Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERNANDO MONTEIRO | ||
Descritores: | INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO EMENDA DA PARTILHA NA FALTA DE ACORDO PRAZO CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL COMUM EM PRÉDIO DE UMA DAS PARTES ERRO NA DESCRIÇÃO DO IMÓVEL | ||
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Data do Acordão: | 11/21/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE POMBAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 662.º, 1, DO CPC | ||
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Sumário: | I - De acordo com o disposto no artigo 70 do Regime Jurídico do Processo de Inventário (Lei n.º 23/2013), a partilha, ainda que a decisão se tenha tornado definitiva, pode ser emendada no mesmo inventário se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes. Na falta de acordo, a emenda pode ser pedida em ação proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à decisão. A demonstração do conhecimento posterior à decisão fica a cargo do autor e a demonstração do decurso do prazo de um ano sobre esse conhecimento fica a cargo do réu, neste caso por se tratar de matéria de exceção perentória. II - Se a construção da casa comum foi feita em prédios de uma das partes, aquela não deverá ser descrita como prédio urbano comum, mas sim como benfeitoria comum em prédio próprio ou como direito de crédito daqueles que realizaram a construção. Tendo sido descrita como prédio urbano, ocorre então um erro na qualificação do bem, suscetível de viciar a vontade das partes, sendo certo que a benfeitoria será adjudicada ao dono dos prédios melhorados, a quem caberá ressarcir o outro da despesa realizada. | ||
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Decisão Texto Integral: | (…) * Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: AA instaurou ação contra BB, pedindo a emenda da partilha efetuada no inventário nº 2...0/17, relativamente à verba nº 24. Para tanto alegou em síntese: No inventário para separação de meações entre autora e réu, a partilha foi homologada por sentença transitada em julgado; Na relação de bens foi relacionado sob a verba 24 o prédio urbano sito na Rua ..., lugar de ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... ...66, omisso na Conservatória do Registo Predial ..., com área total de 1.820 m2. Tal verba foi adjudicada ao réu e a autora receberia tornas. A 25 de Julho de 2019, depois do trânsito da sentença homologatória da partilha, a autora comunicou ao aqui mandatário que a verba 24, constituindo a casa morada de família, tinha sido edificada em dois prédios rústicos de sua propriedade, adquiridos por inventário e doação de seus pais, ficando a saber que tais prédios foram transmitidos ao réu, indevidamente, por não serem comuns. A autora, se tivesse conhecimento ou representasse que a verba 24 incluía os dois imoveis rústicos de sua propriedade, teria feito a competente reclamação à relação de bens e nunca acordaria que os seus imóveis rústicos se transmitissem ao seu ex-marido. Foi o seu ex-marido que apresentou a relação de bens, o qual sabia que a autora acordou sem o esclarecimento de que os seus dois imóveis rústicos lhe estavam a ser transmitidos. O valor acordado a título de tornas também está viciado na vontade da autora, uma vez que não estava a representar que os dois imoveis rústicos de sua propriedade estavam a ser transmitidos ao réu. A partilha não pode subsistir do modo como a verba 24 da relação de bens foi relacionada; sendo a construção urbana um bem comum, edificada sobre os imoveis rústicos propriedade da autora, deve ser relacionada como benfeitoria. Contestou o Réu, em síntese: O que a autora pretende é uma nova partilha e na ação de emenda não está em causa qualquer reapreciação crítica dos atos praticados no decurso do inventário, mas tão só apurar se um ato, especifico do processo padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas nos artigos 1386º e 1387º do CPC. Tratando-se de um facto pessoal da autora, esta tinha obrigação de o conhecer, e conhecia desde 2010. O réu sempre esteve convicto de que os referidos prédios também eram dele, tendo no final do ano de 1981, ainda no estado de solteiro, iniciado a construção da dita habitação, sabendo agora, quanto ao prédio rustico nº ...42, que lhe tinha sido verbalmente doado a si e à sua na altura namorada, pelo pai desta. Quanto ao artigo rustico com o nº 31449, também o réu sempre esteve e está convicto lhe pertencer, porquanto foi o réu e a autora que em última análise o compraram, como a autora bem sabe. Invoca ainda o réu a usucapião dos mesmos. Realizado o julgamento, foi proferida decisão a julgar a ação improcedente e a absolver o réu de todos os pedidos contra si formulados. * Inconformada, a Autora recorreu e apresenta as seguintes conclusões: Este recurso é consequência de um acórdão proferido por este soberano TRC que entendeu que haveria de julgar alguns factos de importância para a boa decisão da causa esclarecendo o verdadeiro estatuto da construção (e seus pressupostos de facto), esta foi adjudicada ao R e levaria consigo (indevidamente) os prédios rústicos (pretensamente) da autora, algo que esta diz nunca representou no acordo. 2º O erro é sobre a qualificação do bem facto, e foi suscetível de viciar a vontade das partes, pois que o seu destino seria outro e o réu teria apenas direito de crédito, que o Réu questionou o momento do conhecimento do erro da autora e a propriedade dos terrenos rústicos, alegando que estes são também seus, por doação compra e usucapião 3º Que estes factos não foram apurados e o processo teria de prosseguir para apurar como ocorreu tal conhecimento e tal aquisição, sendo que feito o julgamento foram tomadas as declarações de parte á autora e inquiridas duas testemunhas, uma da autora e outra do Réu para as “questões a resolver” fixadas pelo tribunal “a quo” como temas de prova - do momento do conhecimento do erro invocado pela autora - da aquisição da propriedade dos terrenos rústicos pelo réu, por doação, compra e Usucapião 4º A acção foi novamente improcedente, depois da valoração da matéria de facto provada e não provada: Factos não provados 10) A reclamação á relação de bens no inventário não contemplou o teor e a forma como o referido imóvel urbano foi relacionado, porque desconhecia, que o seu imóvel urbano estava edificado sobre os dois imoveis rústicos, apenas de sua propriedade 11) A 25 de Julho de 2019, depois do transito da sentença homologatória da partilha a autora comunicou ao seu mandatário, que a verba relacionada sob o nº24 constituindo casa morada de família, tinha sido edificada em dois prédios rústicos de sua propriedade e que só agora tomou conhecimento que os dois imoveis rústicos que lhe haviam sido adjudicados por doação e partilha, foram agora transmitidos ao réu no âmbito do referido inventário. 12) Se a autora tivesse o conhecimento ou representasse que o teor como a verba 24 foi descrita, na relação de bens, incluía os seus dois imoveis rústicos, de sua propriedade teria feito a competente reclamação á relação de bens e nunca teria transigido nos termos que transigiu 13) A transmissão dos seus imóveis rústicos ao seu ex-marido nunca foi a vontade da autora no acordo que fez no inventário 14) Foi um sobrinho da autora que lhe explicou a situação dos seus imoveis rústicos 15) A autora se estivesse esclarecida nunca acordaria que os seus imoveis rústicos se transmitissem assim ao marido 16) A autora nunca interiorizou que estava a abrir mão dos seus imoveis rústicos que lhe vieram á posse por seus pais em manifesta transmissão gratuita ao seu ex-marido 17) A autora nunca representou a ideia de que com aquela transação no inventario, iria perder o domínio dos seus imoveis rústicos ...49 e ...42 ambos da freguesia ... 18) Na relação de bens apresentada pelo réu no inventario, se a autora tivesse consciente e presente que a casa morada de família, bem comum a partilhar, tinha sido edificada sobre os seus imoveis, tê-lo-ia comunicado ao seu mandatário. 5º A R 9/12/2019 tinha dado entrada de uma ação de emenda á partilha nos termos do artigo 71º do anterior regime de inventario, instituído pelo DL 23/2013 de 5 de março, no inventario para separação de meações que correu termos, no Cartório Notarial ..., da Dr.ª CC sobre o processo nº 2...0/17, 6º Neste inventario, foi homologada a partilha por sentença transitada, proferida nos autos 1424/19...., a que se requer esta emenda. Neste inventario, exerceu as funções de cabeça-de-casal o Recorrido (doravante RR) porquanto é o mais velho dos ex-cônjuges. 8º O RR CC apresentou a respectiva relação de bens como lhe incumbia, tendo sido relacionado sob a verba 24, o prédio nº ...66..., do ... que não foi reclamada. 9º Houve reclamação a outras verbas e pela resposta, foi pela Sr.ª Notaria ordenada a junção de uma nova relação de bens e a verba 24º ficou inalterada. 10º No dia 29/04/2019, houve acordo de partilha e foram formados dois lotes com o valor total atribuído de 104.000,00€ com a seguinte composição: Lote 1 – Verbas 2 e 4 a que atribuíram o valor global de 2.000,00€ Lote 2 -Verbas 1, 3, 5 a 29 a que atribuíram o valor global de 102.000,00€. 11º O primeiro lote seria adjudicado à R e o segundo lote seria adjudicado ao RR ficando acordado que aquela receberia a título de tornas o valor de 50.000,00€. 12º A partilha foi homologada pelo Tribunal Judicial .... 13º O ora Mandatário conferenciou com a ora R, na preparação técnica da reclamação que veio a apresentar nunca lhe tendo esta dito que o imóvel urbano foi edificado sobre os seus imoveis rústicos. 14º Esta reclamação como se verifica não contemplou no teor e a forma como o referido imóvel foi relacionado, mas tão só o valor que lhe foi atribuído. 15º O mandatário foi notificado da decisão homologatória a 20/05/2019. 16º a 25 de julho de 2019, depois do transito da sentença homologatória da partilha, a R veio ao escritório do mandatário com a alegação de que a verba relacionada sob o nº 24, constituindo casa morada de família, tinha sido edificada em dois prédios de sua propriedade. 17º Estes prédios têm ambos como seu titular a R e possuem o seguinte teor matricial e são os artigos 31449 e 31.442 ambos da freguesia ... que havia recebido por doação e morte de seus pais. 18º Os imoveis foram agora transmitidos ao RR no âmbito do referido inventario onde os mesmos não faziam parte dos bens do casal, a partilhar e constituíam o lastro aonde o imóvel urbano foi edificador. 19º A R acordou em erro uma vez que aqueles dois prédios lhe pertenciam e nunca o artigo 24 da relação de bens apresentada pelo R poderia ter aquela descrição. 20º A moradia, benfeitoria, não foi edificada no terreno de um terceiro, mas sim no terreno da ora R, que adquiriu por doação e partilha por sucessão. 21º Não estamos perante uma acessão imobiliária o imóvel urbano que constitui uma benfeitoria, apenas seria de levar à relação de bens o valor da benfeitoria edificada sobre os bens rústicos propriedade da R, resultando para esta uma divida, no valor de metade ao acervo a partilhar. 22º Neste sentido, “a moradia construída pelos cônjuges no terreno que é bem próprio de um deles constitui benfeitoria” Ac. Do STJ, in C.J., ano I, STJ, 1993, Tomo I, pág. 102 e do TRC in C.J. ano XXIII, 1998, Tomo V, pagina 21. 23º “Constitui benfeitoria e não acessão a construção por ambos os cônjuges de uma casa no terreno de um deles” cit. Ac. da REL de Coimbra, in C.J. ano XXIII, tomo V pág. 21“A lei só atribui à autora da benfeitoria um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada, na impossibilidade de separar a construção do terreno aonde está implantada” Ac. Citado. 25º “No inventário para separação de meações não deve relacionar-se o prédio urbano edificado em tal terreno, mas o valor da construção como divida do cônjuge, propriedade daquele ao património do casal”. 26º “Tendo sido construído por ambos os cônjuges, na constância do matrimónio, um prédio em terreno que é bem próprio de um deles não se verifica a acessão, mas um benefício para o terreno que constitui benfeitoria útil” Cit. Ac. Da Rel. do Porto, sumariado no BMJ nº 430, 1993, pág. 414. 27º “O valor das benfeitorias, constitui um bem a partilhar que não pode ser dissociado do terreno em que se integram” Ac. Citado 28º “Sendo o terreno bem próprio de um dos cônjuges as benfeitorias não são suscetíveis de citação “ Ac. citado. 29º Sendo reconhecido pelos interessados que a benfeitoria, a relacionar, foi construída nos prédios da interessada, ora R, esta sempre será proprietária da mesma, devendo metade do seu valor ao RR. 30º O acordo na conferencia de interessados, do qual resultou a partilha de que se pede a emenda, ocorreu com erro de facto na descrição e qualificação do bem constante do artigo 24 da Relação de bens, que veio a prejudicar patrimonialmente a R. A R se tivesse ciente que a casa morada de família, bem comum a partilhar, tinha sido edificada sobre os seus imoveis, e tal tivesse comunicado ao seu mandatário, a reclamação à referida relação de bens também teria abrangido a verba 24, porquanto esta estava mal relacionada, ou descrita. 32º O valor acordado a título de tornas também está viciado na vontade da R, uma vez que não estava a representar que os dois imoveis rústicos de sua propriedade estavam a ser transmitidos ao RR, e resultou em seu manifesto prejuízo patrimonial 33º A partilha não pode subsistir do modo como a verba 24º da RB foi relacionada, daí que se venha requerer a emenda, a casa morada de família, bem comum, tendo sido edificada sobre os imoveis rústicos propriedade da R, deve ser relacionada como benfeitoria. 34º “Estes erros (na descrição ou na qualificação) operam por si mesmos, isto é, não se torna necessário alegar e provar quaisquer outros requisitos para, com base neles, peticionar a emenda, porquanto viciam gravemente o objeto da partilha que se propõe alcançar” J.A. Lopes Cardoso Partilhas Judiciais Vol. II 4ª Edição 1990 ps.548 a 550. 35º E a R terminou pedindo que a acção fosse julgada procedente e concedida a emenda da partilha. 36º O RR regularmente citados excecionou alegando que a sentença homologatória da partilha tinha sido proferida a 14/05/2019, com transito a 19/06/2019 e que a pretensão deduzida pela autora ofenderia o caso julgado e que esta pretendia era uma nova partilha, concluindo ser a partilha mantida pela forma que foi efetuada. 37º Na decisão ora posta em crise a senhora juíza da como provados os factos sob os números 13º, 22º, da pi, (pontos 11 e 12) da douta decisão. 38º Na motivação da matéria de facto, na sua fundamentação para os factos provados e não provados a senhora juiz refere em sede de julgamento e prestação de declarações de parte que a R declarou que quando fizeram a partilha por divórcio no cartório Notarial que sabia que a casa morada de família que foi adjudicada ao réu tinha sido construída nos terrenos que eram seus. 39º Que essa declaração se encontrava corroborada pelo depoimento da testemunha DD, sobrinho da autora, segundo o qual aquando do acordo de partilha, sabia que os terrenos eram dela. 40º Com respeito pela senhora juíza, neste caso, não nos parece que pelo facto da R saber que a casa morada de família tinha sido edificada sobre dois imoveis rústicos de sua propriedade resulte ter a consciência que com a adjudicação da casa ao seu marido iria ficar sem os seus terrenos. 41º Não resulta qualquer alegação da R ou RR que no acordo de partilha a propriedade dos imoveis rústicos da autora haja sido considerada e que por esse motivo tenha recebido mais em tornas, para compensação da perda dos imoveis. 42º Não houve reclamação á relação de bens por errado relacionamento da verba 24, nem tal foi considerado no acordo de partilha, por razões da experiência comum, tal nunca foi considerado ou se partilhou em consciência. 43º O Tribunal em erro desconsiderou que um facto é a R saber que a casa foi edificada sobre os seus dois imoveis rústicos, outro facto é que pela transmissão da casa perderia a propriedade de tais imoveis. 44º A senhora juiz considerou tais declarações inverosímeis para um homem médio, mas não refere se a R lhe pareceria uma pessoa média e tal estaria dentro da sua compreensão. 45º A R tinha conhecimentos porque havia sido cabeça de casal nos inventários de seus pais, porquanto tal foi apenas um mero posicionamento foi o seu mandatário é que lhe tratou de tudo. 46º Também não colhe o facto de nesta partilha perante Notário ter estado acompanhada de advogado este poderia ter-lhe dito da possibilidade de ficar com a casa. 47º Tudo isto são meras conclusões da senhora juíza sem qualquer suporte factual ou documental e dentro de um quadro de considerações vagas e imprecisas que não derrogam o cerne da questão, saber, se há altura da partilha com a adjudicação da casa ao RR a R tinha consciência que iria perder os seus dois imoveis rústicos. 48º Desconsiderando que no acordo de partilhas nada ficou escrito em relação a uma compensação por o RR levar os dois imóveis rústicos propriedade da R. 49º A senhora juiz só chegou a estas conclusões porquanto da forma como conduziu a tomada de declarações, não pretendeu saber ou que lhe fosse explicado quando tomou a R conhecimento que com a transmissão da casa morada de família, ao seu marido também perderia a propriedade dos seus terrenos. 50º A senhora juiz começa por perguntar se na altura da partilha sabia se a casa tinha sido construída sobre os seus terrenos? Obviamente que a R sabia tal. 51º Mas o que se pretendia esclarecer era saber quando a R tomou conhecimento que com a adjudicação da casa ao marido perderia também os terrenos. 52º A tomada de declarações destina-se a melhor explicitação dos factos já alegados e foi a forma como foram colocadas as questões que levaram a que a senhora juíza induzisse, involuntariamente, a R em erro, por confusão e limitações ao entendimento. 53º A senhora juíza tomava declarações de parte e não depoimento de parte. 54º O senhor Juiz da análise quer da prova documental quer testemunhal impunha-se outra análise critica. 55º Factos não provados mas que deveriam ser dados como provados: Pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, a folhas 7 e 8 da decisão. 56º IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: – Gravação da prova O senhor juiz não valorou devidamente as declarações de parte da autora/ recorrente. A GRAVAÇÃO DA PROVA – com referência em acta - artigo 155º do CPC. Declarações registadas em CD, dia 15/02/2023 de 10:50h” a 12:01h (155º do CPC) (10:58h) “…desde 1980 sabia que a casa tinha sido construída nos terrenos que meu pais me deram “. (11:10h) “ ..na partilha não se falou em terrenos..(11:19h) …. “Sabia que os terrenos eram meus”… (11:30h) … Nunca disse ao meu advogado que a casa tinha sido construída em terrenos meus …… (11:32h)…... nunca fiquei ciente que a casa indo para o seu marido também iriam os terrenos …..11:33h ….apenas em Julho de 2019 vim ter com o Dr depois de um jantar com o meu sobrinho que me explicou a perda dos terrenos….. 11:45h … nunca teria feito o acordo se soubesse que com a transmissão da casa se transmitiam os meus terrenos …. Critica: Do depoimento de parte da R se aquilata uma absoluta falta de conhecimento e discernimento para as questões prediais acresce que as 11:11h a instancias da senhora juíza ao contraria do que se terá apreendido pelo tribunal, a R nunca quis dizer que não pretendia ficar com os terrenos da casa, apenas disse não, ao que a senhora juiz estava a sugerir, perguntando. 57º A senhora juiz não valorou devidamente o depoimento da testemunha DD (presta depoimento a todos factos). A GRAVAÇÃO DA PROVA – com referência em acta - artigo 155º do NCPC. Depoimento registado em CD, 15/02/2023 de 12:04h a 12:43h (155º do CPC) (12:08h) “… a minha tia não tem qualquer noção como as coisas funcionam mas sempre soube que os terrenos eram dela ….(12:09h) … a minha tia é agricultora e cozinheira e não percebe nada de prédios …… (12:11h)…a Julho de 2019 num aniversario de meus filhos estive-lhe a explicar que pelos documentos tinha perdido os prédios…..(12:12h) … a minha tia nunca teve a perceção que com a transmissão da casa ao marido também se transmitiriam os seus imoveis rústicos ….. (12:16h) estive-lhe a explicar que sendo os terrenos dela poderia ter opção na casa…(11:20h) a minha tia não sabe o que é uma caderneta predial…(12:22h) a minha tia está a tentar recuperar os terrenos que perdeu por ignorância, não arrependimento …. Critica: esta testemunha tem um depoimento absolutamente isento, esclarecedor com razão de ciência, porque conhece bem a sua tia e o seu índice cultural para que tivesse a perceção ter tido discernimento que com a transmissão da casa ao marido perderia os seus terrenos. 58º O Tribunal interpretou em erro que a R declarou que no de acordo de partilha, não pretendia ficar com os seus terrenos, mas não é isso que resulta ao longo das suas declarações de parte. 59º O Tribunal pelas declarações de parte da R, corroboradas pelo depoimento de seu sobrinho DD deveria ter dado como provado que aquela só teve conhecimento em julho de 2019, que acordou em erro, por falta da perceção que com a transmissão da casa ao marido também se transmitiriam os imoveis rústicos de sua propriedade. 60º E nestes pressupostos uma vez que está provado que os terrenos onde o imóvel urbano foi edificado era de sua propriedade e que nunca foram doados ao marido ter concedido a emenda á partilha. 61º Deste modo a folhas 10 paragrafo 4º na decisão quando é referido “A autora não só referiu saber, que aquando do acordo de partilha que os terrenos eram seus, como acrescentou também, que quando fez a partilha não queria ficar com os terrenos onde a casa foi construída, apesar de saber que eram seus” é uma errada interpretação á resposta da R. 62º O “Não” da R é dirigido á senhora Juíza negando precisamente o que a senhora juiz estava a perguntar, negando a pergunta e não a dizer que não queria ficar com os seus terrenos. 63º Foi a maneira como a pergunta foi formulada que o Tribunal foi induzido em erro. 64º Existe uma errada interpretação as declarações de parte da R que ao longo das suas declarações sempre disse que os terrenos eram seus e não os queria perder, nem nunca foram dados ao seu marido “ele não era filho” como havia referido. 65º Esta decisão viola a os artigos 70º e 71º do anterior regime do inventario e ainda a a expressão da uniformidade do entendimento de que constitui benfeitoria a construção de um prédio urbano em terreno próprio do outro cônjuge Acórdão do STJ de 30.04.2019, que nos foi dado á estampa. * Não foram apresentadas contra-alegações. * As questões a decidir são as seguintes: A reapreciação da matéria de facto, procurando saber quando teve a Autora conhecimento do erro na descrição ou na qualificação do bem? O pedido da emenda é tempestivo? Ocorre erro na partilha que justifica a sua emenda? * A reapreciação da matéria de facto. Está em causa apurar quando ocorre o conhecimento do erro, este consubstanciado no facto da verba 24 não poder ter sido descrita como o foi (como prédio urbano em vez de benfeitoria, conforme infra juridicamente melhor delimitado). Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº1, do CPC). Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados. Os elementos probatórios apresentados e disponíveis para a concreta reapreciação estão sujeitos à livre apreciação do julgador. No essencial, estão em causa as declarações da Autora e as do seu sobrinho. Ora, reapreciadas as provas, a nossa convicção vai em sentido diverso ao formado pelo tribunal recorrido. Vejamos: Diz a Sra. Julgadora em 1ª instância: “O que se extrai da prova, é que a autora poderia não saber o número matricial concreto dos terrenos, mas tal em nada releva, pois sabia, aquando da partilha, que a casa foi contruída nos seus terrenos e que a casa era “metade dela”, não podendo deixar de saber, que poderia ter ficado com a casa, até porque, já tinha sido cabeça de casal no inventario por óbito dos seus pais e aí adquirido um dos prédios, circunstância que evidencia que não estava perante uma situação nova, em que não tivesse esse conhecimento, a que acresce a circunstância de estar acompanhada por advogado, que certamente lhe teria dado conta, da possibilidade de ficar com a casa, pois é esse mesmo o fim do inventario- dividir os bens.” “A autora não só referiu saber, que aquando do acordo de partilha os terrenos eram seus, como acrescentou também, que quando fez a partilha não queria ficar com os terrenos onde a casa foi construída, apesar de saber que eram seus.” (Fim da citação.) Relativamente a este último parágrafo, é para nós muito duvidoso que a Autora não quisesse ficar com os terrenos. Primeiro, é certo que as partes não falaram nos terrenos aquando da partilha. Segundo, as partes partiram do pressuposto, juridicamente errado, como veremos, que a casa, como prédio, era dos dois. Como se retira do interrogatório, por vezes a ignorância e a confusão, no caso da Autora, são difíceis de perceber (a mesma é identificada como agricultora e cozinheira, o que denunciará os poucos recursos verbais). Intuímos que o conhecimento da Autora é pouco esclarecido. Entendemos que a Autora não tinha consciência da relevância do facto dos terrenos serem seus. Se as partes não falaram nos terrenos subjacentes à construção, compreende-se que a verba tenha sido mal descrita, dificilmente podendo o mandatário judicial detetar e acautelar a hipótese de se tratar de uma benfeitoria e não de um prédio urbano. Nada infirma as declarações da Autora e do seu sobrinho de que a consideração dos terrenos e da sua relevância tenha acontecido depois do trânsito da partilha, conduzindo a uma discussão com o mandatário que antes não tinha sido feita. Objetivamente, na partilha, as partes desconsideraram: Os terrenos propriedade da Autora; A casa é da Autora, sendo considerada como benfeitoria, concedendo um direito de crédito do Réu. E, só por isso, e porque a casa é considerada comum, as partes acordam que ela fique para o Réu, dando tornas à Autora. Afinal, por chamada de atenção do sobrinho (já depois do processo findo), a realidade e a solução eram outras, daí que a Autora tenha colocado o problema novo ao seu mandatário. Relativamente ao primeiro parágrafo antes citado, da motivação da Sra. Julgadora, dizer-se que sabia que a casa foi construída nos seus terrenos e que a casa era “metade dela”, não podendo deixar de saber, que poderia ter ficado com a casa, não tem a relevância que se deu. Saber que a casa foi construída nos seus terrenos não é o mesmo que saber da relevância disso, para nisso ter falado. Saber que a casa era “metade dela” é expressão do próprio erro – a casa acompanhava os terrenos, para ela e não para o Réu. “Poder ter ficado com a casa” complementa o erro, pois o ponto de partida, a regra, é a Autora ficar com a benfeitoria, devendo pagar ao ex-cônjuge metade do seu valor. Neste contexto, sem outra prova, a dúvida lançada sobre as declarações da Autora e do seu sobrinho é excessiva, sendo nossa convicção que o conhecimento do erro da Autora (na descrição e qualificação do bem) é posterior à decisão da partilha. Por seu lado, o Réu não faz qualquer prova do decurso do prazo de um ano sobre esse conhecimento, ónus que está a seu cargo, por se tratar de matéria de exceção perentória. E, com isto, estamos já a responder, positivamente, à questão da tempestividade do pedido da Autora. Pelo exposto, julga-se procedente a impugnação de facto da Autora e decide-se aditar como provado o seguinte facto: O conhecimento da Autora, da relevância da descrição da verba 24, da relevância de se discutir os terrenos subjacentes à dita construção, que são apenas seus, da forma diferente como deveria ter sido feita a apresentação da verba e das implicações que isso tinha na partilha, é posterior à decisão transitada da partilha. * Os factos tidos por provados são então os seguintes: 1.Autora e réu contraíram casamento no dia 18/12/1982, sem convenção antenupcial. 2. A ação de divórcio foi proposta em 20/6/2016. 3. Por sentença proferida em .../.../2017 transitada em julgado em .../.../2017 foi decretado o divórcio entre autora e réu, tendo a data do inicio da separação de facto sido fixada em 15/1/2016. 4. Na sequência do divórcio decretado foi instaurado inventário para partilha dos bens comuns do casal, que correu termos no Cartório Notarial ..., com o nº 2...0/17, no qual foi nomeado cabeça de casal, o aqui réu. 5. No inventário referido em 3, pelo cabeça de casal foi junta relação de bens, da qual consta relacionado sobre a verba nº 24 o seguinte bem: prédio urbano sito na Rua ..., no lugar de ..., composto de casa de habitação de r/c e 1º andar, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., com o artigo ...56, omisso na Conservatória de Registo Predial .... 6. O mandatário e subscritor desta ação foi também o mandatário nos referidos autos de inventário. 7. Em sede de conferência de interessados realizada no dia 29/4/2019 foi alcançado acordo quanto à partilha dos bens, tendo as partes acordado na formação de dois lotes, com o valor total atribuído de cento e quatro mil euros, com a seguinte composição: - Lote 1 – verbas 2 e 4, a que atribuem o valor global de dois mil euros; - Lote 2 – Verbas 1, 3, verbas 5 a 29, a que atribuem o valor global de cento e dois mil euros; 8. Foi deliberado que a composição dos quinhões se realizasse do seguinte modo: - O lote 1 é adjudicado à interessada AA, pelo valor global atribuído de € 2.000,00; - O lote 2 é adjudicado ao interessado BB, pelo valor global atribuído de € 102.000,00; 9. Foi ainda acordado, no que respeita às tornas, no valor de € 50.000,00, que o pagamento terá que ser efetuado pelo devedor à credora das mesmas, no prazo de trinta dias a contar da presente data. 10.Em 14/5/2019 foi proferida sentença homologatória da partilha, a qual transitou em julgado. 11.A verba relacionada sob o nº 24, constituindo a casa de morada de família, foi construída em dois prédios rústicos, propriedade da autora, designadamente sobre o prédio rustico artigo ...49 da freguesia ... adquirido por inventário de seus pais, e o artigo ...42, da mesma freguesia adquirido por doação também de seus pais, inventário que correu tramites no Tribunal Judicial ..., ... Juízo, sob o processo nº 955/10..... Estes prédios têm ambos como seu titular a autora e possuem o seguinte teor matricial: a) Prédio de natureza rustica, sito no lugar ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo nº ...49, com a área de 400 m2, composto de terreno a mato e 10 oliveiras, a confrontar de norte com EE, de sul com FF, nascente com caminho e poente com GG, com valor patrimonial de 8,17€, e descrito na CRP ... sob o numero ...07. Este prédio veio à propriedade da autora por inventário de seus pais. b) Prédio de natureza rustica, sito no lugar ..., inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo nº ...42, com a área de 880 m2, composto de terra de cultura, a confrontar de norte com EE, de sul com GG, nascente com HH, poente com II, com valor patrimonial de 6,41€, e descrito na CRP ... sob o numero ...54 .... Este prédio veio à propriedade da autora por doação outorgada a 28 de janeiro de 1988. 12. A autora foi cabeça de casal nomeada no processo de inventário por óbito de seus pais, proc. nº 955/10.... que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ... e nele, nas suas declarações como cabeça de casal, prestadas no dia .../.../2010, informou os autos de que os seus falecidos pais deixaram doações a si e ao seu irmão JJ, tendo no referido inventário sido adjudicado à autora o prédio rústico inscrito na matriz com o artº ...49. 13.O prédio descrito no ponto 5 mostra-se registado desde 15/9/2020 na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...98 em nome do réu, constando como causa de aquisição partilha subsequente a divórcio. 14.O réu ainda no estado de solteiro, mandou fazer o projeto do prédio urbano em causa, pagou as respetivas taxas e iniciou a construção da dita habitação, no prédio rústico nº ...42. 15. Em fevereiro de 1982 o réu deu entrada na Câmara Municipal ... de um requerimento de pedido de licença por 90 dias, sem qualquer referência ao artigo rústico. 16. O réu foi construindo a dita habitação durante pelo menos um ano a expensas suas. 17. Um dos terrenos referidos em 11, foi objeto de um processo que correu termos no Tribunal, em que eram partes o pai da ora autora e um terceiro, tendo sido a autora e réu que pagaram as custas do processo. 18 (Aditado). O conhecimento da Autora, da relevância da descrição da verba 24, da relevância de se discutir os terrenos subjacentes à dita construção, que são apenas seus, da forma diferente como deveria ter sido feita a apresentação da verba e as implicações que isso tinha na partilha, é posterior à decisão transitada da partilha. * Não é posto em causa que “a partilha, ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes.” No caso ocorre um erro do primeiro tipo, aquele que opera por si mesmo, sem necessidade de outros requisitos. (“Estes erros (na descrição ou na qualificação) operam por si mesmos, isto é, não se torna necessário alegar e provar quaisquer outros requisitos para, com base neles, peticionar a emenda, porquanto viciam gravemente o objeto da partilha que se propõe alcançar” J.A. Lopes Cardoso Partilhas Judiciais Vol. II 4ª Edição 1990 ps.548 a 550.) Se os prédios nos quais foi feita a construção são da Autora (herdados ou doados, conforme o registo), algo que o Réu agora questionou, mas não provou, a verba 24 não podia ter sido descrita como o foi e o seu destino teria sido outro. Além da jurisprudência referida pela Autora, o acórdão do STJ, de 30.4.2019 (proc.5967/17, em www.dgsi.pt), é expressão da uniformidade do entendimento de que constitui benfeitoria a construção de um prédio urbano em terreno próprio do outro cônjuge. Sendo benfeitoria, feita por ambos, o Réu não a podia levantar sem detrimento da mesma e ela ficaria a pertencer à Autora, a quem caberia ressarcir o Réu de metade do seu valor. O Réu teria não um direito real, mas um direito de crédito. Ao não ter sido esclarecido o verdadeiro estatuto da construção (e seus pressupostos de facto), esta foi adjudicada ao Réu e levaria consigo (indevidamente) os prédios rústicos da Autora, algo que esta nunca representou no acordo. O erro é sobre a qualificação do bem (não se trata de prédio urbano comum, mas sim de benfeitoria comum sobre prédio próprio da Autora), embora resultante da insuficiente e errada descrição de facto, tendo viciado a vontade das partes, pois que o seu destino seria outro e o Réu teria apenas um direito de crédito. A emenda da partilha não se confunde com a anulação da partilha, nem com uma nova partilha. No caso, não se coloca em causa a validade e eficácia da partilha do que é comum entre estes ex-cônjuges, estando apenas em causa redefinir o destino da construção feita por ambos (verba 24), protegendo as propriedades da Autora. O Réu questionou o momento do conhecimento do erro da Autora e a propriedade dos terrenos rústicos, mas não fez, a esse respeito, qualquer prova. * Decisão. Julga-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida e decide-se ordenar ao Réu, como cabeça de casal, a retificação à relação de bens, no que respeita à verba 24, devendo esta passar a ser relacionada como benfeitoria. Decide-se anular os atos posteriores à apresentação da relação de bens, no que respeita à referida verba 24. Ordena-se o cancelamento do registo da verba 24 a favor do Réu, no registo predial. Custas pelo Recorrido, tido por vencido. Coimbra, 2023-11-21 (Fernando Monteiro) (Carlos Moreira) (Moreira do Carmo)
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