Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JOSÉ EDUARDO MARTINS | ||
Descritores: | DECISÃO SUMÁRIA RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EM PROCESSO POR CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA QUANTO A UM DOS ARGUIDOS E POR OFENSAS À INTEGRIDADE FÍSICA QUANTO AO OUTRO ARGUIDO JUSTO IMPEDIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 09/13/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 28.º DA LEI N.º 112/2009, DE 16 DE SETEMBRO ARTIGOS 103.º, N.º 2, 104.º, N.º 2, 411.º, N.º 1, ALÍNEA B), E 414.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P. ARTIGO 140.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL/C.P.C. | ||
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Sumário: | I – A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida pelo relator opera um direito potestativo de natureza processual, que permite à parte sujeitar o despacho do relator à deliberação do colectivo sem qualquer outra motivação. II – Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, o que implica que os prazos processuais correm durante os fins-de-semana, férias e feriados, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 103.º, n.º 2, e 104.º, n.º 2, do C.P.P. III – Razões de igualdade, de celeridade e de gestão processual determinam a sujeição de todos os coarguidos à mesma forma de contagem de prazos, mesmo aqueles que respondem por crimes relativamente aos quais a lei não prevê a natureza urgente do processo, beneficiando, todos, de prazos com a mesma dimensão. IV – O conceito de justo impedimento encontra-se sustentado na não imputabilidade do facto impeditivo da prática atempada do acto à parte ou ao mandatário. V – Para que um acto possa ser praticado fora de prazo não basta que a parte tenha sido impedida de o fazer por qualquer evento que não seja imputável nem a ela, nem aos seus representantes ou mandatários, sendo ainda necessário que se alegue o justo impedimento e ofereça a respectiva prova no momento em que se apresenta a praticar o acto. VI – O justo impedimento deve ser suscitado assim que cesse a situação invocada como facto impeditivo da prática atempada do acto, com oferecimento imediato da respectiva prova e a prática, em simultâneo, do acto em falta. VII – Se a parte não invocar logo o justo impedimento aquando da prática do acto em falta, a prática tardia cai no regime da extemporaneidade, pelo decurso do respetivo prazo legal. VIII – A consideração da ocorrência de justo impedimento da prática atempada do acto faz diferir o termo do prazo para o dia imediato àquele em que a causa do impedimento termina. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: **** I) Nos presentes autos, em 13/7/2023, foi proferida a seguinte Decisão Sumária: “I. Relatório: … em 25/1/2023, foi, a fls. 621 e 621 verso admitido o recurso interposto pela arguida AA e não foi admitido o recurso interposto pelo arguido BB, nos termos do seguinte Despacho: “Nos presentes autos, foi depositada a sentença proferida em 14.12.2022, tendo os arguidos vindo recorrer da mesma a 23.01.2023, … O arguido BB estava acusado e foi proferida sentença condenatória pela prática de crime de violência doméstica (sendo que a coarguida AA se mostrava acusada e foi condenada por crime de ofensa à integridade física). Os processos de violência doméstica assumem a natureza urgente mesmo que não haja arguido preso … Ora tal natureza urgente implica a aplicação do regime previsto no n.º 2, do artigo 103.º, do CPP, pelo que os prazos processuais correm durante os fins-de-semana, férias e feriados até ao trânsito em julgado da sentença (para o que, aliás, se preveniu no despacho que recebeu a acusação). Deste modo, e sendo certo que, tendo os arguidos estado presentes em julgado e na leitura da sentença, o prazo de interposição do recurso se inicia a partir do depósito da sentença na secretaria … o que in casu ocorreu a 14.12.2022, tinham os arguidos 30 dias após tal data (sem interrupção nas férias judiciais) para apresentar o seu recurso nos autos. O arguido BB (bem como a coarguida) deram entrada do recurso no dia 23.01.2023, ou seja, quando, quanto a BB já estava esgotado quer o prazo de 30 dias quer o prazo adicional a que alude o art. 107.ª-A, do CPP, que sempre implicaria a autoliquidação da multa. Assim não se admite o recurso do arguido BB ante a intempestividade do mesmo (artigo 414.º, n.º 2, do CPP). Notifique. · Por outro lado, o recurso da arguida AA apenas será tempestivo se a urgência do processo (com inerente não interrupção de prazos durante as férias judiciais) se não lhe comunicar (caso contrário a contagem do prazo seria absolutamente igual à feita supra quanto ao coarguido). Por ora, e sem que tal vincule o Tribunal superior, considerar-se-á o recurso tempestivo (artigo 411.º, n.º 1, al. b), do CPP), interposto por quem tem legitimidade (artigo 401.º, n.º 1, alínea b), do CPP), e sendo a decisão recorrível (artigo 399.º), do CPP), admite-se o recurso interposto, tendo o mesmo efeito suspensivo (artigo 408.º, n.º 1, alínea a), do CPP) com subida imediata e nos próprios autos (artigos 406, n.º 1, e 407.º, n.º 2, alínea a), do CPP), sendo que o mesmo contém alegações e conclusões. Notifique, cumprindo o disposto no artigo 411.º, n.º 6 e artigo 413.º, do CPP.” * 2. O Ilustre Mandatário dos arguidos, notificado do referido despacho, veio aos autos, em 27/1/2023, a fls. 628/630, requerer que lhe fosse admitido o recurso, referindo que a extemporaneidade deste se ficou a dever a justo impedimento, em virtude de ter padecido de pneumonia bacteriana, conforme atestado médico que juntou aos autos, a partir de 11 de janeiro, do qual consta que foi aconselhado a permanecer acamado por apresentar incapacidade total para o trabalho pelo período de 15 dias com início em 12 de janeiro de 2023, … * 3. O Ministério Público, …, deixou expresso nos autos nada ter a opor a que viesse a ser admitido o recurso por si interposto. * 4. A assistente/demandante, …, opôs-se à admissão do recurso, no que concerne à arguida AA, tendo em conta que não faria qualquer sentido que num mesmo processo corressem prazos diferentes para cada arguido, tendo em consideração tipos distintos de crimes, sendo certo que os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente. E, também, se opôs à admissão do recurso, no que tange ao arguido BB, referindo que o justo impedimento deve ser alegado no momento em que se apresenta o ato, em conjugação com a apresentação da respetiva prova, o que não aconteceu nos presentes autos, salientando que o motivo já tinha cessado, quando o justo impedimento foi invocado, uma vez que o incidente só foi deduzido, em 27/01/2023, após a notificação aos Ilustres Mandatários dos arguidos do despacho que não admitiu o recurso do arguido … Acrescentou, ainda, que existe nos autos uma procuração conjunta, datada de 19/11/2020, outorgando poderes a favor dos dois mandatários do arguido BB …, pelo que o impedimento de um dos mandatários não é suficiente para a invocação de justo impedimento. **** 5. Em 18/2/2023, o Tribunal a quo veio a admitir o recurso interposto pelo arguido BB, … Contudo, na sequência da apresentação do recurso, foi proferido despacho que considerou intempestivo o recurso quanto ao arguido com os seguintes fundamentos: “… tendo os arguidos estado presentes em julgado e na leitura da sentença o prazo de interposição do recurso se inicia a partir do depósito da sentença na secretaria … o que in casu ocorreu a 14.12.2022, tinham os arguidos 30 dias após tal data (sem interrupção nas férias judiciais) para apresentar o seu recurso nos autos. O arguido BB (bem como a o-arguida) deram entrada do recurso no dia 23.01.2023, ou seja, quando quanto a BB já estava esgotado quer o prazo de 30 dias quer o prazo adicional a que alude o art. 107.º-A do CPP que sempre implicaria a autoliquidação da multa. Assim, não se admite o recurso do arguido BB ante a intempestividade do mesmo (art. 414.º, n.º2 do CPP). Por outro lado, o recurso da arguida AA … admite-se o recurso interposto, tendo o mesmo efeito suspensivo (art. 408.º, n.º1 al. a) do CPP) com subida imediata e nos próprios autos (art. 406.º, n.º1 e 407.º, n.º2 al. a) do CPP), sendo que o mesmo contém alegações e conclusões. …” Nessa sequência, no dia 27.01.2023 veio o il mandatário dos recorrentes invocar justo impedimento quanto ao cumprimento de prazo de recurso, com o seguinte argumentário: começando por referir da dificuldade que foi proceder à transcrição da prova, alega que “… Trabalhou arduamente no recurso, mas no dia 11 de janeiro à noite foi consultar o médico por se sentir cada vez pior, e este dada a gravidade da doença (pneumonia bacteriana) impediu-o de trabalhar por necessitar de fazer tratamento e repouso por um período de quinze dias. Ora, o seu estado clínico impediu-o de ir ao escritório até 23 de janeiro, altura em enviou o recurso, convencido que estava que o prazo, dada a sua natureza mista: um arguido com carater de urgência e outro sem essa característica, seria o mais longo. ….” Arrolou 3 testemunhas e um documento (atestado médico … nos termos do qual o il. mandatário esteve em consulta a 11.01.2023 e que, em virtude de pneumonia bacteriana, ficou com incapacidade total para o trabalho durante 15 dias a partir de 12.01.2023). … Antes de mais importa balizar o que ter por justo impedimento. Dispõe o art. 140.º do CPC, aqui aplicável ex vi art. 4.º do CPP, que “1- Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou. 3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.” De todo o modo, como refere o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2021, proc. n.º 968/20.0YIPRT, disponível em www.dgsi.pt “1. - A parte que se apresenta tardiamente a praticar um acto processual, mas considera ter agido sob justo impedimento, tem de praticar o acto logo que deixa de estar sob impedimento e, simultaneamente, invocar a situação de justo impedimento, alegando o respetivo fundamento, assim deduzindo o correspondente incidente, âmbito em que logo apresenta as provas respetivas (ou pede prazo para o efeito, se lhe for impossível oferecer prova imediata). Em Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 20.03.2017, Proc. n.º 868/16.9PBBRG-G1, disponível em www.dgsi.pt sumaria-se o seguinte “I) O justo impedimento exige a verificação de dois requisitos: “I) 1º Que o evento não seja imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatário; 2º Que o evento determine a impossibilidade de praticar atempadamente o ato. II) Não integra justo impedimento a situação retratada nos autos, na qual uma funcionária de escritório de uma advogada, mandatária da ofendida, comete um lapso ainda que involuntário e, por conseguinte negligente, que guardou no dossier de um outro processo, em que a recorrente é arguida, o comprovativo da entrega na Segurança Social de proteção/apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, com a finalidade de constituição de assistente, comprovativo esse que deveria ter sido junto aos presentes autos”. O que releva é, pois a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo perentório, devendo ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no artº 487º/2 do Código Civil. Iluminados por tais ideias, vejamos o caso concreto, No que respeita à dificuldades de transcrição da prova, as mesmas não podem consubstanciar, sem mais, fundamento de justo impedimento quanto ao respeito do prazo legal de recurso. Trata-se de questão que os sujeitos processuais têm que gerir, sendo que, o próprio legislador que em tempos admitia um prazo diferente para quanto existisse transcrição da prova, ponderou um prazo único que terá que ser gerido por quem tem que repeitar o prazo processual. Também o facto de o il. mandatário não ter vindo invocar o justo impedimento logo aquando do recurso, com o muito e merecido respeito, não é atendível o argumento de que o mesmo estava convencido que “o prazo, dada a sua natureza mista: um arguido com carater de urgência e outro sem essa característica, seria o mais longo”, já que esta não deixa de ser uma razão imputável ao il. mandatário da parte. Resta pois a questão clínica que infelizmente acometeu o il. mandatários dos recorrentes, sendo que a pneumonia bacteriana, no caso concreto, foi doença grave o suficiente para o il. médico consignar uma incapacidade total para o trabalho por 15 dias. Não tendo o documento clínico junto sido impugnado, temos assim que o recorrente esteve impedido de praticar o ato (de recurso), nos 15 dias seguidos a 12.01.2023, inclusive (já que, independentemente da prova testemunhal arrolada, no documento clínico vem atestada uma incapacidade total para o trabalho). Vale isto por dizer que o justo impedimento manter-se-ia entre 12.01.2023 até 26.01.2023, referindo o il. mandatário que acabou por praticar o ato a 23.01.2023, porque sentiu ser capaz de nessa altura ir ao escritório. Ora, os 30 dias de prazo de recurso terminavam a 13.01.2023. Significa isto que o il. mandatário viu-se impedido de praticar o ato antes de terminado tal prazo (em virtude de pneumonia bacteriana diagnosticada em consulta no dia 11.01.2023), o que o recorrente invocou no dia 27.01.2023, ou seja, (e independentemente de alertado por despacho para a intempestividade) precisamente no dia seguinte a cessar o período de justo impedimento (a 26.01.2023). Concorda-se que havendo procuração conjunta o ato recursivo podia em abstrato, ter sido praticado por qualquer dos il. advogados. Mas também é certo que se se consultarem as atas juntas aos autos, foi sempre o il. mandatário que ora subscreve a peça processual, quem assistiu à produção da prova, quem proferiu as alegações orais. Assim, considera-se ter ocorrido justo impedimento nos termos definidos no art. 140.º, n.º1 do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26.06.. Sem custas. * Em consequência: Nestes termos, além do recurso quanto à arguida já admitido … admite-se o recurso interposto pelo arguido ….” **** 6. Efetuado o exame preliminar, há que proferir Decisão Sumária, nos termos do artigo 417.º, n.º 6, al. b), do CPP. **** II. Apreciando: Dispõe o artigo 420.º, n.º 1, do CPP: “o recurso é rejeitado sempre que: a) for manifesta a sua improcedência; b) se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do artigo 414.º, n.º 2, ou; c) o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do n.º 3 do artigo 417.º”. No caso em apreço, há que tomar posição quanto à tempestividade do recurso interposto pelos arguidos. Vejamos. De acordo com o n.º 2 do artigo 414.º, do CPP, o recurso não pode ser admitido quando for interposto fora de tempo, isto é, quando for interposto fora do prazo legalmente estabelecido. Assim, importa apreciar a questão da tempestividade do recurso, sendo certo que a sua intempestividade implicará a sua rejeição e, portanto, o não conhecimento do seu objeto. **** Em primeiro lugar, no que tange ao recurso interposto pela arguida AA, há que ter em linha de conta que foi admitido, por despacho proferido a fls. 621 verso, no pressuposto de que a urgência do processo se não lhe devia comunicar, uma vez que, quanto a si, estava em causa uma condenação por crime de ofensa à integridade física, tendo o Tribunal a quo, todavia, referido, em nota de rodapé, “(…), não sendo questão líquida, admite-se o recurso sem prejuízo do que o Tribunal superior venha a entender.” Pois bem, a decisão que admita um recurso (tal como a que lhe fixa o regime de subida e o efeito) não faz caso julgado e não vincula o tribunal superior (n.º 3 do citado artigo 414.º) pelo que nada obsta, antes se impõe, que se conheça da referida questão prévia. Em matéria de recursos dispõe o artigo 411.º, n.º 1, b) do citado diploma que o prazo para a respetiva interposição é de 30 dias e conta-se, tratando-se de sentença ou acórdão, do respetivo depósito na secretaria. Acontece que, como resulta do disposto no artigo 28.º, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, sendo que a natureza urgente implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do CPP. A natureza urgente atribuída aos processos por crime de violência doméstica implica que os prazos processuais corram durante os fins-de-semana, férias e feriados. É o que decorre do disposto no artigo 103.º, n.º 2, do CPP, conjugado com o artigo 104.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal. Neste sentido se tem pronunciado uniformemente a jurisprudência. Aqui chegados, há que decidir se essa natureza urgente é de considerar extensiva a outros crimes cuja prática haja que ser apreciada num processo em que coexistam com o de violência doméstica, como acontece nos presentes autos. Salvo o devido respeito por posição contrária, quanto a esta questão, seguimos a orientação adotada na Decisão Sumária n.º 276/2020, do Tribunal Constitucional, datada de 8 de maio de 2020, à qual faz referência (em nota de rodapé), o despacho recorrido, cujo teor é o seguinte: “7. Foi com base nesta ordem de razões que o Tribunal concluiu pela não inconstitucionalidade do artigo 28.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de acordo com o qual os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos, não se suspendendo no período de férias judiciais o prazo para interposição de recurso de decisões nele proferidas, bem como dos artigos 103.º, n.º 2, al. a) e 104.º, n.º 2, todos do CPP, quando interpretados no sentido de que o prazo de interposição de recurso não se suspende durante as férias judiciais, nos processos com arguidos presos, mesmo em relação aos coarguidos que não se encontrem presos. Subjacente às questões de constitucionalidade apreciadas em tal jurisprudência está o pressuposto de que as normas respeitantes à natureza urgente dos processos, bem como as que, nessas circunstâncias, determinam que os prazos para a prática de atos processuais não se suspendam durante as férias judicias, não são de aplicação restrita, mas têm antes por referência as razões e interesses que justificam tal classificação e, por isso mesmo, respeitam a toda a tramitação desses processos, abrangendo todos os atos neles praticados e todos os intervenientes processuais. Os fundamentos em que assentou a referida jurisprudência são, assim, inteiramente transponíveis para a questão dos autos, pelo que, por remissão para respetiva fundamentação, mais exaustiva, acima transcrita, é de concluir pela não inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 28.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, em conjugação com o artigo 103.º, n.º 2, do CPP, no sentido de que a natureza urgente do processo de violência doméstica determina que os prazos de todos os atos processuais que se praticam no seu âmbito, nomeadamente o prazo de interposição de recurso, correm em férias judiciais, mesmo que em tal processo se discutam ainda outros crimes, relativamente aos quais a lei não prevê a natureza urgente do processo.” (negrito e sublinhado nossos). Com efeito, se assim não fosse, a natureza urgente de qualquer processo em que está em causa a prática de um crime de violência doméstica e de outros de natureza diferente seria postergada, o que, certamente, não é a intenção do legislador, pois isso esvaziaria de conteúdo a respetiva natureza urgente. Por conseguinte, temos de concluir que o recurso apresentado pela arguida no dia 23 de janeiro 2023 foi interposto fora do prazo legal, assim como dos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, sendo certo que a decisão que o admitiu não vincula o tribunal superior, de acordo com o artigo 411.º, n.º 3 do CPP, uma vez que, tendo a sentença sido depositada em 14/12/2022, o prazo perentório de 30 dias, para a apresentação do recurso, terminou em 13/01/2023, sem prejuízo da faculdade conferida pelo artigo 107.º-A, do CPP. Por conseguinte, por esta razão, o recurso deve ser rejeitado. Só assim não será, se entendermos que a junção aos autos do recurso interposto pelos dois arguidos, 23/1/2023, a fls. 583/620, se encontra a coberto de uma situação de justo impedimento, pelas razões expressas no despacho de fls. 640 a 642 verso, através do qual o Tribunal a quo veio a admitir o recurso interposto pelo arguido BB. Contudo, há que apreciar se tal recurso foi bem admitido. O artigo 140.º do CPC, estabelece o seguinte: «1- Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato. 2- A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou. 3-É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.» (nosso negrito). O conceito de justo impedimento encontra-se sustentado na não imputabilidade do facto impeditivo da prática atempada do ato à parte ou ao mandatário. Acontece que deve ser suscitado assim que tenha cessado a situação invocada como tendo sido facto impeditivo da prática atempada do ato, o que, em princípio, faz diferir o termo do prazo para o dia imediato àquele em que a causa do impedimento termina. Nessa ocasião, à parte faltosa incumbe o ónus de requerer a admissão extemporânea do ato mediante a alegação e a prova do justo impedimento, o que pressupõe, por regra, que o próprio ato seja simultaneamente praticado No julgamento do justo impedimento, o juiz só o deve deferir se verificar que a parte se apresentou a requerer logo que o impedimento cessou. Com efeito, a invocação do justo impedimento, para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo, tem de ser feita logo que cesse a causa impeditiva com oferecimento imediato da respetiva prova e a prática, em simultâneo, do ato em falta, isto é, o justo impedimento tem de ser alegado no preciso momento em que a parte se apresenta a praticar o ato fora de prazo. Para beneficiar do regime do justo impedimento, o interessado tem de praticar o ato processual em falta logo que deixe de estar sob impedimento. Salvo o devido respeito, se a parte não invoca logo o justo impedimento, aquando da prática o ato em falta, a prática tardia do ato processual cai no regime da extemporaneidade, pelo decurso do respetivo prazo legal. - ver, neste sentido, o Acórdão do TRC, de 26/10/2021, relatado pelo Exmo. Desembargador Vítor Amaral, Processo n.º 968/20.0YIPRT.C1, in www-dgsi.pt, o qual remete para o Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1945, p. 79, onde o Professor Alberto dos Reis refere que a leitura do § 2.º do art.º 146.º do CPC/39 – preceito semelhante ao do n.º 2 do art.º 146.º do CPC. na redação do Decreto-Lei n.º 125/98, de 12-05, e, do mesmo modo, ao do n.º 2 do atual art.º 140.º – «mostra claramente que a parte não deve ser admitida a praticar o ato fora de prazo enquanto não alegar e provar o justo impedimento a praticá-lo dentro do prazo. No preciso momento em que o interessado se apresenta para praticar o ato intempestivo, é que tem de fazer a alegação e prova do justo impedimento.» e, ainda, para Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 166, referindo estes que o incidente deve ser suscitado logo que tenha cessado a situação invocada como impeditiva de prática atempada do ato, com alegação das circunstâncias que motivaram o impedimento e apresentação dos meios de prova, e, também, para José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre que referem que foi mantido pelo legislador «o ónus de requerer a admissão da prática extemporânea do ato mediante alegação e prova do justo impedimento, fora ou dentro do prazo, mas logo que cesse a causa impeditiva, o que pressupõe que o próprio ato seja simultaneamente praticado» (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 300). Ora, no caso em apreço, quando, em 23/1/2023, foi interposto o recurso pelos arguidos BB e AA, nenhuma alusão foi feita relativamente a uma situação de justo impedimento, o que, aliás, esteve na origem do despacho de fls. 621, proferido em 25/1/2023, o qual, justamente, não admitiu o recurso do arguido BB, dada a sua intempestividade. Relembre-se que o justo impedimento só veio a ser suscitado nos presentes autos em 27/1/2023, ou seja, quatro dias depois de se ter apresentado a praticar o ato fora de prazo. Constatamos, assim, que, apesar de ser alegado o justo impedimento em 27/1/2023, o Ilustre mandatário dos arguidos, já em 23/1/2023, estava em condições de praticar o ato, uma vez que juntou aos autos o recurso, o que significa que, na prática, já tinha terminado, nessa data o impedimento. Por consequência, o ato em falta cai no regime da extemporaneidade, pelo decurso do respetivo prazo legal, razão pela qual, sempre salvo o devido respeito, não foi correta a decisão de deferimento da invocação de justo impedimento que consta do despacho de fls. 640 a 642 verso. Em face do exposto, deve o recurso apresentado pelos dois arguidos ser rejeitado, por extemporaneidade, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 420.º, do CPP. **** III. Decisão: Nestes termos, em face do exposto, rejeita-se o recurso interposto pelos dois arguidos, por ser extemporâneo – artigo 420.º, n.º 1, al. b), do CPP, em conjugação com o disposto no artigo 417.º, n.º 6, al. b), do CPP. Condena-se cada um dos recorrentes, nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP, no pagamento de 3 UC.” **** **** **** 2) Não se conformando com a decisão transcrita, vieram os recorrentes, em 19/7/2023, nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do CPP, reclamar para a conferência, nos seguintes termos: “… Da admissibilidade do recurso interposto pela arguida AA O recurso interposto pela arguida AA, o mesmo foi admitido, por despacho proferido a fls. 621 verso, no pressuposto de que a urgência do processo se não lhe devia comunicar, uma vez que, quanto a si, estava em causa uma condenação por crime de ofensa à integridade física, … Não sendo vinculativa para o tribunal superior a decisão que admitiu o recurso, veio o Exº Senhor Dr. Juiz Relator pugnar pelo entendimento que o carácter urgente de um processo pela prática de um crime determinado, no caso em apreço, violência doméstica, “contamina” todo o processado, nomeadamente os Réus e os crimes que sejam julgados em conjunto e que não tenham o mesmo carácter urgente … Porém, nos presentes autos levanta-se uma outra questão relativa à admissibilidade do recurso interposto por BB, sendo certo que a admissibilidade de ambos os recursos está inelutavelmente ligada, dependendo a admissão do segundo da admissão do primeiro. Por esta razão, e embora compreendendo a linha doutrinal subscrita pelo Exª Sr. Dr. Juiz Relator, não podem os reclamantes aderir ao indeferimento dos recursos por si apresentados, pois apesar do prazo para interposição de recurso ser um prazo perentório, pelo que o decurso do mesmo, face à inação do arguido, ou dos outros intervenientes processuais com legitimidade para tal, conduz à extinção do direito de praticar tal ato, este regime preclusivo estabelece a lei duas exceções, a primeira sendo a possibilidade de a parte praticar o ato fora de prazo havendo justo impedimento, e sendo a segunda a possibilidade de, independentemente de justo impedimento, a parte praticar o ato desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo, e pague a multa fixada na lei. No caso em apreço invoca-se o regime do justo impedimento para a admissão do recurso, e mesmo sem do geral, o justo impedimento abrange a prática de qualquer ato que a parte tenha a faculdade de praticar, ou seja, ele aplica-se ao recurso apresentado por AA. Este regime destina-se a desonerar a parte do risco de um evento que lhe não é imputável e que obsta à prática do ato, ou seja o conceito de "justo impedimento" assenta na não imputabilidade do facto obstaculizador da prática atempada do ato à parte ou ao mandatário, ou a um auxiliar deste, justamente por se evidenciar que não houve culpa (e seu juízo de censurabilidade) na sua produção, sem que seja decisiva a imprevisibilidade do acontecimento. Suscitado o justo impedimento ainda antes de ter cessado a situação invocada como tendo sido facto impeditivo da prática atempada do ato- interposição do recurso- o termo do prazo foi diferido para o dia imediato àquele em que a causa do impedimento termina. A admissão extemporânea do ato foi precedida da alegação e prova do justo impedimento, o que não foi impugnado. Havendo comprovadamente justo impedimento do mandatário, único interveniente a quem competia interpor o recurso, é ir contra legem a não aceitação do mesmo. … Atente-se que a tese que fundamenta o indeferimento do recurso não assenta na culpabilidade do mandatário nem na não verificação do justo impedimento, mas no tempo em que foi invocado, porém o que releva decisivamente para a verificação do justo impedimento é a inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo perentório. E isso está assente. Sendo esta a divergência que leva os recorrentes a reclamar para a conferência. … a) A doença do advogado da parte constitui justo impedimento se pela surpresa, inviabilizar quaisquer disposições para ultrapassar a dificuldade e pela sua gravidade, o impossibilite em absoluto não só de praticar o ato, como de avisar o seu constituinte ou substabelecer o mandato. … b) Desde logo o justo impedimento foi julgado e provado pelo Tribunal a quo, sem que o mesmo (justo impedimento) tivesse sido impugnado … c) Por regra, o próprio ato é simultaneamente praticado com a invocação do impedimento, mas não exclui que o mesmo tenha sido já anteriormente executado, e posteriormente venha a ser invocado o justo impedimento justificando essa prática extemporânea, quando se trata do exercício de direitos fundamentais, como o é a apreciação em segunda instância de uma decisão com a qual não se concorda. …” **** 3) Notificados os restantes intervenientes … apenas a assistente, em 17/8/2023, veio responder, … **** 4) Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir. **** **** **** II. Apreciando e decidindo: Como referido no acórdão do STJ de 29.01.2015, proc. n.º 8/14.9YGLSB.S1, “a «reclamação para a conferência» a que alude o art.º 417.º, n.º 8, do CPP, é apenas um pedido para que o objeto do recurso rejeitado mediante decisão sumária seja reapreciado pela conferência. Não se trata de uma nova fase recursória incidindo sobre a decisão singular pelo que o âmbito do recurso se mantém circunscrito às conclusões formuladas na motivação. São os argumentos ali utilizados e resumidos nas conclusões que fundamentalmente devem ser tema de análise pela conferência sem embargo de o conteúdo da reclamação poder apontar ou sugerir outras vias de abordagem do problema em debate”. Significa isto que a reclamação para a conferência opera um direito potestativo de natureza processual que permite à parte sujeitar o despacho do relator à deliberação do coletivo sem qualquer outra motivação. Logo, há apenas que que apreciar a pretensão do recorrente que consta do recurso por si interposto. **** Apreciando colegialmente os motivos que conduziram à rejeição do recurso, não se descortina qualquer motivo válido para alterar o sentido da decisão sumária, uma vez que esta não diverge da orientação largamente maioritária na jurisprudência. Por um lado, razões de igualdade, de celeridade e de gestão processual militam no sentido da sujeição de todos os coarguidos à mesma forma de contagem de prazos, devendo beneficiar, portanto, de prazos com a mesma dimensão, caso contrário, a marcha dos processos seria ingerível e potenciaria situações de desigualdade, dando origem a perturbação na gestão processual. Por outro lado, o justo impedimento “deve ser suscitado assim que tenha cessado a situação invocada como tendo sido facto impeditivo da prática atempada do ato, o que, em princípio, faz diferir o termo do prazo para o dia imediato àquele em que a causa do impedimento termina. Nessa oportunidade à parte faltosa incumbe o ónus de requerer a admissão extemporânea do ato mediante a alegação e a prova do "justo impedimento", o que pressupõe, por regra, que o próprio ato seja simultaneamente praticado (cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, CPC, Volume 1.°, Artigos 1.° a 361.°, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 140°, págs. 300-301, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, CPC, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.° a 702.°, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 140°, pág. 166.).” (nosso negrito) – ver Acórdão do TRL, de 4/11/2021, Processo n.º 32/14.1JBLSB- U.L1 – 9, relatado pelo Exmo. Desembargador Calheiros da Gama, in www.dgsi.pt. Acrescentar algo mais seria redundante. Por conseguinte, é de manter a decisão sob reclamação. **** **** III. Decisão: Face ao exposto, acordam os juízes que compõem este tribunal em negar provimento à reclamação. Custas pelos reclamantes, fixando-se em 1 UC a taxa de justiça. **** **** (texto processado em computador e integralmente revisto e assinado – artigo 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP). **** Coimbra, 13 setembro 2023
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