Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
313/23.3GBCLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ GUERRA
Descritores: RECLAMAÇÃO
RECURSO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
PRAZO
DISPENSA DE MULTA
Data do Acordão: 05/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DAS CALDAS DA RAINHA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Legislação Nacional: ARTS. 75º, N.º 1, DA LTC; 248º, N.º 1, 139º, N.º 8, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; 107º-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I. O prazo de 10 dias para interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (previsto no art. 75º, nº1 da Lei do Tribunal Constitucional) conta-se a partir da notificação do acórdão ao defensor e não ao arguido.
II. Verificando-se a invocada causa impeditiva de auferir rendimentos em data posterior à interposição do recurso, não pode a mesma ser atendida no âmbito de reclamação incidente sobre o despacho que rejeitou o recurso.
Decisão Texto Integral:

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Reclamação

Proc. 313/23.3GBCLD.C1

Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha - Juiz 1

Tribunal Judicial da Comarca de Leiria

 

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra

            I-Relatório

            1. No Proc. Comum, com intervenção de Tribunal Singular, com o Nº 313/23...., que corre termos no Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 29.09.2023, depositada na mesma data, na qual se decidiu a condenação do arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal na pena de 6 (seis) meses de prisão, e de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de maio, com referência aos artigos 121.º e 123.º do Código da Estrada na pena de 1 (um) ano de prisão, fixando a pena única, em resultado do cúmulo jurídico, em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão efetiva.


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            2. Não se conformando com essa condenação, o arguido AA, interpôs recurso da sentença para este Tribunal da Relação, visando a suspensão da execução da referida pena de prisão que lhe foi aplicada, pretensão esta que veio ser desatendida por acórdão datado de 21.02.2024 (Refª 11233217).

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            3. Por requerimento apresentado nos autos em 10.03.2024 (Refª 233197), veio o arguido/recorrente AA, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do mencionado acórdão proferido por este Tribunal da Relação, requerimento esse no qual sustenta a tempestividade do mesmo e, para o caso de assim se não entender, requerer a dispensa ou a redução da multa, ao abrigo do disposto no art. 107º-A, alínea b) do CPP.

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            4. Oficiosamente, a Secção de Processos abriu vista nos autos à Exma. Procuradora-Geral Adjunta para se pronunciar sobre tal requerimento, tendo a mesma exarado nos autos o despacho datado de 11.03.2024, que constitui a Refª 11280126, com o seguinte teor:

           “O processo deverá ser concluso e não apresentado com vista ao Ministério Público, perante o requerimento apresentado”.


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           5. Conclusos, de seguida, aos autos à relatora, foi por esta proferido o despacho datado de 14.03.2024 que constitui a Refª 11283717, o qual se transcreve:

           “- Através do requerimento que deu entrada nos autos em 10.03.2024, veio o arguido/recorrente AA, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido por este Tribunal da Relação, prolatado em 21.03.2024 (Refª Citius 11233217) que foi notificado ao seu defensor oficioso, por via electrónica, em 21.02.2024.

           Em tal requerimento sustenta o mesmo a tempestividade do recurso que através daquele por ele vem interposto, porque entrado nos autos no prazo de 10 dias contados da notificação do acórdão ao arguido e ora recorrente, ocorrida apenas no dia 2.3.2024.

               E, para o caso de assim se não entender, e de se considerar que tal prazo se conta a partir da notificação do acórdão feita ao seu defensor, requer a dispensa ou a redução da multa, ao abrigo do disposto no art. 107º-A, alínea b) do CPP.

               Cumpre, pois, pronunciarmo-nos sobre as questões que o arguido/recorrente assim coloca à consideração deste Tribunal.

               Quanto ao entendimento sufragado pelo mesmo atinente a que, para efeitos de interposição de recurso do acórdão proferido por este Tribunal da Relação em 21.03.2024, o prazo de 10 dias para interposição de recurso do mesmo para o Tribunal Constitucional (previsto no art. 75º, nº1 da Lei do Tribunal Constitucional), se conta apenas da notificação deste ao recorrente e não da notificação do mesmo ao seu defensor, diremos, desde já, que dele não perfilhamos.

                Com efeito, tal como se defende no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.12.2014, Proc. n.º 1049/12.6JAPRT-C.S1, in www.dgsi.pt, “(…). Efectivamente, em matéria de notificações, se é certo que a regra é a de que as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser efectuadas na pessoa do respectivo defensor ou advogado, como dispõe o primeiro segmento da norma do número 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal, é ainda bem verdade que excepções a tal regra constituem as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de data para julgamento e à sentença e bem assim à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido cível, que devem ser feitas ao arguido e ao seu advogado ou defensor nomeado, como prescreve o segundo segmento da aludida norma do número 10 do artigo 113º.

               Exigência que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.05.2012, proferido no Processo nº 61/09.9TASAT-C.S1, 5ª Secção, tratando-se de notificação da sentença, bem se compreende por constituindo este o acto processual, por via do qual é conhecido o objecto do processo, justifica-se que a lei exija que da mesma seja dado conhecimento directo ao arguido e demais sujeitos processuais por ele afectados.

                Porém, como tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, maxime deste Supremo Tribunal, o regime das notificações não tem de ser idêntico para as sentenças de 1ª instância e para os acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais superiores, do mesmo passo que é diferente o regime, por exemplo, para efeitos de contagem do prazo de interposição do recurso num e noutro caso ou o tipo de intervenção do arguido que, diferentemente do que sucede com a audiência realizada em 1ª instância, para a audiência destinada a conhecer do recurso interposto para o tribunal superior não é convocado (número 2 do artigo 421º do Código de Processo Penal).

               Por via disto, vem o Supremo Tribunal de Justiça entendendo, pacificamente, que a norma do número 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal, que impõe como excepção a necessidade de notificação pessoal do arguido, não se aplica, em sede de recurso, aos tribunais superiores, mas tão-só à 1ª instância.

               Interpretação normativa que, como ainda se assinala naquele acórdão de 03.05.2012, proferido no Processo nº 61/09.9, o Tribunal Constitucional considerou, em vários arestos, ser conforme à Constituição, contanto que a notificação da decisão condenatória proferida pelo tribunal de recurso se faça ao defensor que, constituído ou nomeado oficiosamente, seja o primitivo defensor, posto que, como se considerou no citado acórdão nº 59/99 do Tribunal Constitucional, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa do arguido, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento no tribunal superior.”

                       Face ao que, consideramos que o prazo para interposição do recurso do acórdão proferido por este Tribunal da Relação para o Tribunal Constitucional se conta da notificação feita do mesmo ao defensor do arguido, ocorrida no dia 21.02.2024 por via electrónica, a qual, por força do disposto no art. 248º, nº1 do CPC, se considera feita no dia 26.2.2024, pelo que, o prazo de 10 dias previsto no art. 75º, nº1 da LTC iniciou-se no dia 27.02.2024 e terminou no dia 7.3.2024.

               Na esteira de tal entendimento, considerando que o requerimento de interposição do referido recurso para o Tribunal Constitucional deu entrada nos autos apenas no dia 10.03.2024 (domingo), ou seja, depois de decorrido o prazo estipulado para a sua interposição, mas, ainda, dentro dos 3 primeiros dias subsequentes ao termo do mesmo, a admissão do recurso só é possível mediante o pagamento da multa a que alude o art. 107º-A do CPP.

               Aqui chegados, cumpre, pois, apreciar a segunda questão suscitada pelo arguido/recorrente, que se prende com a pretensão do beneficio da dispensa do pagamento ou da redução dessa multa, ao abrigo do disposto no art. 139º, nº8, do CPC ex vi art. 107º-A do CPP.

                Sobre tal pretensão não se pronunciou o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, apesar de, para cumprimento do contraditório em relação à mesma, lhe ter sido aberta vista no processo.

               De acordo com o disposto no art. 139º n.º 8 do CPC, aplicável ao processo penal por via do referido art. 107º A do CPP “O juiz pode excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte”.

               Como decidiu o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2020 (Diário da República n.º 96/2020, Série I de 2020-05-18) “O n.º 8 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, no qual se estabelece a possibilidade excecional da redução ou dispensa da multa pela prática de ato processual fora do prazo, é aplicável em processo penal”.

               Esta possibilidade de redução ou dispensa da multa devida pela prática extemporânea de atos processuais, excepcionalmente permitida pelo art.139, nº 8, do CPC, visa assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade substancial das partes, facultando ao juiz a concreta adequação da sanção patrimonial ao grau de negligência ou à situação de carência económica do beneficiário do exercício do direito. Uma situação de carência económica comprovada não é sinónimo de dispensa ou redução de pagamento de uma multa de forma automática, devendo atender-se à natureza do acto e ao motivo pelo qual não foi respeitado o prazo inicial estabelecido – neste sentido, vide Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.01.2017 (Proc. Nº 5688/15.5TAMD-A.L1-9) e 09.11.2021 ( Proc. Nº 17/18.9GBSNT-H.L1-5) .

               Como se adianta neste último aresto, citando o Ac. do TRG de 15-09-2016 (Pº1363/03.1TBBGC-B.G1 ) “ A dispensa ou redução, sem mais, do pagamento da multa em causa em todos os casos de carência económica, descaracterizá-la-ia na sua função desmotivadora da prática dos comportamentos que se pretendem evitar e uma tal interpretação redundaria num alargamento injustificado dos prazos estabelecidos para quem se encontrasse numa situação de carência económica, com o que se poderia violar até o princípio da igualdade.”

               No caso em vertente, o recorrente pretende valer-se da manifesta carência económica cuja comprovação remete para o relatório social constante dos autos, por este ser “eloquente a esse respeito “, acrescentando, ainda, que “ é a insuficiência económica a razão de o Arguido não se ter inscrito numa escola de condução e ter obtido o respectivo título”.

               Ora, embora se reconheça que, de acordo com o que deflui da sentença proferida nos autos (Refª 104949730) a situação do arguido se possa não apresentar, em termos económicos, desafogada, a verdade é que, como dela decorre (ancorada nos elementos probatórios carreados para os autos, designadamente, as declarações prestadas pelo próprio arguido e o relatório social), o arguido vem exercendo actividades profissionais ( na área da construção civil, a título experimental, e na realização de tarefas indiferenciadas na agricultura, nas campanhas da fruta e vindimas) das quais, ainda que de montante desconhecido, lhe advêm proventos com os quais suporta os encargos, de cerca de 250,00 €, a título de renda da habitação e despesas de manutenção da mesma, do seu agregado familiar, constituído apenas pelo próprio e pela sua companheira, cuja situação laboral, por ser irregular, não apresenta rendimentos fixos, não tendo encargos com o filho menor de 14 anos, por este residir numa instituição, para além dos inerentes à alimentação deste nos fins de semana e períodos de férias, que, quinzenalmente, o mesmo passa com os pais.

           Por outro lado, o recorrente, não alega qualquer motivo para a interposição do recurso, fora do prazo previsto legalmente, do acórdão deste Tribunal da Relação para o Tribunal Constitucional, acto esse, praticado por advogado, para a prática do qual a sanção prevista no citado art. 107º-A alínea b) do CPP não se apresenta manifestamente desproporcionada, o que, aliás, nem sequer vem invocado com vista à respectiva isenção ou redução.

               Assim, não se encontrando, a nosso ver, verificados os pressupostos previstos no n.º 8 do artigo 139º do CPC, indefere-se a requerida dispensa e/ou redução da multa a que alude o art. 107º-A alínea b) do CPP, em consequência do que deverá a secretaria dar cumprimento ao disposto no nº6 do art. 139º do CPP, ex vi daquele preceito legal.

                Notifique.”


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           6. Notificado de tal despacho o recorrente apresentou, em 17.03.2024, o requerimento que constitui a Refª 233495, através do qual visa reclamar para a conferência, alegando fazê-lo ao abrigo do disposto no art. 417º, nº8 do C.P.P., com os fundamentos nele exarados, que resume nas conclusões que nele apresenta da seguinte forma que se transcreve:

“V

Concluindo:


               73. O douto despacho reclamado deverá ser considerado nulo por preterição de uma formalidade essencial, atenta a sua influência na decisão final, que é a recolha do visto pelo Ministério Público, e eventual emissão de parecer, em obediência ao disposto nos artigos 416º nº 1 e 417º nº 1 do C.P.P.

            74. Deste modo, deverá o processo ser de novo apresentado ao Ministério Público, para recolha de visto e eventual parecer.

               75. O entendimento do douto despacho reclamado segundo a qual a notificação dos acórdãos dos tribunais de segunda instância não tem que ser feita pessoalmente, bastando sê-lo aos seus advogados, é inconstitucional, por violação do due process of law, decorrente do artigo 20º nº 4 da C.R.P., e ainda por violação do artigo 32º nº 1, 2 e 4 do mesmo diploma legal, por ofensa do princípio do benefício da presunção de inocência, mormente quando se trata de decisão condenatória em que não estão esgotados os mecanismos de defesa e o direito ao recurso.

           76. Deve, portanto, entender-se que o artigo 425º nº 6 exige a notificação pessoal dos acórdãos e que o prazo de recurso apenas passa a correr, em consonância com o disposto no artigo 425º nº 7 do C.P.P., com a notificação ao arguido recorrente.

            77. Deve entender-se que o Arguido se encontra em situação de manifesta carência económica e, nessa conformidade, é elegível para o benefício de dispensa do pagamento de multa por atraso na apresentação do recurso previsto no artigo 139ºnº 8 do C.P.C.

           78. A recente situação de reclusão, aliada à anterior precariedade dos rendimentos auferidos pelo seu agregado familiar, constituído pelo Arguido e sua companheira, reforçam a situação de carência que tornam desproporcionada e irrazoável a exigência de pagamento da multa processual.

               79. A interposição do recurso é uma decisão que não cabe apenas na autonomia técnica do defensor oficioso, exigindo, ao invés, que exista uma reflexão, ponderação e análise por parte do arguido.

               80. Estando o Arguido numa situação de mudança de residência e detenção para cumprimento de pena de prisão efetiva, não estão reunidas as condições para que possa facilmente manter-se em contato com todos os seus defensores oficiosos de modo a preparar uma estratégia de defesa recursiva num curto prazo de tempo.

                81. Deverá o despacho reclamado ser considerado nulo pelas razões acima aduzidas e, caso assim não se entenda, deverá ser revogado por outro que dispense o pagamento da multa processual, com base na contagem do prazo a partir da sua notificação pessoal ou na sua manifesta situação de carência económica

                Com o que se fará Justiça!”


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           7. Colhidos os vistos legais, foi o processo presente à conferência.

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            II – Fundamentação

           Tal como entendemos o requerimento apresentado pelo arguido/recorrente que constitui a Refª 233495, através do mesmo pretende aquele insurgir-se contra o despacho da relatora que desatendeu a pretensão por ele deduzida nos autos, no sentido de ser considerada tempestiva a apresentação do recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido por este Tribunal da Relação, em 21.02.2024, ou, para o caso de assim não se entender, de o dispensar do pagamento da multa ou decidir da redução desta, por apresentação do recurso dentro dos 3 dias seguintes ao termo do prazo legal, ao abrigo do disposto no art. 107º-A, alínea b) do CPP.

           Tendo para o efeito o recorrente lançado mão da reclamação para a conferência, sustentado no dispositivo legal contido no art. 417º, nº8 do CPP, teceremos a este propósito, ainda que breves, as seguintes considerações:

           Mostrando-se inequívoco que o despacho proferido pela relatora em relação ao qual o arguido/recorrente agora se insurge se apresenta desfavorável para o mesmo, sendo tal despacho de natureza procedimental e não podendo considerar-se de mero expediente, a conclusão daí a retirar é a de que ao arguido/recorrente - prejudicado com o nele decidido – não poderá deixar de ser permitido impugnar este despacho singular da relatora.

           Assim sendo, afigura-se-nos que a reclamação para a conferência de que, para o efeito, o arguido/recorrente lançou mão se mostra ser o meio processual adequado, pois, no seguimento do que se mostra sufragado no ac. do STJ, de 11.01.2024, disponível em www.dgsi.pt, não havendo norma no CPP que contemple a situação, de duas uma: ou se aplicará, por analogia, o nº8 do art. 417º do CPP, ou então, na falta de norma expressa e tendo em conta a unidade do sistema, a aplicação ex vi do art. 4º do CPP, do nº3 do art. 625º do CPC, segundo o qual haverá reclamação para a conferência quando a parte se considera prejudicada por qualquer despacho do relator no tribunal ad quem ( no caso, este TRC) que não seja de mero expediente, pois, como se salienta no referido aresto, “Não vemos razão alguma de peso para que o legislador em matéria de recursos em processo penal quisesse afastar essa possibilidade de reclamação para a conferência na Relação ao menos por via da referida integração de lacuna”

            Posto que o arguido/recorrente lançou mão do meio processual que consideramos adequado – reclamação para a conferência – cuja sustentação, a nosso ver, melhor se antolhará à luz do preceituado no citado art. do nº3 do art. 625º do CPC, ex vi do art. 4º do CPP, passaremos, então, ao conhecimento da mesma.


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           Iniciaremos a apreciação das questões suscitadas pelo reclamante pelo conhecimento da nulidade que o mesmo assaca ao despacho reclamado, por preterição de uma formalidade essencial, cuja argumentação o mesmo densifica da seguinte forma:

           “[2.] Dispõe o artigo 416º nº 1 do C.P.P. que, antes de o processo ser apresentado ao relator, vai com vista ao Ministério Público junto do tribunal de recurso.

                [3.] O artigo 417º nº 1 do C.P.P. dispõe que, colhido o visto do Ministério Público, o processo é concluso ao relator para exame preliminar.

               [4.] Compulsando os atos, verificamos a existência de uma promoção do Ministério Público (Refª Citius 11280126 de 11-03-2024), pronunciando-se no sentido de o processo dever ser concluso e não apresentado com vista, perante o requerimento apresentado.

               [5.] Ora, na realidade o requerimento é muito mais do que isso mesmo: é um recurso para o Tribunal Constitucional interposto do acórdão proferido em 21-02-2024.

               [6.] Nesta conformidade, deveria ter sido colhido o visto do Ministério Público, circunstância que não se verificou neste caso.

               [7.] E a ratio do preceito é precisamente a de dar oportunidade ao Ministério Público para, querendo, emitir parecer acerca da admissibilidade do recurso e, claro, dos requerimentos que o acompanhem.

               [8.] Neste caso particular, tal não aconteceu e, por essa razão, entende o Arguido, ora Recorrente, que terá sido preterida uma formalidade essencial: o não cumprimento do previsto no artigo 416º nº 1 do C.P.P.

               [9.] Nos termos do artigo 195º nº 1 do C.P.C., em conjugação com o artigo 123º do C.P.P., a preterição de uma formalidade que a lei exija produz nulidade quando a irregularidade possa influir no exame ou na decisão da causa.

               [10.] Entende o Arguido que a apresentação do processo ao Ministério para a recolha do visto é essencial porque, para além do visto, poderá ser emitido um parecer, o qual, sem dúvida, poderá influir no exame ou na decisão causa, sobretudo tendo em conta que se trata de um requerimento respeitante ao pagamento de custas judiciais.

               [11.] Assim, deverá o douto despacho ser considerado nulo, por preterição de uma formalidade essencial, e ser de novo apresentado ao Ministério Público para a recolha do visto, nos termos do artigo 416º nº 1 do C.P.P.”

           A primeira observação que nos merece tal argumentação é a de que o reclamante lavra em erro quando pretende que a vista aberta nos autos ao Ministério Público junto deste Tribunal da Relação na sequência do requerimento por ele apresentado e que veio a dar azo ao despacho proferido pela relatora de que agora vem reclamar para a conferência, se trata da “vista” ao Ministério Público prevista no art. 416º, nº1 do CPP.

           Na verdade, como manifestamente resulta do facto de com tal requerimento por si apresentado visar o arguido/recorrente e ora reclamante interpôr recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão proferido por este TRC, datado de 21.02.2024, nunca a abertura de vista nos autos ao Ministério Público – que, efectivamente, veio a ter lugar antes de ser aberta conclusão à relatora para apreciar o mesmo - poderia ter em mente colher deste o visto a que alude o citado art. 417º, nº6 do CPP, uma vez que este visa permitir ao Ministério Público, enquanto sujeito processual e titular da acção penal, manifestar a sua posição em relação às pretensões recursivas do recorrente suscitadas por este em sede de recurso, o que, obviamente, não é o caso do requerimento apresentado pelo ora reclamante que foi objecto do despacho procedimental proferido pela relatora.

           A abertura de vista ao Ministério Público que teve lugar nos autos por iniciativa da Secção de processos, tal como a entendemos, visou apenas dar conhecimento aquele sujeito processual, enquanto titular da acção penal, das pretensões deduzidas pelo arguido/recorrente no requerimento por este apresentado, dando-lhe a oportunidade de se pronunciar, designadamente, quanto à pretendida dispensa ou redução da multa a que alude o art. 107º-A, alínea b) do CPP, pois que, quanto ao mais por aquele pretendido em tal requerimento relacionado com a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e com a aferição da respectiva tempestividade, não vemos que sobre tais questões se justificasse  qualquer pronúncia por parte do Ministério Público.

           Como quer que seja, o Ministério Público teve oportunidade para se pronunciar sobre tal requerimento e entendeu não o fazer, assumindo a posição que a Exma. Procuradora-Geral Adjunta plasmou no despacho que consta dos autos, no qual se mostra exarado “O processo deverá ser concluso e não apresentado com vista ao Ministério Público, perante o requerimento apresentado”.

            Tal posição assumida pelo Ministério Público, que a relatora não podia deixar de respeitar, não poderia obstaculizar, como não obstaculizou, à decisão que veio a incidir sobre o requerimento apresentado pelo arguido/recorrente e ora reclamante, não vendo que, neste contexto, pelas razões que vêm de expor-se, tenha sido preterida formalidade essencial geradora de qualquer nulidade.

            Aliás, na esteira do ac. do STJ, de 22.10.2008, Proc. 2383/08, 3ª Secção, nem mesmo a falta de pronúncia do Ministério Público sobre o mérito do recurso na situação prevista no art. 416º, nº1 do CPP - que, pelas razões aludidas, manifestamente não abrange a situação em apreciação – constitui violação ou inobservância das disposições da lei do processo, ou seja, não configura qualquer invalidade processual, pois, como nele se adianta, é a própria lei adjectiva penal a prever a possibilidade de o MP, na vista a que se refere o nº1 do art. 416º do CPP, se limitar a apor o seu visto, ou seja, a não emitir pronúncia sobre as questões suscitadas.

           Donde, sem necessidade de maiores delongas, se conclui pela improcedência da nulidade assacada ao despacho reclamado ancorada no fundamento que vem de apreciar-se. 


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            Passando, agora, à apreciação da argumentação do reclamante que se prende com a tomada de posição assumida pela relatora no despacho reclamado no concernente à tempestividade do recurso por ele interposto para o Tribunal Constitucional, diremos o seguinte:

            As razões que o reclamante agora apresenta relacionadas com a contagem do prazo de interposição do recurso do acórdão do Tribunal da Relação apenas a partir a notificação deste ao arguido, apresentam-se idênticas às por si aduzidas no requerimento que deu azo ao despacho reclamado.

           E, sobre elas, como dele deflui, foi considerado não ser de sufragar o entendimento adiantando pelo arguido/recorrente no sentido de que para efeitos de interposição de recurso do acórdão proferido por este Tribunal da Relação, o prazo de 10 dias para interposição de recurso do mesmo para o Tribunal Constitucional (previsto no art. 75º, nº1 da Lei do Tribunal Constitucional), se conta apenas da notificação deste ao recorrente e não da notificação do mesmo ao seu defensor.

            Aduzindo-se no despacho reclamado que, “…como se defende no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.12.2014, Proc. n.º 1049/12.6JAPRT-C.S1, in www.dgsi.pt, “(…). Efectivamente, em matéria de notificações, se é certo que a regra é a de que as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser efectuadas na pessoa do respectivo defensor ou advogado, como dispõe o primeiro segmento da norma do número 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal, é ainda bem verdade que excepções a tal regra constituem as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de data para julgamento e à sentença e bem assim à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido cível, que devem ser feitas ao arguido e ao seu advogado ou defensor nomeado, como prescreve o segundo segmento da aludida norma do número 10 do artigo 113º.

              Exigência que, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.05.2012, proferido no Processo nº 61/09.9TASAT-C.S1, 5ª Secção, tratando-se de notificação da sentença, bem se compreende por constituindo este o acto processual, por via do qual é conhecido o objecto do processo, justifica-se que a lei exija que da mesma seja dado conhecimento directo ao arguido e demais sujeitos processuais por ele afectados.

                Porém, como tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, maxime deste Supremo Tribunal, o regime das notificações não tem de ser idêntico para as sentenças de 1ª instância e para os acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais superiores, do mesmo passo que é diferente o regime, por exemplo, para efeitos de contagem do prazo de interposição do recurso num e noutro caso ou o tipo de intervenção do arguido que, diferentemente do que sucede com a audiência realizada em 1ª instância, para a audiência destinada a conhecer do recurso interposto para o tribunal superior não é convocado (número 2 do artigo 421º do Código de Processo Penal).

               Por via disto, vem o Supremo Tribunal de Justiça entendendo, pacificamente, que a norma do número 10 do artigo 113º do Código de Processo Penal, que impõe como excepção a necessidade de notificação pessoal do arguido, não se aplica, em sede de recurso, aos tribunais superiores, mas tão-só à 1ª instância.

               Interpretação normativa que, como ainda se assinala naquele acórdão de 03.05.2012, proferido no Processo nº 61/09.9, o Tribunal Constitucional considerou, em vários arestos, ser conforme à Constituição, contanto que a notificação da decisão condenatória proferida pelo tribunal de recurso se faça ao defensor que, constituído ou nomeado oficiosamente, seja o primitivo defensor, posto que, como se considerou no citado acórdão nº 59/99 do Tribunal Constitucional, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa do arguido, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento no tribunal superior.”

               Face ao que, consideramos que o prazo para interposição do recurso do acórdão proferido por este Tribunal da Relação para o Tribunal Constitucional se conta da notificação feita do mesmo ao defensor do arguido, ocorrida no dia 21.02.2024 por via electrónica, a qual, por força do disposto no art. 248º, nº1 do CPC, se considera feita no dia 26.2.2024, pelo que, o prazo de 10 dias previsto no art. 75º, nº1 da LTC iniciou-se no dia 27.02.2024 e terminou no dia 7.3.2024.”

               Não vendo razões para este Tribuna divergir de tal entendimento sufragado pela relatora no despacho reclamado, nem se nos afigurando que o mesmo resulte posto em causa pelo decidido no aresto agora citado na reclamação apresentada, prolatado por este Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 8.03.2017 – no qual a questão nem sequer se prende com o momento em que começa a correr o prazo para a interposição do recurso de decisões proferidas pelo Tribunal da Relação -  é de manter, pois, o decidido no despacho reclamado, no sentido de que, tendo o requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, do acórdão proferido nos autos por este TRC em 21.02.2024,  sido apresentado nos autos pelo arguido/recorrente apenas no dia 10.03.2024 (domingo), ou seja, depois de decorrido o prazo estipulado para a sua interposição (10 dias), mas, ainda, dentro dos 3 primeiros dias subsequentes ao termo do mesmo, a admissão do recurso só é possível mediante o pagamento da multa a que alude o art. 107º-A do CPP.

            Improcedendo, por isso, neste segmento a presente reclamação.


*

           Resta, por fim, a apreciação da questão relacionada com a dispensa da multa prevista no art. 107º-A do CPP de que o arguido/recorrente pretende beneficiar, pretensão essa que, igualmente, viu desatendida no despacho reclamado proferido pela relatora.

           A esse propósito, discorreu-se no despacho reclamado da seguinte forma:

            “De acordo com o disposto no art. 139º n.º 8 do CPC, aplicável ao processo penal por via do referido art. 107º A do CPP “O juiz pode excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte”.

               Como decidiu o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2020 (Diário da República n.º 96/2020, Série I de 2020-05-18) “O n.º 8 do art.º 139.º do Código de Processo Civil, no qual se estabelece a possibilidade excecional da redução ou dispensa da multa pela prática de ato processual fora do prazo, é aplicável em processo penal”.

               Esta possibilidade de redução ou dispensa da multa devida pela prática extemporânea de atos processuais, excepcionalmente permitida pelo art.139, nº 8, do CPC, visa assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade substancial das partes, facultando ao juiz a concreta adequação da sanção patrimonial ao grau de negligência ou à situação de carência económica do beneficiário do exercício do direito. Uma situação de carência económica comprovada não é sinónimo de dispensa ou redução de pagamento de uma multa de forma automática, devendo atender-se à natureza do acto e ao motivo pelo qual não foi respeitado o prazo inicial estabelecido – neste sentido, vide Acs. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.01.2017 (Proc. Nº 5688/15.5TAMD-A.L1-9) e 09.11.2021 ( Proc. Nº 17/18.9GBSNT-H.L1-5) .

               Como se adianta neste último aresto, citando o Ac. do TRG de 15-09-2016 (Pº1363/03.1TBBGC-B.G1 ) “ A dispensa ou redução, sem mais, do pagamento da multa em causa em todos os casos de carência económica, descaracterizá-la-ia na sua função desmotivadora da prática dos comportamentos que se pretendem evitar e uma tal interpretação redundaria num alargamento injustificado dos prazos estabelecidos para quem se encontrasse numa situação de carência económica, com o que se poderia violar até o princípio da igualdade.”

               No caso em vertente, o recorrente pretende valer-se da manifesta carência económica cuja comprovação remete para o relatório social constante dos autos, por este ser “eloquente a esse respeito “, acrescentando, ainda, que “ é a insuficiência económica a razão de o Arguido não se ter inscrito numa escola de condução e ter obtido o respectivo título”.

               Ora, embora se reconheça que, de acordo com o que deflui da sentença proferida nos autos (Refª 104949730) a situação do arguido se possa não apresentar, em termos económicos, desafogada, a verdade é que, como dela decorre (ancorada nos elementos probatórios carreados para os autos, designadamente, as declarações prestadas pelo próprio arguido e o relatório social), o arguido vem exercendo actividades profissionais ( na área da construção civil, a título experimental, e na realização de tarefas indiferenciadas na agricultura, nas campanhas da fruta e vindimas) das quais, ainda que de montante desconhecido, lhe advêm proventos com os quais suporta os encargos, de cerca de 250,00 €, a título de renda da habitação e despesas de manutenção da mesma, do seu agregado familiar, constituído apenas pelo próprio e pela sua companheira, cuja situação laboral, por ser irregular, não apresenta rendimentos fixos, não tendo encargos com o filho menor de 14 anos, por este residir numa instituição, para além dos inerentes à alimentação deste nos fins de semana e períodos de férias, que, quinzenalmente, o mesmo passa com os pais.

            Por outro lado, o recorrente, não alega qualquer motivo para a interposição do recurso, fora do prazo previsto legalmente, do acórdão deste Tribunal da Relação para o Tribunal Constitucional, acto esse, praticado por advogado, para a prática do qual a sanção prevista no citado art. 107º-A alínea b) do CPP não se apresenta manifestamente desproporcionada, o que, aliás, nem sequer vem invocado com vista à respectiva isenção ou redução.

               Assim, não se encontrando, a nosso ver, verificados os pressupostos previstos no n.º 8 do artigo 139º do CPC, indefere-se a requerida dispensa e/ou redução da multa a que alude o art. 107º-A alínea b) do CPP, em consequência do que deverá a secretaria dar cumprimento ao disposto no nº6 do art. 139º do CPP, ex vi daquele preceito legal.”

                Pretendendo rebater a argumentação que subjaz à denegação, em tal despacho, da dispensa da multa prevista no art. 107º-A do CPP, o ora reclamante socorre-se de circunstâncias que, não tendo alegado no requerimento que deu azo à prolação daquele, pretende agora fazer valer em sede de reclamação para a conferência, tendo junto para prova das mesmas 5 documentos, e, argumentando para o efeito, da seguinte forma:

           “[49]. Entretanto, o Arguido e a sua companheira perderam a habitação onde residiam por falta de pagamento da renda (os rendimentos já se revelavam insuficientes para a subsistência quanto mais para pagar a renda…)

               [50.] E ficaram alojados temporariamente numa habitação cedida por pessoas amigas.

                [51.] Sucedeu, porém, que a pena de dez meses de obrigação de permanência na habitação, em que o Arguido foi condenado no Processo 614/23.... não pode ser executada porque os proprietários da nova residência não autorizaram que pena fosse cumprida nesta habitação.

                [52.] Assim, por despacho do Juízo de Competência Genérica ..., datado de 10-01-2024, foi determinado que o Arguido deveria cumprir essa pena no estabelecimento prisional (Vide Doc. 1 ora junto):

               [53.] Pelo exposto, e atenta a falta de verificação dos pressupostos legais para cumprimento pelo arguido AA da pena de 10 (dez) meses de prisão em que foi condenado nos autos em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, determino o seu cumprimento efetivo em estabelecimento prisional.

               [54.] Por promoção do Ministério Público foi liquidada a pena, devendo o início da mesma ter lugar a 12-03-2024 e o fim a 11-01-2025 (Vide Doc. 2 ora junto).

               [55.] Por despacho do Meritíssimo Juiz do Juízo de Competência Genérica ..., datado de 15-03-2025 (Vide Doc. 3 ora junto), foi dada concordância com a homologação da liquidação da pena, encontrando-se neste momento o Arguido a cumprir a pena em que foi condenado no Estabelecimento Prisional ... (Vide Docs. 4 e 5).

               [56.] Agora pergunta-se: estando o Arguido preso, como pode auferir rendimentos que lhe permitam pagar a multa processual em causa?

                [57.] E como poderá ainda auferir rendimentos para sustentar a sua companheira que, do mesmo modo, não auferia rendimentos e dependia economicamente dele?

               [58.] Obviamente, estaremos perante uma situação de manifesta carência económica.

               [59.] Aliás, entendimento diverso do artigo 139º nº 8 do C.P.C., aplicado a esta situação em concreto, seria manifestamente inconstitucional por ofensa do princípio da dignidade humana, decorrente do artigo 1º da C.R.P., e do princípio do acesso ao Direito consagrado no artigo 20º nº 1 da C.R.P.”

               

           Ocorre que, a verificarem-se as circunstâncias que agora o recorrente apresenta, estas eram desconhecidas no momento em que foi proferido pela relatora o despacho reclamado e, por supervenientes àquele, nele não puderam ser ponderadas.

           E, vindo, como vêm, as mesmas apenas alegadas em sede de reclamação para a conferência, não têm a virtualidade de pôr em causa a bondade da decisão que se deixou consignada no despacho que reclamado.

            Ainda, assim, sempre adiantaremos que a situação de reclusão alegada pelo reclamante, como impeditiva de auferir rendimentos que lhe permitissem proceder ao pagamento da multa, cuja dispensa pretende, só ocorreu a partir do dia 12.03.2024 [ como o próprio alega e, efectivamente, decorre do documento nº2 junto pelo mesmo, referente à promoção do Ministério Público, datada de 10.03.2024, que respeita, entre  mais, à liquidação da pena], ou seja, dois dias depois de o mesmo ter dado entrada nos autos com o requerimento de interposição de recurso (ocorrida no dia 10.03.2024), não se vislumbrando, por isso, impossibilidade de, até à referida data de 12.03.2024, o mesmo ter podido angariar rendimentos que lhe permitissem custear a referida multa.

            Pelo que, no contexto analisado e com os fundamentos levados em consideração no despacho reclamado, não vemos como possam resultar violados aos princípios constitucionais da dignidade humana e do acesso ao direito, a que o reclamante faz apelo.

            Coloca, ainda, em causa o reclamante a passagem do despacho reclamado quando neste se adianta que “Por outro lado, o recorrente, não alega qualquer motivo para a interposição do recurso, fora do prazo previsto legalmente, do acórdão deste Tribunal da Relação para o Tribunal Constitucional, acto esse, praticado por advogado, para a prática do qual a sanção prevista no citado art. 107º-A alínea b) do CPP não se apresenta manifestamente desproporcionada, o que, aliás, nem sequer vem invocado com vista à respectiva isenção ou redução”, aduzindo, em sede de reclamação, que no seu requerimento que deu azo ao mesmo alegou  que: “Ora, sucede que o Arguido mudou de residência, só tendo tal alteração sido comunicada ao processo em 2-03-2024 (Refª Citius 10578248), não tendo o ora signatário conhecimento de tal até essa data …Do mesmo modo, foi apenas nessa data que o Arguido tomou conhecimento, através do ora signatário, do teor do acórdão recorrido…Posteriormente, o Juízo Local Criminal ... já determinou que o ….Arguido devesse prestar novo termo de identidade e residência (Refª Citius106527807 de 4-03-2024).”

           Posto que, efectivamente, tal alegação conste dos pontos 11. a 14. do requerimento apreciado no despacho reclamado, a verdade é que tal não significa que, a partir da referida data de 2.03.2024, se possa considerar ter existido algum impedimento do arguido ou do seu defensor, para a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, cujo prazo legal para o efeito só terminou no dia 7.03.2024, podendo, por isso, sem qualquer impedimento, fazê-lo durante os 5 dias seguintes de que ambos podiam dispor para o efeito, possibilidade que desbarataram, pois, tal recurso só veio a ser interposto no dia 10.03.2024, considerações estas que, como se vê,  sustentam o entendimento sufragado no despacho reclamado quando neste se refere que“ o recorrente, não alega qualquer motivo para a interposição do recurso, fora do prazo previsto legalmente, do acórdão deste Tribunal da Relação para o Tribunal Constitucional, acto esse, praticado por advogado, para a prática do qual a sanção prevista no citado art. 107º-A alínea b) do CPP não se apresenta manifestamente desproporcionada, o que, aliás, nem sequer vem invocado com vista à respectiva isenção ou redução”.

           Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se a reclamação.


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            III- Decisão

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra, em:

           1. Indeferir a reclamação apresentada pelo arguido/recorrente/reclamante AA.

            2. Condenar o reclamante/recorrente na taxa de justiça, que se fixa em 2UCs (Tabela III anexa ao RCP ).


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Coimbra, 8 de maio de 2024

            ( Texto elaborado pela relatora e revisto por todos os signatários – art. 94º, nº2 do CPP )

( Maria José Guerra  – relatora)

(Jorge Jacob – 1º adjunto)

(Rosa Pinto – 2ª adjunta)