Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PIRES ROBALO | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO REDUÇÃO DA CLÁUSULA PENAL REQUISITOS. | ||
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Data do Acordão: | 05/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 334.º; 405.º; 811.º E 812.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: |
I- Não basta para a redução da cláusula penal que ela seja excessiva, exigindo-se que ela se revele manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada. II- E quando tal suceder deverá a redução pautar-se por critérios de equidade. E nessa tarefa, embora a lei não nos forneça as precisas circunstâncias a que se deve recorrer, vem constituindo entendimento prevalecente que o tribunal dispõe contudo de uma liberdade de ponderação, podendo/devendo socorrer-se de todos os fatores de ponderação de que disponha, tais como o interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado. III - Neste domínio vem constituindo entendimento prevalecente, que será sempre legítimo, mesmo na ausência do artº. 812º, nº. 1, do CC, o recurso oficioso ao instituto do abuso de direito consagrado no artº. 334º do CC, para conseguir a redução de cláusulas penais, sempre que se constate que as mesmas se revelem manifestamente excessivas ou desproporcionadas ao fim que visam perseguir e ao conteúdo do direito que se propõem realizar. IV - O Juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva, e que só tem o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva e não já a cláusula excessiva. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra. Proc.º n.º 1508/20.7T8GRD-A.C1 1.-Relatório 1.1.- Nos presentes autos de execução, a executada A... Ld.ª. veio deduzir oposição mediante embargos à execução que B..., Ld.ª., lhes move, requerendo que se declare, “ao abrigo do disposto no art.º 812.º, n.º 1 do Código Civil, a redução da cláusula penal para o montante máximo de € 8,22” (mais requerendo que o recebimento dos presentes embargos suspenda o prosseguimento da ação executiva, sem necessidade de prestar caução). Nesse sentido, sustentou, em síntese, que a execução carece de fundamento legal e constitui um abuso de direito por violação manifesta do princípio da proporcionalidade, pois pagou tempestivamente a 1.ª, 2.ª, 3.ª, 4.ª, 5.ª e 7.ª prestação e só não pagou a 6.ª prestação atempadamente por dificuldades económicas ligadas ao contexto da pandemia da covid19 e consequente redução drástica do seu volume de vendas no mês de abril de 2020 (sendo facto notório as dificuldades económicas que todas as empresas atravessaram nesse período); não corresponde à verdade que a embargante estava ciente de que o cumprimento dos prazos acordados era essencial para a formalização do acordo e que, de outra forma, a embargada não tinha aceite o acordo nos termos acordados; o essencial para a embargada era que o pagamento da quantia de €95.000,00 fosse concretizado no prazo máximo de 5 meses a contar de 01.01.2020, ou seja até 01.06.2020 (prazo que cumpriu rigorosamente, pois que a 29.05.2020 a embargada tinha na sua conta bancária a 7ª e última prestação), sendo irrelevante que o pagamento fosse até ao dia 01 de cada mês; concluindo pela redução da cláusula penal nos termos do art.º 812.º, n.º 1 do Código Civil, pois que do pagamento extemporâneo de 4 dias referente à 6.ª prestação não resultou qualquer prejuízo para a embargada (acrescendo que a embargante adiantou-se 1 dia no pagamento da 2.ª prestação e 2 dias no pagamento da 7.ª prestação, pelo que, no cômputo geral, entre o dia 17.10.2019 e 01.06.2020, período correspondente ao vencimento da 1.ª e da 7ª e última prestação, a embargante apenas teve um atraso de 1 dia). Conclui que, de acordo com a equidade, é manifestamente excessivo o montante da cláusula penal reclamada pela embargada, devendo ser reduzido para uma quantia que corresponde ao efetivo prejuízo da embargada, e que não pode ser superior aos juros de mora, à taxa legal cível, entre o dia 01 a 05 de maio de 2020, o que perfaz a quantia de €8,22. Arrolou testemunhas, requereu declarações de parte, juntou e requereu a junção de documentos. *** 1.2.- Foi proferido despacho de fls. 34, a admitir liminarmente os presentes embargos, foi a exequente notificada para contestar nos termos do art.º 732º, n.º2, do CPC, o que fez de fls. 36 a 42 (cujo teor aqui se dá por reproduzido), tendo impugnado e contestado o teor da petição de embargos e concluído pela improcedência dos embargos, ordenando-se o prosseguimento da execução. Em apertada síntese, referiu que a Embargante confessou ser devedora da quantia de 100.000€, a pagar nos seguintes prazos: i) Na data da assinatura acordo a quantia de 5.000.00€; ii) O pagamento do remanescente no montante de 95.000,00€ seria realizado em 6 prestações mensais sucessivas, sendo as primeiras 5 prestações no valor de 15.000,00€ e a sexta e última prestação, no valor de 20.000,00€; iii) A primeira dessas 6 prestações deveria ser liquidada até ao dia 1 de janeiro de 2020 e as restantes, impreterivelmente, até ao dia um dos meses subsequentes; sendo que em caso de incumprimento total ou parcial dos prazos de pagamento estabelecidos e acordados, a executada obrigava-se a liquidar a totalidade do valor da obra, no valor total de 170.179,63€, a título de cláusula penal, nos termos do disposto nos artigos 810.º e seguintes do Código Civil; acordaram ainda que, uma vez que os pagamentos seriam realizados por transferência bancária, a data que deveria ser atendida para averiguar do incumprimento/mora seria a data em que fosse ordenada a transferência e não a data em que o dinheiro entrou na conta da Exequente e, caso o prazo de pagamento terminasse em dia não útil, a operação da transferência bancária, sob pena de incumprimento e acionamento da cláusula penal, deveria ser ordenada até, pelo menos, ao dia útil imediatamente anterior ao términus do prazo acordado. Acrescentou que não corresponde à verdade que a Embargante tenha procedido ao pagamento da 3.ª, 4.ª e 5.ª prestações dentro do prazo acordado com a Embargada, pois que na 3.ª prestação, a ordem de transferência deveria ter sido efetuada até ao dia 31 de janeiro (pois 01.02.2020 foi um sábado) e apenas foi ordenada em 03.02.2020; na 4.ª prestação, até pode ser verdade que a Embargante tenha procedido ao agendamento da transferência bancária para o dia 28.02.2020 (pois dia 1 de março era domingo), porém a transferência não foi concretizada na sequência desse agendamento e tal impossibilidade foi reportada à Embargada, por e-mail de 02.03.2020, pelas 14:36h, sendo que apenas é dada ordem de transferência em 02.03.2020, pelas 12:28h, no valor de € 15.000,00; na 5.ª prestação, a ordem de transferência deveria ter sido efetuada até 01.04.2020, porém tal apenas sucedeu a 02.04.2020 (pelo que é falso a alegação da ordem de transferência para o dia 31.03.2020); e ainda quanto à 6.ª prestação, conforme a embargante confessa, a ordem de pagamento foi dada no dia 05.05.2020, tendo sido paga efetivamente fora do prazo acordado. Conclui referindo ter aceite o acordo nos moldes referidos (com a redução do preço em mais de € 70.000,00) no pressuposto de que os pagamentos acordados fossem efetivamente concretizados em cada uma das datas acordadas (tanto é assim que o valor da penalização do acordo – total ou parcialmente – é o valor da redução do preço), sendo notório o cuidado das partes em deixar expressa e inequivocamente definido no acordo as datas relevantes para se considerar o cumprimento do acordo e as consequências do não cumprimento atempado do mesmo, o que foi determinante para o acordo, sendo esta postura da embargante um abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, pois que a cláusula penal mais não é do que o valor correspondente à redução do preço (sendo devida, face à sua natureza, independentemente de os alegados prejuízos serem muito baixos ou até inexistentes, pois que a não ser assim, não teria qualquer função coercitiva ou compulsória). Requereu as suas declarações de parte, o depoimento de parte da embargante e arrolou uma testemunha. *** 1.3. - Por despacho de fls. 46 a 49 foi deferida a suspensão da execução, até que haja decisão definitiva nos presentes embargos de executado, tendo sido simultaneamente agendada audiência prévia. *** 1.4. - Foi realizada audiência prévia, nos termos documentados de fls. 51 a 56, onde foi tentada a conciliação entre as partes, que saiu gorada atentos os motivos aí consignados; foi fixado o valor à ação; proferido despacho saneador; mais foram indicados o objeto do litígio e os temas da prova, sem qualquer reclamação, tendo-se então apreciado a prova indicada e requerida pelas partes e agendado e programado a audiência de julgamento. *** 1.5. - A audiência de julgamento teve lugar nos termos das atas juntas de fls. 72 e ss. (cujo respetivo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). *** 1.6. - Nos termos do art.º 607º, n.º 2 do CPC, e por reporte aos embargos de executado em causa, o objeto do litígio consiste no montante da obrigação exequenda, contestada pela embargante por excessiva e reclamando esta, ao abrigo do disposto no art.º 812.º, n.º 1 do Código Civil, a redução da cláusula penal exequenda. * Constitui o thema decidendum dos autos, quanto aos embargos de executado, saber: -do acordo celebrado entre as partes e seu cumprimento; -da cláusula penal e sua aplicação; -da redução da cláusula penal (do abuso de direito da embargante por venire contra factum proprium). * Após, foi proferida sentença onde se decidiu, julgar os presentes embargos de executado parcialmente procedentes, reduzindo-se a quantia exequenda para €10.000,00 (dez mil euros), a que acrescem juros contabilizados desde a presente data, à taxa legal, até integral pagamento, absolvendo-se no mais a embargada e exequente B..., Lda., do peticionado pela embargante executada A... Lda. e, em consequência, determina-se o prosseguimento da execução. Mais se declara não existirem sinais seguros de litigância de má-fé pelas partes. * Custas a cargo da embargante e da embargada, na proporção do decaimento, que se fixa em 14,24% para a embargante e 85,76% para a embargada (cfr. artigo 527º, ns.º 1 e 2 do CPC). * Notifique e registe (cfr. arts.º 153º, 220º, nº.1, 247º, 253º todos do CPC). *** 1.7.- Inconformada com tal decisão dela recorreu a embargante - A... Lda., terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem: “1 - A recorrente considera que fixação no montante de 10 000,00€ da cláusula penal acordada com a recorrida, é manifestamente excessivo considerando as circunstâncias de facto provadas; 2 - Não se discute assim a matéria de facto, mas apenas o valor fixado pelo Tribunal a quo. 3 - Dos factos provados resulta que: a) A recorrente pagou integralmente a quantia de 100 000,00€ acordada; (facto provado em 38) b) Em 7 prestações, a embargante apenas incumpriu o prazo de pagamento da 4.ª e 6.ª prestação; ( factos provados em 36 e 37) c) No que diz respeito à 4.ª prestação, o respetivo pagamento foi agendado para o dia 28 de fevereiro e a recorrente apresentou um pedido de desculpas à recorrida, tendo ordenado o pagamento no dia imediatamente seguinte; (Factos provados em 41, 42, 43) d) O atraso da 6.ª prestação verificou-se devido a falta de provisão na conta bancária da embargante e num período de difícil contexto económico devido à Pandemia do vírus Covid19; (factos provados em 25, 28, 29, 30 e 34) e) A recorrente tinha a expetativa de concretizar um negócio de venda de azeite (que só se concretizou em agosto do mesmo ano) que lhe permitiria provisionar a contar com vista ao pagamento da 6.ª prestação. (factos provados em 26 e 27) f) Para cumprirem com o pagamento da 6.ª prestação, os legais representantes da recorrente emprestaram dinheiro à recorrente, o que fizeram nos dois dias imediatamente seguintes (segunda e terça feira) ao término do prazo; (factos provados em 31 e 32) g) Do exposto resulta que a recorrente não agiu de má fé e que o incumprimento da 6.ª prestação resultou de fatores externos, designadamente da situação pandémica da Covid19; h) A recorrente atrasou-se 2 dias no pagamento da 4.ª prestação e 5 dias no pagamento da 6.ª prestação, mas adiantou-se 3 dias no pagamento das 4 - Mesmo considerando o caracter compulsório da cláusula em causa, os factos provados supra elencados demonstram a manifesta desproporcionalidade entre os incumprimentos verificados e o montante fixado. 5 – Assim, o eventual recebimento pela recorrida da quantia de 10 000,00€ a título de cláusula penal, devido a um atraso total (entre atrasos e adiantamentos) de 4 dias, num período total de 7,5 meses, e em contexto de pandemia, revela-se manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada às finalidades que presidiram à sua estipulação e ao conteúdo do direito que se propõe realizar. 6 – “Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não poderá deixar de atender: à natureza e condições de formação do contrato; à situação económica e social das partes; aos seus interesses patrimoniais e não patrimoniais; ao prejuízo previsível no momento da outorga do contrato e ao efectivo prejuízo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor; ao próprio carácter a forfait da cláusula; à salvaguarda do seu valor cominatório. O tribunal deverá usar da faculdade de redução da cláusula penal, que lhe é conferida pelo citado art. 812, nº1, do Código Civil, quando houver elementos que, segundo um critério de equidade e de justiça, apontem para um manifesto excesso da cláusula penal - (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 7-11-89, BMJ 391-565). 7 - O prejuízo foi nulo e ficou provado que a situação pandémica esteve na origem do pagamento extemporâneo da 6.ª prestação, ao que acresce que a recorrente pediu desculpa pelo atraso de 2 dias da 4.ª prestação, apesar da mesma ter sido agendada para o dia 28. 8 - A fixação da cláusula penal no montante máximo de 1000,00€ ( mil euros) acautela, por um lado, todas as circunstâncias de facto supra elencadas e que abonam a favor da recorrente, mas não deixa de consubstanciar uma penalização, assegurando-se, desta forma, a finalidade e função da cláusula penal, representando uma censura efectiva para o incumprimento do acordado. 9 – Ao fixar a quantia de 10 000,00€ (dez mil euros) a título de cláusula penal a pagar à recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto no art. 812.º n.º 1 e 2 do Código Civil. 10 – Pois, na perspetiva da recorrente, não atendeu às regras de equidade, designadamente considerando os factos provados em 20.º a 38.º, 41.º e 42.º. Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Exas., reduzindo-se a cláusula penal e. em consequência, a quantia exequenda, para o montante máximo de € 1.000,00€ (mil euros), a que acrescem juros contabilizados desde o trânsito em julgado da sentença, à taxa legal, até integral pagamento, será feita, *** 1.8.- Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C., respondeu a embargada - B... Lda., apresentando, também recurso subordinado, cujas conclusões, se transcrevem: Z. O princípio da proporcionalidade não deve imperar ou prevalecer de forma cega perante o princípio da liberdade contratual e esclarecida das partes. II. A sentença em apreço deve ser revogada, e substituída por outra que mantenha o montante da cláusula penal convencionado, cumprindo o disposto nos artigos 405.º, 406.º, 810.º, e 812 do CC. TERMOS EM QUE, devem improceder as alegações de recurso apresentadas pela embargante e procedentes as que a embargada apresenta, pelo que, consequentemente, deverá a sociedade executada ser condenada a pagar à exequente o montante da cláusula penal convencionado por ambas, assim se fazendo JUSTIÇA! *** 1.9. Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. não houve resposta. *** 1.10. Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor: “ Ref.ª 2083541, Cumpre proferir o despacho a que alude o art.º 641 do CPC. Neste sentido, por dispor de legitimidade, estar em tempo e o mesmo ser admissível, admito o recurso interposto pela embargante da sentença proferida, o qual é de apelação, a subir de imediato e nos próprios autos, com efeito devolutivo (pois inexiste fundamento para lhe conferir efeito suspensivo), nos termos dos artigos 629º; 638º; 631º; 644º, nº 1, al. a); 645º, n.º1, al. a) e 647º, nº1, todos do Código de Processo Civil. Não sendo concreta e/ou expressamente invocada qualquer nulidade da decisão no recurso ou formulado um pedido de reforma, nada há que se imponha consignar nos termos do art.º 641º, n.º 1 do CPC. Notifique. Ref.ª 2113596, Também por dispor de legitimidade, estar em tempo e o mesmo ser admissível, admito o recurso subordinado interposto pela embargada da sentença proferida, o qual é a subir de imediato e nos próprios autos, com efeito devolutivo (pois inexiste fundamento para lhe conferir efeito suspensivo), nos termos dos artigos 629º; 633º, n.º5; 638º; 631º; 644º, nº 1, al. a); 641º, nº 5, 645º, n.º1, al. a) e 647º, nº1, todos do Código de Processo Civil. A este respeito nada há a reparar, atentos os elementos em que a decisão se fundou e os ónus de alegação e prova que no caso se verificam, remetendo-se para o teor da mesma, cfr. art.º 641º do CPC. Notifique. Oportunamente subam os autos ao venerando Tribunal da Relação de Coimbra onde se fará a melhor Justiça” *** 1.11. -Colhidos os vistos cumpre decidir *** 2. Fundamentação I- Factos provados. 1. Nos autos de execução a que os presentes correm por apenso, os quais foram apresentados em juízo por B..., Lda. contra A... Lda., foi dada à execução a “confissão de dívida e acordo de pagamento e exclusão de garantia e de reclamação de defeitos”, junta de fls. 4 a 6 daqueles autos de processo executivo (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). (requerimento executivo) 2. A exequente, no exercício da atividade de construção civil, procedeu à execução de vários trabalhos para a executada na obra denominada de Lagar de Azeite, em ..., ..., dos quais resultou a emissão das faturas: - Fatura n.º ...6 de 19/03/2019, no valor de 27.420€; - Fatura n.º ... de 18/01/2019 no valor de 48.334,45€; - Fatura n.º ... de 18/01/2019 no valor de 94.425,18; sendo que a executada não liquidou o valor titulado pelas faturas identificadas, no montante de 170.179,63€ e, por sua vez, a executada reclamava da exequente a eliminação de vários defeitos de construção, pelo que as partes, por acordo datado de 14.10.2019, chegaram ao entendimento referido em 1.. (artigos 1º a 3º do requerimento executivo e 2º da contestação) 3. Nos termos daquele acordo a exequente aceitou reduzir o valor que reclamava da executada, para o montante de 100.000€, a pagar nos termos e condições seguintes: a) A Executada procederia, a expensas suas, à reparação dos defeitos que entendesse, quer os agora detetados, quer dos que eventualmente venham a surgir na obra no decurso do período de garantia da mesma, não podendo mais exigir da Exequente qualquer reparação de defeitos ou patologias da obra em causa, quer presentes quer futuros, quer sejam já detetados e conhecidos quer venha a surgir após esta data; b) Por força da redução do preço, a Executada renunciou a todos e quaisquer direitos e indemnizações por eventuais prejuízos que fossem, sejam ou venham a ser, nos termos da lei ou do contrato de empreitada, da responsabilidade da Exequente reparar ou indemnizar; c) A Executada confessou ser devedora à Exequente da quantia de 100.000€, a pagar nos seguintes prazos: - Na data da assinatura acordo a quantia de 5.000.00€; - O pagamento do remanescente no montante de 95.000,00€ seria realizado em 6 prestações mensais sucessivas, sendo as primeiras 5 prestações no valor de 15.000,00€ e a sexta e última prestação, no valor de 20.000,00€; - A primeira dessas 6 prestações deveria ser liquidada até ao dia um de janeiro de 2020 e as restantes, impreterivelmente, até ao dia um dos meses subsequentes. (artigo 4º do requerimento executivo, 6º da petição inicial de embargos e 2º da contestação) 4. Mais acordaram as partes de que, em caso de incumprimento total ou parcial dos prazos de pagamento estabelecidos e acordados, a executada obrigava-se a liquidar a totalidade da quantia que a exequente reclamava nas faturas supra descritas, no valor total de 170.179,63€, a título de cláusula penal, nos termos do disposto nos artigos 810.º e seguintes do Código Civil. (artigo 5º do requerimento executivo e 2º da contestação) 5. Acordaram ainda na cláusula quarta n.º 3 que “Para efeitos de acionar o estabelecido no n.º 1 da presente cláusula as outorgantes acordam que, uma vez que os pagamentos são realizados por transferência bancária, a data que deverá ser atendida para averiguar do incumprimento/mora será a data em que foi ordenada a transferência e não a data em que o dinheiro entrou na conta da segunda outorgante.” e que “No caso do prazo de pagamento terminar em dia que não seja, nos termos da lei, dia útil, a operação da transferência bancária, sob pena de incumprimento e acionamento da cláusula penal, deverá ser ordenada até, pelo menos, ao dia útil imediatamente anterior ao términus dos prazos que constam na cláusula segunda”. (artigos 6º do requerimento executivo, 11º e 12º da petição inicial de embargos e 2º e 5º da contestação) 6. Sucede que a executada procedeu aos seguintes pagamentos: -a 1.ª prestação na data de assinatura do acordo, no valor de € 5.000,00; -a 2.ª prestação na data de 31.12.2019, no montante de € 15.000,00, por ordem de transferência bancária de 31.12.2019; -a 3.ª prestação na data de 03.02.2020, no montante de € 15.000,00 por ordem de transferência bancária de 31.01.2020; -a 4.ª prestação na data de 03.03.2020, no montante de € 15.000,00 por ordem de transferência bancária de 02.03.2020; -a 5.ª prestação na data de 02.04.2020, no montante de € 15.000,00 por ordem de transferência bancária de 31.03.2020; -a 6.ª prestação na data de 06.05.2020, no montante de € 15.000,00 por ordem de transferência bancária de 05.05.2020; -a 7.ª prestação na data de 29.05.2020, no montante de € 20.000,00 por ordem de transferência bancária de 29.05.2020. (artigos 7º e 8º do requerimento executivo e 20º e ss. da petição inicial de embargos) 7. Quando, nos termos do acordo (considerando o n.º4 da cláusula 4), deveria ter procedido ao pagamento das prestações acordadas (determinando as respetivas ordens de transferência), até às seguintes datas: - a 1.ª com a assinatura do contrato na data de 14.10.2019; - a 2.ª prestação na data de 01.01.2020; - a 3.ª prestação na data de 31.01.2020; - a 4.ª prestação na data de 28.02.2020; - a 5.ª prestação na data de 01.04.2020; - a 6.ª prestação na data de 30.04.2020; - a 7.ª prestação na data de 01.06.2020. (artigo 9º do requerimento executivo) 8. A executada estava ciente de que o cumprimento dos prazos acordados era essencial para a formalização do acordo com a exequente, porquanto, de outra forma, esta não tinha aceite o acordo nos termos acordados. (artigo 13º do requerimento executivo) 9. A Executada foi interpelada ao cumprimento do valor de € 70.179,63, por carta datada de 07.06.2020, porém, até hoje tal quantia não foi liquidada. (artigo 14º do requerimento executivo) 10. A embargante ordenou as transferências da 2.ª à 7.ª prestação em plataformas eletrónicas (via online). (artigo 13º da petição inicial de embargos) 11. Todas as transferências foram interbancárias, porquanto a conta de origem titulada pela embargante foi a Caixa de Crédito Agrícola e a Caixa Geral de Depósitos e a conta de destino, titulada pela embargada, foi o banco BIC. (artigo 14º da petição inicial de embargos) 12. A embargante procedeu ao pagamento da prestação de fevereiro por transferência interbancária online, através do site da Caixa de Crédito Agrícola. (artigo 19º da petição inicial de embargos) 13. No entanto ordenou que a transferência fosse efetuada no dia 31 de janeiro de 2020 e o registo da referida operação foi feita no dia 17.01.2020, às 19.15 horas. (artigos 20º e 21º da petição inicial de embargos) 14. A embargante procedeu ao pagamento da prestação de março por transferência interbancária online, através do serviço de internet banking, denominado CA online. (artigo 23º da petição inicial de embargos) 15. Apesar da embargante ter ordenado que a referida transferência fosse efetuada no dia 28 de fevereiro de 2020 e o registo dessa operação ter sido foi feita no dia 13.02.2020, às 20.52 horas, não foi concretizada qualquer transferência na sequência dessa ordem. (artigos 24º e 25º da petição inicial de embargos) 16. A embargante procedeu ao pagamento da prestação seguinte por transferência interbancária online, através do serviço de internet banking da Caixa Geral de Depósitos, denominado Caixa Direta. (artigo 27º da petição inicial de embargos) 17. A embargante ordenou que a referida transferência fosse efetuada no dia 31 de março de 2020, pelas 19 horas e 34 minutos (doc. de fls. 12) e o registo da referida operação foi feita no dia 31.03.2020, às 19:34 horas. (artigos 28º e 29º da petição inicial de embargos) 18. Assim, a embargante deu ordem de transferência no dia 31 de março de 2020, pelas 19, 34 horas (depois das 15 horas), o banco processou a transferência no dia seguinte, 01 de abril de 2020 e o dinheiro entrou na conta da embargada no dia 02 de abril de 2020. (artigo 32º da petição inicial de embargos) 19. No que diz respeito à sexta prestação (incluindo o pagamento inicial com a celebração doa cordo), a ordem de pagamento foi dada pela embargante no dia 05 de maio de 2020, tendo sido paga fora do prazo acordado. (artigo 34º da petição inicial de embargos e 21º da contestação) 20. A embargante dedica-se à produção e venda de azeite, explorando um lagar de azeite para o efeito em .... (artigo 35º da petição inicial de embargos) 21. A produção de azeite decorre entre o período de novembro a janeiro. (artigo 36º da petição inicial de embargos) 22. A comercialização do azeite, resultante dessa produção, decorre nos meses seguintes. (artigo 37º da petição inicial de embargos) 23. Em abril de 2020, a embargante tinha a expectativa de atingir um volume de vendas que lhe permitisse cumprir atempadamente o pagamento da sexta prestação. (artigo 38º da petição inicial de embargos) 24. Tanto assim é que, em abril de 2019, o volume de vendas da embargante atingiu o montante de 19 080,00€. (artigo 39º da petição inicial de embargos) 25. Sucede que devido ao difícil contexto económico resultante da pandemia do vírus Covid19, a embargante não realizou qualquer venda em abril de 2020. (artigo 40º da petição inicial de embargos) 26. Durante o mês de abril de 2020, a embargante foi contactada para uma eventual encomenda de azeite no valor de aproximadamente 30 000,00€, que lhe permitiria cumprir atempadamente com a 6.ª prestação no valor de 15 000,00€, motivo pelo qual aguardaram até ao último momento pela sua concretização. (artigos 41º e 42º da petição inicial de embargos) 27. Sucede que a encomenda acabou por apenas se concretizar em agosto de 2020. (artigo 43º da petição inicial de embargos) 28. Motivo pelo qual a embargante não conseguiu provisionar a conta bancária no dia 30 de abril de 2020 para ordenar a transferência de 15 000,00€ corresponde à 6.ª prestação. (artigo 44º da petição inicial de embargos) 29. Assim, chegados ao dia 01 de maio de 2020 (quinta-feira), o saldo da sua conta apresentava um saldo de 1 709, 49€ euros. (artigo 44º da petição inicial de embargos) 30. Sendo que, entre o dia 01 de abril de 2020 a 01 de maio de 2020, a conta bancária da embargante nunca teve provisão suficiente para proceder ao pagamento da 6.ª prestação. (artigo 46º da petição inicial de embargos) 31. Os legais representantes da embargante viram-se assim obrigados a emprestar dinheiro à embargante para pagar à embargada e para tanto, no dia 04 de maio (logo na segunda-feira), os legais representantes da embargante ordenaram uma transferência de 8000,00€ (oito mil euros) da sua conta pessoal para a conta da embargada e no dia 05 de maio (terça-feira) os legais representantes da embargante ordenaram ainda uma transferência de 7000,00€ (sete mil euros) da sua conta pessoal para a conta da embargada. (artigos 47º a 49º da petição inicial de embargos) 32. Com as referidas transferências, os legais representantes da embargante lograram provisionar a respetiva conta bancária. (artigo 50º da petição inicial de embargos) 33. Daí que a ordem de pagamento da 6.ª prestação no montante de 15 000,00€ apenas tenha sido ordenada no dia 05 de maio de 2020, pelas 13 h 44 e paga no dia 06 de maio de 2020. (artigo 51º da petição inicial de embargos) 34. A embargante só não pagou a 6.ª prestação atempadamente por dificuldades económicas ligadas ao contexto da pandemia da covid19 e consequente redução drástica do seu volume de vendas no mês de abril de 2020. (artigo 53º da petição inicial de embargos) 35. O mais essencial para a embargada era que o pagamento da quantia de 95,000,00€ fosse concretizado no prazo máximo de 5 meses a contar do dia 01 de janeiro de 2020, ou seja até o dia 01 de junho de 2020. (artigo 57º da petição inicial de embargos) 36. No dia 29 de maio de 2020 a embargada tinha na sua conta bancária a sétima e última prestação. (artigo 59º da petição inicial de embargos) 37. A embargante atrasou-se 5 dias (dia 01 a 05 de maio) para proceder ao pagamento da 6.ª prestação, mas adiantou-se 1 dia no pagamento da 2.ª prestação e 2 dias no pagamento da 7.ª prestação. (artigo 63º da petição inicial de embargos) 38. A embargante pagou integralmente a quantia de 100 000,00€ à embargada. (artigo 66º da petição inicial de embargos) 39. A embargada acionou a cláusula penal com o único propósito de receber a quantia de 70.179, 63€ correspondente ao valor da redução da dívida da embargante, por via do acordo, sendo que essa redução se deveu ao facto de existirem um conjunto de defeitos na obra executada por si e por conta da embargante, nos termos vertidos no sobredito acordo. (artigos 67º e 68º da petição inicial de embargos) 40. No que respeita à 3.ª prestação, a ordem de transferência deveria ter sido efetuada até ao dia 31 de janeiro, porquanto, considerando que o dia 1 de fevereiro de 2020 foi um sábado, a ordem de transferência deveria ter sido ordenada até, pelo menos, ao dia útil imediatamente anterior ao terminus do prazo, tal como foi feito pela embargante. (artigo 9º da contestação) 41. No que respeita à 4.ª prestação, tendo a embargante procedido ao agendamento da transferência bancária desta prestação para o dia 28 de fevereiro (uma vez que o dia 1 de março era um domingo), porém a transferência não foi concretizada na sequência desse agendamento. (artigos 11º e 16º da contestação) 42. Tal impossibilidade foi reportada pela Embargante, através do seu gerente Sr. AA, à Embargada, por comunicação eletrónica datada de 2 de março de 2020, pelas 14:36h, através da qual foi informado que: “Pedimos desculpa do atraso da transferência do mês de março, feita hoje, que apesar de agendada não foi possível ser feita. Enviamos comprovativos. Faremos o necessário para que tal não se volte a reproduzir”. (artigo 12º da contestação) 43. Com esta comunicação, a Embargante juntou dois documentos, dos quais resulta uma ordem de transferência de 02.03.2020, para a Embargada, no valor de € 15.000,00, emitido da mesma data, pelas 12:28h. (artigos 13º, 14º e 17º da contestação) 44. Nos termos do acordo, a ordem de transferência deveria ter sido efetuada até ao dia 28 de fevereiro de 2020, por corresponder ao dia útil, imediatamente anterior ao dia acordado, ou seja, dia 1 de março de 2020, que foi um domingo. (artigo 15º da contestação) 45. Já quanto à 5.ª prestação, a ordem de transferência deveria ter sido efetuada até ao dia 1 de abril de 2020. (artigo 18º da contestação) 46. A ordem de transferência da 5ª prestação ocorreu no dia 31 de março de 2020, mas apenas foi concretizada no dia 2 de abril. (artigos 19º e 20º da contestação) 47. A Embargada aceitou o acordo nos moldes já referidos, nomeadamente com a redução do preço em mais de € 70.000,00, no pressuposto de que os pagamentos acordados fossem efetivamente concretizados em cada uma das datas acordadas, tanto que o valor da penalização do acordo – total ou parcialmente – é precisamente o valor da redução do preço. (artigos 23º e 24º da contestação) 48. As datas relevantes para se considerar o cumprimento do acordo e as consequências do não cumprimento atempado do mesmo eram do pleno conhecimento da embargante e isso foi determinante para a celebração do acordo nos moldes definidos. (artigo 26º da contestação) 49. De outra forma, a Embargante não teria aceite reduzir o preço, se não fosse na condição de receber o valor das prestações acordadas, em cada uma das datas. (artigo 27º da contestação) * II.2 Não se provou que: a) nos termos do acordo deveria ter procedido ao pagamento das prestações acordadas, nas seguintes datas: - a 6.ª prestação na data de 30-03-2020. (artigo 9º do requerimento executivo); b) o dia 01 de maio de 2020 (quinta-feira) era o último dia para a embargante proceder ao pagamento da 6.ª prestação (artigo 44º da petição inicial de embargos) c) a embargante não estava ciente de que o cumprimento dos prazos acordados era essencial para a formalização do acordo e que, de outra forma, a embargada não tinha aceite o acordo nos termos acordados (artigo 56º da petição inicial de embargos); d) sendo irrelevante que o pagamento fosse até ao dia 01 de cada mês (artigo 58º da petição inicial de embargos); e) do pagamento extemporâneo de 4 dias referente à 6.ª prestação não resultou qualquer prejuízo para a embargada (artigo 62º da petição inicial de embargos); f) a embargante atrasou-se 4 dias (dia 02 a 05 de maio) para proceder ao pagamento da 6.ª prestação (artigo 63º da petição inicial de embargos) g) o referido em 40. não sucedeu, tendo a operação sido ordenada no dia 03.02.2020 (artigo 10º da contestação); h) a ordem de transferência da 5.ª prestação apenas sucedeu no dia 2 de abril de 2020 (artigo 18º da contestação). * Quanto ao demais alegado nos articulados, não foi possível tecer qualquer juízo probatório uma vez que o mesmo ou é manifestamente despiciendo para a decisão, ou encerra juízos conclusivos ou de direito (ou ainda meras repetições) que, sendo pertinentes naquelas peças, são insuscetíveis de juízo probatório de facto (onde se destacam, entre outros os considerandos vertidos de 1º a 5º; 7º a 10º; 15º a 18º; 22º; 26º; 30º; 31º; 33º; 60º; 61º; 64º; 65º; 69º e 70º, sendo relativos à suspensão da execução os segmentos 71º a 77º, da petição inicial de embargos, assim como o vertido em 3.; 4.; 6. a 8.; 19.; 22.; 25.; 28. a 46. da contestação aos presentes embargos, sendo relativos à suspensão da execução os segmentos seguintes daquele articulado). Sendo certo que alguns segmentos acima mencionados podem ser considerados de cariz parcialmente conclusivo entendemos, ainda assim, dar resposta aos mesmos por forma a acautelar entendimento diverso. *** 3. Motivação É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC). Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes, bem como matéria nova antes submetida apreciação do tribunal a quo – a não que sejam de conhecimento oficioso - (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. ed., Almedina, pág. 735.” Calcorreando as conclusões das alegações dos recursos, principal e subordinado, verificamos que a questão a decidir consiste em saber: i)- Quanto ao recurso principal, interposto pela embargante, a questão consiste em saber, se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que fixe a redução da cláusula penal para 1.000,00€. ii)- Quanto ao recurso subordinado, interposto pela embargada, a questão consiste em saber, se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por acórdão que mantenha a cláusula penal convencionada, no valor de 70.000,00€. A sentença recorrida, após fazer várias considerações doutrinais e jurisprudências, sobre a matéria em causa, redução da cláusula penal, entendeu, fixar a mesma em 10.000,00€, referindo que a redução, se pauta por critérios de equidade, que o tribunal dispõe de uma ampla liberdade de ponderação, podendo/devendo socorrer-se de todos os fatores de ponderação de que disponha, tais como o interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, etc., etc.. e que a redução de tais cláusulas poderá, contudo, ainda ser conseguida através do recurso oficioso ao instituto do abuso de direito consagrado no artº. 334º do CC”. Impõe-se, pois, uma redução significativa do montante em causa, que representava um acrescento de mais de 70 mil euros ao montante inicialmente acordado e já pago pela embargante à embargada. * Dito isto, e antes de passar analisar cada um dos recursos, diremos algo a respeito da matéria em causa, redução da cláusula penal. É sabido que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio da liberdade contratual (art. 405º do CC), segundo o qual, dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos ou incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, bem como reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais contratos típicos. É justamente no domínio e respeito pela liberdade contratual que se permite às partes que, por acordo e antecipadamente, possam estipular o montante da indemnização (art. 810º do CC, ao estipular “As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível, é o que se chama cláusula penal”. O art. 811º rege sobre o funcionamento de tal cláusula: “1. O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário”. 2. O estabelecimento da cláusula penal obsta a que o credor exija indemnização pelo dano excedente, salvo se outra for a convenção das partes”. E o n.º3 dispõe: - “O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal ”. A cláusula penal, que fixa a indemnização, a forfait, pode ser compensatória ou moratória. Como ensina o Prof. Galvão Telles, in “ Direito das Obrigações” – 6ª edição, pág.448: “A cláusula penal pode ser estabelecida para o incumprimento (definitivo) do contrato ou para a simples mora. A primeira diz-se cláusula penal compensatória; a segunda cláusula penal moratória. A cláusula penal compensatória não pode obviamente cumular-se com a realização específica da obrigação principal. A cláusula penal moratória pode cumular-se, visto se destinar apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento”. No mesmo sentido Calvão Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, edição de 1987 /247. “A cláusula penal é a estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento” – cfr. “Das Obrigações em Geral”, Antunes Varela, 5ª edição, vol. II, pág.137. Do mesmo civilista: “A cláusula penal é normalmente chamada a exercer uma dupla função, no sistema da relação obrigacional. Por um lado, a cláusula penal visa constituir em regra um reforço (agravamento) da indemnização devida pelo obrigado faltoso, uma sanção calculadamente superior à que resultaria da lei, para estimular de modo especial o devedor ao cumprimento. Por isso mesmo se lhe chama penal – cláusula penal – ou pena convencional... A cláusula penal extravasa, quando assim seja, do prosaico pensamento da reparação ou retribuição que anima o instituto da responsabilidade civil, para se aproximar da zona cominatória, repressiva ou punitiva, onde pontifica o direito criminal” – págs. 137/138. O Professor Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização”, págs. 604 e 605, refere-se à cláusula penal cujo “escopo é puramente coercitivo e a sua índole, por isso, exclusivamente compulsivo-sancionatória. A especificidade desta cláusula traduz-se no facto de ela ser acordada como um plus, como algo que acresce à execução específica da prestação ou à indemnização pelo não cumprimento. Trata-se, como é óbvio, de espécie diversa da que é contemplada no art. 810., n.°1: enquanto esta norma define a cláusula penal como a fixação, por acordo, do montante da indemnização exigível, a pena estritamente compulsória, pelo contrário, não visa reparar o credor, o dano do incumprimento não é considerado pelas partes ao ser estabelecido o seu montante. A finalidade da mesma é de ordem exclusivamente compulsória, destina-se, tão-só, a pressionar o devedor ao cumprimento, não a substituir a indemnização a que houver direito, nos termos gerais”. Acerca da excessividade da cláusula penal e dos elementos que deverão ser ponderados em vista da sua redução, o Professor Pinto Monteiro, in “Cláusula Penal e Indemnização” - Colecção Teses – Almedina, págs. 743 e 744/755, ensina: “Perante a superioridade de determinada pena, o juiz só poderá concluir pelo seu carácter “manifestamente excessivo” após ponderar uma série de outros factores, à luz do caso concreto que um julgamento por equidade requer. Assim, a gravidade da infracção, o grau de culpa do devedor, as vantagens que, para este, resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa ou má fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e, designadamente, eventuais (contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal, são, entre outros, factores que o juiz deve ponderar para tomar uma decisão. Julgamos importante acentuar, porém, de novo, um aspecto, o qual requer particular atenção: o tribunal não pode deixar de ter em conta a finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal, a fim de averiguar, a essa luz, se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes. Significa isto, por conseguinte, que os mencionados factores, ou outros, terão uma importância relativamente diferente, consoante o escopo das partes, ou seja, a espécie de pena acordada. Assim, enquanto na pena estipulada a título indemnizatório o grau de divergência entre o dano efectivo e o montante prefixado assume importância decisiva, o mesmo não sucederá quando se trate de uma pena convencionada como sanção compulsória…”. Sendo a cláusula penal “manifestamente excessiva” aberto fica o caminho para a sua redução, em termos equitativos, ao abrigo dos art.º 812.º do Código Civil. O preceituo reza: 1 - A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário. 2. É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida. A parte final do n.º 1, Como é ressalta da parte final da mesma, e constitui entendimento pacífico, trata-se se uma norma de ordem pública, inspirada em fortes razões de ordem moral e social, levando a que prevaleça sobre as convenções privadas. (Vide, por todos, o prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª. ed., Coimbra Editora, 1991, reimpressão, pág. 551”, e Nuno Oliveira, in “Cláusulas Acessórias ao Contrato, 2ª. ed., págs. 135/136”). Norma essa que foi criada para evitar penas abusivas, pois que, como escreve o prof. Pinto Monteiro (in “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985, pág. 140”), se “na verdade, a ameaça da pena (normalmente elevada) constitui um poderoso estímulo ao cumprimento, um incentivo à execução voluntária do contrato (…), cumprindo assim uma função semelhante à sanção pecuniária compulsória, (…) é certo, no entanto, que a cláusula penal sempre se prestou a abusos, impondo o credor, por vezes, penas exageradas”, (…) e daí que o princípio da imutabilidade da pena – respeitado durante muito tempo como dogma – tenha cedido, dando lugar a uma fiscalização judicial destinada a fazer face a penas abusivas.” Todavia, e como ressalta no referido normativo legal, não basta para a redução da cláusula penal que ela seja excessiva, exigindo-se que ela se revele manifestamente excessiva, isto é, francamente exagerada ou desproporcionada. (Cfr., por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. II, 2ª. ed., revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 69”, e o prof. Pinto Monteiro, in “Ob. cit., págs. 141/142”; e L.A. Carvalho Fernandes, in “Teoria Geral, 1983, 2º. Vol., pág. 459”). E quando tal suceder deverá a redução pautar-se por critérios de equidade. E nessa tarefa, embora a lei não nos forneça as precisas circunstâncias a que se deve recorrer, vem constituindo entendimento prevalecente que o tribunal dispõe contudo de uma liberdade de ponderação, podendo/devendo socorrer-se de todos os fatores de ponderação de que disponha, tais como o interesse das partes, a sua situação económica e social, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto, o motivo de incumprimento, a boa ou má fé do devedor, a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, etc., etc.. (Vide, por todos, o prof. Mário Júlio Almeida Costa, in “O Direito das Obrigações, 10ª. ed. reelaborada, 2006, Almedina, págs. 801/802” e o prof. Mota Pinto, in “Direito Civil, 1980, pág. 225”). Diga-se ainda, que neste domínio vem constituindo entendimento prevalecente (do qual perfilhamos e também aflorado na sentença recorrida), que será sempre legítimo, mesmo na ausência da citada norma do artº. 812º, nº. 1, do CC, o recurso oficioso ao instituto do abuso de direito consagrado no artº. 334º do CC, para conseguir a redução de cláusulas penais, sempre que se constate que as mesmas se revelem manifestamente excessivas ou desproporcionadas ao fim que visam perseguir e ao conteúdo do direito que se propõem realizar. (Vide, entre outros, por todos e para maior desenvolvimento, Nuno Oliveira, in “Ob. cit., págs. 160/163”, Ac. do STJ, de 09/10/2003, in processo 03B2503, disponível em www.dgsi.pt e Ac. desta Relação de 20/6/2017, proc.º n.º 95/05.0TBCTB-H.C1, relatado Por Isaías Pádua). Diga-se, ainda, que o Juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva, e que só tem o poder de reduzir a cláusula penal manifestamente excessiva e não já a cláusula excessiva. Uma cláusula penal de montante superior (mesmo excessivo ao dano efectivo não é proibida por lei, não tendo o Juiz poder para a reduzir. Do mesmo modo, a ausência de dano, por si só, não legitima a intervenção judicial”. Na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não poderá deixar de atender: à natureza e condições de formação do contrato; à situação económica e social das partes; aos seus interesses patrimoniais e não patrimoniais; ao prejuízo previsível no momento da outorga do contrato e ao efectivo prejuízo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor; ao próprio carácter a forfait da cláusula; à salvaguarda do seu valor cominatório. O tribunal deverá usar da faculdade de redução da cláusula penal, que lhe é conferida pelo citado art. 812, nº1, do Código Civil, quando houver elementos que, segundo um critério de equidade e de justiça, apontem para um manifesto excesso da cláusula penal - (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 7-11-89, BMJ 391-565 e de 19/6/2018, relatado por Fonseca Ramos). Sobre esta matéria escreve-se no Ac. da Relação do Porto de 05.05.2016, proc. n.º 315/14.0T8LOU-A.P1, relatado por Fernando Batista “No exercício do seu equitativo e excepcional poder moderador, o juiz só goza da faculdade de reduzir a cláusula penal com vista a evitar abusos evidentes, situações de clamorosa iniquidade, a que conduzem penas «manifestamente excessivas», francamente exageradas, face aos danos efectivos, tendo sempre presente o seu valor cominatório e dissuasor, e não uma cláusula penal, meramente excessiva, cuja pena seja superior ao dano”. Ou seja, a redução impõe-se, pois, em termos equitativos, tendo em conta o interesse das partes, a natureza do contrato, as circunstâncias em que foi realizado e o reduzido grau de violação e culpa da embargante no cumprimento dos prazos dos pagamentos parcelares. Aqui chegados passemos analise do caso em apreço. Como bem se refere na sentença recorrida, no caso em apreço, estamos perante uma cláusula de cariz compulsória, pois como decorre da cláusula 4ª a mesma visa expressamente punir o incumprimento “...total ou parcial dos prazos de pagamento estabelecidos e acordados nas cláusulas segunda e terceira” (e não de pré-estabelecer o montante indemnizatório devido em caso de mora), e assim compelir a executada ao cumprimento tempestivo de todas as prestações (até pelo valor do montante em causa). Antes de passarmos analisar cada um dos recursos, aqui iremos transcrever, o segmento referente ao incumprimento, abordado na sentença recorrida, pois embora, não objecto dos recursos, leva-nos compreender melhor a situação que temos “entre mãos”. “do provado de 6. a 8. e 10. a 19., entre o mais, que a executada procedeu aos seguintes pagamentos: -a 1.ª prestação na data de assinatura do acordo, no valor de € 5.000,00; -a 2.ª prestação na data de 31.12.2019, no montante de € 15.000,00, por ordem de transferência bancária de 31.12.2019; -a 3.ª prestação na data de 03.02.2020, no montante de € 15.000,00 por ordem de transferência bancária de 31.01.2020; -a 4.ª prestação na data de 03.03.2020, no montante de € 15.000,00 por ordem de transferência bancária de 02.03.2020; -a 5.ª prestação na data de 02.04.2020, no montante de € 15.000,00 por ordem de transferência bancária de 31.03.2020; -a 6.ª prestação na data de 06.05.2020, no montante de € 15.000,00 por ordem de transferência bancária de 05.05.2020; -a 7.ª prestação na data de 29.05.2020, no montante de € 20.000,00 por ordem de transferência bancária de 29.05.2020; quando, nos termos do acordo (considerando o n.º4 da cláusula 4), deveria ter procedido ao pagamento das prestações acordadas (determinando as respetivas ordens de transferência), até às seguintes datas: - a 1.ª com a assinatura do contrato na data de 14.10.2019; - a 2.ª prestação na data de 01.01.2020; - a 3.ª prestação na data de 31.01.2020; - a 4.ª prestação na data de 28.02.2020; - a 5.ª prestação na data de 01.04.2020; - a 6.ª prestação na data de 30.04.2020; - a 7.ª prestação na data de 01.06.2020; a executada estava ciente de que o cumprimento dos prazos acordados era essencial para a formalização do acordo com a exequente, porquanto, de outra forma, esta não tinha aceite o acordo nos termos acordados; a embargante ordenou as transferências da 2.ª à 7.ª prestação em plataformas eletrónicas (via online); todas as transferências foram interbancárias, porquanto a conta de origem titulada pela embargante foi a Caixa de Crédito Agrícola e a Caixa Geral de Depósitos e a conta de destino, titulada pela embargada, foi o banco BIC; a embargante procedeu ao pagamento da prestação de fevereiro por transferência interbancária online, através do site da Caixa de Crédito Agrícola, no entanto ordenou que a transferência fosse efetuada no dia 31 de janeiro de 2020 e o registo da referida operação foi feita no dia 17.01.2020, às 19.15 horas; a embargante procedeu ao pagamento da prestação de março por transferência interbancária online, através do serviço de internet banking, denominado CA online, sendo que apesar da embargante ter ordenado que a referida transferência fosse efetuada no dia 28 de fevereiro de 2020 e o registo dessa operação ter sido foi feita no dia 13.02.2020, às 20.52 horas, não foi concretizada qualquer transferência na sequência dessa ordem; a embargante procedeu ao pagamento da prestação seguinte por transferência interbancária online, através do serviço de internet banking da Caixa Geral de Depósitos, denominado Caixa Direta; a embargante ordenou que a referida transferência fosse efetuada no dia 31 de março de 2020, pelas 19 horas e 34 minutos (doc. de fls. 12) e o registo da referida operação foi feita no dia 31.03.2020, às 19:34 horas; assim, a embargante deu ordem de transferência no dia 31 de março de 2020, pelas 19, 34 horas (depois das 15 horas), o banco processou a transferência no dia seguinte, 01 de abril de 2020 e o dinheiro entrou na conta da embargada no dia 02 de abril de 2020; no que diz respeito à sexta prestação (incluindo o pagamento inicial com a celebração doa cordo), a ordem de pagamento foi dada pela embargante no dia 05 de maio de 2020, tendo sido paga fora do prazo acordado. Mais se provou que a ordem de pagamento da 6.ª prestação no montante de 15 000,00€ apenas foi ordenada no dia 05 de maio de 2020, pelas 13 h 44 e paga no dia 06 de maio de 2020; a embargante só não pagou a 6.ª prestação atempadamente por dificuldades económicas ligadas ao contexto da pandemia da covid19 e consequente redução drástica do seu volume de vendas no mês de abril de 2020; o mais essencial para a embargada era que o pagamento da quantia de 95,000,00€ fosse concretizado no prazo máximo de 5 meses a contar do dia 01 de janeiro de 2020, ou seja até o dia 01 de junho de 2020; no dia 29 de maio de 2020 a embargada tinha na sua conta bancária a sétima e última prestação; a embargante atrasou-se 5 dias (dia 01 a 05 de maio) para proceder ao pagamento da 6.ª prestação, mas adiantou-se 1 dia no pagamento da 2.ª prestação e 2 dias no pagamento da 7.ª prestação, sendo que pagou integralmente a quantia de 100 000,00€ à embargada; a embargada acionou a cláusula penal com o único propósito de receber a quantia de 70.179, 63€ correspondente ao valor da redução da dívida da embargante, por via do acordo, sendo que essa redução se deveu ao facto de existirem um conjunto de defeitos na obra executada por si e por conta da embargante, nos termos vertidos no sobredito acordo; no que respeita à 3.ª prestação, a ordem de transferência deveria ter sido efetuada até ao dia 31 de janeiro, porquanto, considerando que o dia 1 de fevereiro de 2020 foi um sábado, a ordem de transferência deveria ter sido ordenada até, pelo menos, ao dia útil imediatamente anterior ao terminus do prazo, tal como foi feito pela embargante; no que respeita à 4.ª prestação, tendo a embargante procedido ao agendamento da transferência bancária desta prestação para o dia 28 de fevereiro (uma vez que o dia 1 de março era um domingo), porém a transferência não foi concretizada na sequência desse agendamento, sendo que tal impossibilidade foi reportada pela embargante, através do seu gerente Sr. AA, à Embargada, por comunicação eletrónica datada de 2 de março de 2020, pelas 14:36h, através da qual foi informado que: “Pedimos desculpa do atraso da transferência do mês de março, feita hoje, que apesar de agendada não foi possível ser feita. Enviamos comprovativos. Faremos o necessário para que tal não se volte a reproduzir”; com esta comunicação, a Embargante juntou dois documentos, dos quais resulta uma ordem de transferência de 02.03.2020, para a Embargada, no valor de € 15.000,00, emitido da mesma data, pelas 12:28h; nos termos do acordo, a ordem de transferência deveria ter sido efetuada até ao dia 28 de fevereiro de 2020, por corresponder ao dia útil, imediatamente anterior ao dia acordado, ou seja, dia 1 de março de 2020, que foi um domingo; já quanto à 5.ª prestação, a ordem de transferência deveria ter sido efetuada até ao dia 1 de abril de 2020; a ordem de transferência da 5ª prestação ocorreu no dia 31 de março de 2020, mas apenas foi concretizada no dia 2 de abril (cfr. factos provados de 33. a 46.). Tal como já se adiantou na motivação da matéria de facto, da interpretação que claramente se faz do clausulado, nomeadamente do ponto 2º da cláusula 2, as prestações subsequentes à primeira (note-se que as partes entendem que o pagamento efetuado no dia da assinatura do acordo será a 1ª prestação) deviam ser liquidadas até ao dia 1 de janeiro e dos meses subsequentes, donde o alegado em 9. do requerimento executivo não tem razão de ser na medida em que o dia um não está excluído do cumprimento tempestivo, exceção aos dias 1 de janeiro e maio, por serem feriado, e do dia 1 de março, por ser domingo (atenta a ressalva do n.º4 da cláusula 4). Assim, para efeitos de verificação do cumprimento do acordado releva essencialmente saber quando foram determinadas tais transferências (ulteriormente concretizadas), atentas as cláusulas 2ª e 4ª do referido contrato. Neste conspecto o que se apurou, como vimos de transcrever, foram dois atrasos da executada no pagamento da 4ª prestação (cuja ordem de transferência devia ter sido dada até 28.02.2020 e o foi em 02.03.2020) e da 6ª prestação (cuja ordem de transferência devia ter sido dada até 30.04.2020 e o foi em 05.05.2020). Importa, pois, concluir pelo incumprimento do acordo celebrado entre as partes, na sobredita medida”. Dito isto passemos analisar cada um dos recursos. * Recurso principal, interposto pela embargante. A embargante - A... Ld.ª – pugna pela redução da cláusula penal de 10.000,00€, fixada na sentença recorrida, para 1.000,00€ (mil euros), a que devem juros contabilizados desde o trânsito em julgado da sentença, à taxa legal, até integral pagamento, referindo para tanto que a sentença recorrida não atendeu às regras de equidade, designadamente considerando os factos provados em 20.º a 38.º, 41.º e 42.º, pelo que violou o art.º 812.º, do C.C. Opinião oposta tem a recorrida embargada. Diga-se, desde já, que a sentença recorrida, teve em consideração a dificuldade da recorrente, no que concerne ao não pagamento, atempado, pois refere, aquando da fundamentação do incumprimento, “Mais se provou que a ordem de pagamento da 6.ª prestação no montante de 15 000,00€ apenas foi ordenada no dia 05 de maio de 2020, pelas 13 h 44 e paga no dia 06 de maio de 2020; a embargante só não pagou a 6.ª prestação atempadamente por dificuldades económicas ligadas ao contexto da pandemia da covid19 e consequente redução drástica do seu volume de vendas no mês de abril de 2020”. Aliás, a sentença recorrida, para chegar à conclusão de que a cláusula penal, em causa, era manifestamente excessiva, ponderou toda a situação, ao referir, no segmento que se transcreve: “No caso vertente, e recuperando a factualidade provada de 1. a 5.; 47. e 48. (cujo teor aqui se dá por reproduzido), por contraponto com os incumprimentos circunscritos aos atrasos provados em 6., 7.; 10. a 34. e 37. (cujo teor aqui se dá por reproduzido) e seu contexto, e tendo-se apurado que no dia 29 de maio de 2020 a embargada tinha na sua conta bancária a sétima e última prestação, sendo que a embargante se atrasou 5 dias (dia 01 a 05 de maio) para proceder ao pagamento da 6.ª prestação, mas adiantou-se 1 dia no pagamento da 2.ª prestação e 2 dias no pagamento da 7.ª prestação (cfr. factos 36. e 37.), cremos que a embargante logrou demonstrar o caráter excessivo desta cláusula, em abstrato e em concreto. Com efeito, a cláusula 4ª era já excessiva em abstrato, podendo mesmo concluir-se que o era em termos manifestos, pois previa como punição de um atraso que poderia ser de um dia e numa só prestação, o pagamento de um montante de mais 70 mil euros relativamente à obrigação global assumida pela executada. Note-se que assim parece ser mesmo num juízo de valor sobre a desproporção reportado ao momento em que a cláusula é concebida, estando em causa o incumprimento de prazos. Sucede que a idêntica conclusão chegamos face ao seu acionamento em concreto, pois que com um montante daquela ordem pretende-se punir dois atrasos da executada, no pagamento da 4ª prestação (cuja ordem de transferência devia ter sido dada até 28.02.2020 e o foi em 02.03.2020) e da 6ª prestação (cuja ordem de transferência devia ter sido dada até 30.04.2020 e o foi em 05.05.2020), que não prejudicaram o recebimento pela embargada da quantia global acordada. Neste contexto a cláusula não é apenas excessiva em abstrato, mas mesmo abusiva em face das circunstâncias do caso concreto (pelo que sempre reclamaria uma redução pelo abuso de direito que constitui). Efetivamente, dos factos provados, resulta a dificuldade económica por que a recorrente passou, em virtude da cavide 19, pois resulta provado que - em abril de 2020, a embargante tinha a expectativa de atingir um volume de vendas que lhe permitisse cumprir atempadamente o pagamento da sexta prestação, tanto assim, que em abril de 2019, o volume de vendas da embargante atingiu o montante de 19 080,00€, sucede que devido ao difícil contexto económico resultante da pandemia do vírus Covid19, a embargante não realizou qualquer venda em abril de 2020, ao que acresce que, durante o mês de abril de 2020, a embargante foi contactada para uma eventual encomenda de azeite no valor de aproximadamente 30 000,00€, que lhe permitiria cumprir atempadamente com a 6.ª prestação no valor de 15 000,00€, motivo pelo qual aguardaram até ao último momento pela sua concretização, sucede que a encomenda acabou por apenas se concretizar em agosto de 2020, motivo pelo qual a embargante não conseguiu provisionar a conta bancária no dia 30 de abril de 2020 para ordenar a transferência de 15 000,00€ corresponde à 6.ª prestação (cfr. factos 23 a 28). Porém, como já referimos, a sentença recorrida, na sua decisão ponderou, no conjunto, toda a situação provada. Tendo presente que toda a situação, supra descrita foi ponderada, e tendo presente o segmento da sentença recorrida, que aqui se transcreve: “Tendo em conta a factualidade apurada de 1. a 49. (cujo teor aqui se dá por reproduzido), onde se destaca o contexto contratual de que emerge o contrato que integra a cláusula penal; o interesse das partes; os montantes das prestações e o valor global em causa, por contraponto com o vertido na cláusula penal; as circunstâncias em que foram realizados os pagamentos e o reduzido grau de violação e culpa da embargante, mas porque a dita cláusula não pode deixar de revestir uma penalização e servir a sua função, representando uma censura efetiva para o incumprimento do acordado, entendemos reduzir a mesma equitativamente para o montante de € 10.000,00. Contrapôs a esta redução da cláusula penal a embargada, reputando a pretensão da embargante como um abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, pois que a cláusula penal mais não é do que o valor correspondente à redução do preço (sendo devida, face à sua natureza, independentemente de os alegados prejuízos serem muito baixos ou até inexistentes, pois que a não ser assim, não teria qualquer função coercitiva ou compulsória). Não se considera, pois, que tal pretensão integre qualquer abuso de direito, pois atento o circunstancialismo do caso concreto não é exercido de uma forma injusta, indigna, com excesso ou desrespeito pelos limites axiológicos ou materiais da comunidade ou sentimento ético-jurídico de resto dominante, de tal modo que o sentimento de justiça inerente à ordem jurídica imponha a retirada do mesmo ou a responsabilização do titular (Vaz Serra “Abuso de Direito” publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 85, 253 e Antunes Varela - Código Civil art.º 434º). Concluímos, pois, que não colhe aplicação o disposto no art.º 334º do Código Civil, quer porque tal seria praticamente esvaziar de objeto o referido art.º 812º (deixando entrar pela janela aquilo que se não deixou pela porta), quer porque o caso vertente não integra um extremo de tal ordem que o justifique (antes o podendo integrar a execução pelo montante integral em causa, quando a quantia globalmente acordada foi integralmente paga até 29.05.2020)”. Pelo exposto, não vislumbramos, que assista razão à recorrente, quando pretende ver reduzida a cláusula penal de 10.000,00€ fixado na sentença recorrida, para os 1.000,00€, por si pretendido. Assim, face ao exposto a pretensão desta recorrente não pode proceder. Visto este recurso, passemos ao recurso subordinado, apresentado pela embargada. * Recurso subordinado, interposto pela embargada - que B..., Ld.ª. Segundo a embargada, no seu recurso subordinado, pugna pela manutenção da cláusula penal convencionado, referindo, que as partes estavam no mesmo plano de igualdade, devidamente esclarecidas e as suas pretensões foram vertidas no acordo, que exprimiu a vontade inequívoca de ambas, pelo que, considerar-se que o montante é excessivo e desproporcional é retirar qualquer valor e sentido à vontade contratual das partes, razão que qual, foi violado o preceituado nos art.ºs 405.º, 406.º, 810.º, e 812, todos do CC. Sobre esta, tendo presente aos factos, supra descritos, ao referido in supra, a respeito da redução ca cláusula penal, jurisprudência e doutrina que advogamos, e por perfilharmos e entendimento expresso na sentença recorrida, sobre tal matéria, segmento que aqui transcrevemos: “Impõe-se, pois, uma redução significativa do montante em causa, que representava um acrescento de mais de 70 mil euros ao montante inicialmente acordado e já pago pela embargante à embargada. Tendo em conta a factualidade apurada de 1. a 49. (cujo teor aqui se dá por reproduzido), onde se destaca o contexto contratual de que emerge o contrato que integra a cláusula penal; o interesse das partes; os montantes das prestações e o valor global em causa, por contraponto com o vertido na cláusula penal; as circunstâncias em que foram realizados os pagamentos e o reduzido grau de violação e culpa da embargante, mas porque a dita cláusula não pode deixar de revestir uma penalização e servir a sua função, representando uma censura efetiva para o incumprimento do acordado, entendemos reduzir a mesma equitativamente para o montante de € 10.000,00. Contrapôs a esta redução da cláusula penal a embargada, reputando a pretensão da embargante como um abuso de direito, na vertente de venire contra factum proprium, pois que a cláusula penal mais não é do que o valor correspondente à redução do preço (sendo devida, face à sua natureza, independentemente de os alegados prejuízos serem muito baixos ou até inexistentes, pois que a não ser assim, não teria qualquer função coercitiva ou compulsória). Não se considera, pois, que tal pretensão integre qualquer abuso de direito, pois atento o circunstancialismo do caso concreto não é exercido de uma forma injusta, indigna, com excesso ou desrespeito pelos limites axiológicos ou materiais da comunidade ou sentimento ético-jurídico de resto dominante, de tal modo que o sentimento de justiça inerente à ordem jurídica imponha a retirada do mesmo ou a responsabilização do titular (Vaz Serra “Abuso de Direito” publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 85, 253 e Antunes Varela - Código Civil art.º 434º). Concluímos, pois, que não colhe aplicação o disposto no art.º 334º do Código Civil, quer porque tal seria praticamente esvaziar de objeto o referido art.º 812º (deixando entrar pela janela aquilo que se não deixou pela porta), quer porque o caso vertente não integra um extremo de tal ordem que o justifique (antes o podendo integrar a execução pelo montante integral em causa, quando a quantia globalmente acordada foi integralmente paga até 29.05.2020)”. E tendo presente que a redução da cláusula penal se impõe, como refere a doutrina e a jurisprudência, acima citada, que advogamos, em termos equitativos, tendo em conta o interesse das partes, a natureza do contrato, as circunstâncias em que foi realizado e o reduzido grau de violação e culpa da embargante no cumprimento dos prazos dos pagamentos parcelares, não vemos, assistir razão à recorrente. Face ao exposto, não vislumbramos razão para alterar a sentença recorrida, nem vislumbramos, que tenham sido violados os preceitos referidos pela recorrente ou outros. *** 4. Decisão Face ao exposto, decide-se, por acórdão, julgar o recurso interposto pela embargante improcedente, bem como o recurso, subordinado, interposto, pela embargada. Custas, a cargo de cada uma das recorrentes na proporção do decaimento. Coimbra, 30/5/2023 Pires Robalo (relator) Sílvia Pires (adjunta) Henrique Antunes (adjunto)
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