Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
533/12.6TAPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: VIOLAÇÃO DE IMPOSIÇÕES
PROIBIÇÕES
INTERDIÇÕES
Data do Acordão: 01/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL – 3º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 69º, N.º 3 E 353º DO C. PENAL
Sumário: 1.- A pena acessória de proibição de conduzir só se executa a partir do momento em que o condenado entrega o título de condução ou o mesmo lhe é apreendido;

2.- O incumprimento da pena acessória aplicada na sentença só ocorrerá se durante o período de duração da mesma o condenado conduzir veículos a motor;

3.- Assim não incorre na prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições o arguido que não procedeu à entrega da sua carta de condução, com vista ao cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados em que havia sido condenado.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal absolver o o arguido A... do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo art.353.º do Código Penal que lhe era imputado pelo Ministério Público.

Inconformado com o decidido, Ministério Público interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

“I. O arguido A..., por sentença datada de 4 de Dezembro de 2012, foi absolvido da prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, decisão da qual discordamos, e daí a interposição do presente recurso.

II. A douta sentença do tribunal a quo ao dar como provado que: (1) por sentença transitada em julgado o arguido foi condenado na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor, (2) que o arguido foi advertido de que incorreria em responsabilidade criminal caso não entregasse a sua carta de condução nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença condenatória, (3) que o arguido, ciente da sua obrigação, não entregou a sua carta de condução naquela altura, nem mesmo aquando a data deste seu julgamento, (4) que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de não obedecer àquela ordem que lhe foi regularmente comunicada e imposta por sentença penal, ciente que dessa forma obstava à execução da sua pena acessória,

III. E ao dar como não provado que ao actuar da forma descrita em (4) incorreu em responsabilidade criminal, incorre em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 410º, n.2, alínea b), do Código de Processo Penal.

IV. Quando o legislador, no artigo 353º do Código Penal se refere à violação de imposições determinadas por sentença criminal, a título de pena acessória, pretende abranger a violação da imposição de entrega da carta de condução para cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir a que alude o artigo 69° do Código Penal,

V. Ao não ter entendido assim, e ao ter absolvido o arguido, violou o tribunal a quo o referido artigo 353º do Código Penal.

VI. Por todo o exposto, deverá a sentença recorrida ser substituída por outra, que condene o arguido pela prática do crime de violação de proibições, tal como lhe vem imputado na acusação.”

Não houve resposta.

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer que, na parte que interessa ao caso, passamos a transcrever

“(…)

4. Sobre o objecto do recurso, dir-se-á desde logo que concordamos com a alegação da existência do vício previsto no art.º 410.°, n.º 2 al. b), pois que se dá como provado e como não provado que agia sabendo que incorria em responsabilidade criminal, pelo que deverá ser suprida tal contradição, propendendo para o sentido que consta da sentença proferida no processo sumário que está documentada nos autos.

4.1 - Porém, mesmo dando como provada - alterando-se o referido ponto da matéria não provada - aquela matéria, ainda assim não acompanhamos o recurso do Ministério Público no sentido que defende a subsunção legal dos factos ao crime do art.° 353° do C. P.

Nesta matéria, foi com data de 21-11-2012, proferido Acórdão de Fixação de Jurisprudência, segundo o qual em situações factuais como a dos presentes autos o agente comete o crime de desobediência p. e p. pelo art.° 348°, n.º 1, al. b) do C. P., desde que conste na sentença condenatória na pena acessória a cominação expressa de que comete o crime de desobediência se não entregar a carta de condução no prazo fixado, com vista a cumprir tal inibição.

Ora, não é esta a cominação que consta da sentença inicial, mas antes consta uma cominação genérica de que incorrerá em responsabilidade criminal.

Resulta ainda da fundamentação do mesmo acórdão de fixação de jurisprudência que se entende que, caso a cominação da prática do crime de desobediência não conste de forma expressa, não comete o arguido qualquer crime, limitando-se a acção das autoridades à sua apreensão coerciva nos termos do art.° 500°, n.º 3 do Cód. da Estrada.

É certo ainda que para esta hipótese o agente do crime apenas começa a cumprir o prazo da inibição quando a carta de condução for apreendida.

Tudo para dizer que, no respeito pela Jurisprudência Fixada, tendo como ponto de análise a factualidade provada, mesmo admitindo eventuais alterações no sentido propugnado pelo Ministério Público, os mesmos não integram a prática de crime.

Nestes termos, na medida em que entendemos que os factos, tal como constam da acusação não são criminalmente puníveis, em consonância com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência o recurso apresentado não merecerá provimento.”

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]].

Questões a decidir segundo o recorrente:

- Vício previsto no art.º 410º, n.º 2, alínea b., do Código de Processo Penal

- Integração jurídico criminal dos factos

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

“2.1.1. Por sentença proferida no processo sumário n.º 167/12.5GBPBL do 3.º Juízo deste Tribunal Judicial, a 19.03.2012, e transitada em julgado em 27.04.2012, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez numa pena 100 dias de multa à taxa diária de 5,50 € e na pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 meses e 10 dias.

2.1.2. Na leitura de sentença onde esteve presente foi expressamente advertido de que incorreria em responsabilidade criminal caso não entregasse a sua carta de condução nos 10 dias subsequentes ao trânsito em julgado da sentença condenatória.

2.1.3. Não obstante advertido e ciente da sua obrigação o arguido não entregou a sua carta de condução naquela altura, nem mesmo aquando a data deste seu julgamento.

2.1.4. Assim agindo sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito concretizado de não obedecer àquela ordem que lhe foi regularmente comunicada e imposta por sentença penal, ciente que dessa forma obstava à execução da sua pena acessória.

(mais se provou ainda que:)

2.1.5. O arguido é casado, mas está a viver actualmente em casa da sua mãe;

2.1.6. É servente de pedreiro e ganha cerca de 650,00 € por mês;

2.1.7. Tem o 6.º ano de escolaridade;

2.1.8. Tem uma filha com 4 anos de idade;

2.1.9. Paga-lhe a título de alimentos 100,00 € por mês”

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):

“2.2. Factos não provados

2.2.1. Que o arguido ao actuar da forma descrita em 2.1.4. tenha incorrido em responsabilidade criminal.”

******

Embora o recorrente entenda que a sentença sob recurso padece do vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão previsto no artigo 410º, n.º 2, alínea b., do Código de Processo Penal[[2]], ocorre a montante uma questão prejudicial: saber se os factos constantes da acusação constituem crime.

Explicando:

No caso “sub judice” vinha o arguido acusado da prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo art.º 353º do Código Penal e em sede de julgamento foi absolvido, com o que concordamos.

Com efeito, comete o crime previsto e punido pelo artº 353º do Código Penal “quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade”, ou seja, no que ao caso interessa, comete o crime em causa quem incumprir o conteúdo material da pena acessória, que se consubstancia na proibição de conduzir veículos a motor durante período fixado na sentença (artº 69º do Código Penal).

Ora, como resulta claramente da lei (artº 500º, nºs 3 e 4) e é jurisprudência pacífica, a pena acessória de proibição de conduzir só se executa a partir do momento em que o condenado entrega o título de condução ou o mesmo lhe é apreendido, o que equivale a dizer que é irrelevante para o cumprimento da pena acessória, o facto de o condenado não entregar a carta de condução no prazo que lhe foi dado pelo tribunal e continuar a conduzir até à data da entrega ou da apreensão do título, pois só a partir de uma destas situações se iniciará execução da pena da proibição de conduzir.

Quer isto dizer que o incumprimento da pena acessória aplicada na sentença só ocorrerá se durante o período de duração da mesma o condenado conduzir veículos a motor. 

Por isso, não sendo a entrega do título parte integrante da pena acessória, mas apenas um meio processual que visa efectivar o seu cumprimento, não vemos como podiam os factos constantes da acusação integrar o elenco dos comportamentos descritos no tipo do artº 353º do Código Penal.

Por outro lado, também não cometeu um crime de desobediência previsto e punido pelo art.º 348º, n.º 1, alínea b. do Código Penal uma vez que o tribunal da condenação não efectuou a respectiva cominação (AFJ n.º 2/2013, in DR 5 SÉRIE I de 2013-01-08: «Em caso de condenação, pelo crime de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, do art. 292.º do CP, e aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º 1, al. a), do CP, a obrigação de entrega do título de condução derivada na lei (art. 69.º, n.º 3, do CP, e art. 500.º, n.º 2, do CPP), deverá ser reforçada, na sentença, com a ordem do juiz para entrega do título, no prazo previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do art.º. 348.º, n.º 1, al. b), do CP.»)

Assim sendo, não constituindo crime os factos praticados pelo arguido, mais não há do que julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

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Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.

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Sem tributação.

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Coimbra, 15 de Janeiro de 2014

Luís Ramos (Relator)

Olga Maurício


[1] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada)
[2] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem