foi também próprio Tribunal que entendeu serem necessárias e pertinentes quanto à prova de determinada factualidade alegada pelo outro interessado/cabeça-de-casal, e que, ordenou, oficiosamente, por via do despacho com a referência 29501613, do dia 28.06.2022.
Acresce que,
V. conjugando outras regras da lógica e da experiência comum com a matéria de facto dada como provada os pontos 1, 2 e 3, com o assento de nascimento do cabeça-de-casal junto como doc. 4 à p.i. e com a afirmação vertida no art.° 2.° do seu requerimento com a referência Citius 40140084, onde declara ser casado com EE desde 24.07.1999 e que residem um com o outro na Rua ..., ... ..., é de concluir que:
1. é com o respectivo cônjuge, com quem é casado há mais de 22 anos e com quem vive em economia comum, que o interessado e cabeça-de-casal DD será titular de contas bancárias onde o casal comum recebe os proventos do seu trabalho e aforra as suas economias;
2. a titularidade em comum, de contas bancárias, entre pais e filhos, mormente quando já não são conviventes uns com os outros, deve-se a uma questão de facilidade e simplificação na movimentação do dinheiro nelas existente à hora da morte dos pais, com vista a ultrapassar os formalismos legais exigidos pelas instituições bancárias para que os herdeiros possam levantar o dinheiro;
3. a ideia generalizada que existe, mormente, entre as pessoas mais idosas e menos letradas e as que residem em meio rural e “mais atrasado”, de que caso a conta bancária não tenha mais que um titular para poder ser movimentada após a morte, o dinheiro depositado fica para o Banco.... Pelo que,
VI. como se deixa demonstrado, não foi com segurança e muito menos, de forma fundamentada, quer do ponto de vista da prova, quer do ponto de vista legal, que o Tribunal julgou a reclamação à relação de bens no que concerne à propriedade do dinheiro existente nas contas bancárias dadas como provadas nos pontos 7 e 8 da matéria de facto provada, a qual requer aturada e complexa indagação e produção de prova, que não se coaduna com a prova testemunhal que, de forma sumária e aligeirada, foi produzida nos autos. Pelo que, o Tribunal deveria ter concluído pela impossibilidade de decidir, nos presentes autos de inventário, a questão relativa à propriedade do dinheiro depositado nas contas bancárias, não ter dado como não provada factualidade vertida na al. f), e ter ordenado a remessa das partes para os meios comuns.
Por seu lado, o cabeça-de-casal - que pede no recurso subordinado a revogação da decisão recorrida na parte em que determinou a exclusão da doação relacionada sob a verba n.° 36.° da relação de bens e a sua substituição por outra que mantenha tal verba - encerrou a sua alegação com as conclusões seguintes:
I - Salvo o devido respeito, que é muito, mal andou o Tribunal a quo em determinar a exclusão da doação relacionada sob a verba n.° 36 da relação de bens, não merecendo a douta e bem elaborada sentença sob apreciação qualquer reparo ou censura adicional.
II - Sem prejuízo do infra exposto, salvo o devido respeito, a sentença sob apreciação não merece reparo ou censura na parte impugnada pelo Recorrente CC, apresentando-se bem discorrida e fundamentada, firmada na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, na Doutrina da especialidade e na factualidade efectivamente apurada, demonstrando um manifesto e louvável brio profissional.
III - O Recorrente, nas suas, aliás, doutas alegações aprecia erroneamente a factualidade apurada e, bem assim, a legislação que lhe é aplicável, olvidando, inclusivamente, o ónus probatório que cabe às partes, parecendo entender que o Tribunal a quo deveria ter diligenciado pela produção de prova no sentido que lhe convém, ao arrepio da sua imparcialidade e dos factos provados que se logrou apurar.
IV - Não houve lugar à impugnação da decisão relativa à matéria de facto, conformando-se o Recorrente CC com a mesma, na medida em que não cumpriu com o ónus a que alude o artigo 640.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, cingindo-se, consequentemente, o recurso por si apresentado a matéria de Direito.
V - Ao longo das suas alegações o Recorrente rebate diversa fundamentação apresentada pelo Tribunal a quo, porquanto discorda da mesma, chegando ao ponto, inclusive, de a reproduzir para tal efeito, facilmente se percebendo que a mesma não só existe como foi efectivamente compreendida.
VI - A arguição de nulidades destina-se apenas a sanar vícios de ordem formal que eventualmente inquinem a decisão proferida, não podendo servir para as partes manifestarem discordâncias e pugnarem pela alteração do sentido decisório a seu favor, como parece ser a pretensão do Recorrente CC.
VII - A nulidade prevista no artigo 615.°, n.° 1, alínea b), do C.P.C. pressupõe que em sede da decisão impugnada o Tribunal haja cometido uma falta absoluta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão, conforme é entendimento pacífico da Doutrina e Jurisprudência e manifestamente não sucedeu no caso vertente - vide, nesse sentido, o douto acórdão emanado do Venerando SupremoTribunal de Justiça, proferido, por unanimidade, em 03/03/2021, acessível in www.dgsi.pt, aqui, com a devida vénia, parcialmente reproduzido, entre muitas outras decisões dos nossos Tribunais Superiores.
VIII - O Tribunal a quo especificou concretamente o motivo pelo qual entendeu que as contas bancárias sob apreciação são co-tituladas, razão pela qual se presume que os saldos nela apresentados são propriedade dos seus respectivos titulares em partes iguais, que tal presunção, ilidível, não foi afastada pelo Reclamante e, por último, o motivo pelo qual a prova produzida não permitiu afastar tal presunção.
IX - Não se conformando com tal decisão deveria o Recorrente CC impugnar tal concreto ponto da matéria de facto, o que não fez, e não, gratuitamente, invocar a nulidade da douta sentença proferida.
X - Conforme é do conhecimento comum e decorre, até, do teor das Alegações do Recorrente CC, a diferença primordial entre as contas bancárias solidárias e conjuntas reside no facto de nas primeiras qualquer co-titular as poder movimentar individualmente enquanto nas segundas só mediante instrução de todos os co-titulares, conjuntamente, as mesmas poderem ser movimentadas.
XI - Resulta do documento junto aos autos pelo Cabeça-de-casal com a relação de bens, emitido pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. e, bem assim, dos factos provados n.°s 4 e 8 da douta sentença proferida, não impugnados, que a conta à ordem sob apreciação e a respectiva conta-poupança a ela associada eram co-tituladas pela Inventariada e pelo Cabeça-de-casal e, bem assim, do documento junto aos autos directamente pela mesma instituição de crédito, em 20/07/2022, e do facto provado n.° 4 que no dia 14/12/2020 a Inventariada procedeu individualmente, ao levantamento da quantia de € 8000,00 (oito mil euros) da conta bancária em causa.
XII - Se a Inventariada procedeu a tal levantamento individualmente, conforme provado, é porque estamos perante uma conta solidária e não conjunta, falecendo, assim, desde logo, a, aliás, douta argumentação apresentada pelo Recorrente CC quanto a essa matéria.
XIII - Salvo o devido respeito, o vertido no artigo 516.° do C.C. demonstra a preocupação do legislador em definir, em casos em que qualquer um dos titulares, individualmente, poderá movimentar a totalidade da conta bancária, que se aplica o critério de que se presume que os saldos nela depositados são dos seus comparticipantes em partes iguais.
XIV - Tal presunção, na realidade, tem ainda maior aplicabilidade no caso da conta em questão apenas poder ser movimentada com a assinatura conjunta de todos os seus titulares, permitindo tal facto considerar, até pelas regras da experiência comum, que se tratam de saldos propriedade de todos, em partes iguais, mas decorrendo, igualmente, tal presunção do quanto se encontra previsto nos artigos 534.°, 1403.° e 1404.°, todos do C.C. - vide, nesse sentido, os doutos acórdãos emanados do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 14/01/2016 e 28/11/2003, ambos acessíveis in www.dgsi.pt e Menezes Cordeiro, in “Manual de Direito Bancário”, 4.^ Edição, páginas 557 e seguintes.
XV - S.m.o., carece de toda e qualquer razão o Recorrente CC, na medida em que ficando demonstrado que as contas em questão são co-tituladas, fossem solidárias ou conjuntas, seria aplicável a presunção, ilidível, de que os saldos depositados configuram, em partes iguais, propriedade dos seus titulares, a qual não foi afastada pela prova produzida.
XVI - Salvo o devido respeito, o Recorrente CC deturpa claramente o princípio do inquisitório e a posição do Tribunal que tem como principal escopo o apuramento da verdade e que seja feita Justiça, cabendo-lhe determinar a produção de prova que tenha como necessária para o predito apuramento mas já não perseguir um objectivo de que determinados factos sejam provados/não provados num ou noutro sentido.
XVII - O Tribunal a quo determinou a produção de toda a prova tempestivamente requerida pelas partes e refira-se que aquela insidiosamente referida pelo Recorrente CC como havendo sido deferida apenas ao Cabeça-de-casal foi expressamente requerida em sede de resposta à Reclamação apresentada.
XVIII - As partes não se podem demitir do ónus probatório que sobre si impende até porque as mesmas são quem, em primeira análise, conhece os factos e os meios de prova adequados para a produzir, tendo responsabilidade na produção de prova, desde logo porque lhes incumbe indicar ao Tribunal aquela que entendem pertinente.
XIX - As partes não podem olvidar o ónus a que alude o artigo 342.°, n.° 1, do C.C., impugnando todas as decisões que lhes sejam desfavoráveis por entenderem que o Tribunal deveria oficiosamente determinar prova adicional no sentido que lhes convém, o que, salvo o devido respeito, nos parece ser o caso dos autos.
XX - Se considerando a documentação bancária junta aos autos e a presunção legal de que os saldos de contas co-tituladas são, em partes iguais, dos seus respectivos titulares, a qual permaneceu inabalada face à demais prova produzida, nomeadamente a testemunhal, o Tribunal a quo concluiu que assim era, não se compreende quais provas adicionais seria necessário determinar oficiosamente.
XXI - Se o Recorrente CC entendesse que era necessária a notificação da Caixa Geral de Depósitos, S.A. para a prestação de quaisquer esclarecimentos certamente o haveria requerido no seu requerimento probatório, em momento processualmente oportuno, o que também não sucedeu.
XXII - Entendesse o Recorrente CC que a propriedade dos saldos bancários era assaz complexa haveria o próprio requerido a remessa das partes para os meios comuns quanto a essa matéria em momento anterior à produção de prova, mas não o fez.
XXIII - Mais não pretendendo o Recorrente CC do que perpetuar o litígio sob apreciação porquanto o desfecho da questão em apreço na douta sentença impugnada lhe não agradou.
XXIV - Nenhum fundamento válido foi apresentado pelo Recorrente CC que justificasse qualquer “complexidade” ou eventual “redução de garantias das partes” que tornasse oportuna a sua remessa para os meios comuns, pretendendo, agora, isso sim, um novo julgamento em sede de acção autónoma, baseado, exclusivamente, na afirmação genérica e injustificada de que tal questão foi julgada de “forma sumária e aligeirada”, requerendo, ao invés, “complexa indagação”, visto que a decisão do Tribunal a quo não lhe foi proveitosa.
XXV - Para nos aperceber das incoerências do Recorrente CC basta atentar no “pedido subsidiário” apresentado de que, já agora, poderiam Vossas Excelências, sem produção de qualquer prova nesse sentido, revogar a douta sentença proferida e determinar que as verbas n.°s 37 e 38 da relação de bens fossem relacionadas pela totalidade do seu saldo e não por metade.
XXVI - Salvo o devido respeito, que é muito, entende o Recorrente DD que, atenta a prova produzida nos presentes autos e, bem assim, os demais factos provados, foi incorrectamente julgado o ponto de facto vertido na alínea i) dos “FACTOS NÃO PROVADOS” que se impugna.
XXVII - O aludido ponto de facto deveria, ao invés, em virtude dos meios probatórios especificamente indicados em sede das alegações supra, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para os devidos e legais efeitos, e da demais factualidade dada por provada, com especial relevo os factos provados sob os n.°s 2, 3, 4, 5 e 8, ser julgado nos seguintes moldes: 21. A Inventariada BB procedeu ao levantamento da quantia referida em 4 juntamente com o Reclamante, CC, doando-lhe a mesma.
XXVIII - Tendo por base a prova documental junta aos autos, nomeadamente o Assento de óbito junto pelo Requerente do presente Inventário com o seu Requerimento Inicial, do qual resulta que a Inventariada faleceu em .../.../2021, às 13h15, na freguesia ..., tendo como última residência Rua ..., ..., concelho ...; a procuração forense junta aos autos com o Requerimento Inicial e o teor do mesmo, do qual resulta que o Interessado CC reside na Rua ...., ...­, ...; a informação junta aos autos, em 11/07/2022, pelo Instituto Português de Oncologia, da qual resulta que a Inventariada teve consulta em 09/12/2020 naquela instituição; a informação junta aos autos, em 20/07/2022, pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. da qual resulta que a Inventariada, em 14/12/2020, procedeu ao levantamento de € 8000,00 (oito mil euros) na agência daquela instituição de crédito sita em ...; a informação junta aos autos, em 07/07/2022, pela Liga de Melhoramentos da Freguesia ..., da qual resulta que a Inventariada deu entrada naquela instituição, acompanhada do Interessado CC (vide assinatura aposta no contrato junto), em 23/12/2020; e o documento emitido pela Caixa Geral de Depósitos, junto aos autos pelo Cabeça-de-casal conjuntamente com a relação de bens, poderemos, s.m.o., facilmente concluir que na iminência da sua morte, enquanto se encontrava a residir com o Interessado CC em ..., claramente debilitada fisicamente, antes do mesmo a deixar num Lar, onde veio a falecer, a Inventariada deslocou-se conjuntamente com aquele a um balcão da Caixa Geral de Depósitos, levantando € 8000,00 (oito mil euros) em numerário - valor correspondente à sua metade do saldo depositado na conta co-titulada com o Interessado DD - entregando-lhe tal valor.
XXIX - Carece, salvo o devido respeito, de sentido assumir que na iminência da sua morte, evidentemente debilitada, no período em que morava com o seu filho a 150 quilómetros de distância da sua residência e com o qual permaneceu até dar entrada num Lar, acompanhada daquele, dias antes do seu óbito, a Inventariada levantasse, em numerário, metade do saldo bancário, correspondente à sua propriedade, e não lho entregasse, não podendo ter outro destino.
XXX - O Tribunal a quo reflectiu, extensamente, sobre tal matéria, reconhecendo, inclusivamente, o estado debilitado da Inventariada naquele período, o que permite concluir que não se deslocou à referida agência bancária - em localidade afastada 150 quilómetros da sua residência habitual - sozinha, mas, antes pelo contrário, acompanhada do seu filho CC, ali residente.
XXXI - Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo concluiu erroneamente que os factos demonstrados não eram bastantes no caso vertente para dar como provada a referida entrega de valores ao Interessado CC, posição que entendemos excessivamente exigente e, enquanto tal, violadora do disposto nos artigos 342.° n.°s 1 e 2, este ultimo a contrario sensu, e 351.°, ambos do C.C..
XXXII - Salvo o devido respeito, que é muito, um raciocínio lógico tecido pelo julgador para prova do facto sobre apreciação permitiria concluir, com certeza bastante, que tal valor fora entregue ao Interessado CC quando o mesmo se deslocou com a Inventariada à agência bancária em questão junto da sua residência, onde aquela habitava à data, devendo tal facto ser dado por provado por Vossas Excelências e, consequentemente, revogada a douta decisão judicial na parte que determinou a exclusão da doação relacionada sob a verba n.° 36.
XXXIII - A afirmação do Interessado em sede de Reclamação de que “A verba 36 deve ser eliminada por não consubstanciar qualquer doação a favor do aqui reclamante”, aceite especificamente pelo Cabeça- de-casal em sede de Resposta, s.m.o., não poderá deixar de significar que tal quantia lhe foi entregue.
XXXIV - Atendendo a que o Cabeça-de-casal aceitou especificamente tal factualidade nos termos e com os efeitos previstos no artigo 46.° do C.P.C., deverão Vossas Excelências dar por provado que A Inventariada BB procedeu ao levantamento da quantia referida em 4 entregando-a a CC e, consequentemente, revogar a douta decisão do Tribunal a quo na parte que determinou a exclusão da doação relacionada sob a verba n.° 36.
XXXV - A douta sentença ora em crise violou, exclusivamente, as seguintes disposições legais: artigos 342.° n.°s 1 e 2, este último a contrario sensu, e 351.°, ambos do Código Civil e artigo 46.°, in fine, do Código de Processo Civil
O cabeça-de-casal, na resposta ao recurso independente, concluiu pela improcedência dele; o recorrente principal não respondeu ao recurso subordinado.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
O Tribunal de que provém o recurso decidiu a matéria de facto nestes termos:
2.1. Factos provados.
1. No dia .../.../1995 faleceu o inventariado AA, no estado de casado com BB;
2. No dia .../.../2021 faleceu a inventariada BB, no estado de viúva de AA.
3. No dia 9 de Dezembro de 2020 a inventariada deslocou-se ao I.P.O. ..., tendo passado a residir desde o início do mês de Dezembro com o reclamante na sua residência sita no concelho ..., tendo aí permanecido até ao dia 23 de Dezembro de 2020, data em que passou a residir no Lar ..., sito na Avenida ..., ..., concelho ....
4. No dia 14 de Dezembro de 2020, a inventariada BB procedeu ao levantamento da quantia de € 8 000,00 junto do balcão da Caixa Geral de Depósitos de ..., por referência à conta bancária com o n.° ...OO.
5. A inventariada manteve-se a residir no lar identificado em 3 até ao dia 29 de Dezembro de2020, data em que foi transportada para o Hospital ... e onde veio a falecer.
6. À data da morte da inventariada, para além dos bens indicados na relação de bens, a mesma possuía ainda os seguintes:
a) Uma televisão, marca ..., a cores, no valor de € 40,00;
b) Um motor marca ..., no valor de € 40,00;
c) Um motor de rega, marca ..., no valor de € 30,00;
d) Uma máquina de costura, marca ..., cor preta, no valor de € 60,00.
7. À data do óbito da inventariada BB, a conta da Caixa Geral de depósitos com o n.° ...00, titulada por BB e DD que apresentava um saldo bancário no valor de € 1 939,89.
8. À data do óbito da inventariada BB, a conta da Caixa Geral de depósitos com o n.° ...61, titulada por BB e DD, apresentava um saldo bancário no valor de € 8 000,44;
9. Sob a epígrafe “Livrete de Manifesto de Arma, encontra-se registada em nome de DD a arma da marca ...”, calibre “..GA”, classe D), com o n.° de arma F....0, ... n.° H....2-02, com data de emissão de 28.10.2021.
10. Em data não concretamente apurada, mas entre o dia 13 de Novembro de 1995 e o ano de 2001, foi entregue ao cabeça de casal pela inventariada BB a arma identificada em 9, pertencente em momento anterior ao falecido AA, para que com ela ficasse por conta da herança do seu pai.
11. Desde o ano de 2001 que o cabeça de casal, de forma continuada e ininterrupta, dia após dia, ano após ano, detém a arma identificada em 9, encontrando-se a mesma em sua casa.
12. Deste aquela data que o cabeça de casal age na convicção de que a mesma é única e pacificamente sua, à vista de toda a gente e com acatamento geral, sem oposição de quem quer que seja, actuando sempre de boa-fé e na convicção de não prejudicar ninguém.
13. Na Conservatória de Registo Automóvel ..., sob a INS AP-..., datada de 25 de Novembro de 1998, sob a epigrafe “registo de propriedade” relativamente ao veículo automóvel da marca ...”, modelo ..., XM-..-.., constam como sujeitos activos BB e CC, com menção quanto ao tipo de propriedade como “em comum e sem determinação de parte ou direito” e como causa “compra e venda”.
14. Na Conservatória de Registo Automóvel ..., sob a INS-AP-..., datada de 28 de Outubro de 2000, relativamente ao veículo automóvel marca ...”, modelo ..., com matrícula XM-..-.., consta como sujeito activo DD, com a menção quanto ao tipo de propriedade como “proprietário único” e como causa “compra e venda”.
15. Na Conservatória de Registo Predial e Comercial ..., sob a INS-AP-..., datada de 14 de Julho de 2009, sob a epígrafe “registo de propriedade” relativamente ao veículo automóvel marca ...”, modelo ..., com matrícula XM-..-.., consta como sujeito activo “A... Lda.” como “proprietário único” e como causa “compra e venda”.
16. O mini frigorífico identificado na verba 12 da relação de bens pertence ao interessado CC;
17. A estante identificada na verba 15 da relação de bens pertence ao interessado CC
CC.
18. O interessado CC despendeu a quantia de € 1 100,00 com o pagamento do funeral da inventariada.
19. Na sequência do descrito em 18, o interessado CC recebeu do
Instituto de Segurança Social, a título de subsídio de funeral, a quantia de € 658,22:
20. O interessado CC liquidou a quantia de € 17,85 referente à
despesa da inventariada com o seu transporte realizado pelos Bombeiros Voluntários ..., a que
corresponde a factura data de 5 de Janeiro de 2021.
2.2. Factos não provados.
a) Que tenha sido dado ao interessado DD o veículo automóvel da marca
“...”, modelo ...”, com matrícula XM-..-..;
b) Que o interessado CC tenha liquidado a quantia de € 113,42, referente a despesa de IMI;
c) Que o interessado CC tenha liquidado a quantia de € 13,68
referente a despesas de telefone.
d) Que o interessado CC tenha liquidado a quantia de € 166,03,
eferente a despesas de electricidade;
e) Que o interessado CC tenha liquidado a quantia de € 73,72
referentes a despesas de água.
f) Que as quantias depositadas nas contas identificadas em 7 e 8 pertencessem na sua totalidade à inventariada BB.
g) Que o cabeça de casal tenha procedido ao pagamento de uma compensação ao reclamante
CC pelo facto de ter ficado com a arma identificada em 9 e 10.
h) Que a arma referida em 9 pertença aos inventariados.
i) Que a inventariada BB tenha procedido ao levantamento da quantia
referida em 4 juntamente com o reclamante DD e que lhe tenha dado a mesma.
2.3. Motivação.
O Sr. Juiz de Direito adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1. e 2.2. esta motivação:
(...) Assim, do documento soiictado oficiosamente pelo Tribunal à Caixa Gerai de Depósitos podemos extrair que a inventariada procedeu ao levantamento daquela quantia no referido dia, encontrando-se o mesmo assinado pela própria. Já quanto à titularidade das contas bancárias, a mesma decorre do documento emitido pela própria Caixa Geral de Depósitos e junto pela cabeça de casal aquando da apresentação da relação de bens (...) Quanto à restante matéria de facto não provada, a mesma resultou da manfesta ausência de prova produzida que permtisse concluir em sentido contrário (...).
Quanto ao facto não provado f), considera o tribunal que o contributo das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento foi manifestamente insuficiente para que se desse o mesmo como provado. Quanto a esta matéria depuseram as testemunhas FF e GG, sendo que, quanto à primeira, já tivemos a oportunidade de evidenciar as reservas que colocamos quanto à imparcialidade do seu depoimento. No que concerne às referidas contas bancárias, referiu que chegou a ver extractos das contas (sem contextualizar devidamente e de forma sustentada, em que circunstâncias de tempo, modo e lugar tal ocorreu), mas desconhecendo quando é que as mesmas foram constituídas. Já a testemunha GG (irmã da esposa do reclamante), afirmando ser amiga da inventariada, referindo inicialmente ter visto um extracto bancário, acabou em seguida por se contrariar e afirmar que, afinal, já não tinha visto, mas sim que viu a inventariada a mostrar à irmã. Quanto a tal questão pouco mais conseguiu dizer, ainda que tenha referido que o dinheiro que entrava naquelas contas era da reforma de sobrevivência do inventariado, mas sem justificar o porquê de ter conhecimento de tais factos (na verdade, foi o depoimento desta testemunha repleto de juízo genéricos e conclusivos, os quais resultaram de interpretações que a mesma fazia de determinados factos, tendo sido latente que, também no que concerne às contas, não tem qualquer conhecimento quanto à origem e natureza dos montantes lá depositados).
Por fim, o facto não provado sob a al. i) resulta da impossibilidade de formular um juízo conclusivo que permitisse a este tribunal formular uma certeza bastante e sustentada quanto à efectivação da alegada doação ao interessado CC. Contrariamente à matéria que contende com à eliminação ou inclusão de determinados bens no acervo patrimonial a partilhar, cujo ónus pertencerá ao reclamante, estando aqui em causa uma alegada doação efectuada pela inventariada ao interessado, tendo essa matéria sido impugnada pelo reclamante, cabia ao próprio cabeça de casal fazer prova dos factos constitutivos da mesma. Contrariamente ao alegado pelo cabeça de casal em sede de resposta à reclamação, somos do entendimento que a simples afirmação por parte do reclamante de que a verba 36, deve ser eliminada por não consubstanciar qualquer doação a favor do aqui reclamante é insuficiente para considerar que o mesmo admite, ainda que de forma indirecta, ter recebido aquela quantia por parte da inventariada. Tal interpretação é aquela que se mostra em conformidade a aludida posição global assumida pelo reclamante, quer no seu articulado, mas também em sede de produção de prova, a qual incidiu com particular intensidade quanto à circunstância de ter ou não sido entregue aquela quantia ao reclamante (inclusive pelo próprio cabeça de casal).
Assim, para concluir que a entrega de dinheiro aconteceu e que tal se encontra admitido pelo reclamante, sempre teria essa afirmação de resultar de forma clara e sem margem para dúvidas da reclamação, o que não é manifestamente o caso, razão pela qual não se poderá deixar de consignar impugnada aquela matéria.
E se assim é, como referimos, cabia ao cabeça de casal alegar e provar os factos essenciais que permitissem integrar a aludida doação. Ora, da alegação do cabeça de casal em sede de resposta apenas resultam factos instrumentais dos quais o mesmo extrai a conclusão de que a doação ocorreu, a saber: que a inventariada foi para o IPO no início do mês de Dezembro de 2020 acompanhada pelo reclamante; que após esse momento passou a residir com ele e com a sua família no concelho ...; que a inventariada se encontrava muito doente (conclusão que decorre do facto de frequentar consultas no IPO e de ter vindo a falecer pouco tempo depois); e que o levantamento foi efectuado poucas semanas antes de a mesma vir a falecer.
A questão que se nos coloca é se tais elementos instrumentais permitem efectuar um juízo de certeza bastante quanto à realização da doação, tendo-se por adquirido que as doações de dinheiro, quando não corporizadas em nenhum documento/testemunha directa que ateste a transferência patrimonial (por exemplo, cheque ou transferência bancária), suscitam dificuldades acrescidas quanto à prova da sua existência, pelo que, só através de meios indirectos/instrumentais, quando interpretados de forma entrecruzada e segundo as regras da experiência comum, é possíveis afirmar esse facto pela positiva. Contudo, no caso sub judicie, perante a ausência de testemunhas directas quanto à entrega da aludida quantia, e tendo unicamente em conta aqueles factos instrumentais elencados que se não se mostra suficiente para concluir pela existência daquela doação. É certo que a interpretação dos mesmos aponta precisamente nesse sentido, uma vez que a inventariada vivia com o reclamante nas semanas antes de vir a falecer e estava, objectivamente, bastante doente, podendo-se assim entendimento, ainda que haja uma certa aparência de que aquele dinheiro possa ter sido entregue ao reclamante, tais circunstâncias não se apresentam, a nosso ver, com a suficiente clareza e intensidade que nos permita afastar a dúvida quanto a tal facto. Em suma, dispondo o artigo 414° do A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação do âmbito objectivo dos recursos.
O âmbito objetivo do recurso é delimitado pelo objecto da acção, pelos casos julgados formados na instância de que provém, pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, e pelo recorrente, ele mesmo, designadamente nas conclusões da sua alegação (art.° 635 n.°s 2, 1^ parte, 3 e 5, do CPC).
A sentença foi objecto de impugnação através de recurso principal ou independente - o interposto pelo co-interessado, requerente do processo do inventário - e de recurso subordinado - o interposto pelo cabeça-de-casal.
No caso de impugnação da decisão por recurso principal e subordinado, o tribunal ad quem deve, como regra apreciá-los em conjunto, dado que ambos têm os mesmos fundamentos de procedência e de improcedência e, portanto, as decisões de um e de outro recurso devem ser harmónicas e compatíveis. Todavia, esta regra não deve ser observada se entre o recurso principal e o subordinado se surpreender uma qualquer relação de prejudicialidade: quando isso suceda, a ordem de apreciação dos recursos é a que for imposta por essa relação de prejudicialidade[1].
Na espécie sujeita, o objecto do recurso subordinado, interposto pelo cabeça- de-casal compreende a decisão da matéria de facto. O cabeça-de-casal acha, realmente, que se deve julgar provado que a inventariada BB procedeu ao levantamento da quantia referida em 4. juntamente com o reclamante CC, doando-lhe a mesma. A prova deste facto resulta, no ver do cabeça-de-casal, da análise conjugada da demais factualidade dada como provada, entre si, com especial relevo para os factos provados com os n.°s 3, 4, 5 e 8, e com os documentos adquiridos para o processo.
O recorrente subordinado advoga igualmente - ainda que sob a epígrafe matéria de direito - que se deve julgar provado que a inventariada BB procedeu ao levantamento da quantia referida em 4., entregando-a ao reclamante, CC. Razão: a afirmação deste de que a entrega de tal valor não configura uma doação não pode deixar de significar que o mesmo lhe foi entregue.
Como, naturalmente, importa solidificar a base de facto sobre a qual deve assentar a declaração do direito do caso, está indicado que se conheça, em primeiro lugar, do recurso subordinado, desde logo no segmento relativo à impugnação da decisão da matéria de facto.
Maneira que, considerando os parâmetros da competência decisória ou funcional, definidos pelo modo indicado, as questões concretas controversas submetidas à atenção desta Relação são as de saber se o Sr. Juiz de Direito incorreu, relativamente aos referidos pontos de facto, num error in iudicando, por erro na apreciação ou valoração da prova, se deve manter-se a relação da doação, objecto da verba n° 36.°, se a decisão impugnada se encontra ferida com desvalor da nulidade substancial, por falta de fundamentação e se os interessados devem ser remetidos para os meios judiciais comuns no tocante no tocante aos depósitos bancários relacionados sob as verbas n.°s 32 e 33 ou, em alternativa, se esses depósitos devem relacionados pela totalidade do seu valor.
A resolução destes problemas vincula, naturalmente, ao exame dos poderes de correcção da decisão da questão de facto de que esta Relação dispõe, do regime do contrato de doação e da repartição do ónus da sua prova, da causa de nulidade substancial da decisão representada pela falta de fundamentação, do regime dos depósitos bancários plurais e dos pressupostos de remessa dos interessados para os meios judiciais comuns.
3.2. Recurso subordinado.
3.2.1. Impugnação da decisão da questão de facto.
Um primeiro ponto que, no tocante a este segmento do recurso subordinado, se deve por em claro é o seguinte:
Apesar da distinção entre a matéria de facto e de direito ser dificultada pela delimitação recíproca, em especial, pela sua confluência para a decisão da decisão de um caso concreto - embora se possa dizer que a matéria de facto tem por objeto a averiguação de factos, e que o resultado dessa actividade se exprime numa afirmação susceptível de ser considerada verdadeira ou falsa, ao passo que a matéria de direito respeita à aplicação de normas jurídicas e o resultado dessa actividade pode ser avaliado segundo um critério de correcção ou de justificação - entende-se que a conclusão entre a inventariada e o co-interessado CC do contrato de doação é uma pura questão de direito - questão cuja resolução deve, portanto, ser deixada para momento ulterior, altura em que, por aplicação de normas jurídicas, se decidirá, enfim, se estão adquiridos para o processo, designadamente as declarações de vontade integrantes do contrato com função de liberalidade em que o contrato de doação se resolve. Na decisão da quaestio facti não é admissível a resolução da questão de direito, pelo que se deve considerar inteiramente excluída que esta Relação, no exercício dos seus poderes de correcção da decisão da matéria de facto, declare provado, de plano, a conclusão do apontado contrato.
Depois, deve ter-se presente que o exercício pela Relação dos poderes de controlo sobre a decisão da matéria de facto só deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Se o facto ou factos que se reputam de mal julgados não se mostrarem relevantes segundo os vários enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção, a reponderação deve ter-se - por aplicação do princípio da utilidade a que deve subordinar-se toda a actividade jurisdicional - mesmo por proibida (art.° 130.° do CPC)[2].
O facto de o co-interessado CC ter acompanhado a inventariada no acto de levantamento da quantia que o cabeça-de-casal alega ter sido doada ao primeiro deve ter-se, de todo, por irrelevante, dado que em nada concorre para a decisão da causa e do recurso, segundo o único enquadramento jurídico plausível do seu objecto. Ergo, a reponderação da correcção do seu julgamento, a luz do referido princípio da utilidade de todo e qualquer acto ou actividade processual, deve ter-se por excluída.
Tal como sucede com a fundamentação da sentença, na fundamentação do acórdão esta Relação pode extrair os factos presumidos com base nos factos probatórios (art.° 607.°. n.° 4, ex-vi art.° 663.°, n.° 2, in fine, do CPC). Em concreto: se dos factos assentes ou da fundamentação sobre a matéria de facto constarem factos probatórios donde se possa concluir outros por presunção - de facto, de direito ou judicial - esta Relação deve tirar essa conclusão e considerar provado o facto ou o direito presumido. Portanto, nada obsta a que esta Relação, independentemente de qualquer controlo, possa, através de presunções judiciais, baseadas nos factos apurados na 1.9 instância, deduzir outros factos (art.°s 349.° e 351.° do Código Civil). A única coisa lhe não é lícita é, excepto no caso de erro de julgamento, por recurso a essas presunções, dar como provado um facto que a 1g instância julgou não provado[3]. Mas é justamente isto que o recorrente subordinado pede no seu recurso: que através da análise conjugada dos factos incontroversamente julgados provados com outros documentos se declare provado, por inferência probatória, que a apontada quantia foi dada ou doada ao reclamante - facto que o decisor da 1.9 instância julgou não provado.
Independentemente da correcção desta conclusão - suficiente para desatender a pretensão do apelante subordinado - considera-se que os factos julgados provados, conjugados com os documentos indicados por aquele recorrente não permitem aquela inferência probatória. Dito doutro modo: não há a necessária relação de coerência entre os factos instrumentais julgados provados e o facto que, segundo o recorrente, deve presumir-se.
As presunções são ilações que a lei ou o juiz tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.° 349.° do Código Civil). As presunções podem ser legais, se estabelecidas pela lei, ou judiciais. Estas últimas - únicas que para este segmento do recurso interessam - dizem-se também de facto ou hominis ou simples.
As presunções hominis são afloramento nítido do princípio da livre apreciação da prova e o facto de só serem possíveis nos casos em que é admissível a prova testemunhal, mostra a fragilidade com que as ilações em que se resolvem são encaradas pela lei (art.° 351.° do Código Civil). O juiz, na base do id quod plerumque accidit - do que normalmente sucede - ou prima facie - na primeira aparência - infere conexões normais ou sequências típicas de factos.
Mais precisamente: a presunção é a inferência ou processo lógico, mediante o qual, por via de uma regra de experiência - id quod plerumque accidit - se conclui, verificado certo facto, a existência de outro facto que, em regra, é consequência necessária daquele. O facto conhecido, de que se infere o outro, é a base ou o sopé da presunção.
As presunções judiciais, de facto ou hominis ou simples presunções são afinal o produto de regras de experiência: o juiz valendo-se de certo facto e de regras de experiência, conclui que aquele denuncia a existência de outro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede, então, mediante presunção ou regra de experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência[4].
As regras de experiência são normas para a apreciação de factos e, com isso, para a aquisição deles, permitindo concluir de um facto pela existência de outro. E, na verdade, a cada passo, o juiz tem de socorrer- se de regras de experiência para a fixação dos factos ou da conexão causal entre dois eventos, sem as quais, portanto, lhe seria impossível decidir a questão de direito.
No seu funcionamento, a presunção produz um efeito materialmente idêntico à exclusão do ónus da prova, embora se não confunda com este. Na verdade, a presunção não fornece a demonstração do facto, mas dá por admitida a sua realidade antes de toda e qualquer demonstração, com base na experiência comum de como certos factos normalmente se verificam - quod plerumque accidit - sem esperar o exercício da prova. Justamente no valor de credibilidade que, de per se, apresenta a regra de experiência está o fundamento racional da presunção e na medida desse valor assenta o seu grau de rigor.
A presunção pode, assim, ser o único meio em que o juiz baseia a sua convicção, podendo até fazer prevalecer a presunção em detrimento de outras provas produzidas e mesmo recorrer a ela ainda que o facto questionado possa ser apurado por outro meio relativamente mais seguro. De outro aspecto, nada exclui que na base da presunção se situe um único facto: o que é necessário é que ele seja inequívoco, i.e., que faça aparecer como necessária a existência do facto desconhecido. No entanto, para que a presunção se aplique é indispensável a prova do facto que constitui a sua base.
As presunções sejam judiciais ou de facto ou legais, não são, propriamente, meios de prova - mas somente meios lógicos ou mentais de descoberta de factos e firmam-se mediante regras de experiência. Rigorosamente são, portanto, operações probatórias, tendo por base as regras de experiência resultantes do curso normal dos factos[5].
A inferência presuntiva pressupõe uma relação entre o facto probatório e o facto probando, que se justifica através da inferência para a melhor explicação: é possível inferir o facto probando do facto probatório, quando o primeiro constitui a melhor explicação do segundo.
Mas não é isso que sucede no nosso caso: os factos adquiridos para o processo, conjugados entre si e com os documentos indicados pelo impugnante, não constituem a melhor explicação para o facto que, segundo o recorrente, deve julgar-se provado, não fazem surgir como necessário este último facto.
Independentemente da reapreciação dos actos de prova realizados na 1.9 instância - e mesmo da renovação dessas provas ou da produção, na instância de recurso, de novas provas - a Relação pode censurar o erro do Tribunal 1.9 instância na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa sempre que, por exemplo, aquele Tribunal haja atribuído a um meio de prova um valor probatório que a lei lhe não reconhece ou tenha julgado carecido de prova um facto não controvertido por, erroneamente, o não considerar, por exemplo, confessado (art.° 662.°, n.° 1, do CPC).
Neste caso, o exercício pela Relação das suas atribuições de controlo da decisão da matéria de facto do Tribunal de 1.9 instância não está na dependência da reponderação das provas produzida nessa instância, o que se explica por ser o simples resultado da aplicação de regras injuntivas de direito probatório material ou de regras processuais relativas a certo meio de prova, que constitui matéria de direito (art.° 607.°, n.° 4, ex-vi art.° 663.°, n.° 2, do CPC). Do que decorre esta consequência: a actuação pela Relação, no caso apontado, não tem sequer de ser integrado por um pedido da parte.
O erro em matéria de provas pode, desde logo, decorrer de um erro sobre o objecto da prova, designadamente da inclusão de um facto naquele objecto da prova, portanto, da consideração de que esse facto necessita de prova porque, por exemplo, não foi admitido por acordo ou confessado. Assim, se o decisor de 1.9 instância considerar que um facto não se mostra admitido por acordo ou confessado - e, portanto, não provado e como tal necessitado de prova - e uma tal conclusão não for exacta, este erro resolve-se num error in iudicando por erro na apreciação da prova. Nesta hipótese, concluindo-se que o facto deve considerar-se provado, em razão, por exemplo, da sua admissão por acordo ou da confissão e, portanto, que o facto não carece de prova, a Relação deve actuar os seus poderes de correcção da decisão da matéria de facto e, consequentemente, julgar tal facto não controvertido e não carecido de prova e, logo, provado (art.° 662.°, n.° 1, do CPC).
A confissão consiste no reconhecimento pela parte da realidade de um facto que a desfavorece e que favorece a parte contrária (art.° 352.° do Código Civil).
A confissão pode ser judicial ou extrajudicial, conforme seja feita no processo ou fora do processo respectivo, e espontânea ou provocada (art.° 355.°, n.°s 1, 2. e 4, e 356.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil)
A confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, de harmonia com a lei de processo, ou em qualquer acto de processo, praticado pessoalmente pela parte ou por procurador especialmente autorizado (art.° 356.°, n.° 1 do Código Civil).
Em regra, o procurador necessita de autorização para, em nome do representado, confessar eficazmente, pelo que as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração ad litem, não valem como confissão (art.° 356.°, n.° 1, in fine, do Código Civil).
Deste regime exceptua-se, porém, a confissão, expressa ou tácita, feita nos articulados (art°s 356.°, n.° 1, 19 parte, do Código Civil, 46.° e 574.° do CPC).
O efeito probatório da confissão feita pelo mandatário com meros poderes representativos gerais explica-se por ela se supor inspirada pela parte ou feita em conformidade com as instruções e informações dela emanadas, correspondendo à faculdade de rectificação ou retirada da confissão à admissão de que o mandatário poderá ter compreendido ou apreendido mal as informações do seu constituinte[6].
A confissão expressa de factos feita pelo mandatário nos articulados vincula a parte, ainda quando a parte contrária a não tenha aceite especificadamente e só pode ser retirada ao menos até ao encerramento da discussão em 1g instância[7]. Essa confissão possui força probatória plena contra o confitente e, portanto, só pode ser ilidida pela prova do contrário do facto confessado (art.°s 347.° e 348.°, n.° 1, do Código Civil).
No caso que nos preocupa, confrontado com a relação, pelo cabeça-de-casal, na verba n.° 36 da quantia de € 8 000,00 doada pela inventariada, em 14 de Dezembro de 2020, ao reclamante, este, produziu, na reclamação, a declaração seguinte: a verba n.° 36.° deve ser eliminada por não consubstanciar qualquer doação a favor do aqui reclamante. Na resposta o cabeça-de-casal, leu nesta declaração o reconhecimento ou admissão, pelo reclamante, de que tal valor lhe foi entregue naquela data, questionando apenas a qualificação jurídica de tal acto.
Não o entendeu assim, o Sr. Juiz de Direito, conforme expressamente decorre da justificação com que motivou o seu julgamento da questão de facto, visto que na sua perspectiva, aquela declaração é insuficiente para considerar que o mesmo admite, de forma indirecta, ter recebido aquela quantia - embora, depois, não tenha declarado o facto - simples - da entrega, provado ou não provado, tendo-se limitado a julgar não provado que a inventariada tenha dado - doado - aquela quantia ao reclamante. Simplesmente - com melhor se detalhará - uma realidade é o facto da entrega ou tradição de uma quantia, outra bem diversa, é a conotação dessa entrega como doação.
Há, portanto, que proceder à interpretação daquela declaração do reclamante.
À interpretação dos actos das partes são aplicáveis os critérios definidos para a interpretação negocial, aplicáveis também aos actos não negociais (art.° 236.°, ex-vi art.° 295.° do Código Civil).
Maneira que, recordando que os actos das partes têm por destinatários o tribunal e a contraparte, o acto da parte deve ser interpretado de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário - tribunal ou contraparte - possa deduzir do comportamento da parte; no caso de dúvida séria sobre o sentido da declaração, o tribunal tem o dever de se esclarecer junto da parte declarante (art.° 7.°, n.° 2, do CPC).
A primeira regra do conjunto de regras de interpretação da declaração negocial e, portanto, do acto da parte, surge formulada sob o signo da chamada impressão do declaratário: a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário possa deduzir do comportamento do declarante (art.° 236.°. n.° 1 do Código Civil). Esta regra inculca indelevelmente, que a interpretação, sem prejuízo da atendibilidade das particularidades relevantes do caso concreto, deve ser objectiva ou normativa[8].
A declaração vale, em princípio, em princípio, com o sentido que as partes lhe quiseram conferir - vontade real das partes (art.° 236.°, n°s 1 e 2, do Código Civil). Mas se não for conhecida essa vontade ou declarante e declaratário entenderam a declaração em sentidos diversos, vale o sentido que o declaratário normal podia julgar conforme às reais intenções do declarante, excepto se este não tinha o dever de considerá-lo acessível à compreensão da outra parte[9].
O declaratário normal é configurado em função das características do declaratário real, designadamente competência linguística, profissão, natureza e localização da actividade, conhecimentos gerais, técnicos e de mercado relacionados com o negócio jurídico e objectivos, empresariais ou de consumo. O sentido relevante é aquele que se considere corresponder à compreensão do comportamento do declarante, segundo um padrão de normal diligência, intenção e racionalidade, tendo embora em conta a projecção tipológica da personalidade do declarante e as circunstâncias concretas que envolveram a declaração negocial.
É controverso, tendo em conta o elemento essencial do critério legal - a concretização proveniente do horizonte de compreensão segundo a posição do real declaratário - se o declaratário normal equivale ou não a um declaratário médio ou razoável, ao bonus pater familias ou a uma pessoa razoável, i.e., medianamente instruída, diligente e sagaz[10], seguro é, porém, a existência de um limite à imputabilidade ao declarante da compreensão normal, dado que a declaração não vale com sentido normal se o declarante não puder razoavelmente contar com esse sentido (art.° 236.°. 1.9 parte, do Código Civil). Para o efeito de se apurar a vontade normal, o declarante é, também, um declarante normal, colocado na posição do real declarante: a normalidade do declaratário tem como contraponto a razoabilidade do declarante.
Por aplicação destes cânones hermenêuticos, julga-se que o sentido da apontada declaração do reclamante não é outro senão o que lhe foi dado pelo cabeça-de-casal: que aquele reconhece ou admite que a inventariada lhe entregou a referida quantia - mas não que essa quantia lhe tenha sido entregue a título de doação. Efectivamente, a única coisa que o reclamante recusa terminantemente é a natureza de doação da entrega da apontada quantia, mas não o facto da sua traditio: ao limitar-se a negar que a entrega tenha sito feita a título da doação - tal como resultava da relação apresentada pelo cabeça-de-casal - o reclamante admite, ao menos tácita ou implicitamente, o da entrega (art.° 217.° do Código Civil).
Ao admitir ou reconhecer o facto da percepção daquela quantia, o reclamante contra se pronuntiatio e, consequentemente, aquele facto deve considerar-se confessado e, como tal, plenamente provado, confissão que, naturalmente, sempre prevaleceria sobre decisão contrária do tribunal da audiência (art.° 607.°, n.° 4, do CPC). Maneira que há que concluir que, efectivamente, o Tribunal de 1.° instância incorreu no error in iudicando, por erro sobre o objecto da prova, pelo que há que julgar provado que, realmente, a inventariada, entregou ao reclamante, em 14 de Dezembro de 2020, a quantia de € 8 000,00.
Mas a prova deste facto está bem longe de garantir ao impugnante subordinado a procedência do seu recurso - proposição cuja demonstração exige a ponderação dos elementos constitutivos do contrato de doação e a determinação da parte onerada, no caso, com a sua prova.
E quanto a este problema há que fazer a prevenção seguinte, e que decorre de um princípio estruturante do processo civil: o da disponibilidade privada sobre o objecto do processo - da acção e do recurso (art.° 5.°, n.° 1, do CPC). Por força deste princípio, são, em regra, as partes que livremente suscitam as questões e livremente articulam os factos que o juiz se baseia para proferir a sentença. Assim, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação - embora, de harmonia com o princípio da limitação do conhecimento do tribunal ou da vinculação temática, não possa ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, ressalvadas as que forem de conhecimento oficioso (art.°s 552.°, n.° 1, d), e 608.°, n.° 2, do CPC). São, portanto, as partes como corolário da liberdade e da responsabilidade em processo, que decidem sobre a delimitação da matéria a resolver, o que bem se entende, por uma razão prática: ninguém melhor que os titulares dos direitos e interesses pode saber como estes devem ser cuidados.
A questão que o cabeça-de-casal, recorrente subordinado colocou no centro do seu recurso - e única que, aliás, foi decidida na instância recorrida - é a de saber se deve manter-se a relação da doação pela inventariada ao reclamante da quantia de € 8 000,00. Esta é, portanto, a única questão a decidir e não, por exemplo, se aquela mesma quantia deve ser relacionada por qualquer outro título. Portanto, uma de duas: ou há fundamento para concluir que, efectivamente, aquela quantia foi objecto de doação, caso em que o recurso deve proceder, com a relação qua tale dessa verba; ou não há razão para assentar naquela doação, hipótese em que o recurso deve obter decisão de improcedência, com a consequente manutenção da eliminação ou exclusão dessa mesma verba. Apenas uma tal alternativa é compatível com o princípio da vinculação temática do tribunal de recurso à impugnação do recorrente, tal como é recortada pelas conclusões do recurso (art.°s 635.° e 639.°, n.° 1, do CPC).
3.2.2. Elementos estruturais do contrato de doação e repartição do encargo do ónus da sua prova.
O nosso Código Civil define a doação como o contrato pelo qual uma pessoa, com espírito de liberalidade, e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente (art.° 940.°). Deste preceito resulta, desde logo, a natureza contratual do acto, regra que é ditada pelo principio do contrato, segundo a qual a fonte normal das obrigações é o contrato, sendo excepcional a admissibilidade da sua criação por negócio jurídico unilateral (art.° 457.° do Código Civil). Daquele preceito extraem-se os seguintes elementos estruturais característicos do contrato de doação: como objecto, uma coisa ou direito ou uma obrigação; como função eficiente a transmissão daquele direito ou a assunção desta obrigação; como função económico-social, a liberalidade.
Como resulta da lei, a doação tem geralmente como efeito a transmissão de direitos, seja por efeito imediato do contrato, seja por efeito de um acto posterior (art.° 954.°, a), do Código Civil). Os efeitos obrigacionais para o doador circunscrevem-se à obrigação de entrega, salvo quando esta não seja contemporânea da celebração do contrato, portanto, excepto se a doação não for manual (art.° 954.°, b), do Código Civil).
A definição legal do contrato de doação contém uma referência ao espírito de liberalidade. Este espírito de liberalidade é inteiramente distinto e independente dos motivos do doador[11], que podem ser os mais variados: altruístas, i.e., os potenciados por relação de parentesco ou de amizade com o donatário - ou mesmo por inimizade com as pessoas excluídas; de gratidão, que equivale à troca livre de uma dádiva passada por uma dádiva actual; de aprovação social ou, por último, egoísticos, i.e., na expectativa estratégica de retribuição a prazo pelo donatário, através de favor pessoal ou de vantagem comercial. Certo é, contudo, que o espírito de liberalidade traz implicados dois requisitos cumulativos negativos: a ausência de contrapartida; a não correspondência ao cumprimento de uma obrigação ou de qualquer outro dever de atribuir, de retribuir ou de prestar. Controverso é, contudo, saber se estes requisitos devem ser tidos como bastantes ou antes como necessários, mas não suficientes.
Segundo uma perspectiva, que se crê maioritária - que define o espírito de liberalidade de modo positivo - não bastam para o espírito de liberalidade, os dois requisitos negativos apontados, sendo ainda necessário um elemento subjectivo complementar: a consciência, vontade ou intenção do doador de beneficiar o donatário, de lhe proporcionar uma vantagem patrimonial[12]; outra perspectiva porém - que define o espírito de liberalidade de modo negativo - é a que decorre ora da simples omissão da exigência de uma intenção específica e da caracterização objectiva da gratuitidade, ora da afirmação explícita de que a intenção liberal não é elemento essencial da doação, porque pertence aos motivos ou se confunde com o consentimento ou de que animus donandi é um elemento complexo, mas negativo. Para esta última perspectiva, a exigência na doação de uma vontade específica de beneficiar o donatário, proporcionando-lhe uma vantagem, nada adianta em relação à enunciação, pela negativa, do espírito de liberalidade: se a atribuição não tem contrapartida e não tem como finalidade o cumprimento de um dever jurídico, só pode destinar-se a beneficiar.
Ligada com esta controvérsia, surge a questão de saber se a liberalidade - ou o espírito de liberalidade ou o animus donandi - se presume. A orientação maioritária da doutrina - que se julga correcta - é de sentido negativo[13].
Saber se os elementos do contrato de doação se verificam numa dada situação concreta depende, evidentemente, da interpretação dos actos realizados e das declarações emitidas, pelas quais se afere o sentido ou significado daqueles actos, atendendo ao cânones hermenêuticos aplicáveis no caso. A solução será, evidentemente, fácil se as partes declararam dar ou doar alguma coisa ou algum direito; a solução será, comprovadamente mais difícil, nos casos em que alguém se limite a entregar a outrem dinheiro ou qualquer outra coisa móvel, sem declarações que expressem o título que justifica a entrega, dado que em abstracto, a entrega pode corresponder à formação de um contrato de liberalidade - doação, comodato ou mútuo gratuito - de troca - compra e venda - ou de garantia - penhor - ou ao cumprimento de uma qualquer outra obrigação contratual proveniente de outra fonte. Para se chegar à conclusão de que a entrega é feita a título de doação é necessário, mas suficiente, excluir todos os outros títulos, i.e., provar que não há outro título justificativo dessa mesma entrega. Caso se não prove nenhuma ou se não se provarem todas as conexões da entrega com um acto passado ou com uma obrigação, a solução depende, evidentemente, da repartição do ónus da prova que, no caso, se tenha por correcta, que pode variar consoante a posição processual das partes e a pretensão que tenha por objecto a doação (art.°s 342.°, n.°s 1 e 2, e 346.° do Código Civil e 414.° do CPC). Se para a entrega se não provar título alternativo e se o ónus da prova vincular o receptor, parece adequado que a seu favor se estabeleça a presunção de facto de que a entrega foi feita a título de transmissão gratuita, portanto, a título de doação.
Mas no caso deve entender-se que o ónus da prova da conclusão do contrato de doação vincula, não o reclamante, donatário ou receptor - mas o cabeça-de-casal.
Consabidamente, o nosso direito probatório material orienta-se pela chamada doutrina da construção da proposição jurídica ou teoria das normas - de harmonia com a qual a repartição desse ónus decorre das relações das normas entre si - e que, numa formulação simplificada, pode enunciar-se deste modo: cada parte está onerada com a prova dos factos subsumíveis à regra jurídica que lhe atribuiu um efeito favorável (art.° 342.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil). A distribuição do ónus da prova é, por sua vez, determinante para estabelecer o ónus da alegação que vincula cada uma das partes: aquele ónus orienta a distribuição do ónus da alegação, dado que a parte apenas tem o ónus de alegar aquilo que terá o ónus de provar, pelo que o ónus da alegação e o ónus da prova são, em regra, coincidentes.
O princípio geral em matéria do ónus da prova apela, pois, nitidamente, à natureza funcional dos factos perante o direito do autor.
Assim, ao autor cabe a prova, não de todos os factos que interessem à existência actual do direito alegado - mas somente dos factos constitutivos dele; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito, incumbe à parte contrária, aquele contra quem a invocação do direito é feita (art.° 342.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil). De modo que se o autor alega, por exemplo, a existência de um crédito insatisfeito sobre o demandado, nascido de um contrato, é ele que está adstrito ao ónus de provar os elementos estruturais - constitutivos - do seu direito à prestação: a celebração do contrato entre as partes; inclusão da prestação exigida entre as cláusulas do contrato a cargo do devedor. Feita a prova destes factos pelo autor, cabe ao réu fazer a prova do facto extintivo do direito do demandante, como, por exemplo, o cumprimento ou a invalidade do contrato. Se o autor não demonstrar, v.g., a celebração do contrato com o devedor, o tribunal profere uma decisão contra essa parte, visto que é ela quem está onerada com o ónus da prova do facto correspondente (art.°s 414.° do CPC e 346.°, 2^ parte, do Código Civil).
Depois, numa questão de facto de que dependa o julgamento, a lei dá sempre a uma das afirmações alternativas que a compõem o carácter privilegiado de ser tomada como base da decisão em dois casos: se for provada em si ou então em caso de dúvida insanável ou irredutível; a afirmação contrária só será tomada em conta se for provada. Assim, numa acção - como é justamente o caso do recurso - em que se afirma concluiu um contrato, não concluí um contrato, a primeira afirmação só é tomada em conta se for provada; a segunda é tomada em conta se for provada e ainda no caso de dúvida irredutível.
De maneira que se o autor se propõe valer declarar e valer um direito que emirja de um contrato ou da sua violação e se o demandado nega a conclusão desse contrato, a aplicação daquele princípio resolve-se nestas regras: ao primeiro impõe-se o ónus de provar os elementos estruturais - constitutivos - do seu direito à prestação não cumprida - a celebração do contrato entre as partes e a inclusão da prestação exigida entre os efeitos desse acordo de vontades a cargo do devedor; o segundo está apenas adstrito a um simples ónus da contraprova, de tornar incerto o facto alegado pelo autor.
Em tal caso, o demandado não tem de criar no espírito do juiz uma convicção positiva, de persuadir o juiz de que o facto em causa - a conclusão do contrato - não é verdadeiro: é suficiente deixar no ânimo do juiz um estado de dúvida ou incerteza, uma convicção negativa sobre a realidade daquele facto (art.° 346.° do Código Civil). E isto é assim, dado que a dúvida sobre a conclusão do contrato - facto constitutivo favorável ao autor - resolve-se contra ele, visto que é a parte onerada com a prova (art.° 342.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).
Face ao critério de distribuição do ónus - objectivo - da prova tem-se por certo que, realmente, esse ónus incumbe, no caso, ao apelante subordinado, cabeça-de-casal, dado que a prova da doação garante a relação da verba, relação que dá lugar á intervenção de regras jurídicas que lhe atribuem um efeito favorável. É o que irrecusavelmente decorre dos institutos da colação e da redução por inoficiosidade.
Diz-se colação a restituição que, para igualação da partilha, os descendentes que queiram entrar na sucessão do ascendente devem fazer à massa da herança, dos bens ou valores que lhe foram doados por este (art.° 2104.° do Código Civil).
Segundo a opinião corrente, a colação - que é uma operação da partilha - tem por fundamento a vontade presumida do de cujus, de que ao fazer a doação a um dos descendentes, não terá querido avantajá-lo em face dos outros, pelo que a doação é feita, segundo aquela vontade presumida, como mera antecipação da quota hereditária do donatário - e não propriamente por antecipação da legítima, pois a doação que a exceda também deve ser conferida nesse excesso até onde for possível realizar a igualdade da partilha. Só se não for possível realizar esta igualdade é que se deve entender que o inventariado quis fazer uma verdadeira liberalidade, beneficiando o donatário em face dos seus outros descendentes - embora esta liberalidade possa ser reduzida, por inoficiosa, nos termos gerais se ofender a legítima dos outros herdeiros concorrentes da sucessão (art.° 2108.°, n.° 2, do Código Civil).
A colação tem por objecto, designadamente, as doações e a obrigação de conferir vincula os descendentes presuntivos herdeiros do doador que pretendam entrar na sua sucessão e não tenham sido dispensados de conferir os bens doados (art.°s 2105.° e 2016.° do Código Civil).
Relativamente ao âmbito da obrigação de conferir, há que fazer um distinguo entre o regime legal supletivo e os regimes convencionais. Assim, de acordo com o primeiro, a doação é imputada na quota hereditária do donatário, que é obrigado a conferir, não apenas dentro da sua legítima, mas também o excesso da doação relativamente à legítima, até onde haja na herança bens suficientes para igualar todos os herdeiros (art.° 2108, n.°s 1 e 2, do Código Civil). Caso não haja bens suficientes para inteirar por igual todos os herdeiros, a doação não tem que ser conferida - sem prejuízo, todavia, da sua eventual redução por inoficiosidade.
Se a doação é feita por conta da legítima, o donatário tem que conferir todos os bens doados para igualação da partilha entre os todos os herdeiros, dado que se entende que, com a liberalidade, o doador não quis prejudicar a igualdade entre todos os co-herdeiros; se a doação é feita com dispensa da colação, a doação é imputada na quota disponível e não tem que ser conferida. Se, porém, exceder essa quota, o excesso é imputado na legítima do donatário; excedendo a quota disponível e a legítima do donatário, fica sujeita a redução, por inoficiosidade, nos termos gerais (art.°s 2113.° e 2114.° do Código Civil).
O doador, pode, pois, estabelecer um regime convencional de dispensa da colação, que se verificará quando manifestar uma vontade, juridicamente relevante, de que a liberalidade ultrapasse a quota hereditária do descendente beneficiário - portanto, por força da quota disponível do doador - assim avantajando o donatário face aos demais co-herdeiros. Aquela vontade existirá, normalmente - por aplicação das regras gerais de interpretação dos negócios jurídicos - quando o doador declara que a doação é feita com dispensa de colação ou por conta da sua quota disponível.
A colação faz-se, em princípio, em valor, portanto, por imputação do valor da doação na quota hereditária, só se fazendo em espécie, quer dizer, por restituição dos próprios bens doados, se houver acordo de todos os herdeiros, e o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da doação (art.°s 2108.°. n.° 1, e 2109, n.° 1 do Código Civil). Se a doação for feita por ambos os cônjuges e tiver por objecto bens integrados na comunhão, por morte de cada um deles, apenas há que conferir metade do valor que tiver à data da abertura da sucessão respectiva (art.° 2117.°, n°s 1 e 2, do Código Civil).
A colação é, notoriamente, distinta da redução por inoficiosidade (art.° 2168.° e ss. do Código Civil). Enquanto só as doações feitas ao descendente legitimário estão sujeitas a colação, a redução por inoficiosidade compreende todas e quaisquer liberalidades do autor da sucessão, feitas por vida ou por morte, aos herdeiros legitimários ou a terceiros estranhos à sucessão. A redução não visa, patentemente, a igualação da partilha entre os herdeiros legitimários - mas a defesa da integralidade da legítima. E sendo esta de ordem pública, é claro o carácter injuntivo das respectivas normas para o de cujus: este pode dispensar o herdeiro legitimário de trazer à colação os bens doados, mas não lhe é licito dispensá-lo da redução, se se apurar que a doação é inoficiosa por ofender a legítima dos outros herdeiros legitimários.
As considerações expostas mostram que a imputação do valor dos bens doados, consequente ao dever de conferir os bens que vincula os descendentes do de cujus doador que pretendam entrar na sua sucessão pode dar lugar à redução da doação por inoficiosidade.
Efectivamente, do ponto de vista da consistência da designação sucessória, a situação dos herdeiros legitimários é bem distinta da posição dos herdeiros testamentários e legítimos.
Apesar de o autor da sucessão poder, enquanto vivo, dispor dos seus bens como bem entender e mesmo fazer doações, a verdade é que estas podem ser revogadas ou reduzidas, embora só depois da sua morte. Desde que as doações feitas pelo de cujus estão sujeitas a ser revogadas ou reduzidas, no todo ou em parte, há que reconhecer que os seus poderes de disposição, mesmo em vida, estão de algum modo limitados. Esta limitação dos poderes de disposição do autor da sucessão confere aos legitimários, mesmo em vida daquele, uma verdadeira expectativa juridicamente tutelada, protecção que é actuada sobretudo através do instituto da inoficiosidade, que confere aos herdeiros legitimários a possibilidade de revogarem ou reduzirem, à morte do autor da sucessão, as disposições gratuitas que este haja feito - designadamente as inter vivos, scilicet, doações - que sejam prejudiciais para a sua legítima, sujeita, de resto, ao princípio da intangibilidade, que proíbe ao testador a imposição de encargos sobre ela ou designar, contra a vontade do herdeiro, os bens que a devem preencher (art.° 2163.° do Código Civil).
A legítima é a porção dos bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários (art.° 2156.° do Código Civil). A benefício da exactidão há que distinguir entre a legítima global, enquanto quota indisponível, e a legítima do herdeiro legitimário, quer dizer, o seu quinhão legitimário.
Herdeiros legitimários são o cônjuge, os descendentes e os ascendentes (art.° 2157.° do Código Civil). No caso de o autor da sucessão não deixar cônjuge sobrevivo e concorrerem só os filhos, a medida da legítima destes corresponde a metade ou dois terços da herança, conforme exista um só filho ou existam dois ou mais (art.° 2159.°, n.° 2, do Código Civil).
Para o cálculo da legítima deve atender-se ao valor dos bens existentes no património do património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados, às despesas sujeitas a colação e às dívidas da herança (art.° 2162.° do Código Civil). São, portanto, quatro, as operações em que desdobra a cálculo da legítima: avaliação dos bens existentes no património do autor da sucessão, á data da sua morte; dedução das dívidas da herança; restituição fictícia dos bens doados - que se não confunde com a colação, dado que consiste na atribuição da liberalidade feita pelo de cujus a uma de duas quotas - a disponível e a indisponível - em que se divide a herança a que concorrem herdeiros legitimários e que só se põe quando um desses herdeiros for o beneficiário da liberalidade e não visa, como a colação, a igualação da partilha entre os herdeiros legitimários, mas antes defender a liberdade do autor da sucessão de dispor dos seus bens e o respeito das liberalidades que tenha feito, aos seus herdeiros - ou a terceiros - por conta da quota disponível. A última operação do cálculo da legítima consiste na imputação das liberalidades feitas por conta da legítima: para a determinação, em concreto, da legítima de cada herdeiro legitimário, há, pois, previamente, que imputar na sua legítima as liberalidades com o que o autor da sucessão o tenha beneficiado, só podendo exigir o excesso, caso o haja.
A redução das liberalidades é feita pela ordem seguinte: em primeiro lugar reduzem-se as disposições testamentárias a título de herança, em segundo lugar os legados e, por último, as liberalidades feitas em vida. Caso seja necessário proceder à redução das liberalidades em vida, começa-se pela última, passando-se à imediata, se for preciso; caso haja vária liberalidades feitas no mesmo acto ou na mesma data, a redução é feita rateadamente entre elas, salvo se for remuneratória (art.°s 2171.° e 2173.° do Código Civil). A redução pode ser feita em valor ou em espécie, conforme os bens doados sejam divisíveis ou indivisíveis; no primeiro caso, a redução faz-se separando dos bens doados a parte necessária para preencher a legítima no segundo caso, há que fazer um distinguo, consoante a importância da redução exceda ou não metade do valor dos bens: no primeiro caso, os bens pertencem integralmente ao herdeiro legitimário e o donatário haverá o resto em dinheiro; no caso inverso, os bens pertencem integralmente ao donatário, tendo este que inteirar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução (art.° 2174.°, n°s 1 e 2, do Código Civil).
A redução das doações pode ser requerida - rectior, o direito potestativo à redução pode ser exercido - por qualquer dos herdeiros legitimários, no confronto dos donatários visados, até ao inicio das licitações, com especificação dos valores, quer dos bens doados, quer dos restantes bens da herança, podendo proceder-se, para apreciação do incidente, oficiosamente ou a requerimento, à avaliação de uns e de outros (art.° 1118.°, n.°s 1 e 2, CPC). Quando se reconheça a inoficiosidade da doação, o requerido é condenado a repor em substância a parte que afectar a legítima, embora possa escolher, de entre os bens doados, os necessários para preencher o valor que tenha direito a receber; sobre os bens restituídos à herança pode haver licitação a que, porém, não é admitido o donatário requerido (art.° 1119.°, n.°s 1 e 2, do CPC).
Todavia, para que haja lugar à colação e, eventualmente, à redução, a primeira condição é que os bens doados sejam relacionados, dado que só nesse caso será possível proceder às operações complexas do cálculo da legítima e da eventual redução e mesmo da - também eventual - restituição em espécie.
Face a este regime é bem de ver que a relação da doação prejudica o interessado reclamante - pretenso donatário - e beneficia o interessado cabeça-de-casal, dado que só a relação daquele bem doado lhe abrirá as portas da colação e, eventualmente, a da redução por inoficiosidade. É, portanto, aquele último interessado que está vinculado ao ónus da prova da conclusão do contrato de doação que o outro nega.
Pergunta-se: o cabeça-de-casal livrou-se ou satisfaz um tal ónus? Apesar da prova de que a inventariada entregou ao reclamante a referida quantia, a resposta, decididamente, é negativa.
Se de harmonia com uma das duas concepções apontadas, o espírito de liberalidade dever ser definido de modo positivo - i.e. de que os requisitos da ausência de contrapartida, que não corresponda ao cumprimento de uma obrigação ou de qualquer outro dever jurídico de atribuir, retribuir ou prestar, são necessários mas não suficientes, sendo ainda exigível o elemento subjectivo complementar representado pelo animus donandi - a correcção daquela conclusão é indiscutível, dado que a matéria de facto adquirida para o processo não objectiva a consciência da inventariada de beneficiar o reclamante, de lhe proporcionar uma vantagem patrimonial, o que se explica por tais factos nem sequer terem sido objecto de oportuna alegação e o animus donandi se não presumir.
A conclusão permanece exacta, mesmo que deva aceitar-se que o espírito de liberalidade deve ser definido de modo negativo, portanto, que aqueles requisitos são bastantes ou suficientes, dado que, mesmo nesta hipótese, para se chegar à conclusão que a entrega se efectuou a título de doação é também e ainda necessário, mas suficiente, excluir todos os outros títulos, i.e., é necessário provar que não há outro título justificativo da entrega, que não há qualquer conexão desta entrega com um acto passado ou uma obrigação. E, patentemente, o cabeça-de-casal, recorrente subordinado, não satisfez um tal ónus da prova, tendo, de resto, actuado na convicção - como decorre da sua resposta à reclamação - de que a prova de um título alternativo da entrega competia ao reclamante.
O recurso subordinado não dispõe, pois, de bom fundamento. Cumpre julgá-lo improcedente.
3.3. Recurso independente ou principal.
3.3.1. Nulidade substancial da decisão impugnada.
O recorrente principal, assaca à decisão impugnada o valor negativo da nulidade substancial, por esta precisa causa: a falta de fundamentação. No seu ver, o segmento daquela decisão em que se escreveu terá igualmente de se julgar improcedente a matéria que contende com a propriedade dos valores depositados nas contas bancárias das quais a inventariada era co-titular, tendo sido relegada para a matéria de facto não provada que a mesma fosse proprietária da sua totalidade, é meramente conclusivo, genérico e desprovidos de qualquer fundamentação de facto, já que o tribunal não diz, em concreto, porque é que tal factualidade foi dada como não provada.
A falta de motivação ou fundamentação da sentença verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um qualquer pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão (art.° 615.°, n° 1, b), do CPC). A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais, embora se deva notar que apenas a ausência absoluta de qualquer fundamentação - e não a fundamentação, avara, insuficiente ou deficiente - conduz à nulidade da decisão. Realmente, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta, completa, de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor persuasivo da decisão - mas não produz nulidade[14] (art.°s 208.°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, e 154.°, n.° 1, do CPC).
Uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do seu bom fundamento. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes. A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade, sendo exigida para controlar a coerência interna e a correção externa dessa mesma decisão. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.
A lei de processo é terminante na exigência da especificação, na decisão na matéria de facto, dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova, ou a ausência dela, dos factos (art.° 607°, n.° 4, do CPC).
Como, em regra, as provas produzidas, na audiência final ou fora dela, estão sujeitas à livre apreciação, o decisor da matéria de facto deve indicar os fundamentos suficientes para, que através das regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (art.° 607.° n.° 4, proémio, do CPC). Note-se que com a exigência de motivação não se visa a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz; a finalidade é limitadamente a de persuadir os destinatários da correcção da sua decisão.
A apreciação de cada meio de prova pressupõe o conhecimento do seu conteúdo, a determinação da sua relevância e a sua valoração.
Como, evidentemente, não é possível submeter a apreciação da prova a critérios objectivos a lei apela - e contenta-se - com a convicção íntima ou subjectiva, mas prudente, do tribunal. A convicção exigida para a demonstração da realidade ou da inveracidade de um facto é uma convicção que, para além de dever respeitar as leis da ciência e do raciocínio, pode assentar numa regra máxima da experiência. A convicção sobre a prova do facto fundamenta-se em regras de experiência - que tanto podem corresponder ao senso comum como a um conhecimento técnico ou científico especializado - baseadas na normalidade das coisas - o id quod plerumque accidit - e aptas a servirem de argumento justificativo dessa convicção. A convicção do tribunal extraída dessas regras da experiência é uma convicção argumentativa, isto é, uma convicção demonstrável através de um argumento. Segundo a orientação que se julga correcta a fundamentação da apreciação da prova deve ser feita separadamente para cada facto.
Na espécie do recurso, é exacto que, no troço da decisão impugnada extractado pelo recorrente principal, o Sr. Juiz de Direito não especifica, realmente, os fundamentos pelos quais julgou indemonstrada a titularidade, única ou exclusiva, pela autora da herança, e co-titular das contas bancárias relacionadas, do dinheiro nelas depositado. Mas esta atitude do Sr. Juiz de Direito de não indicar, naquele segmento da decisão impugnada, as razões pelas quais julgou não provado um tal facto, tem uma explicação evidente e fácil: é que tais razões ou motivos foram - correcta e suficientemente - expostos em momento anterior e no local adequado: a motivação da decisão da quaestio facti, na qual indica as razões que impediram a uma convicção sobre a sua veracidade e os meios de prova que teve por inconclusivos.
Portanto, da falta de motivação da decisão do apontado ponto de facto, é coisa de que aquele impugnante, de modo justo ou fundado, se não pode queixar.
Mas vamos que, realmente, o decisor de facto do tribunal de que provém o recurso omitiu a especificação dos fundamentos suficientes para controlar a razoabilidade da sua convicção sobre o julgamento daquele facto, que considerou não provado. Ainda que fosse o caso, de uma tal omissão, não resultaria, em caso algum, a nulidade da decisão contestada.
Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório.
A decisão da matéria de facto está, na realidade, sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de lugar à actuação por esta Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1^ instância (art.° 662.°, n° 2 c) e d), do CPC). Assim, no caso de a decisão da matéria de facto daquele tribunal se não mostrar adequadamente fundamentada, a Relação deve - no uso de uma forma mitigada de poderes de cassação - reenviar o processo para a 1^ instância para que a fundamente (art.° 662.°, n° 2 do CPC)[15].
Salienta-se este ponto, dado que, segundo o apelante independente, a nulidade da sentença decorreria, no caso, da falta de fundamentação da decisão de um ponto da matéria de facto. Ora, nem a falta de fundamentação da decisão da questão de facto constitui causa de nulidade da sentença, nem, de resto, se verifica uma tal omissão.
Quanto a este objecto, julga-se evidente o mal fundado da impugnação do recorrente principal.
A decisão impugnada, com fundamento em que o reclamante não ilidiu a presunção de que os valores depositados nas contas bancárias relacionadas pertencem, em partes iguais, aos seus titulares, julgou improcedente a pretensão daquele de relação da totalidade do valor dos depósitos.
O recorrente principal, reclamante, discorda, já que, no seu ver a presunção de que o Sr. Juiz de Direito se socorreu só é aplicável às contas bancárias solidárias e não às contas conjuntas e, no caso, não se provou se as contas relacionadas são solidárias ou conjuntas. Mas não tem razão.
3.3.2. Regime dos depósitos bancários plurais.
A abertura de conta e o depósito bancário são operações, rectior, contratos bancários, reservadas a banqueiros (art°s 362.° do Código Comercial e 4.° e 8.°, n°s 1 e 2, do RGICSF, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de Dezembro, na sua redacção actual).
As operações bancárias são reguladas pelas disposições especiais respectivas aos contratos que representarem ou que afinal se resolverem (art.° 363.° do Código Comercial).
E comum a referência à noção de conta bancária com o sentido de depósito bancário, como se estas duas realidades jurídicas fossem inteiramente homótropas. Mas a verdade é que não o são. As noções de abertura de conta e de depósito bancário devem, bem pelo contrário, ser cuidadosamente recortadas e separadas.
A abertura de conta é, muitas vezes, confundida quer com a conta-corrente quer com o depósito bancário. Trata-se, porém, de realidades bem distintas.
A abertura de conta é um contrato celebrado entre um banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos e diversas práticas bancárias[16]. Trata-se de um contrato bancário nuclear ou central, que, embora sem regime legal explícito, constitui a moldura dos diversos actos bancários subsequentes[17].
O contrato de abertura de conta conclui-se pelo preenchimento de uma ficha, pela aposição da assinatura em local bem demarcado e tem por conteúdo necessário uma conta-corrente bancária, como operação associada o deposito bancário e, como elemento eventual, entre outros, por exemplo, o negócio de concessão de crédito por descoberto em conta.
A conta-corrente bancária é uma conta-corrente comum, mas celebrada entre o banqueiro e o cliente que se inclui no negócio jurídico mais vasto representado pela conta bancária: através dela fica assente o modo pelo qual a conta é movimentada em termos de débito e de crédito e tem por elemento nuclear o saldo, verdadeiramente autónomo em relação aos créditos que o antecedem (art.° 344.° do Código Comercial).
Se é perfeitamente admissível a conclusão de um contrato de abertura de conta, com a inerente conta-corrente bancária, sem um depósito inicial, a verdade é que o depósito é uma operação que surge, normalmente, associada a uma abertura de conta: aquando da conclusão deste último contrato, surge para o banqueiro, em regra, a obrigação de receber depósitos bancários.
O depósito bancário, em sentido estrito ou próprio, ou depósito de dinheiro ou disponibilidades monetárias, é o contrato pelo qual uma pessoa entrega uma quantia pecuniária a um banco, que dela passa a dispor livremente e se obriga a restituí-la, a solicitação do depositante, nas condições convencionadas (art.°s 408.° do Código Comercial e 1.° do Decreto Lei n.° 430/91, de 2 de Novembro)[18].
Distinguo particularmente relevante no universo dos depósitos bancários é o que os separa entre depósitos singulares e depósitos plurais.
Depósito singular, como a designação logo deixa antever, é aquele em que a conta é titulada por uma única pessoa; o depósito é plural sempre que, como titular da conta, figurem duas ou mais pessoas. A categoria do depósito plural não é, porém, unitária, podendo subdividir-se em duas modalidades diferenciadas: o depósito plural conjunto e o depósito plural solidário.
Depósito conjunto é o depósito plural que só pode ser movimentado a débito pela actuação conjunta de todos os seus titulares. Depósito solidário - que é o que, no caso, mais nos interessa - é aquele em que qualquer dos credores - depositantes ou titulares da conta - apesar da indivisibilidade da prestação tem a faculdade de exigir por si a prestação integral, ou seja o reembolso de toda a quantia depositada, acrescida, eventualmente, dos respectivos juros, e em que a prestação assim efectuada libera o devedor - o banqueiro - para com todos eles (art.° 516.° do Código Civil)[19]. Uma conta desta espécie pode ser movimentada por qualquer dos seus titulares, indistinta e isoladamente, podendo os cheques ou as ordens de pagamento ser subscritas apenas por um dos titulares da conta.
No depósito plural solidário, cada titular pode, pois, proceder à movimentação da conta sem o concurso dos demais contitulares, sem necessidade de demonstrar, perante o detentor do depósito, a autorização dos últimos. O que quer que os contitulares do depósito tenham convencionado no âmbito das suas relações internas é, a este propósito, indiferente, não podendo a violação dessa convenção ou pacto interno ser oposta ao banco, com o fito de impedir uma movimentação por cada um dos contitulares ou para efeitos de responsabilidade por uma movimentação contrária aquele acordo.
Ao lado dos depósitos conjuntos e dos depósitos solidários podem, evidentemente, surpreender-se os depósitos plurais mistos, em que os termos da respectiva movimentação conjugam as particularidades dos depósitos conjuntos e dos depósitos solidárias ou mesmo de particularidades de uma delas com outras variantes. Assim, pertencerá à categoria de depósito plural misto, aquele em a respectiva movimentação pode ser feita, nos termos do contrato, por um dos contitulares isoladamente, e por outros contitulares conjuntamente. O depósito conjuga, nesta hipótese, a regra da solidariedade e da conjunção.
Como é patente, o depósito plural solidário assenta na confiança recíproca dos diversos titulares e no consentimento, ao menos tácito, que antecipada e reciprocamente, dão uns aos outros, para a livre movimentação da conta e das respectivas disponibilidades financeiras[20]. Seja como for, o que individualiza este tipo de depósito é a faculdade de qualquer dos seus titulares poder, livremente, por si só, realizar qualquer tipo de operação[21].
Todavia, um ponto que, nemine discrepanti, a doutrina e a jurisprudência a propósito deste tipo de depósito bancário põem em claro é que a titularidade da conta pode nada ter a ver com a propriedade das quantias nela depositadas. A faculdade que qualquer dos titulares tem de dispor, por acto unilateral, no todo ou em parte, dos fundos ou valores depositados, não envolve, inelutavelmente, a sua titularidade sobre esses fundos ou valores: esse poder de disposição assenta, em exclusivo, no contrato celebrado com o banqueiro, com inteira abstracção da propriedade das disponibilidades financeiras depositadas; estas podem pertencer a todos ou a alguns dos titulares, com quotas iguais ou não, ou só a um deles, e mesmo, a nenhum deles - mas a terceiro[22].
A posição dos titulares dos depósitos solidários resolve-se numa simples legitimação dispositiva face ao banqueiro - mas não atribui qualquer direito sobre os fundos ou valores depositados. Uma coisa é titularidade do depósito bancária, outra, bem diversa, é a propriedade das quantias nela depositadas[23]. Há, portanto, que operar um ditinguo entre a titularidade do depósito, a propriedade - jurídica - do dinheiro depositado e a propriedade económica deste mesmo dinheiro. A titularidade do depósito pertence àquele em nome do qual o depósito foi feito, sujeito a quem pertence, em termos jurídico-bancários, o crédito sobre o banqueiro, no caso, evidentemente, de o depósito apresentar um saldo positivo; a propriedade do dinheiro é, naturalmente, do banco, sendo o titular do depósito, quando muito, titular da moeda escritural, representada pela inscrição a crédito seu, na respectiva conta corrente; a propriedade económica do dinheiro depositado, objeto de lançamento a crédito, pode pertencer ao titular ou titulares da conta, ou só a alguns deles, em partes iguais ou desiguais, ou mesmo a nenhum deles, mas a terceiro, ponto que - como já se fez notar - assume particular relevância nos depósitos plurais solidários ou nos depósitos plurais mistos, que apresentem características típicas da solidariedade.
De outro aspecto, o facto de alguém depositar dinheiro uma quantia numa conta solidária, em seu nome ou no nome do depositário, não significa que o primeiro faça à segunda uma doação[24]. O mesmo sucede quando ocorre uma modificação subjectiva na titularidade do depósito através da adição de outros titulares: também neste caso, este alargamento subjetivo da titularidade do depósito não envolve, como corolário que não possa ser recusado, a doação pelo titular originário da conta aos titulares supervenientes da propriedade económica do dinheiro depositado, devendo antes entender-se, na falta de outros elementos, que aquele - e só aquele - continua a ser proprietário económico desse dinheiro.
A observação da realidade social mostra que ao aproximar-se o fim da vida é comum os titulares de depósitos bancários - antecipando e prevenindo as dificuldades inerentes à sua gestão e movimentação, pessoal e direta, resultantes das limitações crescentes das suas competências pessoais, ou mesmo visando evitar a sujeição tributação pelo facto da transmissão mortis causa - adicionarem como titulares os filhos ou outros parentes ou só alguns daqueles filhos ou destes parentes ou mesmo constituírem com estes depósitos plurais (art.° 349.° do Código Civil). Mas deste facto não decorre necessariamente, pelas razões já apontadas, a aquisição, pelos últimos, de qualquer direito às quantias depositadas; esse direito continua a radicar na esféria jurídico-patrimonial do titular originário do depósito e, verificado o facto lamentável da morte daquele, as quantias depositadas são devolvidas às pessoas que disponham de uma qualquer vocação sucessória, de harmonia com as regras dessa vocação. Conclusão que se impõe de modo mais expressivo, nos casos em que apenas são adicionados como titulares do depósito, algum ou alguns dos filhos ou algum ou alguns dos parentes ou em que exista uma vontade expressa conhecida no tocante ao destino desse bem e de outros, no caso de morte do titular da conta, como sucede no caso de este ter outorgado testamento (art°s 2179.°, 2181.°, 2183.°, 2204.° e 2205.° do Código Civil). Em qualquer destes casos - e sobretudo no último - é licito presumir que, v.g., com a adição de novos contitulares, o titular originário não agiu ordenado pelo propósito de beneficiar os novos contitulares em detrimento de outros com igual vocação sucessória ou para, pelo funcionamento das regras de movimentação do depósito - designadamente, pela actuação, nos depósitos plurais, do efeito presuntivo sobre a titularidade económica do dinheiro depositado - alterar a destinação dos bens.
Apesar do necessário distinguo entre a titularidade da conta e a titularidade do direito às quantias depositadas, presume-se que a conta plural pertence aos diversos co-titulares em partes iguais[25] (art°s 516.° e 1403.°, n.° 2, ex-vi art.° 1404.°, do Código Civil). A presunção aplicável é a disposta na lei para compropriedade e não tanto a que aflora na regulação da participação dos credores solidários, dado que esta presunção só intervém quanto à dúvida sobre a medida da participação do titular de conta no direito ao dinheiro depositado e não também quanto à dúvida sobre a titularidade desse direito. Sendo a conta comum, presume-se a igualdade das quotas, pelo que o regime de movimentação não releva: a lei abstrai deste e presume que as quantias depositadas pertencem, em idêntica medida, aos co-titulares (art.° 1403.°, n.° 2, do Código Civil).
A prova da titularidade do direito sobre o bem depositado é feita nos termos e com a observância das regras gerais e especiais relativas ao ónus da prova, tendo, portanto, presente - como já se observou - que o nosso direito probatório material se orienta pela chamada doutrina da construção da proposição jurídica ou teoria das normas - de harmonia com a qual a repartição desse ónus decorre das relações das normas entre si - e que, numa formulação simplificada, pode enunciar-se deste modo: cada parte está onerada com a prova dos factos subsumíveis à regra jurídica que lhe atribuiu um efeito favorável (art.° 342.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil). Nestas condições o ónus da prova dos factos que permitam determinar a titularidade - económica, dado que a propriedade jurídica, essa, pertence ao banqueiro - de dinheiro depositado junto de um banco, vincula a parte a quem essa titularidade permite produzir um efeito que a favorece (art.°s 342.°, n.° 1 , e 346.°, in fine, do Código Civil, e 414.° do CPC).
A presunção apontada é, com é bem de ver, uma simples presunção iuris tantum, portanto, ilidível mediante prova do contrário (art.°s 349.° e 350.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).
O mesmo ocorre, de resto, com a penhora que tenha por objecto depósito bancário com vários titulares, em que aquele acto de constituição da garantia patrimonial incide sobre a quota-parte do executado na conta comum, presumindo-se a igualdade das quotas dos diversos titulares (art.° 780.°, n.° 5, do CPC). A única diferença consiste na amplitude da presunção, que funciona independentemente do regime da conta plural, dado que vale tanto para a conta solidária como para a conta simplesmente conjunta[26]. Em resumo: à conta conjunta é também aplicável a importante presunção de igualdade das quotas dos vários co-titulares.
No caso do recurso, está incontroversamente assente que as contas bancarias relacionadas eram tituladas pela inventariada BB e pelo co-interessado e cabeça-de-casal, DD. Presume-se, por isso, com inteira diferença pela natureza conjunta ou solidária das contas, que as quotas de ambos os titulares são quantitativamente iguais (art.° 1403.° n.° 2, in fine, ex-vi art.° 1404.° do Código Civil). De resto, a natureza solidária de uma das contas é indiscutível, dado que - como decorre da matéria de facto adquirida, sem controversão, para o processo - a inventariada a movimentou sozinha.
Pelas razões indicadas, competia ao reclamante proceder à ilisão da aludida presunção de co- titularidade, através da prova de que o dinheiro depositado pertencia a apenas a um dos titulares da conta - a inventariada - dado que se trata de presunção legal, embora iuris tantum, e, portanto, possui, como regra força probatória plena, só podendo, por isso, ser ilidida pela prova do contrário (art.° 350.°, n.° 2, do Código Civil). O recorrente não fez uma tal prova. Ergo, a referida presunção mantém-se intacta.
Diz, porém, o recorrente principal, que o Sr. Juiz de Direito, em vez de lançar mão da presunção deveria ter ordenado a produção de outras provas, mormente, deveria ter ordenado à respectiva entidade bancária que informasse sobre a natureza das contas, a data em foram constituídas e em que passaram a ser tituladas pela inventariada e pelo cabeça-de-casal, o saldo existente, etc.,
Mas o argumento é, de todo, improcedente.
3.3.3. Omissão da actuação do inquisitório.
O objecto do processo é delimitado livremente pelas partes, à sombra do princípio do dispositivo (art.° 5.°. n.° 1, do CPC). Fixado, porém, o complexo de factos a provar, o juiz é livre quanto à determinação das diligências através das quais a prova será feita (art.°s 411.°, 433.°, 436.°, 490.°, n.° 1, e 526.°, n.° 1, do CPC). No plano restrito da prova, domina o princípio da cooperação, que aqui se traduz num dever de auxílio das partes pelo tribunal: o tribunal, que tem o dever de auxiliar as partes na remoção das dificuldades no exercício dos seus direitos ou no cumprimento dos seus ónus ou deveres processuais, tem o poder-dever de determinar a prestação de informações sobre dados que se encontrem na posse de terceiros ou a apresentação por estes de quaisquer documentos (art.°s 7.°, n.° 1, e 417.°, n.° 1, e 436.°, n.°s 1 e 2, do CPC). Todavia, uma coisa é o dever do tribunal de, no cumprimento do dever de colaboração, auxiliar as partes no cumprimento do ónus da prova que as vincula - outra, bem diversa, é substituir-se-lhes no cumprimento desses ónus. Assim, por exemplo, o poder-dever de requisição de documentos ou informações deve ser considerado como subsidiário e supletivo do direito das partes, pelo que mal avisado andará o juiz que se apresse a requisitar documentos ou informações que as partes estão em tempo de oferecer ou que podem, sem qualquer dificuldade, obter por si mesmas.
Ora, no caso, não vem - nem foi - alegada pelo apelante qualquer dificuldade, por mínima que fosse, na obtenção, pelos seus próprios meios, da mesma informação que julga que o tribunal devia ter requisitado: o dever de colaboração que, mesmo no domínio sensível da prova, vincula o tribunal, não há-de, decerto, servir para alijar no tribunal os ónus probatórios que as vinculam.
Por último, a violação dos deveres de cooperação em matéria probatória - segundo a orientação que se tem por preferível - traduz-se na nulidade da decisão, que deve ter-se por verificada sempre que o tribunal extraia alguma consequência de uma falta de prova que poderia ter sido suprida pela actuação do seu poder inquisitório - nulidade que decorre de um excesso de pronúncia, uma vez que o tribunal conhece de matéria de facto que, perante a omissão de utilização do poder inquisitório, não pode conhecer, o que sucede, por exemplo, quando declara não provado um facto, dando como argumento - a sua falta de prova (art.° 615.°, n.° 1, d), do CPC).
Simplesmente, a nulidade da sentença só releva, em princípio, mediante arguição da parte, não sendo, por isso, de conhecimento oficioso, pelo que o tribunal ad quem só adquire a competência para dela conhecer se o recorrente a alegar como fundamento do recurso (art.° 615.°, n.° 4, do CPC).
Não é, comprovadamente, o nosso caso, visto que que o apelante independente não arguiu a nulidade da decisão impugnada, por aquela causa e, portanto, não constituiu esta Relação no dever funcional de dela conhecer, pelo que a violação do dever de inquisitório que assaca à decisão impugnada se deve ter por irrelevante ou inconsequente.
De resto, uma outra circunstância sempre obstaria, decisivamente, à actuação, pelo Sr. Juiz de Direito do apontado princípio do inquisitório.
Como patentemente decorre da acta da diligência de prova testemunhal, que teve lugar no dia 30 de Novembro de 2022, o reclamante, ora recorrente, requereu ao Sr. Juiz de Direito que requisitasse à instituição bancária, detentora das contas, informação sobre os depósitos nelas efectuados e a quem pertencia o dinheiro objecto do depósito - requerimento que, por despacho proferido, acto, contínuo para a acta, foi indeferido, decisão que não foi objecto de qualquer impugnação - nem mesmo neste recurso, dado que a única decisão que nele se impugna é a decisão que conheceu do objecto da reclamação deduzida contra a relação de bens.
Crê-se que a decisão que indefere um requerimento de requisição, a terceiros, de uma informação ou de um documento, se resolve na rejeição do meio de prova correspondente, uma vez que o indeferimento do requerimento de requisição do meio de prova, obsta, evidentemente, à produção dessa mesma prova. Tal decisão é, por isso, suscpetível de apelação autónoma, a interpor no prazo de 15 dias (art.° 644.°, n.° 2, e 638.°. n.° 1, 2.- parte). Como tal decisão não foi objecto de impugnação autónoma, ela deve ter-se por transitada em julgado mesmo em momento anterior à do proferimento da decisão impugnada neste recurso, ocorrido em 29 de Dezembro de 2022 (art.°s 138.°, n.°s 1 e 2, 139.°, n.°s 1 e 3, 247.°, n.° 1, 248.° 1, 629.°, n.° 1, 631.°, n.° 1, 2.- parte, 637.°, n.° 1, 638.°, n.° 1 do CPC ).
O caso julgado é a insusceptibilidade de impugnação de uma decisão - despacho, sentença ou acórdão - decorrente do seu trânsito em julgado, que torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão desse órgão jurisdicional (art.° 628.° do CPC).
O caso julgado constitui expressão dos valores da segurança e certeza imanentes a qualquer ordem jurídica. O caso julgado é, realmente, uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, dado que obsta a que uma mesma acção seja instaurada várias vezes, evita que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a resolver.
O caso julgado resolve-se, assim, na inadmissibilidade da substituição ou modificação de uma decisão por qualquer tribunal - e, portanto, mesmo por aquele que a proferiu - resultante da insusceptibilidade da sua impugnação, tanto por reclamação como por recurso ordinário.
Perspectivado a partir do âmbito da sua eficácia, o caso julgado separa-se entre o caso julgado material e o caso julgado formal: o caso julgado formal possuiu um valor estritamente intraprocessual, dado que só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida; o caso julgado material, além de uma eficácia intraprocessual, é susceptível de valer num processo diverso daquele em que foi proferida a decisão transitada. A eficácia do caso julgado material é, portanto, mais ampla, dado que além de vincular no processo em que foi proferida a decisão transitada, podem também ser vinculativo num processo distinto (art.°s 619.°, n.° 1, e 620.° do CPC).
As diferentes modalidades de caso julgado relacionam-se com a diversidade do objecto sobre que estatuiu a decisão transitada.
Em regra, as decisões de forma - i.e., as decisões que incidem sobre aspectos processuais - apenas adquirem o valor de caso julgado formal, ao passo que as decisões de mérito - as decisões que apreciam, no todo ou em parte, a procedência ou improcedência da acção - são, em princípio, as únicas a adquirir a eficácia de caso julgado material (art.°s 619.° n° 1 e 620.° do CPC).
A diferente eficácia, num caso e noutro, das decisões proferidas na acção pendente, decorrente do caso julgado que sobre elas se forma, explica-se pela diferença do seu objecto. Dado que as decisões de forma recaem sobre aspectos processuais - v.g. sobre a competência do tribunal ou a legitimidade das partes – a sua eficácia restringe-se ao processo onde foram proferidas; inversamente, as decisões de mérito, declararam ou constituem situações jurídicas que, no caso de prejudicialidade entre objectos processuais, podem ser relevantes para a apreciação ou constituição de situações jurídicas e não podem ser contrariadas ou recusadas noutro processo.
De outro aspecto, com o proferimento da decisão dá-se o imediato esgotamento - rectior, extinção - do poder jurisdicional do juiz (art.° 613.°, n.°s 1 e 3, do CPC). Dessa extinção decorre esta consequência irrecusável: o juiz não pode, motu proprio, voltar a pronunciar-se sobre a matéria apreciada.
Da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento da decisão decorrem, assim, dois efeitos: um positivo - traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; um negativo - representado pela insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.
Portanto, desde que o Sr. Juiz de Direito indeferiu o requerimento de requisição de informação ao banco detentor das contas bancárias relacionadas, não lhe era lícito, quer por força do caso julgado que se formou sobre a decisão correspondente, tanto por força do esgotamento do poder jurisdicional, consequente ao proferimento da decisão, decidir, depois, oficiosamente, invocando o seu poder de inquisitório - requisitar aquela mesma informação. Caso o fizesse, a sua decisão, por força do caso julgado formal anterior e por aplicação de um princípio da prioridade, seria puramente ineficaz (art.° 625.°, n.° 2, do CPC).
Note-se que o caso julgado formal formado sobre a decisão de indeferimento do requerimento de requisição à instituição bancária de informação relativas às contas bancárias relacionadas se impõe a esta Relação, pelo que não lhe seria lícito - sob pena do seu desacatamento e da ineficácia do acórdão - revogar a decisão impugnada e substituí-la por outra - que determinasse essa mesma requisição.
O recorrente principal alega, enfim, que o Sr. Juiz de Direito deveria ter-se abstido de decidir a questão da titularidade do dinheiro depositado nas contas bancárias, remetendo os interessados, quanto a esse objecto, para os meios judiciais comuns.
Esta objecção à correcção da decisão impugnada também não colhe.
3.3.4. Remessa dos interessados para os meios judiciais comuns.
Se considerarmos o fim a que se destina, o processo de inventário é um processo divisório, tem por objectivo a partilha de uma massa de bens pelos respectivos titulares; relacionam-se bens com vista à preparação da partilha[27]. Portanto, o inventário exerce uma função estritamente divisória: dissolve uma universalidade, substituindo-lhe a formação de quinhões ou quotas individuais e concretizadas. Um dos aspectos essenciais na partilha de qualquer património, maxime do património hereditário, é a determinação dos bens que devem figurar na partilha, porque dessa determinação depende a satisfação efectiva do direito a esse património. A transparência patrimonial é, assim, uma condição indispensável, ao êxito e à justiça ou equidade de qualquer partilha.
No iter que conduz à decisão homologatória da partilha, podem, contudo, surgir questões de diversa natureza, cuja resolução condiciona o ulterior desse iter: admitindo o seu conhecimento no processo de inventário, a lei revela a sua intenção primacial de considerar que o processo correspondente a si mesmo se basta, que é autossuficiente. O princípio da suficiência, tomado aqui com o significado de que esse processo é, em regra, o lugar adequado ao conhecimento de todas as questões cuja solução se revele necessária para a decisão a tomar - a partilha do património hereditário - tem o seu bom fundamento nas exigências de concentração, continuidade e celeridade do processo de inventário, pelo que deve ser actuado na medida do possível (art.° 91.°, n.° 1, do CPC).
Todavia, é igualmente certo que o relevo e a complexidade ou a especialidade de que se revertem certas questões, podem reclamar, insistentemente, que nestes casos, a questão não seja decidida no processo de inventário, mas antes devolvida para os meios judiciais comuns, para aí ser resolvida. Compreende-se, por isso, que a lei introduza ao princípio da suficiência do processo de inventário, extensas, embora contadas, limitações. Essas restrições obedecem a um critério comum: a complexidade da matéria de facto subjacente a certas questões (art.°s 1092.°, n.° 1, b), e 1093.°, n.° 1, do CPC).
Exemplo disso mesmo, é o que ocorre no tocante às questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados directos na partilha, que atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto não devam ser incidentalmente decididas no processo de inventário. No tocante às questões prejudiciais que se revistam destas características, a lei impõe ao juiz que, logo que os bens se mostrem relacionados, declare a suspensão do processo e remeta os interessados para os meios judiciais comuns (art.° 1092.°, n.° 2, do CPC).
Todavia, mesmo neste caso, dando expressão às preocupações de continuidade, concentração e celeridade do processo de inventário, a lei admite que, a requerimento dos interessados directos da partilha, observadas algumas cautelas, se ordene o seu prosseguimento, sem prejuízo da ulterior modificação da partilha, em conformidade com o que vier a ser decidido, quando se registe uma dilação anormal na proposição ou julgamento da causa prejudicial, quando a viabilidade desta for reduzida ou quando os inconvenientes do diferimento da partilha superem as vantagens da sua realização provisória (art.° 1092.°, n.° 3, do CPC).
Outro exemplo é o representado, justamente, pela reclamação contra a relação de bens.
Sempre que a complexidade da matéria de facto das questões suscitadas pela reclamação contra a relação de bens torne inconveniente a sua decisão incidental, e a questão a decidir afectar de modo significativo a utilidade prática da partilha, o juiz pode abster-se de decidir, remetendo os interessados para os meios judiciais comuns (art.° 1093.°, n.° 1, do CPC).
Portanto, em geral, a remessa das partes para os meios judiciais comuns, no tocante às questões objecto da reclamação contra a relação de bens, deve ter lugar sempre que a questão seja de difícil solução, de relevantes consequências ao seu nível próprio, importe uma tramitação para a qual nitidamente o processo de inventário não esteja talhado ou cuja resolução exija a produção de provas sem a limitação existente naquele processo[28]. Dito doutro modo: o juiz só deve decidir definitivamente as questões relativas à relação de bens, que exijam outras provas para além da documental, quando for possível a formulação de um juízo seguro sobre a existência ou inexistência dos bens que hão-de figurar no inventário[29]. Para a formulação deste juízo não é necessário mesmo que se tenha produzido qualquer prova: se o simples exame da reclamação contra a relação de bens e da resposta, tornar patente a complexidade da questão de facto que lhe está subjacente e, portanto, que a questão não pode, convenientemente, resolver-se no processo de inventário, ao juiz é lícito ordenar logo a remessa dos interessados para os meios judiciais comuns[30].
Mas, comprovadamente, não é esse o caso do recurso.
A questão da propriedade do dinheiro depositado em contas bancárias - e a ilisão da presunção da pertença, em partes iguais, aos co-titulares - não suscita questões de facto particularmente complexas, dado que não implica uma larga indagação probatória nem a tramitação do processo de inventário se mostra inadequada para o seu tratamento, por não envolver qualquer diminuição da garantia das partes, por comparação com o processo declarativo comum - o que explica a frequência, como mostra a observação da realidade e do quotidiano judiciários, com que tal questão é, de modo inteiramente adequado, resolvida incidentalmente no interior do processo de inventário.
Efectivamente, a ilisão da apontada presunção pode ser feita através da prova, por qualquer meio, da origem do dinheiro depositado na conta bancária, o que não é particularmente difícil, desde logo porque a movimentação, v.g., a crédito, de depósitos bancários é objecto de registo - diagráfico - com indicação da sua proveniência, na conta corrente, inerente ao negócio jurídico mais vasto representado pela conta bancária.
O fundamento da remessa dos interessados para os meios judiciais reside na complexidade da matéria de facto subjacente à questão, que torna inconveniente, na óptica das garantias das partes, a resolução no processo no processo, e não na concessão ao interessado, vulnerado com o ónus da prova, de que, no processo de inventário se não conseguiu livrar, de uma segunda oportunidade para satisfazer esse ónus.
Portanto, o recurso independente ou principal também não dispõe de bom fundamento e, como tal, deve obter uma decisão de improcedência.
Exposta toda a argumentação, afirma-se em síntese apertada que:
- Na fundamentação do acórdão esta Relação pode extrair os factos presumidos com base nos factos probatórios, pelo que nada obsta a que a Relação, independentemente de qualquer controlo, possa, através de presunções judiciais, baseadas nos factos apurados na 1.9 instância, deduza outros, só não lhe sendo lícito, excepto no caso de erro de julgamento, por recurso a essas presunções, dar como provado um facto que a 1^ instância julgou não provado;
- A inferência presuntiva pressupõe uma relação entre o facto probatório e o facto probando, que se justifica através da inferência para a melhor explicação, pelo que só é possível inferir o facto probando do facto probatório, quando o primeiro constitui a melhor explicação do segundo, quando o facto presumido surja como consequência necessária do facto assente;
- Da definição legal do contrato de doação extraem-se como elementos extraem-se os seguintes elementos estruturais característicos: como objecto, uma coisa ou direito ou uma obrigação; como função eficiente a transmissão daquele direito ou a assunção desta obrigação; como função económico-social, a liberalidade;
- A liberalidade- ou o espírito de liberalidade ou o animus donandi- não se presume;
- Saber se os elementos do contrato de doação se verificam numa dada situação concreta depende da interpretação dos actos realizados e das declarações emitidas, pelo qual se afere o sentido ou significado daqueles actos, atendendo ao cânones hermenêuticos aplicáveis no caso;
- Nos casos em que alguém se limite a entregar a outrem dinheiro ou qualquer outra coisa móvel, sem declarações que expressem o título que justifica a entrega, para se chegar à conclusão de que a entrega é feita a título de doação é necessário, mas suficiente, excluir todos os outros títulos, i.e., provar que não há outro título justificativo dessa mesma entrega, dado que, em abstracto, dado que em abstracto, a entrega pode corresponder à formação de um contrato de liberalidade - doação, comodato ou mútuo gratuito - de troca - compra e venda - ou de garantia - penhor - ou ao cumprimento de uma qualquer outra obrigação contratual proveniente de outra fonte.
- A relação, no processo de inventário, de uma doação prejudica o interessado o pretenso donatário e beneficia o co-interessado, dado que só com essa relação poderá haver lugar à colação e, eventualmente, à redução por inoficiosidade, pelo que este último que está vinculado com a prova da conclusão do contrato de doação;
- Nos depósitos bancários plurais, i.e., em que figuram como titulares da respectiva conta bancária duas ou mais pessoas, presume-se, iuris tantum, a sua pertença, em partes iguais, aos vários co-titulares;
- O processo especial de inventário está também submetido ao princípio da suficiência, tomado aqui com o significado de que esse processo é, em regra, o lugar adequado ao conhecimento de todas as questões cuja solução se revele necessária para a decisão a tomar - a partilha do património hereditário - princípio que tem o seu bom fundamento nas exigências de concentração, continuidade e celeridade do processo de inventário, pelo que deve ser actuado na medida do possível;
- A ilisão da presunção da pertença, em partes iguais, aos co-titulares, da conta bancária não suscita questões de facto particularmente complexas, dado que não implica uma larga indagação probatória nem a tramitação do processo de inventário se mostra inadequada para o seu tratamento;
- O fundamento da remessa dos interessados para os meios judiciais comuns relativamente a qualquer questão reside na complexidade da matéria de facto a ela subjacente, que torna inconveniente, na óptica das garantias das partes, a resolução no processo no processo de inventário, e não na concessão ao interessado, vulnerado com o ónus da prova, de que, naquele processo se não conseguiu livrar, de uma segunda oportunidade para satisfazer esse mesmo ónus.
Ambos os recorrentes sucumbem nos respectivos recursos, sucumbência que os torna objectivamente responsáveis pela satisfação das respectivas custas (art.° 527.°, n°s 1 e 2, do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento aos recursos.
Custas de cada um dos recursos pelo respectivo recorrente.
2023.05.30



Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 498.
[2] Acs. do STJ de 09.02.2021 (26069/18.3T8PRT.P1.S1), 30.09.2020 (4420/18.6T8GMR.G2.S1) e 14.03.2019 (8765/16.1T8LSB.L1.S2).
[3] Acs. do STJ de 06.04.2000, www.dgsi.pt., 25.11.1988, BMJ n.° 381, pág. 606, 8.11.84, BMJ n.° 341, pág. 388, e de 21.05.1995, CJ (STJ), III, pág. 15, e Antunes Varela, RLJ Anos 122, pág. 180, e 123, pág. 49.
Vaz Serra, Provas, BMJ n° 110, pág. 190.
[5] Cfr. João de Castro Mendes, Do Conceito de Prova, 1961, pág. 251. Duvidoso é também saber se a presunção é uma indução ou uma dedução. Sustentando que se trata de prova por indução, cfr. Manuel de Andrade Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra editora, 1976, pág. 215.
[6] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, cit., pág. 125 e Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra, 1991, pág. 349, nota 73.
[7] Cfr., sobre o problema do momento até ao qual é admissível a retirada da confissão, José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Coimbra, 2000, pág. 238 e nota 28 e A Confissão, cit., pág. 76, nota 31 e José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, volume 2^, Coimbra, 2001, pág. 488.
[8] Acs. do STJ de 13.04.1994, CJ, STJ, II, pág. 32, e da RL de 15.02.1996, CJ, XXI, I, pág. 121.
[9] Para uma resenha sobre as opiniões doutrinárias quanto á consagração no art.° 236.° do Código Civil de um critério objectivista ou subjectivista, cfr. Santos Júnior, Sobre a Teoria da Interpretação dos Negócios Jurídicos, págs. 144 a 150.
[10] Assim, v.g., Galvão Teles, Manual Dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, 2002, pág. 445; diferentemente, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos IV, Funções, Circunstâncias e Interpretação, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 262.
[11] Antunes Varela, Anotação ao Ac. do STJ de 20.06.1972, RLJ, Ano 106.°, pág. 250.
[12] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4.^ edição, Coimbra, 1987, págs. 240, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, 6.^ edição, Coimbra, pág. 176, Maria do Rosário Palma Ramalho, “Sobre a doação modal”, in o Direito, 122.° ano (1990), pág. 721, e António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, XI, Contratos em Especial, Almedina, 2019, pág. 424.
[13] João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, II, Lisboa, 1979, pág. 195, F. Brito Pereira Coelho, Causas objectivas e motivos individuais no negócio jurídico, Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, III, A Parte Geral do Código e a Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 2006, pág. 423 e ss. (pág. 433, nota 22) e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, cit., pág. 176 e ss.
[14]  Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 195, pág. 140; Ac. STJ
10.05.2021 (3701/18.3T8VNG.P1.S1)
[15] Ac. da RC de 20.01.2015 (2996/12.TBFIG.C1).
[16] António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3^ edição, 2006, págs. 410 a 416.
[17] José Simões Patrício, Direito Bancário Privado, Quid Iuris, Lisboa, 2004, págs. 139 a 141 e Acs. da RC de 09.03.99, CJ, XXIV, II, pág. 21 e do STJ de 19.12.06, www.dgsi.pt.
[18] Cfr. Paula Ponces Camanho, Do Contrato de Depósito Bancário, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 93 a 98 e Carlos Barata, Estudos em Honra do Professor Doutor Galvão Telles, cit., págs. 7 a 66. A natureza jurídica precisa do depósito bancário é muito discutida. Alguma doutrina e sobretudo a jurisprudência - v.g. Acs. do STJ de 09.02.1995, CJ, STJ, III, I, pág. 75, e da RL de 07.10.1999, CJ, XXXIV, IV, pág. 119 considera-o um depósito irregular; outra sustenta que tem a natureza de mútuo - v.g. Paula Ponces Camanho, cit. págs. 145 a 210 e Carlos Ferreira de Almeida Contratos II, Conteúdo - Contratos de Troca, Almedina, Coimbra, 2007, págs. 158 e 159; finalmente há quem o encare como figura unitária, típica, autónoma, próxima do depósito irregular - v.g. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, cit. pág. 482.
[19] Antunes Varela, Depósito Bancário, Revista da Banca, n° 21 Janeiro - Março 1992, APB, Lisboa, 1982, pág. 50.
[20]  Ac. da RP de 14.02.1984, CJ, IX, I, pág. 238.
[21] Vasco da Gama Lobo Xavier e Maria Ângela Coelho, Anotação ao Ac. do STJ de 5 de Março de 1987, Depósito bancário a prazo, levantamento antecipado, RDE, n° 14, 1988, pág. 281, nota 27 e Acs. da RL de 27.09.1990, CJ, XV, V, pág. 132 e de 03.06.1982, CJ, VII, III, pág. 115, e do STJ de 25.02.1981, BMJ n.° 304, pág. 444.
[22]   Como, patentemente, sucede na conta fiduciária, que é aquela em que a conta tem um único titular, embora, por força da relação interna que o liga a outro sujeito, se obrigue a geri-la ou simplesmente a detê-la por conta do último, a quem, mais tarde, deverá entregar o respectivo saldo. Cfr. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, 4.^ edição, Almedina, 2022, pág. 110.
[23] Acs. do STJ de 08.05.1973, BMJ n° 227, pág. 133, de 07.06.1977, BMJ n° 269, pág. 136, de 25.02.1981, BMJ n° 304, pág. 449 e da RP de 04.03.1997, CJ, XXII, II, pág. 191.
[24]  Acs. da RL de 13.10.1988, CJ, XIII, IV, pág. 120, e do STJ de 08.05.1973, BMJ n.° 227, pág. 133.
[25] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, pág. 502 e Acs. da RL de 10.10.1988, CJ, XIV, I, pág. 143, da RP de 04.03.1997, CJ, XXII, II, pág. 191, e do STJ de 07.07.1977, BMJ n.° 269, pág. 136.
[26] Manuel Januário da Costa Gomes, Penhora de direitos de crédito. Breves notas. Themis, RFDUNL, Ano IV, n° 7, 2003, A Reforma da Acção Executiva, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 129.
[27] Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. II, Coimbra, 1982, págs. 355 e 356.
[28]  J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3^ edição, vol. II, Almedina, Coimbra, 1980, pág. 325.
[29]   Acs. do STJ de 11.00.2000, www.dgsi.pt, e de 16.12.1980, BMJ n° 202, pág. 357, e da RP de 16.02.206, www.dgsi.pt.
[30]  Ac. da RC de 08.11.1988, BMJ n°. 381, pág. 761.