Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4054/20.5T8CBR -B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ARTICULADO SUPERVENIENTE
ADMISSIBILIDADE
FACTOS INSTRUMENTAIS
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
PEDIDO DE INFORMAÇÃO POR INTERMÉDIO DO TRIBUNAL
Data do Acordão: 06/05/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGO 342.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 410.º, 417.º, 436.º, 552º, Nº 1, AL. D), 588.º, 607.º, N.º 4 E 611º, NOS 1 E 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – A admissibilidade dos articulados supervenientes depende, além do mais, da relevância ou irrelevância do facto respectivo quanto à pretensão deduzida ou à defesa apresentada, sendo que relativamente a um tal articulado apresentado pelos AA., naturalmente que relevam os factos constitutivos supervenientes.

II – Estando em causa no articulado superveniente factos instrumentais probatórios ou de contraprova da versão da contraparte, não se trata de factos que careçam sequer de ser alegados pela parte, podendo, contudo, sê-lo, sem necessidade de o ser mediante articulado superveniente, quando se considere já o propósito deste articulado excecional.

III – Um pedido de requisição de uma informação pelo Tribunal no quadro do previsto no art. 436º do n.C.P.Civil, deve ser apreciado por este enquanto uso do seu poder-dever ali consignado, deferindo-o ou indeferindo-o em função da sua necessidade para o esclarecimento da verdade.

IV – Quando, como no caso vertente, atento o princípio da confidencialidade e proteção de dados pessoais, foi alegada e comprovada a impossibilidade de obter diretamente uma tal informação, só uma requisição oficiosa cumpre o comando inserto no “Princípio da cooperação”, de que trata o art. 7º do n.C.P.Civil, quando no seu nº1 prescreve que deve o magistrado concorrer “para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

       Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 - RELATÓRIO

           AA e marido BB propuseram ação declarativa comum em 09.10.2020 contra CC e outra[2], a qual concluíram no sentido de que deve a ação ser julgada procedente por provada e, consequentemente serem as RR. condenadas:

«A) A remover definitivamente e demolir o avanço da construção na varanda do Rés do Chão, construída sem licença e autorização, designadamente os painéis de vidro, a porta, as ferragens, dobradiças, puxador, fechadura, e todos os elementos e acessórios que estão fixados no parapeito interior da floreira e teto da varanda, designadamente na zona situada em cima da garagem poente dos Autores, com exceção do painel de vidro situado a nascente, onde não existe floreira;

B) A remover toda a vegetação e raízes existentes na floreira;

C) A remover toda a terra e a limpar a floreira;

D) A proceder, através de empresa especializada, à impermeabilização da floreira, ao desentupimento do seu esgoto e substituição do seu ralo caso seja necessário, seguindo as boas práticas de reparação;

E) A repor a garagem e arrumos no estado anterior às infiltrações, eliminando as suas causas e manifestações;

F) A facultar aos AA a memória descritiva e o caderno de encargos dos trabalhos executados e a exibir a garantia legal da impermeabilização que vier a ser realizada;

G) A pagar aos AA, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 80,00 por cada dia de atraso na reparação peticionada em D) e E) - Artigo 828.º-A do Código Civil.»

            Para o efeito, alegaram, muito em síntese, que sendo eles AA. proprietários da fração “E” (4º andar e duas garagens) de um prédio em propriedade horizontal, de cuja fração “A” (rés-do-chão) a Ré é também proprietária, sucedeu que esta, no ano de 2017, procedeu a uma construção/acrescento na sua varanda, sem autorização prévia do condomínio, sem licença da Câmara Municipal, contrariando o Regulamento do Condomínio e bem assim as normas de direito urbanístico, acrescendo que a Ré plantou na floreira da sua varanda uma espécie arbórea que destruiu a impermeabilização existente, donde, para além da perigosidade da edificação em si, a demais atuação da Ré originou que as garagens dos AA. apresentem marcas visíveis de infiltrações, com consequente destruição de bens e impossibilidade de utilização de uma parte dos arrumos.

                                                                       *

           Citada, a Ré apresentou oportunamente a sua contestação, através da qual, também muito em síntese, e para o que ora releva, sustentou que não obteve autorização do condomínio para a construção realizada no ano de 2017, mas posteriormente, em Assembleia de Condóminos realizada a 9/04/2019, essa autorização foi concedida (juntando para o efeito a ATA correspondente), ademais impugnando os danos invocados pelos AA. enquanto causados pela atuação da própria, cuja reparação, a ser necessária, caberá ao conjunto dos condóminos .

                                                                                              *

               Em Audiência Prévia realizada em 10.05.2023, para além do mais, a Exma. Juíza de 1ª instância procedeu à identificado do objeto do litígio em função dos pedidos formulados na p.i. e enunciou os temas da prova pela seguinte forma:

            «2. São os seguintes os TEMAS DA PROVA:

1- Saber se durante o ano de 2016/2017 a Ré montou uma estrutura em vidro, com peças fixadas no parapeito interior da floreira e no teto da varanda da fracção A, com uma extensão de cerca de 25 metros, sem mobilidade;

2- Saber se o referido em 1) foi feito sem a autorização e o conhecimento do condomínio;

3- Saber se a Ré plantou na sua floreira uma sebe de crescimento lento, da espécie arbórea Loureiro-Real, cujas raízes destroem a impermeabilização e obstruem os ralos de escoamento das águas da rega e das chuvas;

4- Saber se a floreira da fracção A está construída por cima da garagem poente e arrumos das fracções E e F, situada na cave do edifício;

5- Saber se em Outubro de 2019, o referido em 3) e 4) causou infiltrações na parede da garagem e arrumos da fracção E e pingos no exterior do esgoto das águas pluviais;

6- Saber se as infiltrações referidas em 5) estão a provocar a erosão da parede interior da garagem e a degradação das massas de revestimento e

7- Saber se o fecho da varanda da fracção A impede o acesso e a conservação da floreira.»

Encontra-se consignado na ATA correspondente que «Não foram apresentadas reclamações»

                                                           *

De referir que nessa mesma Audiência Prévia, o A., que havia no seu início apresentado um “ARTICULADO SUPERVENIENTE”, ao ser-lhe dada a palavra para, querendo, alterar os requerimentos probatórios, expressou, para o que ora diretamente releva o seguinte:

«- Os Autores, no seu articulado superveniente, requerem a alteração do valor da acção e, no final do articulado, indicam o valor que pretendem seja o valor da acção.

- Requerem a junção dos 14 documentos juntos com o articulado superveniente.

- Requerem que o Tribunal oficie às Águas de Coimbra, com sede na Rua da Alegria nº 111 em Coimbra, a fim de esta entidade remeter aos autos informação sobre o consumo mensal de água do Rés do chão, sito na Rua ..., Urbanização ..., ... em ..., respeitante ao ano de 2022, dado que o tentou obter e lhe foi informado que não poderiam fornecer essa informação por colidir com a Lei de Protecção de Dados.

- Esta informação é necessária para efeitos do tema de prova das infiltrações.

- Acrescenta ainda que durante o ano de 2022 não choveu, apenas a partir de Setembro é que começou a chover. Há uma fotografia que se junta com o articulado que pretende provar que no dia 28 de Agosto as infiltrações se agravaram. A pergunta que se faz é porque é que se não chove, a infiltração aumentou.

- Os consumos são 3 a 4 vezes superiores aos do 4º andar, pelo que pretende que essa informação seja solicitada pelo Tribunal.

(…)»

Na medida em que a Ré não prescindiu do exercício do contraditório, a Exma. Juíza de 1ª instância relegou a decisão sobre a admissibilidade das questões do “Articulado Superveniente” e do “requerimento do ofício às Águas de Coimbra” para momento ulterior, sem prejuízo de logo ter admitido a junção dos documentos “juntos no dia de hoje”.

                                                           *

A decisão quanto às duas questões vindas de enunciar veio a ter lugar pelo despacho de 17.11.2023, no sentido do indeferimento de ambas, mais concretamente pela seguinte forma:

«(…)

 O artigo 588.º, nº 1, do C.P.C. estatui que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.

Conforme se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-1-2021, os factos a alegar como supervenientes hão-se ser factos essenciais, pois que o art. 588º, n.º 1 do C.P.C. fala de factos constitutivos, modificativos e extintivos, e os factos instrumentais por si próprios não têm essas qualidades, além de que não carecem de alegação para serem tidos em consideração – Proc. n.º 5362/18.0T8CBR-B.C1, publicado em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/bfe47958f8041bdb8025867b0040e909?   Open Document.

Compulsado o teor do requerimento em apreciação, verifica-se que os novos factos alegados pelos AA. consistem em:

1- realização de Assembleias de Condóminos (em 20-9-2022);

2- corte de árvores e vegetação num canteiro exterior do prédio (em 2022)

3- convocatória de 26-11-2021 para a Assembleia de Condóminos a realizar no dia 7-12-2021

4- e-mails de 29-11-2021, 8-12-2021, 10-12-2021, 28-12-2021, 3-10-2022, de 18-7-2022

5- proposta de indeferimento e indeferimento de alterações pelo Município de Coimbra

6- constatação, em 28-8-2022, da ocorrência de agravamento nas infiltrações na sua garagem

Estes factos, mesmo os que têm conexão com o pedido formulado na presente ação (agravamento nas infiltrações na garagem), não são factos essenciais ou seja, constitutivos, modificativos ou extintivos do direito a que se arrogam os AA. Ao invés, o agravamento nas infiltrações da garagem trata-se de um facto instrumental, isto é, de um facto que permite a prova indiciária do facto essencial no qual assenta o pedido dos AA.

Tampouco importam à presente acção as questões atinentes à existência ou à falta de licenciamento (e vicissitudes tendentes à respectiva legalização urbanística), porquanto o licenciamento autárquico tem em vista acautelar a segurança, salubridade e estética das construções particulares, mas não dá, nem retira direitos privados concedidos aos cidadãos pela lei civil, nomeadamente em matéria de propriedade horizontal – vd. sumário do Ac. do TRP de 19-3-1996, Proc. 9520077, http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/8f3ee872221e8be28025686b0066d134?OpenDocument.

 Na verdade, tal como emerge do pedido formulado pelos Autores, com base na causa de pedir descrita na petição inicial apresentada, o litígio a resolver não decorre de uma relação jurídico administrativa enformada pelo direito administrativo, sendo um litígio a resolver com base no direito privado, não se inserindo, por esse motivo, na competência dos Tribunais Administrativos, tal como a mesma é definida nos artigos 1.º e 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002 de 17 de Fevereiro.

Pelo exposto, rejeito o articulado superveniente apresentado pelos AA.

Custas do incidente pelos AA. com 1 UC de taxa de justiça.

Notifique.

                                                                               *

(…)

Os AA. requereram que o Tribunal oficie às Águas de Coimbra, a fim de remeter aos autos informação sobre o consumo mensal de água do rés-do-chão, sito na Rua ..., Urbanização ..., ... em ..., respeitante ao ano de 2022 (fracção autónoma da Ré), informação essa que é necessária para efeitos do tema de prova das infiltrações.

Respondeu a Ré, pugnando pelo indeferimento do requerido, porquanto a matéria relativa ao consumo da água da Ré é irrelevante, nada acrescentando ao que já foi alegado nos articulados iniciais, além de ser deplorável que os AA. procurem controlar a vida pessoal da R. (onde está, para onde vai, o que consome de água, se consome mais ou menos do que os AA., se tem as persianas fechadas ou subidas), com a agravante de a virem expor em juízo com informação obtida ilicitamente, nomeadamente a relativa ao consumo da água; os consumos de água, como é sabido, umas vezes são faturados por estimativa, outros por leitura real, com os acertos que se impõem. Neste quadro, os dados e conclusões trazidos pelos AA. não têm qualquer significado e a matéria alegada pelos AA. nos indicados artigos está directamente relacionada com a posição das partes quanto à origem das infiltrações, sendo matéria a esclarecer em sede de prova a produzir, de acordo com os temas já definidos.

Cumpre apreciar.

Salvo melhor opinião, considera-se que o registo dos consumos de água da Ré durante o ano de 2022 não é adequada a responder à factualidade contida no tema da prova 5, em relação à qual já foi ordenada perícia, na qual o Sr. Perito se socorrerá dos elementos que considere pertinentes para responder às questões colocadas.

Termos em que indefiro o requerido.

Notifique.

(…)»

                                                           *

Inconformados, dela interpuseram recurso os AA., os quais finalizaram as suas alegações com as seguintes conclusões[3]:

«1. O presente processo deu entrada em tribunal no dia 9/10/2020, tendo sido pedida a demolição de uma construção feita pela RÉ em cima da garagem e arrumos do autor, tendo dado origem a infiltrações na mesma.

2. A Ré perdeu acesso à construção, que está tapada por vidros fixos, perdendo acesso ao local da reparação pela varanda da Ré e pelo exterior, pertencente ao condomínio.

3. A obra foi construída sem autorização prévia do condomínio, sem licença da Câmara Municipal, contraria o Regulamento do Condomínio, designadamente o seu art. 6º, als. a), b) e e), e também o art. 1422º, nº 2 al. a) do C. Civil e bem assim as normas de direito urbanístico que disciplinam a atividade de construção.

4. A Ré defendeu-se invocando que não obteve autorização do condomínio para a construção realizada no ano de 2017, mas posteriormente em Assembleia de Condóminos realizada a 9/04/2019, juntando para o efeito uma ATA através da qual entende que ocorreu uma autorização subsequente à construção por parte do condomínio.

5. Os autores entendem, por sua vez, que no dia 1/10/2020 realizou-se uma Assembleia Geral de Condóminos que é demonstrativa que na Assembleia de 19/04/2019 não foi autorizada ou sequer discutida a construção da Ré e outra realizadas pelos condóminos. Na petição inicial protestou juntar a ATA nº ...2 da assembleia de 1/10/2020 pois na altura não a conhecia.

6. No dia 10/05/2023 realizou-se a Audiência Prévia, tendo os Autores requerido a junção de um articulado superveniente ao abrigo dos arts.588º e 611º, nº 1 do C.P.C. O decurso de quase 3 anos sobre a propositura da ação justificava (e justifica), que fosse levado ao processo novos factos e elementos probatórios com relevo para a decisão.

7. De entre eles constavam diversos documentos, que no seu conjunte eram demonstrativos que a dita autorização do condomínio subsequente à construção nunca tinha existido, quer em relação à obra da Ré, quer em relação a todas as outras levadas a cabo pelos condóminos nas suas frações.

8. Também refere o articulado superveniente que a Câmara Municipal .... indeferiu a obra da Ré, e outras levadas a cabo pelos condóminos nas suas frações. A Ré não demoliu a obra da sua responsabilidade, tal como outro proprietário de uma outra fração.

9. Consta do articulado superveniente que a empresa administradora do condomínio apresentou um documento na Câmara para supostamente legalizar as inovações. No entanto não identificava nenhuma delas, tendo esse documento sido junto ao articulado superveniente.

10. O dito articulado levou ao conhecimento do processo que a 28/08/2022 o autor constatou que tinha havido um agravamento das infiltrações na sua garagem, correspondendo esse período a uma ausência da Ré durante vários meses da sua casa. Fez indagações junto das águas de Coimbra para saber os consumos no período em causa, e no ano de 2022 (referidos no art.29º), tendo concluído que nos meses de verão a Ré deixava a rega intermitente a funcionar, facto que é demonstrativo que as infiltrações provêm da floreira da Pé e que a mesma tinha consumos de água exorbitante, designadamente nos meses de verão. No entanto as Águas de Coimbra recusaram dar essa informação por escrito aos autores.

11. Pois bem, a Mª Juiz "a quo" rejeitou o articulado superveniente na sua totalidade, reproduzindo o argumentário da Ré na sua quase totalidade, sem nenhuma reflexão autónoma sobre o assunto, o que traduz a nulidade prevista noa rt. 154º, nº 2 C.P.C. como acima se desenvolveu.

12. Requereram os autores ainda no articulado superveniente que se oficiasse à Águas de Coimbra para solicitar a informação sobre os consumos de água do rés do chão da Ré respeitante ao ano de 2022, tendo essa diligência de prova sido indeferida. Em requerimento autónomo, que deu entrada no processo a 16/105/2023, os autores requereram ao abrigo do art. 7º, nº 4 do C.P.C. e 417º, nº 1 do mesmo diploma que a Ré fornecesse essa informação não tendo sido objeto de qualquer despacho, facto que constitui uma nulidade por omissão de pronúncia nos termos do art. 154º C.PC.

13. Quanto à informação sobre os consumos de água do rés do chão que a Mª Juiz " a quo" não solicitou ás águas de Coimbra, traduz uma violação do principio da cooperação previsto no art. 7º, nº 1 e 4 do C.P.C. Bastava um oficio aos serviços nos termos do art. 418º do C.P.C. para obter a informação pretendida pelos autores, que no processo tem importância qualificada. 14. No entanto a Mª Juiz" a quo", sobre o assunto em apreciação, exarou nos autos esta frase da autoria do mandatário da Ré, que os autores consideram infamante e falsa."............ser deplorável que os AA procurem controlar a vida pessoal da Ré (onde está, para onde vai, o que consome de água, se consome mais ou menos que os AA., se tem as persinas fechadas ou subidas) com a agravante de a virem expor em juízo com informação obtida ilicitamente, nomeadamente a relativa ao consumo de água...............

15. Com todo o respeito por opinião contrária, a incorporação desta frase no processo, sem prova que a suporte, e sem observância do princípio do contraditório previsto no art. 3º, nº 3 do C.P.C., e do princípio da igualdade das partes previsto no art. 4º do C.P.C., é demonstrativo que no processo a posição dos autores não é simétrica da posição da Ré e que o processo não está informado pelo princípio da equitatividade tal como exige a Constituição da República no seu art. 20º, nº 4 da C.R. Portuguesa.

16. Como se os autores, que são vítimas há quatro anos de um ilícito simultaneamente civil e criminal, não tivessem o direito de saber a proveniência da água que encharca lentamente a parede da sua garagem, e o direito à legitima defesa do seu património previsto no art. 337º, nº 1 do C. Civil.

17. Não pode deixar de referir-se que a decisão de reduzir o valor da ação e suprimir duas de testemunhas dos autores, é uma violação do modelo do processo equitativo pois" grande parte da doutrina, considera o duplo grau de jurisdição de mérito um elemento essencial do modelo do processo equitativo" (Luís Correia de Mendonça e António João Latas; Sistema de Justiça e Organização Judiciária; INA, 2007, pp. 74-75)

18. Como se escreveu no Ac. TRC de 23/02/2016 proferido no processo 2316/12. 4TBPBL.C1 acima referido "Os factos complementares.............se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável aquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam. Têm assim os autores interesse substancial na admissão do articulado superveniente.

TERMOS EM QUE

A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que:

a) Admita os artigos 6º, 7º, 89, 9º 11º, 12º, 15º, 16º,17º, 18º 21º 26º, 27º, 28º,29º, 31º, 33º e 34º do articulado superveniente (…);

b) Revogue o despacho que recusou oficiar às águas de Coimbra nos termos do art. 418º do C.P.C., a fim de informar os consumos de água no ano de 2022 do rés do chão sito na Rua ..., Urbanização ..., ... em ..., substituindo-o por outro que ordene a prestação dessa informação;

c) Ou, caso assim se não entenda, que ordene a notificação da Ré nos termos do art. 417º do C.PC. a fim de a própria facultar a informação sobre os consumos de água da sua fração no ano de 2022;

(…).

NORMAS VIOLADAS

Arts. 588º, nº 1, 2, 3, 5 e 6 do C.P.C., com referência ao art. 611º, nº 1 do mesmo diploma; Art. 4º do C.P.C. e 20º, nº 4 da C.R.P.; Art. 154º, nº 1 2 C.P.C.; Arts. 7º, nº 1 e 4, 417º e 418º C.P.C.; Art. 3º, nº 3 e 4º C.P.C.; Art. 423º, nº1, 2 e 3 C.PC.; 1422º, nº 2, al. a) C. Civil, 340º, nº 1 e 337, nº 1 do mesmo diploma»

                                                                       *

            Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                                       *

           Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                           *

           2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos Recorrentes nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

- desacerto da decisão de indeferimento/não admissão do “Articulado Superveniente [incluindo o aspeto de eventual nulidade que tal implicou];

- desacerto da decisão de indeferimento do requerimento do “ofício às Águas de Coimbra” [sem prejuízo da alternativa/subsidiária notificação à Ré para prestação da informação em causa, também estando incluída a nulidade por falta de pronúncia quanto a este particular].

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade que interessa ao conhecimento do presente recurso é a que consta do precedente relatório, para o qual se remete, por economia processual.          

                                                                       *                   

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 - desacerto da decisão de indeferimento/não admissão do “Articulado Superveniente [incluindo o aspeto de eventual nulidade que tal implicou]

De referir que essa decisão de indeferimento/não admissão se fundou, no essencial, em que não estavam verificados os requisitos legais para o efeito, mormente porque os factos invocados como supervenientes não eram factos “essenciais (ou seja, factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito a que se arrogam os AA.).

Será assim?

Face ao disposto no art. 552º, nº 1, al. d), do n.C.P.Civil, a petição inicial é o articulado no qual o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação.

A lei processual contudo prevê uma possibilidade de desvio a esta regra, consagrando o articulado superveniente para factos supervenientes relativamente àquele momento temporal (propositura da ação).

Na verdade, preceitua o art. 588º do n.C.P.Civil que:

«1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.

2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.

3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:

a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;

b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;

c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.

4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.

5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.

6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.»

Consabidamente, a  possibilidade de apresentação de articulado superveniente está diretamente relacionada com o disposto no art. 611º, nos 1 e 2, do n.C.P.Civil, onde se consagra que a sentença deve ser atual, tomando em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito produzidos até ao encerramento da discussão, desde que, segundo o direito substantivo aplicável, eles influam na existência ou conteúdo da relação controvertida.

Importa ainda relevar que conforme decorre do citado nº2 do art. 588º do n.C.P.Civil, a superveniência factual tanto pode ser objetiva, como subjetiva, sendo que ocorre a superveniência objetiva quando os factos têm lugar após o decurso do prazo para a apresentação dos articulados, e que se verifica a superveniência subjetiva quando os factos ocorreram em momento anterior ao prazo para a apresentação dos articulados, mas a parte só deles teve conhecimento posteriormente, sendo que, neste caso, tem de ser efetuada a prova da superveniência.

Por outro lado, o artigo 410º, do Código de Processo Civil, com a epígrafe “Objeto da instrução”, estatui que «[A] instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.» [com destaque da nossa autoria]

Temos, assim, que são os próprios temas da prova o objeto da instrução[4], neles se incluindo os factos, quer os essenciais quer os instrumentais, sobre que a prova incide, pois que o real e efetivo objeto da instrução é sempre matéria fáctica, nos termos dos arts. 341º e segs. do Código Civil.

Dito de outra forma: havendo enunciação dos temas de prova, o objeto da instrução são os temas da prova, densificados pelos factos, principais e instrumentais (constitutivos, modificativos, impeditivos ou extintivos do direito afirmado) – cf. arts. 410º do n.C.P.Civil e 341º e segs. do Código Civil.

Sendo certo que após instrução e discussão, aquando da prolação da sentença e da seleção dos concretos factos sobre os quais vai incidir a decisão sobre a matéria de facto, caberá ao juiz uma pronuncia sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir e as exceções, e sobre outros factos também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda.

Finalmente, importa não olvidar que os factos instrumentais, tendo por função coadjuvar o juiz a retirar induções ou valorações sobre a realidade dos factos principais[5], ajudam a modelar o convencimento do juiz, relativamente a estes últimos, os factos que verdadeiramente importa indagar e provar.

Isto é, os factos instrumentais têm uma função probatória, na medida em que não constituem uma condicionante direta da decisão, sendo a sua função, antes, a de permitir a prova dos factos principais.[6]

Assim, em decorrência com essa sua natureza e função, os factos instrumentais devem por essa razão, em regra, integrar a motivação da matéria de facto, em lugar da sua discriminação enquanto factualidade julgada provada, donde ser enquadrada pelo nº 4 do art. 607º do n.C.P.Civil a sua relevância no momento da análise critica dos meios de prova.

Rememorados estes aspetos dogmáticos, estamos em condições de afrontar a questão em apreciação.

In casu, estando em causa um articulado superveniente apresentado pelos AA., naturalmente que relevariam factos constitutivos supervenientes.

Ora é por assim ser que não assiste qualquer razão aos AA. em invocarem com base no aduzido no seu requerimento, que o mesmo constituía um “Articulado Superveniente” que preenchia os requisitos jurídico-legais da sua admissibilidade.

Aliás, salvo o devido respeito, o requerimento em causa verdadeiramente estava destinado e encontrava justificação enquanto descrição e substanciação dos documentos de que se fazia acompanhar e cuja junção também era expressamente pretendida, os quais, sublinhe-se, foram e estão admitidos.

Senão vejamos.

Tomando como base a discriminação que dos denominados “novos factos” se fez na decisão recorrida – a qual não foi impugnada pelos AA. nas alegações recursivas, não obstante a restrição efetiva aos pontos “2-” a “6-” – temos que os mesmos correspondem a:

«2- corte de árvores e vegetação num canteiro exterior do prédio (em 2022);

3- convocatória de 26-11-2021 para a Assembleia de Condóminos a realizar no dia 7-12-2021;

4- e-mails de 29-11-2021, 8-12-2021, 10-12-2021, 28-12-2021, 3-10-2022, de 18-7-2022;

5- proposta de indeferimento e indeferimento de alterações pelo Município de Coimbra;

6- constatação, em 28-8-2022, da ocorrência de agravamento nas infiltrações na sua garagem»

Neste conspecto, o factualismo descrito nos pontos “3-” a “5-” deste dito “Articulado Superveniente” corresponde efetivamente a factos instrumentais puramente probatórios, mais concretamente matéria de contraprova da alegação pela Ré de ter sido autorizada a realização das obras pela Assembleia de Condóminos realizada a 9/04/2019.

Resta-nos, assim, o factualismo descrito nos pontos “2-” e “6-”, relativamente ao que se constata tratar-se também de factos instrumentais meramente probatórios dos factos essenciais alegados na p.i. – de degradação da linha arquitetónica do edifício e da existência de infiltrações, respetivamente.

Ora é por assim ser que esses ditos factos não tinham que ser objeto de articulação específica pelos AA., sendo a instrução e julgamento o momento próprio para os mesmos emergirem, cabendo, como supra exposto, ao juiz atendê-los e valorá-los em sede da fundamentação da convicção, sendo disso caso, quanto fixar os factos provados e não provados como supra exposto (cf. art. 607º, nº 4, do n.C.P.Civil).

Donde, estando a função de instrução/probatória já cumprida e assegurada pelos AA. – através da junção dos 14 documentos que foi expressamente admitida pelo despacho proferido na audiência prévia e já transitado em julgado – nada  haverá a censurar à decisão recorrida que não admitiu o “Articulado Superveniente” enquanto tal, fundamentando-o na irrelevância/inviabilidade dos factos nele narrados para a boa decisão da causa (leia-se, por não serem factos essenciais constitutivos do direito dos AA.).

Vejamos agora, para finalizar esta parte, da alegação da nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida atinente a este particular.

Salvo o devido respeito, esta arguição só se compreende como fruto de ênfase na argumentação recursiva.

Segundo o art. 615º, nº1, al.b), 1ª parte do n.C.P.Civil, é nula a sentença quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.”

Porém, desde logo quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente.

Sem embargo, importa ter presente que se constitui como mais completo e rigoroso o entendimento de que também e ainda ocorre essa nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial[7].

Ora, na sentença recorrida encontram-se claramente especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, pelo que não vislumbramos como possa ter acolhimento esta concreta causa de nulidade da mesma!

Ademais, não nos merece acolhimento a invocação de que se verificava a nulidade por a fundamentação da decisão consistir na mera aderência às razões invocadas pela Ré na pronúncia sobre a admissibilidade do “Articulado superveniente”, isto é, que teria consistido numa fundamentação meramente formal ou passiva.

Desde logo porque tal não é objetivamente verdade.

Acresce que da exigência de uma fundamentação material ou ativa (contraposta àqueloutra) «(…) discordava ALBERTO DOS REIS, com o argumento de que era melhor a simples aderência aos raciocínios expendidos pela parte do que o risco da sua deturpação em fundamentações só aparentemente próprias do Juiz (Comentário cit, II, ps. 173-174, e CPC anotado cit., I, p.285)»[8].

 Improcede, assim, sem necessidade de maiores considerações, esta questão recursiva.

                                                           *

4.2 – desacerto da decisão de indeferimento do requerimento do “ofício às Águas de Coimbra[sem prejuízo da alternativa/subsidiária notificação à Ré para prestação da informação em causa, também estando incluída a nulidade por falta de pronúncia quanto a este particular].

Neste particular – e releve-se o juízo antecipatório! – já nos merece acolhimento a pretensão recursiva.

Aliás, salvo o devido respeito, uma tal resposta já inteiramente se adivinhava face aos considerandos dogmáticos expostos na apreciação da questão precedente.

Senão vejamos.

Consabidamente, a instrução do processo[9] tem por objecto factos controvertidos – através dela procede-se com vista à demonstração desses factos ou, pelo contrário, com vista a impedir essa demonstração (depende da perspetiva da parte), isto é, a atividade instrutória destina-se «à produção das provas destinadas à formação da convicção do tribunal quanto aos factos alegados que interessam à decisão e hajam sido impugnados».[10]

A presente ação é uma ação de condenação em que as partes são titulares de frações distintas de um edifício em propriedade horizontal, estando em causa a atuação ilícita da Ré com obras e condutas levadas a cabo na sua fração, designadamente no que respeita a uma floreira existente na respetiva varanda, cuja deterioração da impermeabilização alegadamente está a causar danos indemnizáveis aos AA., proprietários de garagens e arrumos sitos por debaixo daquela estrutura.

Os AA. alegam, para o que ora diretamente releva, que a Ré tem um sistema de rega automática nessa floreira, cuja utilização intermitente no verão de 2022, de forma imprudente e descuidada, gerou um aumento do caudal das infiltrações nesses meses de verão, sendo por isso que oportunamente haviam requerido que «o Tribunal oficie às Águas de Coimbra, a fim de remeter aos autos informação sobre o consumo mensal de água do rés-do-chão, sito na Rua ..., Urbanização ..., ... em ..., respeitante ao ano de 2022».

Isto é, trata-se de informação relativa à fração autónoma da Ré, informação essa que se afirma ser necessária para efeitos do tema de prova das infiltrações.

Em linha e sintonia com o precedentemente exposto, impõe-se concluir que estará em causa factualidade instrumental probatória. 

Ora se assim é, trata-se de uma ação em que a prova dos fundamentos da ação no particular em causa, a saber, dos pressupostos da responsabilidade extra-contratual (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade) competem aos AA. ora recorrentes (cf. art. 342º, nº 1, do C.Civil), os quais também têm evidente interesse na contraprova dos factos alegados pela parte contrária...

Sendo que no ponto “3-” dos “Temas de Prova”, está diretamente em causa tal situação.

E sendo certo que o meio de prova previsto no artigo 436º do n.C.P.Civil [com a epígrafe de “Requisição de documentos”], com referência ao princípio da cooperação também previsto no art. 417º do mesmo n.C.P.Civil, pode ser requerido quer em relação a factos alegados pela parte requerente da sua junção e a quem cabe o respectivo ónus de prova, como pela parte contrária visando a contraprova desses factos.

O que tudo serve para dizer que não pode deixar de se reconhecer que a obtenção da aludida informação, para efeitos de prova pelos AA. e eventual contraprova do sustentado pela Ré, não se nos afigura impertinente nem dilatória.

Assente isto, vejamos agora se deve dar-se acolhimento à pretensão formulada pelos AA./recorrentes de obtenção daquela concreta informação pelo Tribunal.

Já foi doutamente sublinhado que se pode legitimamente falar de uma «(…) evolução (talvez mesmo de uma mudança da paradigma) do regime legal relativo à requisição de informações e documentos que abandona a perspetiva restritiva – compreensível num processo puro ou acentuadamente de partes - de um mero poder subsidiário, residual, excecional e discricionário do julgador quanto a tal procedimento para o transformar num verdadeiro poder-dever (ou, pelo menos e segundo ABÍLIO NETO, num poder discricionário vinculado), a exercer na primeira linha de combate da ação, quando necessário para a boa e correta composição do litígio e que é judicialmente sindicável por via recursória, cenário esse a que não é estranho o reforço dos princípios do inquisitório e da gestão processual por parte do juiz que se mostram previstos, entre outros, nos artigos 5.º da Lei n.º 41/2013, de 26/6 - que aprovou o novo Código deProcesso Civil - e 2.º, 3.º, 5.º, n.º 2, 6.º, 7.º, 526.º, 547.º, 590.º e 602.º do NCPC.»[11]

Está alegado pelos AA., para substanciar a alegação de “aumento do caudal das infiltrações nos meses de verão, com a casa da Ré desabitada”, que «[F]oi à Loja do Cidadão e expôs a situação de forma transparente, tendo obtido a informação verbal que transpôs para o processo. Não conseguiu, porém, obtê-la posteriormente por escrito».

Ora se assim é, será que andou bem o Tribunal recorrido quando, procedendo a uma avaliação ponderada e casuística dos deveres oficiosos do Tribunal em sede do “dever de gestão processual”[12], concluiu pelo indeferimento do requerido?

Cremos bem que não.

Na verdade, em nosso entender o critério preponderante nesta sede é verdadeiramente o de que «o juiz deve decidir sobre a requisição, considerando todas as circunstâncias atendíveis e tendo em conta a boa instrução do processo»[13], e sempre tendo presente que formulado um requerimento no quadro do art. 436º do n.C.P.Civil, cumpre ser por si apreciado enquanto uso do seu poder-dever ali consignado, deferindo-o ou indeferindo-o em função da sua necessidade para o esclarecimento da verdade.

O que, revertendo ao caso vertente, no quadro já exposto, nos impõe a conclusão de que só o deferimento do requerido pelos AA. cumpre o objetivo primacial para este efeito, a saber, o da obtenção dos elementos “necessários ao esclarecimento da verdade” (cf. art. 436º, nº1 do n.C.P.Civil).

Ademais, quanto a este último particular, salvo o devido respeito, nem se compreende verdadeiramente qual a fundamentação para ter sido sustentado – como justificação para o indeferimento constante da decisão recorrida – que ela não assumia relevância[14].

Dito de outra forma: a situação ajuizada que se vem de expor é precisamente uma daquelas em que face ao tipo de elementos requeridos, sua relevância material e bem assim à sua dificuldade de obtenção, designadamente, em função do seu cariz e conteúdo, o Tribunal não podia ter deixado de, com maior amplitude e abertura, deferir à sua requisição oficiosa!

Atente-se que os AA. já alegaram e até comprovaram[15] a impossibilidade de obter diretamente uma tal informação.

Pois que, em boa verdade, na circunstância, só uma requisição oficiosa cumpre o comando inserto no “Princípio da cooperação”, de que trata o art. 7º do n.C.P.Civil, quando no seu nº1 prescreve que deve o magistrado concorrer “para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”…

Procede assim o recurso nesta parte, sem necessidade de maiores considerações, com a consequente revogação do atinente despacho recorrido e sua substituição por outro através do qual seja oficiado às “Águas de Coimbra” nos termos e para os efeitos requeridos pelos AA..

                                                           ¨¨

Face à decisão vinda de perfilhar, fica obviamente prejudicada a apreciação/decisão sobre a alternativa/subsidiária notificação à Ré para prestação da informação em causa, também estando incluída a nulidade por falta de pronúncia quanto a este particular.

                                                                       *

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (…).

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

           Pelo exposto, decide-se a final, na procedência parcial da apelação interposta, revogar o 2º despacho recorrido e sua substituição por outro através do qual seja oficiado às “Águas de Coimbra” nos termos e para os efeitos requeridos pelos AA., a saber, «(…) remeter aos autos informação sobre o consumo mensal de água do rés-do-chão, sito na Rua ..., Urbanização ..., ... em ..., respeitante ao ano de 2022».

Custas do presente recurso pela parte vencida a final (art. 527º, nº1, do n.C.P.Civil).


Coimbra, 5 de Junho de 2025

Luís Filipe Cravo

João Moreira do Carmo

Fernando Monteiro



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. João Moreira do Carmo
  2º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
[2] A saber, “Herança Indivisa aberta por óbito de DD”, relativamente à qual os AA. ulteriormente apresentaram desistência do pedido, devidamente homologada judicialmente.
[3] A cuja reprodução apenas na parte útil/subsistente se vai proceder, pois que, por reqº entrado em juízo em 11.01.2024, os AA. operaram uma desistência (parcial) do recurso.
[4] Neste sentido J. LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª edição, Livª Almedina, a págs. 205.
[5] Cf. JOSÉ HENRIQUE DELGADO DE CARVALHO, in “Os Temas de Prova”, QUID JURIS, a págs. 61.
[6] Vide J. LEBRE DE FREITAS, in “Introdução ao Processo Civil”, 3ª ed., Coimbra Editora, a págs. 172.

[7] cf., “inter alia”, o Ac. do T.R. de Coimbra de 17-04-2012, no processo nº 1483/09.9TBTMR.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc, com entendimento que persiste como perfeitamente válido no presente quadro normativo.
[8] Citámos J. LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 3ª edição, Livª Almedina, a págs. 307, em anotação ao “Art. 154.º”.
[9] Decorre do art. 410º do n.C.P.Civil que a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova.
[10] Citámos FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, in “Direito Processual Civil”, Livª Almedina, 2015, vol. II, a págs. 220.
[11] Neste sentido a Decisão Individual de 03-05-2016 do T.Rel. de Lisboa, proferida no proc. nº. 3149/15.1T8BRR-A.L1-4, acessível em www.dgsi.pt/jtrl
[12] Enunciado, em geral, no art. 6º do n.C.P.Civil. 
[13] Assim LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., Livª Almedina, 2017, a págs. 256.
[14] De referir que a “indignação” dos AA. quanto ao grafado pela Exma. Juíza no despacho ser “infamante”, não colhe, na medida em que se tratava da mera reprodução/citação literal da alegação da Ré, sem que se detete qualquer adesão ao seu conteúdo!
[15] Cf. “Doc. 13” das “Águas de Coimbra”, a págs. 73 destes autos, na sua versão em papel.