Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3733/20.1T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: ADOPÇÃO
IDADE DO ADOPTADO
CONFIANÇA ADMINISTRATIVA
CONFIANÇA POR MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
NORMA IMPERATIVA
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.1973, 1974, 1980 CC, 35, 38-A LPCJP, LEI 143/2015 DE 8/9 (RJPA)
Sumário: I - Quando o n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil fala naquele que “… tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles” tem em vista a confiança mediante decisão administrativa, a que se refere o artigo 36.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção, ou a confiança mediante medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, a que se referem os artigos 35.º, n.º 1 alínea g) e 38.º-A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

II – Apesar de o processo judicial de adopção ser de jurisdição voluntária, a decisão sobre quem pode ser adoptado não está sujeita à equidade, nem a critérios de conveniência ou oportunidade, visto que as normas constantes do artigo 1980.º do CC sobre quem pode ser adoptado revestem natureza imperativa.

III - Embora a vontade da criança seja atendível no processo de adopção, não basta a vontade dela, ainda que se trate de criança privada de um ambiente familiar normal, para o tribunal decretar a adopção.

Decisão Texto Integral:

Sumário:

I - Quando o n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil fala naquele que “… tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles” tem em vista a confiança mediante decisão administrativa, a que se refere o artigo 36.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção, ou a confiança mediante medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, a que se referem os artigos 35.º, n.º 1 alínea g) e 38.º-A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

II – Apesar de o processo judicial de adopção ser de jurisdição voluntária, a decisão sobre quem pode ser adoptado não está sujeita à equidade, nem a critérios de conveniência ou oportunidade, visto que as normas constantes do artigo 1980.º do CC sobre quem pode ser adoptado revestem natureza imperativa.

III - Embora a vontade da criança seja atendível no processo de adopção, não basta a vontade dela, ainda que se trate de criança privada de um ambiente familiar normal, para o tribunal decretar a adopção.

Processo n.º 3733/20.1TBCBR

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

R (…) e A (…), casados, residentes (…), requereram a adopção plena de T (…), com a consequente revogação do apadrinhamento civil homologado em 13-02-2020, bem como a alteração do nome da menor para T (…).

Para o efeito alegaram, em síntese:
1. Em 28-10-2013, o tribunal de Família e Menores de Coimbra aplicou a medida de acolhimento institucional aos irmãos T (…), nascida em 18-10-2002, A (…), nascido em 17-08-2004, e D (…) nascida em 8-12-2007 (processo n.º 567/13.3TMCBR);
2. Por decisão de 30-11-2015, no âmbito do processo de promoção e protecção n.º 567/13.3TMCBR, foi aplicada a medida de confiança a instituição aos três menores, com vista a futura adopção;
3. Em 29-12-2017 foi proposta pelos Serviços da Segurança Social, a alteração da medida de confiança com vista a futura adopção, aplicada à menor T (…), para a medida de acolhimento residencial, o que veio a suceder em 19-01-2018;
4. Porém, em 16-10-2018, os três irmãos, T(…), A (…) D (…), foram confiados aos requerentes num processo que culminou com a adopção do A (…) e da D (…) apenas, dada a medida formal que recaía sobre a T (…) na altura;
5. Não obstante a T (…)sempre foi assumida pelos requerentes em conjunto com os irmãos, e sempre tendo em vista a futura adopção plena, não apenas das duas crianças mais novas, mas sim das três;
6. Ao contrário do que sucedeu com os irmãos aquando da sua confiança aos requerentes, apesar de a T (…) ainda ter 15 anos, não foi formalmente confiada;
7. Os requerentes sempre mantiveram relativamente aos três irmãos, igual confiança, permanente e exclusiva, e de pleno conhecimento do tribunal, pois todos os reportes da segurança social eram actualizados relativamente ás 3 crianças;
8. O facto de T (…) não ser incluída no processo (formal) de pré-adopção foi sendo justificado pelos serviços da segurança social com o argumento de que a T (…) já não tinha medida de adoptabilidade;
9. Aliás, a T (…) foi apresentada aos requerentes na fase pré-adoptiva, como a irmã mais velha do A (…) e D (…) (crianças que foram propostas à adopção), que iriam permanecer na instituição onde viviam os três, por já não ser possível adoptá-la;
10.Todo este movimento processual assentou na confiança de que quer a segurança social, quer o próprio tribunal estariam a garantir os aspectos formais que melhor salvaguardariam o superior interesse das crianças e, neste caso particular, da T(…), pois num processo tão exigente do ponto de vista mental e emocional, os requerentes acabaram por delegar a questão judicial para momento ulterior;
11.Apesar de os requerentes não serem candidatos nem se encontrarem inscritos na rede nacional do apadrinhamento civil, todo o processo foi desenvolvido a partir dali, suprindo essa lacuna formal;
12.Sem prejuízo, foi-se acumulando a preocupação relativamente à situação jurídica da T(…), pois se a mesma era mantida pelo tribunal em acolhimento residencial, como poderia encontrar-se confiada aos requerentes 24 horas por dia sem qualquer validação judicial, como de facto acontecei durante oito meses (até 18-06-2019)?
13.Na escola, por exemplo, a requerente assumiu desde logo o papel de encarregada de educação da T (…), todavia qualquer documento sobre a menor tinha de ser validado pela responsável do CAT, onde formalmente a menina se encontrava acolhida;
14.Ao longo do período pré-adoptivo, os requerentes foram aprofundando a situação da T(…), nomeadamente junto dos serviços da segurança social que acompanhavam a criança neste processo, e apuraram que relativamente à alteração da medida de adoptabildiade para uma medida de acolhimento residencial, logo em Janeiro de 2018, deveu-se exclusivamente a um juízo de prognose por parte daqueles serviços;
15.Portanto, antecipadamente e contrariamente ao que veio a verificar-se de facto antes de a menor perfazer os 16 anos, aquela alteração da medida de protecção restringiu seriamente o processo adoptivo da T(…) e condicionou severamente o futuro da criança;
16.O que sucedeu, de facto, a par com os irmãos A (…) e D (…) foi um verdadeiro processo de pré-adopção, sem quaisquer distinções ou limitações de qualquer espécie, quer da parte dos requerentes, quer da parte da instituição que até ali acolheu os 3 menores;
17.Os três irmãos passaram sempre em conjunto, por uma fase de aproximação, seguida de pré-adopção, durante a qual permaneceram sempre na residência dos requerentes e foram assumidos em pleno como filhos;
18.A T(…) nunca foi limitada a visitar os irmãos ou a acompanhar a sua integração na família adoptiva, como havia sido proposta inicial dos serviços de segurança social, mas sim integrada em todas as vertentes familiares, tal como o A (…) e D  (…), sem distinções de qualquer tipo;
19.Saliente-se que a alteração da medida de protecção sucedeu logo após os 15 anos de T (…) e não na proximidade dos seus 16 anos;
20.Por esse infortúnio alheio à sua vontade, de forma precoce, inusitada e sem fundamento factual, a T(…) viu-se excluída do regime de adoptabilidade, quando, de facto, ainda deveria lá ter permanecido, o que possibilitaria a sua adopção plena aqui em causa;
21.Ainda para mais, estando em tempo de corrigir a situação, a segurança social olvidou um pressuposto de suprema importância que reside no facto de a T(…) ter sido confiada aos requerentes antes de perfazer os 16 anos, e poder ainda ser incluída no regime de adoptabilidade, acaso fosse revogada ou alterada a medida de acolhimento residencial que, repita-se, foi determinada tendo por exclusiva fundamentação um mero juízo de prognose por parte daqueles serviços;
22.Tal prognose veio a suscitar uma questão jurídica da maior importância na vida da T(…): a diferença entre poder ser adoptada plenamente tal como os irmãos, e a sujeição a um instituto muito mais restritivo como o apadrinhamento civil (o que sucede neste momento por força das circunstâncias), com todas as consequências que daí advêm, nomeadamente o agravamento da insegurança e descrença nos adultos que até aqui a tutelaram em nome do Estado;
23.O processo dependia essencialmente das medidas e do acompanhamento por parte da segurança social pelo que até aqui não restou aos requerentes outra forma de tutelar formalmente a T(…) que não através do apadrinhamento civil;
24.Sem prejuízo, os requerentes têm educado a menor como sua filha, vêm fazendo planos para o seu futuro e pretendem com a adopção conferir-lhes os mesmos direitos que aos outros filhos, seus irmãos;
25.A menor mantem com os requerentes e restantes membros da família, uma relação semelhante à da filiação, manifestando frequentemente o desejo de ser adoptada e de alterar a sua identificação, sobretudo no que concerne aos seus progenitores;
26.É tratada e considerada pelos requerentes e demais membros da família deste, bem como pelos amigos da família, como filha dos requerentes;
27.A adopção permitirá à T(…) adquirir uma verdadeira família substitutiva, em termos estáveis e seguros;
28.O apadrinhamento civil da T (…) foi homologado em 13-02-2020, porém nem os requerentes nem a própria T(…) se conformam com esta solução, que não se compagina com a situação de facto;
29.A T(…) sempre manifestou vontade de ser adoptada em condições semelhantes à dos irmãos mais novos, o que não deixa de ser uma expectativa legítima e uma solução justa para o caso;
30.Aliás, a própria segurança social admitiu a situação, tendo solicitado pronúncia ao tribunal de Família e Menores de Coimbra sobre a viabilidade do reconhecimento da confiança administrativa relativa à T (…) como fase prévia ao processo de adopção plena;
31.Todavia, surpreendentemente, não obstante o tribunal reconhecer que “… o caminho da adoção seria uma solução ajustada à salvaguarda do interesse da jovem e que os candidatos reúnem as necessárias competências para tal efeito, tanto mais que já são pais adotivos do A (…) e D (…), irmãos de T (…) (…) entendeu também que (…) a aplicação da lei tem como pressuposto a sua interpretação, balizada pela norma (…) e que a pretendida confiança administrativa contraria o superior interesse da T (…), por poder criar-lhe a errada expectativa de vir a ser adotada pelo casal em questão”;
32.Em suma, o tribunal considerou que a confiança da T(…) aos requerentes, no período de 16-10-2018 (integração na família adoptiva) a 18-0-2019 (início da medida de apoio junto de pessoa idónea) não constitui pressuposto da confiança administrativa com vista a futura adopção, não podendo ser “minimamente equiparada ao exercício das responsabilidades parentais relativas à esfera pessoal da criança previamente atribuído no âmbito de providência tutelar cível (…) e muito menos à confiança pressuposta pelo n.º 3 do artigo 1980.º do CC”;
33.Considera que não integra o âmbito substantivo da confiança administrativa “… a integração da jovem T(…), no agregado familiar do casal em 16-10-2018, e que estes, consequentemente, assumam as responsabilidades parentais a ela relativas desde idade não superior a 15 anos, pois tal só ocorre desde 13.02.2020, data em que foi homologado o compromisso de apadrinhamento civil, uma vez que só nesta data se poderá afirmar que ao casal foi atribuído o exercício das responsabilidades em sede de providência tutelar cível);
34.Discorda-se terminantemente da posição do tribunal, porquanto em face da situação de facto por si sobejamente conhecida (a confiança da criança aos requerentes, juntamente com os irmãos, desde o dia 16.10.2018) e que corresponde ao superior interesse da criança, deve imperar a justiça, que aqui se reclama;
35.Se já há muito que o projecto de vida deixou de passar pela família biológica, será legítimo que reunindo condições para ser adoptada – como reuniu e reúne – tenha essa expectativa em toda a sua amplitude;
36.Do disposto no Decreto-lei n.º 164/2019, de 25-10 (que estabelece o regime de execução do acolhimento residencial, medida de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo), os requerentes não extraem como poderá a sua intervenção no processo da T(…) ser equiparada a uma “instituição” ou “casa de acolhimento”;
37.Repare-se que o (raro) contacto que a T(…) manteve com a irmã biológica (…) na fase inicial do projecto de integração social após a determinação da medida de acolhimento residencial, foi imediatamente interrompido e inteiramente delegado à responsabilidade dos requerentes aquando da confiança a estes, por iniciativa da própria segurança social.

O Ministério Público teve vista dos autos e foi de parecer que não estavam reunidos os pressupostos para poder ser proferida decisão judicial constitutiva do vínculo da adopção, sendo de indeferir liminarmente o peticionado.

O Meritíssimo juiz do tribunal a quo indeferiu liminarmente o requerimento inicial apresentado por manifesta falta de preenchimento dos pressupostos de prosseguimento da acção.

Justificou a decisão dizendo:
1. Que T (…), já maior à data da decisão, não foi confiada ao casal requerente mediante confiança administrativa, tal como o exige o artigo 36.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção, tendo inclusivamente sido entendido, nos termos do disposto no n.º 6 do mesmo normativo que a confiança administrativa contraria o superior interesse da T(…) por criar expectativas num processo de adopção que já não seria possível;
2. Que T (…) não foi confiada ao casal requerente mediante medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, tendo passado a residir com o casal quando vigorava a medida apicada de acolhimento residencial e posteriormente a medida de confiança a pessoa idónea, no caso R (…9 e A (…)
3. Que, conforme despacho datado de 14 de Abril de 2020, o facto de T (…) passar a integrar o agregado do casal requerente a 16 de Outubro de 2018 não podia ser considerado como consubstanciador da confiança administrativa ou judicial, sendo que, nesta data, tinha já idade superior a 15 anos, não preenchendo de qualquer modo o circunstancialismo previsto no artigo 1980.º n.º 3 do Código Civil;
4. Que T (…) não tinha idade inferior a 15 anos à data do requerimento de adopção.

Os requerentes não se conformaram com a decisão e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da decisão e a substituição dela por outra que reconhecesse que se encontravam preenchidos os requisitos estabelecidos no n.º 3 do artigo 1980.º do CC, admitindo- se o requerimento inicial e prosseguindo a presente acção os seus trâmites.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões fora os seguintes:
1. São factos incontroversos, por resultarem comprovados nos autos e da documentação junta aos seus numerosos apensos, os seguintes factos:
2. T (…), nascida a 18.10.2002, A (…), nascido a 17.08.2004 e D (…), nascida a 08.12.2007 são três irmãos de um total de dez, nascidos na Vila de (…), num seio familiar destruturado, negligente e carenciado;
3. Em 30.11.2015, no âmbito do processo de promoção e protecção n.º 567/13.3TMCBR, foi decretada a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista à adopção, nos termos do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º e alínea b) do artigo 38.º-A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), mediante a colocação dos três irmãos menores sob a guarda e cuidados da instituição CAT – C(…), com vista à futura adopção;
4. Em 29.12.2017 (dois meses após a T(…)completar 15 anos de idade) o Centro Distrital da Segurança Social de Coimbra I.P. (CDSS de Coimbra), alegando ter-se logrado a possibilidade da jovem T (…)ser adoptada e com fundamento no disposto no n.º 2 do artigo 1980.º do Código Civil (CC), solicitou ao Tribunal a alteração da medida aplicada de confiança a instituição com vista a futura adopção, para a medida de acolhimento residencial;
5. Em 19.01.2018 (quando a jovem T (…) ainda tinha 15 anos de idade) a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção (alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP) foi substituída pela medida de acolhimento residencial prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP, mantendo-se a jovem T (…) no mesmo Centro de Acolhimento – C(…), acompanhada dos seus irmãos A (…) e D (…)
6. Relativamente aos irmãos de T (…) – A (…) e D (…) – manteve-se a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP, a qual havia sido aplicada em 30.11.2015;
7. No âmbito do procedimento com vista à adopção dos menores A (…) e D (…)e na sequência das pesquisas realizadas de famílias adoptivas para a adopção conjunta dos dois menores, foi identificado o casal ora Recorrente e elaborada proposta ao Conselho Nacional de Adopção, o qual veio a aprovar a mesma em 30.08.2018, tendo o casal ora recorrente sido identificado em Setembro de 2018 pelo CDSS de Coimbra como candidatos a quem o A (…) e D (…) poderiam vir a ser confiados;
8. Foi então definido um Plano de Aproximação, em articulação com a equipa do CAT –C(…), que contemplou diferentes momentos entre as crianças e os adoptantes, o qual viria a incluir a T(…) e a ser posto em prática entre os dias 03 e 16 de Outubro de 2018;
9. Todo o processo de adaptação foi levado a cabo para os três irmãos – (…) – não tendo existindo qualquer distinção no acompanhamento, avaliação e inserção no seio familiar dos três irmãos e de destacar ainda que durante todo o processo a T(…) tinha ainda 15 anos de idade;
10.Decorrido o referido período de transição e adaptação, concluiu-se pela aceitação mútua entre os três irmãos e o casal de adoptantes, pelo que foi emitido certificado de pré-adopção datado de 16.10.2020, relativamente aos menores A (…) e D (…), sendo atribuído ao casal a confiança dos dois menores, atribuindo-lhes a curadoria provisória das crianças a partir do dia 16.10.2018;
11.Relativamente à jovem T (…) foi autorizado pelo Tribunal a continuidade da relação entretanto iniciada com o casal adoptante, pelo que a mesma foi também confiada ao casal ora recorrente no dia 16.10.2018, data desde a qual reside ininterruptamente com o casal ora recorrente;
12.A partir dessa data, o novo agregado familiar – composto pelo casal ora recorrente e pelos três irmãos T (…), A (…), D (…) – passou a ser acompanhado em período de pré-adopção pela Equipa de Adopção, Apadrinhamento e Acolhimento Familiar do Centro Distrital de Coimbra, o que contemplou contactos telefónicos, visitas domiciliárias, entrevistas com o casal e as crianças e contactos com as entidades que os acompanham;
13.Todo o processo de adaptação e aproximação descrito nos relatórios e informações elaborados pela Equipa de Adopção, Apadrinhamento e Acolhimento Familiar foram vivenciados não só pelos menores A (…) e D (…) mas também, integralmente e plenamente, pela jovem T (…);
14.Decorridos 8 meses após a integração de T(…) no agregado familiar do casal ora recorrente, período durante o qual a menor T(…) esteve totalmente confiada ao casal ora recorrente, exercendo estes as responsabilidades parentais e tomando todas as decisões da vida da menor, em 18.06.2019, foi aplicada a medida de promoção e protecção de apoio junto de pessoa idónea, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP;
15.Foi considerado, erradamente, pela Equipa de Adopção não ser juridicamente possível a adopção de T(…), em virtude de a mesma ter completado já 15 anos de idade e não ter já medida de adoptabilidade, tendo sido proposto pela Equipa de Adopção, em alternativa à adopção, o apadrinhamento civil de T (…)
16.Desta forma, em 16.12.2019 foi celebrado o compromisso de apadrinhamento civil, o qual veio a ser homologado pelo Tribunal de Família e Menores de Coimbra – Juiz 2, em 13.02.2020, sendo padrinhos de T (…) o casal ora Recorrente constituído por R (…) e A (…).
17.A sentença recorrida incorre em manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, porquanto a situação concreta em apreço preenche os requisitos exigidos pelo n.º 3 do artigo 1980.º do CC.
18.No que se refere ao primeiro requisito – ter menos de 18 anos à data do requerimento de adopção – o mesmo encontra-se devidamente preenchido uma vez que o requerimento apresentado pelos ora recorrentes deu entrada no Tribunal de Família e Menores de Coimbra no dia 23.09.2020, data na qual a jovem T(…) ainda não tinha completado 18 anos de idade, tendo-os completado apenas no dia 18.10.2020; o requisito relativo à idade da apresentação do requerimento não é ter idade inferior a 15 anos, mas sim idade inferior a 18 anos, pois encontramo-nos no âmbito de aplicação da excepção prevista no n.º 3 e não no n.º 2 do artigo 1980.º do CC; sendo inequívoco que o primeiro requisito exigido no n.º 3 do artigo 1980.º do CC se encontra preenchido.
19.Relativamente ao segundo requisito - ter sido confiada ao casal de adoptantes em idade não superior a 15 anos – encontra-se também preenchido na medida em que a jovem T (…) foi confiada ao casal ora Recorrente em 16.10.2018, data a partir da qual começou a residir com o casal, integrando o seu agregado familiar e data a partir da qual o casal passou a exercer as responsabilidades parentais da jovem, decidindo todas as questões da vida da menor, nomeadamente, questões relativas à educação (passando a recorrente A (…) a ser a sua encarregada de educação), prestando todos os cuidados de saúde, provido à sua educação e formação, prestando todos os afectos como se presta a um filho, sendo que é nessa perspectiva que a jovem vê os recorrentes, que os trata por pais, assim como à família pelos laços de parentesco desde essa data; a confiança da jovem T (…) ao casal ora recorrente ocorreu no seguimento da execução de um Plano de Adaptação e Aproximação inserido no processo de pré-adopção dos seus irmãos A (…) e D (…), o qual decorreu entre os dias 03 e 16 de Outubro de 2018, tendo incluído diferentes momentos de aproximação, entre saídas da instituição durante o dia e pernoitas da jovem em casa do casal; a confiança da jovem T(…) ao casal ora recorrente foi precedida de um processo de adaptação e aproximação com vista à adopção, estabelecido para os seus irmãos, os quais ainda tinham medida de adoptabilidade, pelo que todo o processo pelo qual a jovem T(…) foi confiada ao casal ora recorrente foi exactamente o mesmo processo, incluindo os mesmos trâmites e etapas, que o processo dos seus irmãos A (…) e D (…), os quais vieram a ser adoptados pelo casal ora recorrente; em suma, a jovem T(…) foi confiada ao casal ora Recorrente desde idade não superior a 15 anos, encontrando-se também preenchido o segundo requisito exigido pelo n.º 3 do artigo 1980.º do CC.
20.Do exposto resulta que efectivamente e de facto, a jovem T(…) foi confiada ao casal ora recorrente desde idade não superior a 15 anos, confiança esta que foi precedida de todos os trâmites legais impostos para a confiança administrativa, tendo completado os períodos de transição e de pré-adopção, de acordo com o estabelecido no artigo 36.º do Regime Jurídico do Processo e Adopção (RJPC).
21.Posto isto, encontram-se reunidos todos os pressupostos e requisitos de que depende a FORMAL confiança administrativa da jovem T (…) ao casal ora recorrente, a qual veio a ocorrer de FACTO no dia 16.10.2018, isto é, em data anterior à jovem T(…)perfazer 16 anos de idade, pelo que, se deverá considerar-se que existiu uma verdadeira confiança para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 1980.º do CC.
22.Pelo exposto, mal andou a sentença recorrida ao considerar que não se encontram verificados os pressupostos previstos no n.º 3 do artigo 1980.º do CC para que a jovem T (…) possa ser adoptada pelo casal adoptante constituído por R (…) e A (…)
23.A sentença recorrida, ao considerar que a jovem T (…) não foi confiada ao casal requerente mediante confiança administrativa, tal como exige o artigo 36.º do RJPA e ao considerar que não foi confiada ao casal requerente mediante medida de promoção e protecção com vista a futura adopção, tendo passado a residir com o casal quando vigorava a medida aplicada de acolhimento residencial e posteriormente medida de confiança a pessoa idónea, viola de forma cabal o princípio da prevalência da substância sobre a forma, fechando os olhos a uma realidade e factualidade ocorrida em prol do superior interesse da jovem T(…), constituindo assim uma decisão ilegal caracterizada por um formalismo extremista e excessivo, interpretando o disposto no n.º 3 do artigo 1980.º do CC em clara violação dos interesses que a norma visa proteger.
24.É inequívoco que a jovem T(…)foi efectivamente confiada ao casal ora Recorrente em 16.10.2018, confiança que foi precedida de todos os trâmites e procedimentos levados a cabo para os seus irmãos, os quais tinham medida de adoptabilidade, tendo completado assim os períodos de transição e de pré-adopção; é inequívoco que estamos perante uma verdadeira confiança; o Estado confiou aos recorrentes esta criança para que dela cuidassem, o que vêm fazendo desde 16.10.2018; ignorar-se que a jovem T(…) acompanhou os seus irmãos em todo o processo pré-adoptivo, partilhando com os seus irmãos o sentimento de ser adoptada pelo casal ora Recorrente, é ignorar uma situação de facto criada e lavada a cabo no superior interesse da jovem T(…) e com vista à sua adopção dos três irmãos pelo casal ora recorrente!
25.A decisão ora recorrida, ao ignorar por completo a situação de facto existente – a qual conforme se referiu é em tudo igual à situação dos irmãos A (…) e D (…) – considerando que inexistiu uma confiança que deva ser relevada juridicamente para efeitos de preenchimento dos pressupostos previstos no n.º 3 do artigo 1980.º CC, a qual permitiria que a jovem T(…) fosse adoptada pelo casal ora recorrente, dá prevalência à forma sobre a substância, a qual se consubstancia no superior interesse da jovem T(…).
26.Estamos perante uma decisão que procede a uma interpretação da lei – em concreto do n.º 3 do artigo 1980.º do CC – desconforme à Constituição da República Portuguesa, a qual não obedece e não respeita os interesses que o legislador pretendeu proteger, isto é, o superior interesse das crianças; uma interpretação formalista, que se cinja à letra da lei, ignorando por completo uma situação material existente, é uma interpretação contrária à Constituição, e foi o que fez a sentença recorrida.
27.Ademais, encontramo-nos perante um processo de jurisdição voluntária, seja no âmbito do processo de promoção e protecção (cfr. artigo 100.º da LPCJP), seja no âmbito do processo de adopção (cfr. artigo 31.º do RJPA); e no âmbito da jurisdição voluntária, o Tribunal não está necessariamente vinculado à observância rigorosa do direito aplicável, podendo subtrair-se ao enquadramento rígido dos factos ao direito e proferir a solução que no caso concreto se apresente mais justa e equitativa, devendo o Douto Tribunal não restringir a interpretação do n.º 3 do artigo 1980.º do CC, na parte em que alude à confiança, como sendo apenas a confiança prevista no disposto no n.º 1 do mesmo preceito legal.
28.Impõem-se assim uma interpretação da lei conforme a Constituição e que salvaguarde os interesses que a norma visa proteger, reconhecendo-se que a confiança da jovem T(…) ao casal ora recorrente, a qual ocorreu em 16.10.2018, obedece aos requisitos da confiança administrativa e deverá ser relevada para efeitos do preenchimento dos pressupostos previstos no n.º 3 do artigo 1980.º do CC.
29.A decisão de que se recorre, excessivamente formalista e que não atende ao caso em concreto, coloca em causa o futuro da jovem T(…), ignorando por completo os seus interesses, os seus desejos e o seu futuro, o que nos leva a concluir que estamos perante uma decisão que viola drasticamente o superior interesse da jovem T (…)!
30.Houve, por parte da Administração, uma omissão que colocou em causa o superior interesse da jovem T(…), na medida em que violou um seu direito – o direito a ser adoptada – violando assim a concepção garantística do conceito de superior interesse da criança; a actuação da Administração – consubstanciada num erro grosseiro - não poderá ser motivo para a jovem T(…) não poder ser adoptada, impondo-se um reconhecimento da confiança da jovem T(…) ao casal ora Recorrente, a qual ocorreu em 16.10.2018, reconhecendo-se que se encontram preenchidos os requisitos estabelecidos no n.º 3 do artigo 1980.º do CC, sob pena de se frustrarem as legítimas expectativas, sonhos e desejos da jovem T(…).
31.A T(…) sempre manifestou vontade de ser adoptada pelo casal, em condições semelhantes à dos seus irmãos, o que constituiu uma expectativa legítima e solução justa para o futuro da jovem; desde o primeiro dia a T(…) foi integrada como filha, manifestou felicidade e esperança na família adoptiva, sendo inclusivamente a primeira das crianças a chamar espontaneamente “pai” ao recorrente; paulatinamente, a T(…) tem passado, tal como os irmãos, por várias fases para chegar ao ponto crucial que os irmãos atingiram e ela não: o estabelecimento de um vínculo (jurídico adoptivo pleno; a assunção dos apelidos da nova família constitui factor importante de integração familiar e social, fortalecendo os laços de afeição e os vínculos de solidariedade que os unem; a T(…) manifesta em vários momentos da sua vida a vontade de alterar a filiação na documentação de identificação, na documentação da escola, pelo facto de os progenitores terem para si uma conotação negativa e representarem uma ligação ao passado com o qual ela quer romper.
32.Pelo exposto, é inegável que o superior interesse da jovem T(…) apenas ficará salvaguardado se a mesma puder ser adoptada pelo casal ora recorrente, o que trará à jovem um sentimento de renascimento e desenvolvimento no seio de uma relação afectiva, onde emergirá o verdadeiro sentimento de pertença.
33.Deve o intérprete e o aplicador da lei e do direito ter em conta o superior da criança, princípio consagrado no artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, que a Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo coloca à cabeça dos princípios orientadores na alínea a) do artigo 4.º.
34.Existem inúmeras diferenças entre o vínculo jurídico estabelecido através do apadrinhamento civil e a adopção, o que nos leva a concluir que existe grande diferenciação entre o vínculo estabelecido entre o casal e a jovem T(…) e entre o casal e os menores A (…) e T (…); efectivamente, a jovem T(…) tem passado ao longo dos anos por várias etapas e fases, a par com os seus irmãos A (…) e D (…), de forma a alcançar o tão almejado estabelecimento de um vínculo jurídico adoptivo pleno, o que veio apenas a ser permitido para os seus irmãos; a assunção dos apelidos da nova família constitui para a T(…) um factor importante de integração familiar e social, fortalecendo os laços de afeição e os vínculos de solidariedade que os unem. Em vários momentos da sua vida a T(…)manifesta um sentimento de revolta, raiva e de discriminação face aos seus irmãos, em virtude das diferenças que os separam do casal ora recorrente; a diferença entre poder ser adoptada pelos ora Recorrentes tal como os seus irmãos e, ao invés, a sujeição a um instituto muito mais restritivo como o apadrinhamento civil, tem inúmeras consequências na vida da jovem T(…), nomeadamente o agravamento da insegurança e da descrença não só no casal ora recorrente, como também em todos os adultos que acompanharam todo este processo, os quais sempre prometeram à T(…)que iriam salvaguardar o seu futuro no seio desta família que tanto a deseja.
35.Torna-se assim inegável que a sentença recorrida, ao negar à jovem T (…) a adopção com base em critérios puramente formais e excessivamente burocráticos, viola o princípio da igualdade face aos seus irmãos A (…) e D (…), criando uma enorme desigualdade nesta fratria que apresenta grandes laços afectivos que os acompanharão para o resto das suas vidas.
36.A sentença recorrida ao decidir pelo indeferimento liminar do requerimento inicial violou as normas do artigo 1980.º n.º 3 do Código Civil, as normas do artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, do artigo 4.º alínea a) da Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo, artigo 3.º alínea a) do Regime Jurídico do Processo de Adopção e ainda os artigos 13.º (princípio da igualdade), 36.º e 67.º (direito à família), 70.º (direito à juventude) e Violou principalmente o DIREITO À INFÂNCIA, segundo o qual as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e segundo o qual cabe ao Estado assegurar especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal – artigo 69.º, todos da Constituição da República Portuguesa.

O Ministério Público respondeu ao recurso, pedindo se negasse provimento ao recurso e se mantivesse a decisão recorrida.

Para o efeito alegou:
1. O vínculo da adopção constitui-se por sentença judicial, conforme estabelece o artigo 1973º, n.º 1 do Código Civil.
2. Para que seja decretada a adopção mostra-se necessário que se encontrem preenchidos os requisitos gerais enunciados no artigo 1974º do Código Civil, bem como os requisitos de legalidade estrita constantes dos artigos 1979º, 1980º, 1981º e 1984º do mesmo diploma.
3. Entre os requisitos de legalidade estrita, encontram-se os da idade do adoptando, previstos no artigo 1980º do Código Civil.
4. Segundo tal dispositivo legal, só podem ser adoptadas crianças/jovens com menos de 15 anos, à data de entrada do requerimento (regra geral).
5. Admite-se, porém, excepcionalmente, que sejam adoptadas crianças/jovens com 15 anos ou mais, e menos de 18 anos (não emancipados), quando: a) tenham estado confiados aos adoptantes, ou a um deles, desde idade não superior a 15 anos; b) a criança/jovem seja filho do cônjuge do adoptante.
6. A excepção prevista no n.º 3 do art.º 1980º, tem que ser conjugada com o disposto no n.º 1 e n.º 2 do mesmo preceito e ter presente a razão de ser de ambos os regimes fixados.
7. Como explica Antunes Varela (Direito da Família, Volume I), a razão de ser da regra funda-se no facto de se ter entendido que a adopção assume real interesse social no período da infância e começo da adolescência em que o menor mais necessita de um ambiente familiar são no desenvolvimento da sua personalidade. Nos casos excepcionalmente previstos trata-se de completar e ou reforçar o vínculo já existente.
8. Tal leitura conjugada, leva-nos a concluir que (além da situação dos filhos de cônjuge do adoptante) podem ser adoptadas crianças com menos de 18 anos (não emancipadas), desde que tenham estado confiados aos adoptantes, ou a um deles, desde idade não superior a 15 anos, que o mesmo é dizer que a confiança da criança tenha ocorrido antes ou até completar/perfazer 15 anos.
9. Para efeitos da aludida excepção, apenas releva a confiança mediante medida de promoção e protecção com vista a futura adopção ou a confiança administrativa.
10. A confiança administrativa resulta de decisão da Segurança Social e só pode ser atribuída se estiverem reunidos os requisitos tipificados no art.º 36º do Regime Jurídico do Processo de Adopção, designadamente, estando pendente processo judicial de promoção e protecção ou tutelar cível, é necessário que o tribunal, a requerimento do organismo de segurança social, ouvido o Ministério Público, considere que a confiança administrativa corresponde ao superior interesse da criança (n.º 6) e tratando-se de confirmação da permanência da criança a cargo do candidato a adoptante pressupõe que o exercício das responsabilidades parentais relativas à esfera pessoal da criança lhe haja sido previamente atribuído, no âmbito de providência tutelar cível (n.º 8, alínea a).
11. A situação concreta da T(…) não reúne os pressupostos exigidos pelo n.º 3 do art.º 1980º do Código Civil, e, por isso, a sentença recorrida não incorreu em qualquer erro de facto e de direito.
12. T(…) acompanhou os irmãos no seu processo de aproximação aos Recorrentes e ficou aos seus cuidados a partir de 16 de Outubro de 2018, perspectivando-se a sua integração na família dos Recorrentes, a manutenção do vínculo afectivo entre irmãos e a criação de condições para o apadrinhamento civil.
13. Quando tal aconteceu, T(…) já tinha mais de 15 anos (15 anos, 11 meses e 28 dias), estando a dois dias de completar 16 anos.
14. Acresce que, a atribuição da confiança administrativa aos Recorrentes, não chegou a ser formalizada pelo Organismo da Segurança Social.
15. Nem em 16 de Outubro de 2018 (data em que, segundo os Recorrentes, teve lugar a confiança administrativa) estavam reunidos os pressupostos definidos pela lei, no Regime Jurídico do Processo de Adopção, para a sua atribuição, pois não ocorreu qualquer decisão jurisdicional prévia a essa data que tivesse atribuído aos Recorrentes o exercício das responsabilidades parentais relativas à jovem.
16. A atribuição do exercício das responsabilidades parentais apenas ocorre desde 13.02.2020 (a 8 meses de perfazer 18 anos), data em foi homologado o compromisso de apadrinhamento civil, uma vez que só nesta data se poderá afirmar que ao casal foi atribuído o exercício das responsabilidades em sede de providência tutelar cível.
17. Ademais, o tribunal, consultado nos termos do n.º 6 do art. 36º do RJPA, entendeu ser desfavorável ao superior interesse da T(…)a atribuição da confiança administrativa.
18. A interpretação dos Recorrentes, ao considerarem preenchidos todos os pressupostos da confiança administrativa, com a “confiança” da T (…) em 16-10-2018, não tem apoio nas normas disciplinadoras do instituto da adopção, concretamente o Regime Jurídico do Processo de Adopção, fazendo tábua rasa do preceituado nos art.º 34.º, n.º 2, al. b) e 36.º, n.º 8, al. a), pois se algo, in casu, se poderia invocar seria o conceito de guarda de facto (cfr. al. i) do art.º 32.º) e mesmo esta confiança de facto, ocorreu em idade superior a 15 anos ( com 15 anos, 11 meses e 28 dias);
19. Não houve erro grosseiro da Equipa da Adopção ao propor a cessação da medida de adoptabilidade da T (…)e ao considerar não ser juridicamente possível a sua adopção, em virtude de a mesma ter completado 15 anos de idade integrada na instituição, onde foi acolhida em 28 de Outubro de 2013.
20. Foi pensando no superior interesse da T (…) e dando voz ao seu desejo de alteração da medida, pois sentia-se aprisionada num projecto que não desejava, que a Equipa do CDSS de Coimbra veio propor a alteração da medida. A equipa da Segurança Social e o tribunal, no âmbito do Processo de Promoção e Protecção, perspectivaram para a T (…) um projecto de vida que, com respeito pela lei em vigor e pelo seu superior interesse, permitiu à jovem ser cuidada por uma família e manter a proximidade aos irmãos. Daí que se tenha permitido que a T(…) acompanhasse os irmãos em 16 de Outubro de 2018 e que se tenha trabalhado para criar as condições para o apadrinhamento civil, o qual veio a ser homologado em 13 de Fevereiro de 2020.
21. A sentença recorrida não fez prevalecer a forma sobre a substância, não viola o direito à família, à infância e à juventude.
22. Tais direitos não foram nem são negados à jovem T (…) que através do apadrinhamento civil viu assegurada a sua integração numa família e a manutenção de vínculos afectivo (necessários ao seu bem-estar e desenvolvimentos) com os Recorrentes (a quem cabem os poderes deveres próprios dos pais) e com os irmãos.
23. A sentença recorrida limita-se a respeitar e aplicar a lei vigente.
24. Não cabe aos tribunais legislar, mas apenas julgar com respeito pela constituição e pela lei.
25. Na administração da justiça, o juiz não pode exorbitar dos poderes de interpretação da lei por forma a contrariar o seu espirito ou a inovar contra a lei expressa.
26. No caso dos autos, não estamos perante uma lacuna legal, que permita o recurso à analogia, porquanto o legislador foi bem claro ao definir a situações excepcionais que cabem no nº 3 do art.º 1980º, bem como os requisitos para atribuição da confiança administrativa.
27. O facto de estarmos no âmbito da jurisdição voluntaria não permite ao julgador interpretar as normas legais em termos mais extensivos ao ponto de na norma integrar o que a sua letra não consente.   
28. A sentença recorrida fez adequada interpretação do disposto nos art. 1980º n.º 3 do Código Civil, 3º, 34º e 36º do Regime Jurídico do Processo de Adoção, 3º n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, art. 4º da Lei de Promoção e Proteção das Crianças e Jovens em Perigo, art 13º, 36º, 67º e 70º da Constituição da República Portuguesa.


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Questões suscitadas pelo recurso:

A questão essencial suscitada apelo recurso é a de saber se, ao indeferir liminarmente o pedido de adopção, a decisão recorrida violou o artigo 1980.º n.º 3 do Código Civil, as normas do artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, do artigo 4.º alínea a) da Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo, artigo 3.º alínea a) do Regime Jurídico do Processo de Adopção e ainda os artigos 13.º (princípio da igualdade), 36.º e 67.º (direito à família), 70.º (direito à juventude) e 69.º, todos da Constituição da República Portuguesa.


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Factos relevantes para a decisão do recurso:

Visto que estamos perante uma decisão de indeferimento liminar da petição, os factos relevantes para a decisão do recurso são constituídos pelos que foram narrados na petição. É perante eles que cabe sindicar a legalidade da decisão recorrida quando entendeu que era manifesta a falta de preenchimento dos pressupostos de prosseguimento da acção.


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Posto isto, passemos à resolução das questões suscitadas pelo recurso.

Como se escreveu atrás, a questão essencial suscitada pelo recurso é a de saber se, ao indeferir liminarmente o pedido dos requerentes, a decisão sob recurso violou os preceitos indicados pelos recorrentes, concretamente: o n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil, a violação do artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, o artigo 4.º alínea a) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, o artigo 3.º, alínea a) do Regime Jurídico do Processo de Adopção e ainda dos artigos 13.º, 36.º, 67.º, 70.º e 69.º da Constituição da República Portuguesa.

E em resposta a esta questão devemos começar por dizer o seguinte.

Considerando que resulta das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 639.º do CPC que só tem sentido imputar à decisão recorrida a violação das normas que tenham constituído fundamento jurídico do que foi decidido por ele, só tem sentido imputar à decisão a violação do artigo 1980.º do Código Civil, pois foi o único preceito da lei substantivo que serviu de fundamento ao indeferimento liminar da petição.

Quanto aos demais preceitos, o mais que se pode dizer, segundo a lógica da argumentação dos recorrentes, é que eles impunham, primeiro uma interpretação diferente do n.º 3 do artigo 1980.º, do Código de Civil, e em segundo lugar, o prosseguimento da acção.

Pelas razões a seguir expostas, não procede contra a decisão a alegação de que ela violou o n.º 3 do artigo 1980.º nem procedem contra ela os argumentos que, ancorados nos restantes preceitos, levam os recorrentes a pedir a revogação da decisão, com o consequente prosseguimento da acção.

Comecemos pela questão da violação do n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil.

Ao indeferir liminarmente o requerimento inicial com os fundamentos acima expostos, a decisão recorrida laborou com base na seguinte interpretação do n.º 3 do artigo 1980.º sobre quem pode ser adoptado ao abrigo dele:
1. Que tenha idade inferior a 15 anos de idade à data do requerimento de adopção;
2. Que tenha sido confiado ao adoptante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.

Ao invés, a pretensão dos recorrentes assenta na seguinte interpretação do mesmo preceito, quanto à questão da idade e da situação de confiança:
1. Quanto à idade, ele consente a adopção de quem tenha mais de 15 anos à data do requerimento da adopção, embora menos de 18;
2. Quanto à situação de confiança, consente a adopção de quem tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles, desde idade não superior a 15 anos, ainda que a confiança não tenha sido atribuída em execução de decisão, do organismo de segurança social, de confiança administrativa ou em execução da medida de promoção e protecção de confiança com vista à adopção.

Nesta querela interpretativa, o entendimento deste tribunal é o seguinte:
1. O n.º 3 do artigo 1980.º consente a adopção de quem tenha mais de 15 anos à data do requerimento da adopção e menos de 18 e não se encontre emancipado; 
2. Ao abrigo do mesmo preceito só pode ser adoptado quem tenha sido confiado ao adoptante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.

Vejamos.

Sobre a questão da idade:

O n.º 2 do artigo 1980.º traça a seguinte regra quanto à idade de quem pode ser adoptado: só está em condições de ser adoptado quem tiver menos de 15 anos à data do requerimento de adopção, ou seja, quem, à data do requerimento apresentado pelo adoptante junto do tribunal competente, ainda não tiver completado 15 anos de idade.

O n.º 3 do mesmo preceito estabelece, no entanto, a seguinte excepção a esta regra: pode ser adoptado quem, à data do requerimento tenha mais de 15 anos e menos de 18 e não se encontre emancipado, quando:
1. Desde idade não superior a 15 anos tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles; ou
2. For filho do cônjuge do adoptante.

Em conclusão: o n.º 3 do artigo 1980.º consente que seja adoptado quem, à data do requerimento de adopção, tiver 15 anos ou mais, mas menos de 18 e não se encontre emancipado.

Visto que, em 23 de Setembro de 2020, data em que os requerentes apresentaram em juízo o pedido de adopção, T(…) ainda não havia feito 18 anos de idade [só os viria a perfazer em 18 de Outubro de 2020] a mesma reunia uma das condições para ser adoptada ao abrigo do n.º 3 do artigo 1980.º do CC.    

Sobre a questão da situação de confiança do adoptando:

Está em causa a interpretação do seguinte segmento do n.º 3 do artigo 1980.º “… tenha sido confiado aos adotantes ou a um deles…”.

Tendo em conta os elementos que, segundo o artigo 9.º do Código Civil, guiam o julgador na interpretação da lei, devemos começar por dizer que, partindo do texto do n.º 3 do artigo 1980.º, não é de excluir a interpretação que lhe é dada pelos recorrentes. Com efeito, no texto “tenha sido confiado aos adoptantes”, tanto cabe o sentido “… tenha sido confiado aos adoptantes mediante confiança administrativa ou medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção”, como o sentido “tenha sido confiado de facto aos adoptantes, mediante confiança administrativa ou medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção ou mediante medida de promoção e protecção de confiança pessoa idónea…”.

Sucede que, como se afirma no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

Ora tendo em conta as circunstâncias em que a lei foi elaborada, designadamente a história dos preceitos sobre quem pode ser adoptado, e a unidade do sistema jurídico, é de afirmar que o sentido do texto que corresponde ao pensamento legislativo é o que lhe foi dado pelo tribunal a quo.

Comecemos pelo elemento histórico, percorrendo a evolução da lei sobre quem pode ser adoptado desde a reforma do Código Civil efectuada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro [entrada em vigor em 1 de Abril de 1978] até à última alteração introduzida no regime jurídico da adopção efectuada pela Lei n.º 143/2015, de 8 de Setembro

Após a reforma do Código Civil efectuada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, a resposta à questão de saber quem podia ser adoptado plenamente era dada pelo artigo 1980.º nos seguintes termos:
1. Podem ser adoptados plenamente os menores filhos do cônjuge do adoptante ou de pais incógnitos ou falecidos, os menores judicialmente declarados abandonados e ainda os que há mais de um ano residam com o adoptante e estejam a seu cargo.
2. O adoptando deve ter menos de 14 anos de idade; poderá, no entanto, ser adoptado o menor de dezoito anos não emancipado, quando desde idade não superior a catorze tenha estado, de direito ou de facto, ao cuidado dos adoptantes ou de um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante.

Como se vê pela transcrição que se acaba de fazer, a lei dava relevância à mera situação de facto estabelecida entre o adoptante e o adoptando, consentindo a adopção de menores com menos de 14 anos de idade que há mais de um ano residissem com o adoptante e estivessem a seu cargo e a adopção de menor de dezoito anos não emancipado, quando desde idade não superior a 14 tivesse estado ao cuidado de facto dos adoptantes ou de um deles.

Com a alteração do regime da adopção saída do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio, o artigo 1980.º do Código Civil, passou a ter a seguinte redacção:
1. Podem ser adoptados plenamente os menores filhos do cônjuge do adoptante e aqueles que tenham sido confiados, judicial ou administrativamente, ao adoptante;
2. O adoptante deve ter menos de 15 anos à data da petição judicial de adopção; poderá, no entanto, ser adoptado quem, a essa data, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado, quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante.

Como se vê também pela transcrição efectuada, a nova redacção do preceito deixou de fazer qualquer referência aos menores que tenham residido com o adoptante e estivessem a seu cargo, bem como aos menores que tenham estado ao cuidado de facto dos adoptantes ou de um deles.

E a explicação para esta omissão colhe-se com clareza na alínea b) do artigo 2.º da Lei n.º 2/93 de 6 de Janeiro, que autorizou o Governo a modificar o regime da adopção, e ao abrigo do qual foi editado o Decreto-Lei n.º 185/93. Nos termos desta alínea foi propósito do legislador rever as condições em que se podia ser adoptado, passando a exigir-se como pressuposto necessário da adopção, excepto em relação a filho do cônjuge do adoptante, a confiança judicial ou administrativa do menor, de modo a tornar mais seguro todo o processo.

Assim, com a alteração ao regime da adopção saída do Decreto-Lei n.º 85/93, ficou claro que, salvo nos casos em que a criança fosse filha do cônjuge do adoptante, só podia ser adoptada a criança que tivesse sido confiada ao adoptante por decisão judicial ou decisão administrativa. A mera confiança de facto não constituía situação que pudesse evoluir para a adopção. Quis-se, nas palavras da lei, “tornar mais seguro todo o processo”. Com efeito, ao exigir-se que, salvo nos casos em que a criança fosse filha do cônjuge do adoptante, só pudesse ser encaminhado para a adopção a criança que tivesse sido confiada ao cuidado do adoptante com base em decisão dos organismos da segurança social ou do tribunal, introduzia-se inequivocamente certeza numa questão da maior importância no instituto da adopção, que era a de saber quem podia ser adoptado.

Esta solução foi mantida pelo Decreto-Lei n.º 120/98, de 8 de Maio, editado ao abrigo da Lei de autorização legislativa n.º 9/98, de 18 de Fevereiro.

A Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, embora tenha alterado a redacção do artigo 1980.º do Código Civil, manteve a exclusão da mera confiança de facto como situação relevante para o encaminhamento da criança para a adopção.

O sentido da alteração legislativa foi apenas a seguinte: passou a poder ser adoptado não apenas quem tivesse sido confiado ao adoptante mediante confiança administrativa e confiança judicial, mas também quem tivesse sido confiado mediante medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º, e no artigo 38.º-A, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

Por fim, a Lei n.º 43/2015, de 8 de Setembro de 2015, alterou a redacção do n.º 1 do artigo 1980.º do Código Civil. O sentido da alteração foi o seguinte: uma vez que a mencionada Lei eliminou a providência tutelar cível de confiança judicial com vista à adopção, deixou de se fazer referência no n.º 1 do artigo 1980.º à confiança judicial com vista à futura adopção. Em consequência, e como se assinala a exposição de motivos da proposta de Lei que esteve na origem da Lei n.º 43/2015 [proposta de Lei 340/XII], o sistema faz depender o encaminhamento para a adopção unicamente da confiança administrativa ou da medida de promoção e protecção de confiança com vista à adopção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º e no artigo 38.º-A, ambos da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.

Atentemos agora no elemento sistemático ou de unidade da ordem jurídica.

Ter em conta este elemento significa, socorrendo-nos das palavras de Manuel A. Domingues de Andrade, que cada texto legal deve ser “relacionado com aqueles que lhes estão conexos por contiguidade ou por outra causa, tomando o seu lugar no encadeamento de que faz parte” [Sentido e Valor da Jurisprudência, Coimbra 1973, página 28]. E esta relacionamento justifica-se porque, ainda segundo as palavras do mesmo autor, é de presumir que o legislador “tenha seguido uma linha de coerência na execução da sua tarefa; que ele não tenha pensado a lei como puro acervo ocasional de normas justapostas, mas com um sistema devidamente articulado” [obra supracitada página 7].

Entre os textos que estão relacionados com o artigo 1980.º, destacamos, com relevância para a interpretação deste preceito, o texto do artigo 2.º, alínea c), e o do 34.º, ambos do Regime Jurídico do Processo de Adopção, aprovado pelo artigo 5.º da Lei n.º 143/2015 [RJPA] e o texto do n.º 3 do artigo 1979.º do Código Civil.

Destacamos o texto da alínea c) do artigo 2.º do RJPA porque, para efeitos deste regime, considera-se adoptabildiade a situação jurídica da criança beneficiária de uma decisão judicial ou administrativa de confiança com vista à adopção.

Destacamos o texto do artigo 34.º porque ele afirma nas alíneas a) e b) do seu número 1 que a prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adopção depende de prévia declaração de adoptabilidade decidida no âmbito processo judicial de promoção e protecção, mediante decretamento de medida de confiança a que alude a alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, alterada pelas Leis n.º 31/2003, de 22 de Agosto e 42/2015, de 8 de Setembro [alínea a)] ou de prévia decisão de confiança administrativa, reunidos que se mostrem os necessários requisitos [alínea b)].

Como é bom de ver se o artigo 1980.º do Código Civil consentisse na adopção de quem estivesse confiado ao adoptante fora dos casos de confiança administrativa e de confiança mediante medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, seria de esperar, à luz da unidade do sistema jurídica, que tais casos fossem considerados no artigo 34.º do RJPA. Como o não foram, é de entender, à luz da unidade da ordem jurídica, que só pode ser adoptado quem tenha sido confiado mediante confiança administrativa ou medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.

Quanto ao texto do n.º 3 do artigo 1979.º destacamo-lo porque nele se afirma que só pode adoptar quem não tiver mais de 60 anos à data em que a criança lhe tenha sido confiada, mediante confiança administrativa ou medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura a adopção.

Resulta deste texto que a delimitação das pessoas que podem adoptar é feita com base no critério da idade do adoptante, à data em que a criança lhe tenha sido confiada, e que a situação de confiança relevante é a que se baseia na confiança administrativa ou em medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.

Em síntese: quando o n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil fala naquele que “… tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles”, tem em vista a confiança prevista na alínea a) do n.º 1 ou seja, a confiança mediante decisão administrativa [que se refere o artigo 36.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção] ou a confiança mediante medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, a que se referem os artigos 35.º, n.º 1 alínea g) e 38.º-A da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em perigo. Fora do alcance do preceito, estão as situações de confiança de facto ou as situações de confiança baseadas na medida de promoção e protecção de confiança a pessoa idónea prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP.

A favor desta interpretação cita-se, na doutrina, Ana Rita Alfaiate que, em anotação ao artigo 1980.º do Código Civil, escreve em relação ao n.º 3: “entende-se que a confiança de que fala a este propósito, da adoção de crianças entre os 15 e os 18 anos, confiadas antes dos 15, é a confiança administrativa ou a confiança com vista a futura adoção” [Código Civil Anotado, Livro IV, Direito da Família, Almedina, página 1020].

Quanto a decisões judiciais sobre a interpretação do n.º 3 do artigo 1980.º citamos o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 8-06-2017, no processo n.º 4692/16.0T8VFX.L1.8, publicado em www.dgsi.pt. Tal decisão, apesar de ter afirmado que “Só releva para efeitos do alargamento da idade do adoptado a confiança da criança nos termos previstos no n.º 1, alínea a) do artigo 1980”, acabou por confirmar a decisão proferida em 1.ª instância que havia decretado a adopção de uma criança que havia sido confiada administrativamente aos requerentes com idade superior a 15 anos, embora estivesse confiada à requerente da adopção desde os três anos de idade.

Apreciemos, de seguida, os argumentos dos recorrentes que, ancorados nos restantes preceitos, os levam a pedir a revogação da decisão, com o consequente prosseguimento da acção.

 Comecemos pela alegação de que, ao considerar que a jovem T(…) não foi confiada ao casal, mediante confiança administrativa, como exige o artigo 36.º do RJPA, e ao considerar que não foi confiada ao casal, mediante medida de promoção e protecção com vista a futura adopção, tendo passado a residir com o casal quando vigorava a medida aplicada de acolhimento residencial e posteriormente medida de confiança idónea, a decisão recorrida violava o princípio da substância sobre a forma, ignorando, por completo, a situação de facto existente, a qual era em tudo igual à situação dos irmãos A (…) e D (…).

Em primeiro lugar, a alegação dos recorrentes labora com base em premissas que não são exactas. Assim, não é exacto que a situação de facto de T (…) seja em tudo igual à situação dos irmãos A (…) e D (…). Com efeito, como alegam os próprios recorrentes, se, num primeiro momento, que se situa em 30.11.2015, a situação de T (…) e dos irmãos era igual visto que lhes foi aplicada a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, num segundo momento, que se situa em 19 de Janeiro de 2018, a situação deixou de ser igual. Nessa altura, a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção aplicada a T (…) foi substituída pela medida de acolhimento residencial prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP, ao passo que se manteve a medida aplicada aos irmãos. E mais tarde, 18 de Junho de 2019, ao ser aplicada a T (…) a medida de confiança a pessoa idónea, no caso aos ora recorrentes, a situação continuou a ser desigual. Como continuou a ser desigual a partir de 13 de Fevereiro de 2020 data em que foi homologado o compromisso de apadrinhamento civil de T (…), sendo padrinhos os ora recorrentes.

Em segundo lugar, o denominado princípio da substância sobre a forma não faz parte dos princípios a que, segundo o artigo 3.º do RJPA, obedece a intervenção em matéria de adopção, e também não figura entre os requisitos gerais da adopção enunciados no artigo 1974.º do Código Civil. O princípio da prevalência da substância sobre a forma vale essencialmente no domínio da contabilidade e do direito fiscal, querendo significar, no domínio da contabilidade, que “as operações devem ser contabilizadas atendendo à sua substância e à realidade financeira e não apenas à sua forma legal” e no domínio do direito fiscal que a tributação deve ser feita de acordo com as normas aplicáveis aos negócios ou actos que correspondam à substância ou realidade e não segundo os nomes que os contribuintes dão aos seus actos.

A alegação de que a decisão recorrida procedeu a à interpretação do n.º 3 do artigo 1980.º em desconformidade à Constituição da República Portuguesa [CRP], por não obedecer e não respeitar o superior interesse da criança, também não colhe.

Em primeiro lugar não resulta de nenhum preceito da Constituição indicado pelos recorrentes, mais concretamente dos artigos 36.º (sobre família, casamento e filiação), 67.º (sobre protecção da família), 69.º (sobre protecção da infância) e 70.º (sobre a juventude) que a única medida adequada a proteger as crianças ou os jovens privados de um ambiente familiar normal seja a sua adopção, como não resulta de tais preceitos que, numa situação como a dos autos, a única medida capaz de proteger T(…) e de lhe assegurar um ambiente familiar normal seja a adopção.

Como escrevem J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação ao artigo 69.º da Constituição da República, “A Constituição coloca na liberdade de conformação do legislador a diversificação de situações relativas à criança em risco («criança em situação de perigo», «criança em situação de para-delinquência», criança com comportamentos delinquentes») e a modelação de medidas segundo padrões etários”.

Em segundo lugar, se é verdade que a adopção goza de protecção no n.º 7 do artigo 36.º da CRP, ao dispor que a adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação, também é verdade, como escrevem Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira que “... o legislador constitucional deixou ao legislador ordinário a conformação legal da adopção e os termos em que ela é protegida, ressalvado naturalmente o núcleo essencial da instituição” [Curso de Direito de Família, Volume II, Tomo I, Coimbra Editora, página 298].

Ora não se vê que a restrição da adopção às crianças que tenham sido confiadas administrativamente ao candidato a adoptante ou lhe tenha sido confiada mediante medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, viole o núcleo essencial da adopção.

Também não vale contra a decisão o argumento de que o processo de adopção é um processo de jurisdição voluntária, razão pela qual o tribunal não estaria sujeito à observância rigorosa do direito aplicável, não devendo restringir a interpretação do n.º 3 do artigo 1980.º, na parte em que alude à confiança, como sendo apenas a confiança prevista no disposto no n.º 1 do mesmo preceito legal.

É exacto que o processo judicial de adopção tem natureza de jurisdição voluntária, sendo-lhe aplicáveis as correspondentes normas do Código de Processo Civil [artigo 31.º do Regime Jurídico do Processo de Adopção], como é exacto que, segundo o artigo 987.º do CPC, nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.

Porém, já não é exacta a conclusão que os recorrentes retiram destas duas alegações, ou seja, que, na interpretação do n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil, na parte em que alude à confiança aos adoptantes, o tribunal podia não restringir a confiança prevista no disposto no n.º 3 à confiança prevista no n.º 1.

A circunstância de um processo ser de jurisdição voluntária não tem relevância como elemento de interpretação da lei. Os elementos a que o julgador deve atender na interpretação são aos indicados no artigo 9.º do Código Civil. A relevância da jurisdição voluntária faz-se sentir, além do mais, no critério da decisão, o qual poderá ser o da equidade em vez do da estrita legalidade.

 E assim, se não existissem limites ao poder de julgar segundo a equidade, o que a jurisdição voluntária permitiria ao tribunal era a constituição do vínculo da adopção em relação a quem não estivesse nas condições previstas no artigo 1980.º do Código Civil.

Sucede que o poder de julgar segundo a equidade tem limites. Socorrendo-nos das palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “a prevalência da equidade sobre a legalidade estrita, nas providências que o tribunal tome, não vai obviamente ao ponto de se permitir a postergação das normas imperativas aplicáveis à situação” [Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, página 67, nota 2].

É precisamente o que se passa com as normas constantes do artigo 1980.º do CC sobre quem pode ser adoptado. Tais normas revestem natureza imperativa, razão pela qual a decisão sobre quem pode ser adoptado não está sujeito à equidade, nem a critérios de conveniência ou oportunidade. Em consequência está vedado ao tribunal decretar a adopção de quem não reúna as condições previstas em tal preceito, invocando razões de equidade, conveniência ou oportunidade.

Contra a decisão também não vale o argumento de que, ao indeferir liminarmente a petição, a decisão recorrida violou o superior interesse da jovem T (…).

É exacto que a adopção visa realizar o superior interesse da criança [parte inicial do n.º 1 do artigo 1974.º do Código Civil] e que um dos princípios orientadores da intervenção em matéria de adopção é o princípio do interesse superior da criança [alínea a) do artigo 3.º do RJPA] e que, segundo o artigo 3.º, n.º 1, da Convenção Sobre os direitos da Criança “Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”.

Sucede que a questão de saber se a adopção realiza o superior interesse da criança só se colca em relação às crianças que, segundo o artigo 1980.º, podem ser adoptadas. E assim, no caso, teria sentido questionar a decisão à luz do superior interesse da criança se esta estivesse em condições de ser adoptada ao abrigo do n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil, o que não sucede.

Contra a decisão também não vale o argumento de que a T (…) sempre manifestou vontade de ser adoptada pelo casal, em condições semelhantes à dos seus irmãos.

E não vale pelo seguinte.

Embora a vontade da criança seja atendível no processo de adopção, por força do princípio da audição obrigatória da criança, o qual implica que a criança, tendo em atenção a sua idade, grau de maturidade e capacidade de compreensão, deva ser pessoalmente ouvida no âmbito do processo de adopção [alínea c) do artigo 3.º do RJPA] e apesar de a adopção depender do consentimento do adoptando maior de 12 anos [alínea a), do n.º 1 do artigo 1981.º do CC], não basta a vontade da criança, ainda que privada de um ambiente familiar normal, para o tribunal decretar a adopção.

Além de só poder ser adoptado quem reúna as condições previstas no artigo 1980.º do Código Civil, é ainda necessário, agora por aplicação do n.º 1 do artigo 1974.º do mesmo diploma, que a adopção apresente reais vantagens para o adoptando, se funde em motivos legítimos, não envolva sacrifício injusto para os outros filhos do adoptante e seja razoável supor que entre o adoptante e o adoptando se estabelecerá um vínculo semelhante ao da filiação.

Contra a decisão também não vale o argumento de que, ao negar à jovem T (…) a adopção com base em critérios puramente formais e excessivamente burocráticos, violou o princípio da igualdade face aos seus irmãos A (…) e D (…), criando uma enorme desigualdade nesta fratria que apresenta grandes laços afectivos que os acompanharão para o resto das suas vidas.

Antes de mais deve dizer-se que o princípio da igualdade enunciado no artigo 13.º da CRP não proíbe o legislador nem os tribunais, nas decisões que proferirem, de tratarem de maneira diferente o que é diferente, nem proíbe o legislador de estabelecer diferenças de tratamento para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. O que o princípio da igualdade proíbe são diferenças de tratamento baseadas nalguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 13.º ou injustificadas.

Partindo desta interpretação do artigo 13.º da CRP, a decisão sob recurso seria passível de ser acusada de violar o princípio da igualdade se estivessem reunidas as seguintes condições:
1. Em primeiro lugar, se a situação de T (…) fosse igual à dos outros dois irmãos, A (…) e D (…)
2. Em segundo lugar, se, perante essa mesma situação, a decisão recorrida tivesse aplicado a lei com um sentido à situação de T (…) e com um sentido diferente à situação de A (…) e D (…)

Nenhuma destas condições está verificada.

Em primeiro lugar, a situação de A (…) e D (…) é substancialmente diferente da de T (…), quer no diz respeito à idade de cada um deles, quer no que diz respeito às medidas de promoção e protecção que lhe foram aplicadas.

Em segundo lugar, a decisão recorrida não se pronunciou sobre a situação de A (…) e D (…). Assim sendo, não se vê como se pode sustentar que a decisão criou uma situação de desigualdade entre, por um lado, T (…), e por outros, os seus irmãos A (…) e D (…)

Em síntese: a interpretação do n.º 3 do artigo 1980.º, no segmento que alude a quem “tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles” não merece qualquer reparo.

Considerando esta interpretação e o facto de T (…) não ter sido confiada aos requerentes mediante confiança administrativa ou mediante a medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, a família de acolhimento ou instituição com vista à futura adopção, não merece qualquer quer reparo a decisão de indeferir liminarmente a petição. Com efeito, segundo o n.º 1 do artigo 590.º do CPC – aplicável ao processo judicial de adopção por remissão do artigo 6.º da Lei n.º 143/2015, que aprovou o Regime Jurídico do processo de Adopção - um dos casos em que há fundamento para indeferir liminarmente a petição inicial é o do pedido ser manifestamente improcedente. Ora se segundo a lei só podem ser adoptadas crianças que tenham sido confiados aos candidatos a adopção mediante confiança administrativa ou medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção e se T(…) não foi confiada aos requerentes do processo de adopção ao abrigo de nenhuma destas decisões e se a não verificação desta condição não é susceptível de ser suprida é de concluir que o pedido é manifestamente improcedente.


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Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando o n.º 1 (1.ª parte) e o n.º 2 do artigo 27.º do CPC e o facto de os recorrentes terem ficado vencidos no recurso, condenam-se os mesmos nas respectivas custas.

Coimbra, 25 de Janeiro de 2021

Emídio Santos ( Relator)

Catarina Gonçalves

Maria João Areias