Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | AZEVEDO MENDES | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO NÃO PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO PRESUNÇÕES | ||
Data do Acordão: | 12/13/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 2º JUÍZO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 394º, Nº 5, E 395º, NºS 1 E 2 DO CÓDIGO DE TRABALHO DE 2009; 799º, Nº 1 DO CÓDIGO CIVIL. | ||
Sumário: | I – O nº 5 do artº 394º do Código do Trabalho de 2009, ao estabelecer que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por 60 dias, constitui uma presunção júris et de jure de culpa do empregador. II – No entanto, para se prevalecer dessa específica presunção de culpa o trabalhador deve exercer o direito de resolução com justa causa do contrato do contrato no prazo de 30 dias a partir do termo daquele período de 60 dias, atendendo ao disposto no artº 395º, nº 2 do CT. III – Se o não fizer, mas continuar a situação de incumprimento no pagamento da retribuição, ainda assim o trabalhador pode exercer o direito de resolução, já que o prazo de caducidade de 30 dias previsto, desta feita, no artº 395º, nº 1 do CT só deve iniciar-se quando cessar a situação ilícita que assuma gravidade para a sustentação da resolução. IV – Nesta última situação, o trabalhador beneficia, não já da presunção juris et de jure do nº 5 do artº 394º do Código do Trabalho, mas da presunção júris tantum prevista no artº 799º, nº 1 do C. Civil. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. O autor intentou contra a ré acção declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 10.535,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 20.06.2011 e até integral pagamento. Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou um contrato de trabalho com a ré, sendo que, posteriormente, esta deixou de lhe pagar a sua retribuição, pelo que resolveu o contrato de trabalho, sendo-lhe devidos os créditos laborais e a indemnização peticionada. A ré contestou defendendo-se por excepção de caducidade do direito do autor e por impugnação, pedindo a sua absolvição parcial do pedido. Mais deduziu reconvenção, pedindo a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de € 2.100,00, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento. Alegou, para o efeito e muito resumidamente, que, aquando da resolução do contrato de trabalho por parte do autor, já tinha caducado o seu direito de resolução, tendo direito a uma indemnização em virtude dessa resolução ilícita. O autor respondeu à contestação, pretendendo a improcedência da reconvenção. Prosseguindo o processo os seus termos, foi proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente, bem como improcedente a excepção peremptória de caducidade e a reconvenção deduzida pela ré, e, em consequência, condenou esta a pagar ao autor a quantia total de € 10.342,50, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde 20/6/2011 e até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, a ré intentou a presente apelação e, nas correspondentes alegações, apresentou as seguintes conclusões: [...] O autor não apresentou contra-alegações. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se a Exmª Procuradora-Geral Adjunta no sentido de que não assiste razão à recorrente. * II- OS FACTOS: A 1ª instância considerou provada a seguinte factualidade: [...] * III. Direito As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objecto, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso. Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver, no âmbito das conclusões, se podem equacionar basicamente da seguinte forma: - se ocorreu ou não justa causa para a resolução do contrato de trabalho declarada pelo autor; - se ocorre fundamento para a procedência do pedido reconvencional.
Vejamos: Desde já devemos dizer que não reconhecemos razão à apelante, seguindo justamente a orientação do Acórdão desta Relação de 2/10/2011, citado pela apelante no recurso, (proc. 1022/09.1TTCBR.C1, in www.dgsi.pt), do mesmo relator do presente Acórdão. O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução com justa causa, por iniciativa do trabalhador (394.º do Código do Trabalho de 2009). O nº 1 do artigo 394.º do Código do Trabalho prevê que ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato, prescrevendo-se, a título exemplificativo, na al. a) do nº 2 que constitui justa causa a falta culposa de pagamento pontual da retribuição e na al. c) do nº 3 que constitui justa causa a falta não culposa de pagamento pontual da retribuição. Antes, o artigo 364º do Código do Trabalho de 2003, que previa a situação de mora do empregador no cumprimento da retribuição, estipulava que a mora que se prolongasse por 60 dias conferia o direito de resolver o contrato de trabalho, como depois o art. 308º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, (que regulamentou aquele Código do Trabalho) veio esclarecer, consagrando aqui aquilo que se convencionou na jurisprudência tratar-se de uma situação justa causa objectiva. É certo que em relação às retribuições correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, vencidos há mais de 60 dias considerando a data da resolução do contrato, já tinha decorrido o prazo de caducidade para a resolução que se prevalecesse da presunção de culpa do n.º 5 do art. 394.º do CT/2009. Na verdade este CT veio estabelecer um prazo de 30 dias a partir do termo do período de 60 dias para o exercício do direito de resolução (art. 396.º, n.ºs 1 e 2 do CT). Mas tal não sucedeu relativamente à retribuição correspondente ao mês de Março. Quer isto dizer que em relação ao seu não pagamento, este deve presumir-se jure et de jure culposo. Mas mesmo operando o prazo de caducidade que se reconduz à invocação da presunção de culpa a que alude o n.º 2 do art. 395.º, entendemos que daí resulta apenas a não consideração dessa específica presunção, devendo então a situação colocar-se no âmbito da presunção de culpa prevista no art. 799.º n.º 1 do Código Civil (esta de natureza juris tantum). Aqui chegados, importa ponderar se ela é suficiente para se determinar a justa causa da resolução. É que a justa causa deve, em qualquer caso, ser apreciada (v. art. 394.º n.º 4) nos termos do n.º 3 do art. 351.º do CT/2009, isto é, deve atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e o empregador e às demais circunstâncias relevantes. Perante os factos provados, não podemos deixar de considerar que os incumprimentos em causa assumem uma gravidade geradora de impossibilidade imediata de manutenção da relação de trabalho. Estamos perante o incumprimento consecutivo do dever de pagamento de quatro salários. Acresce que está provado (factos 2., 3. e 4.) que quando o autor cessou um período de incapacidade para o trabalho, na sequência de acidente de trabalho sofrido, reclamou junto da ré o pagamento dos salários em atraso, sem ver atendida essa sua reclamação. Considerando a natureza alimentícia do salário, essencial para a organização das necessidades mais básicas do trabalhador, a falta culposa e consecutiva do pagamento de quatro salários é excessiva e não pode deixar de considerar-se grave e apta a tornar imediatamente impossível a continuação do vínculo laboral. Na verdade, os factos revelam uma situação crónica de remunerações em atraso. Um trabalhador não pode estar sujeito de forma persistente ao não recebimento pontual das remunerações de trabalho. A persistência no incumprimento é apta a causar danos sérios à segurança da sua subsistência e a uma vida digna. Por isso, consideramos que o autor tinha direito à resolução do contrato com justa causa, ao abrigo do n.º 2, al. a), do art. 394.º do CT/2009. E daí que sendo, afinal, a resolução lícita não tinha que indemnizar a ré no âmbito do disposto no art. 399.º do mesmo CT, tendo que improceder o pedido reconvencional formulado pela ré. * Sumário (a que alude o artigo 713º nº 7 do C.P.C.): I- O n.º 5 do art. 394.º do Código do Trabalho de 2009, ao estabelecer que se considera culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por sessenta dias, constitui uma presunção juris et de jure de culpa do empregador. II- No entanto, para se prevalecer dessa específica presunção de culpa o trabalhador deve exercer o direito de resolução com justa causa do contrato no prazo de 30 dias a partir do termo daquele período de 60 dias, atendendo ao disposto no art. 395.º n.º 2 do CT. III- Se o não fizer, mas continuar a situação de incumprimento no pagamento da retribuição, ainda assim o trabalhador pode exercer o direito de resolução, já que o prazo de caducidade de 30 dias previsto, desta feita, no art. 395.º n.º 1 do CT só deve iniciar-se quando cessar a situação ilícita que assuma gravidade para a sustentação da resolução. IV- Nesta última situação, o trabalhador beneficia, não já da presunção juris et de jure do n.º 5 do art. 394.º do Código do Trabalho, mas da presunção juris tantum prevista no art. 799.º n.º 1 do Código Civil.
* IV- DECISÃO Termos em que se delibera julgar improcedente a apelação. Custas no recurso pela apelante. *
Luís Azevedo Mendes (Relator) Felizardo Paiva Jorge Loureiro |