Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2808/22,7T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
ÓNUS DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DE DOCUMENTOS
PRECLUSÃO DA POSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA
Data do Acordão: 06/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2.º, A); 3.º, 1 E 2; 7.º, 1 E 2; 17.º, 1; 19.º, 1 E 2; 24.º, 1, Q) E R); 28.º, 1 E 3 E 29.º, 1, H), DA LEI 75/2017, DE 17/8
ARTIGOS 2.º E 20.º, 1 DA CRP
ARTIGOS 12.º, 1; 236.º; 295.º; 341.º; 342.º, 1; 345.º; 346.º; 362.º A 364.º; 372.º A 374.º; 376.º, 1 E 378.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 15.º, 1; 57.º, 2; 62.º; 130.º, 278.º, 1, C) E 2; 292.º; 414.º; 444.º, 1; 445.º; 576.º, 1 E 2; 577.º, C) E E); 603.º, 4; 605.º, 4; 607.º, 3; 615.º, 1, B); 635.º, 2; 647.º, 1, A), 2 E 3; 648.º; 665.º; 676.º, 1; 684.º, 1; 693.º; 704.º, 1 E 5; 941.º; 942.º; 942.º, 4 E  944.º, 1, DO CPC
...
Sumário: I - É ao autor que compete assegurar o preenchimento dos pressupostos processuais, tanto daqueles que lhe respeitam directamente, como daqueles que se referem quer ao tribunal quer à contraparte.

II - Tanto a incapacidade judiciária activa, como a ilegitimidade ad causam constituem excepções dilatórias nominadas impróprias, dado que se limitam a impugnar dois pressupostos processuais positivos que o autor considera preenchidos, razão pela qual o regime da prova desta excepções é aquele que se encontra estabelecido para os factos alegados pelo autor e impugnados pelo réu: não é o réu que tem de provar que o pressuposto não está preenchido, mas o autor que deve provar que o pressuposto está satisfeito, pelo que o risco da falta de prova do pressuposto positivo recai sobre o autor, porque é ele a parte onerada com a sua prova;

III - O ónus da prova é, antes de mais, o ónus de proposição da prova, dado que para cumprir o ónus da prova, a parte onerada deve, antes de mais, satisfazer o ónus de a propor, pelo que a parte não pode queixar-se da violação do seu direito à prova, enquanto dimensão ineliminável do direito ao processo equitativo, se não cumpriu – o ónus de a propor;

IV - No incidente probatório da impugnação de documentos, recai sobre as partes o ónus de propor, logo com o articulado ou com o requerimento, em que seja deduzida a impugnação, a respectiva prova, competindo à parte que alega a falsidade do documento, o ónus da respectiva prova;

V - Se no requerimento em que a arguiu a falsidade dos documentos, o arguente não se propôs produzir, sobre esse objecto, qualquer prova, designadamente, testemunhal, essa faculdade – ou ónus – é irremediavelmente atingida pela preclusão, entendida com a inadmissibilidade da prática de um acto processual, pela parte, no prazo peremptório, fixado pela lei ou pelo juiz, para a sua realização;

VI- Esta preclusão torna inadmissível a produção de toda e qualquer prova ordenada para demonstrar a falsidade, material ou intelectual, dos documentos impugnados por esse fundamento;

VII- A dúvida sobre a realidade do facto da falsidade dos documentos, deve ser resolvida contra o arguente, parte onerada com a respectiva prova.

Decisão Texto Integral:
Relator: Henrique Antunes
1.º Adjunta: Teresa Albuquerque
2ª Adjunta: Cristina Neves



Proc. n.° 2808/22.7T8VIS.C1
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
1. Relatório.
O Conselho Directivo ..., propôs, no Juízo Local Cível de Viseu, do Tribunal Judicial da Comarca ..., contra a junta de Freguesia ..., acção de prestação de contas, com processo especial, pedindo a condenação da última a pagar-lhe metade do saldo que venha a ser apurado.
Fundamentou esta pretensão no facto de, por contrato celebrado pela Junta de Freguesia ... com a H..., Lda., à qual sucedeu E..., SA, ter sido acordado o pagamento, pela segunda à primeira, de uma renda anual, actualizável, fixada, por aditamento de 13 de Março de 2007, em € 81 000,00, e de por sentença de 11 de Março de 2019, ter sido reconhecida a qualidade de baldios dos prédios e ordenada a sua devolução aos compartes, e a ré condenada a restituir-lhe o montante da rendas vencidas desde 2014, sentença que foi alterada por acórdão desta Relação, de harmonia com o qual a ré está obrigada a prestar-lhe contas das rendas recebidas, que devem ser distribuídas em partes iguais.
Remetido o processo para o Juízo Local Cível de Lamego, com fundamento na incompetência relativa, ratione loci, do Juízo Local Cível de Viseu, a ré contestou alegando que a inexistência da obrigação de prestar contas, por não ter sido feita prova de que o presidente do Conselho Directivo ... seja titular desse cargo nem ter sido junta deliberação da assembleia de compartes aprovando o recurso a juízo pelo Conselho Directivo, que nos últimos quatro anos, não foram convocadas, com os necessários editais, nem realizadas, assembleias de eleições para os órgãos dos compartes, nomeadamente, para o Conselho Directivo ... e a mesa da Assembleia de Compartes e que até à presente data, não foi convocada, nem realizada, qualquer assembleia de compartes tendo em vista a deliberação do recurso a juízo pelo conselho diretivo através da presente ação, não tendo por isso, obrigação de prestar contas a quem as exige ilegitimamente, que revogou a cedência àquele Conselho Diretivo de bens imóveis e móveis e o pagamento de electricidade, tendo solicitado a sua devolução e a respectiva prestação de contas, que o Conselho Diretivo não prestou, pelo que se formou um acordo tácito de que não prestaria contas enquanto aquele as não prestasse e que com a exigência da prestação de contas o autor age em abuso do direito.
Em resposta, o autor, alegando, designadamente, que a ré invocou as excepções dilatórias da irregularidade da sua representação e da falta de autorização ou deliberação para a propositura da acção e a excepção peremptória do abuso do direito, afirmou que a assembleia de AA, regularmente convocada, elegeu os diversos membros dos vários órgãos e o presidente do Conselho Diretivo, que a assembleia de AA, realizada no dia 20 de Janeiro de 2013, deliberou pedir à Junta de Freguesia a devolução dos terrenos baldios e o pagamento das rendas, podendo inclusivamente recorrer às vias judiciais, que não utilizou todos os bens cedidos e que estes não produzem receitas, conclui pela improcedências das excepções.
O autor juntou, com a resposta, documentos relativos a convocatória, datada de 26 de Abril de 2019, da assembleia de compartes para o dia 12 de Maio de 2019, á sua afixação na porta da sala dos compartes e no placard da Igreja, os avisos, e à acta da eleição dos diversos órgãos, incluindo do presidente do Conselho Directivo, e à acta da deliberação da assembleia de compartes realizada no dia 20 de Janeiro de 2013.
A ré, notificada da resposta, declarou impugnar, por falso ou inexato, o conteúdo dos documentos n°s 1 a 12 juntos com a resposta do Autor, bem como se impugna o documento 13, maxime quanto aos efeitos que do mesmo se pretende retirar - mas não propôs, neste requerimento, qualquer prova. O autor notificado desta declaração nada disse.
O despacho saneador, concordando e aderindo integralmente à qualificação que autor fez das excepções opostas pela ré, depois de observar, designadamente que com a resposta do A. foram juntos diversos documentos, mas neste circunspeto, atinente à deliberação da Assembleia para recorrer a juízo, foi junta a ata n° 1 de janeiro de 2013 onde consta expressamente a pág. 11 a aprovação por unanimidade dos compartes em dar plenos poderes ao Conselho Diretivo para pedir à junta de Freguesia a devolução dos terrenos baldios e reclamar junto da E... SA o pagamento das rendas dos terrenos baldios, podendo inclusivamente recorrer às vias judiciais e constituir mandatário para defesa dos interesses legítimos da comunidade relativamente a estes baldios, e que o alegado pelo A. está comprovado documentalmente pelos documentos juntos com a resposta: - A Presidente da Mesa da Assembleia dos AA, por convocatória datada de 26.04.2019, chamou os Compartes para a assembleia extraordinária a realizar a 12.05.2019, pelas 09:00, no salão de Compartes, tendo como ponto único da ordem de trabalhos a eleição para o Conselho Diretivo, Mesa da Assembleia e Conselho Fiscal, para os quatro anos seguintes - Doc. 1.da resposta. - Tal convocatória foi afixada nos locais de estio: na porta do saão dos Compartes (Doc. 2) e no piacard da Igreja (Doc. 3). - Foi objeto de dois avisos, nas missas dominicais de 28.04.2019 e no próprio dia, 12.05.2019, como atestado pelo Padre que os realizou (Doc.s 1 e 4). - A Assembleia dos AA reuniu, nos exatos termos em que foi convocada, no dia 12.05.2019, tendo-se realizado a eleição dos membros dos diversos órgãos para o quadriénio de 2019/2023 - cfr. Ata n° 2/2019, que constitui o Doc. 5. - Foram eleitos para o Conselho Diretivo, entre outros, os compartes BB (Presidente) e CC (Segundo Secretário) - mesmo Doc. 5. - Foi o Presidente eleito quem constituiu Mandatário nos presentes autos, conforme procuração junta com a petição inicial, julgou improcedentes, designadamente, as excepções dilatórias da falta de deliberação/autorização do autor e da irregularidade da sua representação e decidiu que a ré está obrigada a prestar as contas exigidas pelo autor.
É esta decisão que a ré impugna no recurso - no qual pede a sua revogação/anulação e substituição por outra que determine a produção da prova quanto à excepção da ilegitimidade/falta de representação de poderes representativos da autora ou, caso assim se não entenda, a anulação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que determine a produção de prova quanto à excepção da ilegitimidade/falta de poderes representativos da autora, bem como à respectiva análise e especificação da matéria de facto - tendo rematado a sua alegação com estas conclusões:
1.9 - A União de Freguesias ora Recorrente não pode concordar que o Tribunal a quo tenha decidido acerca da exceção de ilegitimidade/falta de poderes representativos, imediata e sumariamente, sem ter produzido a prova necessária.
2.9 - Conforme é atualmente pacifico, o princípio do contraditório deve ser entendido como uma garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão.
3. - - Nos temos dos artigos 374.° e 376.° do CC, apenas se considera estabelecida a autenticidade do documento se a parte contrária reconhecer expressamente a autenticidade; se a parte contrária não fizer qualquer declaração; ou se a parte contrária declarar não saber se o documento é genuíno ou autêntico, mas a autoria do documento lhe ser atribuída.
4. - - Ora, conforme acima referido, in casu, os referidos documentos (n.°s 1 a 5 juntos pela Autora com a sua resposta) foram impugnados pela Ré.
5. - - Assim, tendo os documentos e a factualidade alegada pela Autora na sua resposta atinentes à exceção invocada sido impugnados por falsos, deverá permitir-se às partes produzir a prova atinente à factualidade por si alegada.
6. - - Ora, ao ter decidido, imediata e sumariamente, sem ter dado à Ré sequer a possibilidade de produzir prova para demonstrar a matéria factual atinente à referida exceção, o Tribunal a quo violou o direito da Ré a um processo justo e equitativo, nomeadamente ao exercício do contraditório.
7. - - Pelo que, a douta sentença de que ora se recorre deverá ser revogada/anulada, por ilegal, e substituída por decisão que determine a produção de prova, nomeadamente, quanto à exceção de ilegitimidade/falta de poderes representativos da Autora.
Por outro lado,
8. - - Na douta sentença de que se recorre, decidiu-se acerca das exceções invocadas pela Ré sem ter- se especificado os respetivos factos considerados, ou não, provados, bem como a respetiva fundamentação.
9. - - Cabendo salientar, respeitosamente, que os presentes autos não têm por objeto assuntos de pequena importância. Muito pelo contrário, o objeto dos presentes autos é de elevado valor económico e importância social, não devendo decidir-se sem a realização da prova indicada, nem sem a respetiva análise e formalização nos termos legais.
10. - - Aliás, quanto a estes mesmos Baldios, não seria a primeira vez que seria detetada a falta de correspondência entre os papéis (os documentos apresentados) referentes a supostas eleições e a realidade factual, conforme, aliás, ocorreu no âmbito do processo n.° 37/03...., em que o Tribunal da Relação ... no seu douto Acórdão de 05/01/2010, supra citado.
11.9 - Pelo que, no entender da União de Freguesias, ora Recorrente, a douta sentença de que se recorre, para além de ilegal (por violar o principio do contraditório), também padece de nulidade, conforme previsto na alínea b), do n.° 1, do artigo 615.° do CPC.
12.9 - Nulidade que deverá ser declarada, devendo a douta sentença de que ora se recorre deverá ser anulada e substituída por decisão que determine a produção de prova, nomeadamente, quanto à exceção de ilegitimidade/falta de poderes representativos da Autora, bem como a respetiva análise e especificação da matéria de facto, nos termos legais.
Na resposta ao recurso, o autor concluiu, naturalmente, pela improcedência dele.
A Sra. Juíza de Direito admitiu o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
Por requerimento oferecido no dia 6 de Junho de 2023, já depois de iniciada, com os vistos às Sras. Juízas Adjuntas, a fase da preparação do julgamento do recurso, a apelante, em requerimento dirigido ao tribunal de que provém o recurso, requereu que lhe fosse atribuído efeito suspensivo e não o efeito devolutivo que lhe foi fixado no despacho que o admitiu.
Alegou, para tanto que a lei determina que da decisão proferida sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas cabe apelação com efeito suspensivo.
O apelado não respondeu.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.
Os factos que relevam para o conhecimento do recurso - que tem por objecto questões puramente procedimentais ou processuais - relativos ao conteúdo dos articulados produzidos pelas partes e da decisão impugnada, são os que, em síntese apertada, o relatório documenta.
3. Fundamentos.
3.1. Delimitação do âmbito objectivo do recurso.
Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (art.° 635 n°s 2, 1.9 parte, 3 a 5 do CPC).
A Sra. Juíza de Direito, aderindo, sem reserva, à qualificação feita pelo autor, na resposta à contestação, da natureza da defesa deduzida pela ré, assentou em que esta opôs aquele, designadamente, duas excepções dilatórias - a da falta de deliberação/autorização do autor e da irregularidade da sua representação - e, com fundamento na prova documental oferecida pelo autor - cujo conteúdo a ré, de modo seco, impugnou, por falsidade - julgou-as improcedentes.
A ré sustenta, no recurso, por um lado que a decisão impugnada se encontra ferida com o vício substancial da nulidade, por não não ter especificado os factos considerados provados e não provados e a respectiva fundamentação, e por outro, que a sentença, ao ter decidido a exceção de ilegitimidade/falta de poderes representativos, sem lhe ter dado sequer a possibilidade de produzir prova para demonstrar a matéria factual atinente à referida exceção, designadamente à arguição da falsidade dos documentos, violou o seu direito a um processo justo e equitativo, nomeadamente ao exercício do contraditório.
Como é patente a partir da simples leitura da decisão impugnada, no troço interessante para a apreciação do objecto do recurso, a improcedência das apontadas excepções assentou - exclusivamente - na prova documental oferecida pelo autor com a resposta e vê-se da alegação da apelante que a sua discordância tem por objecto a circunstância de não lhe ter sido permitido produzir a prova da arguição da falsidade daqueles mesmos documentos e, correspondentemente, dos factos neles documentados.
Das reuniões dos órgãos das comunidades locais são elaboradas actas - e só estas podem certificar validamente as deliberações tomadas (art.° 19.°. n.°s 1 e 2, da Lei n.° 75/2017, de 17 de Agosto = art.° 13.°, n.°s 1 e 3, da Lei n.° 68/93, de 4 de Setembro). Dado que as deliberações dos órgãos das comunidades locais só podem provar-se, por exigência legal, através das actas das respectivas reuniões, aquelas actas revestem, indiscutivelmente, a natureza de documento ad substantiam, não podendo, por isso, ser substituídas por outro meio de prova, nem por outro documento que não seja de força probatória superior - é bem de ver a importância que para a apelante tem o exercício da prova relativamente à arguição da falsidade dos documentos de que a sentença impugnada se socorreu para julgar improcedentes as excepções dilatórias referidas: é que, provada a falsidade, toda e qualquer força probatória que devesse assinalar-se aqueles documentos, por mínima que seja, fica irrecuperavelmente destruída, impondo ao juiz a absoluta desconsideração dessa prova documental e impedindo, irrefragável e definitivamente, o apelado de fazer a prova do preenchimento do pressuposto processual da capacidade judiciária, entendida de modo lato, a ela respeitante, com a consequente absolvição da apelante da instância (art.° 364.°, n.° 1, do Código Civil).
Portanto, os factos relativamente aos quais a apelante se queixa da violação do seu direito ao processo equitativo, são, irrecusavelmente, desde logo, os relativos à falsidade dos documentos de que a sentença impugnada se socorreu para extrair a conclusão da regularidade da representação do apelado e da detenção por este de autorização para a propositura da acção.
Maneira que, considerados os parâmetros da competência funcional ou decisória desta Relação apontados, as questões concretas controversas colocadas à sua atenção são das de saber se a decisão impugnada se encontra ferido com o valor negativo da nulidade substancial e por um error in iudicando ao ter decidido a questão da ilegitimidade/falta de poderes representativos, sem lhe dar a oportunidade de produzir prova sobre os factos correspondentes, violando, por esse modo, o seu direito a um processo equitativo.
Não é inteiramente unívoco se ao referir-se à ilegitimidade do autor, a apelante tem em vista a ilegitimidade, proprio sensu, processual, daquela parte ou antes a ilegitimidade substantiva[1] dessa mesma parte.
A autorização, seja ela constitutiva ou integrativa, é o nome dado a actos especificamente destinados a provocar legitimidade, o seu fim último é sempre o de constituir legitimidade de alguém para agir - sobre a esfera jurídica alheia ou sobre a sua própria esfera jurídica[2].
A incapacidade judiciária pode ser entendida em sentido estrito- insusceptibilidade de estar por si em juízo - única a que se refere a terminologia legal, ou em sentido lato, ou doutrinário, compreendendo, neste último caso, os vícios da irregularidade da representação ou a falta de autorização, deliberação ou consentimento. Na falta de autorização, deliberação ou consentimento e do seu suprimento judicial, quando possível, o vício consiste em carecer o representante de uma autorização, deliberação ou consentimento alheio, ou do seu suprimento judicial, se possível, e o autor[3] não se mostrar munido desse requisito.
Maneira que se a autorização se refere a acto a praticar em juízo - v.g., a propositura de uma acção - a sua falta dá origem, não a qualquer ilegitimidade - substantiva ou meramente processual - mas a incapacidade judiciária, no sentido lado apontado, e é, portanto, no quadro deste pressuposto processual - se referido ao autor - que deve ser tratada. Entendendo-se, todavia - ad cautelam, para evitar as sempre desagradáveis alegações de nulidade dos actos decisórios por omissão de pronúncia e por aplicação do adágio quod abundat non nocet - que a interpretação correcta da alegação da apelante se refere à legitimidade processual, então há que conhecer e tratar também desse objecto do recurso (art.° 236.°, exvi art.° 295.° do Código Civil).
A resolução destes problemas, vincula, assim, ao exame, ainda que breve, da causa de nulidade da sentença representada pela falta de fundamentação ou motivação da decisão da questão de facto, e face à qualificação alternativa da excepção dilatória em que a apelante insiste no recurso - ilegitimidade/falta de poderes representativos - ao conteúdo dos pressupostos processuais relativos às partes em que a incapacidade judiciária e a legitimidade processual ou ad causam se resolvem, e do princípio do processo equitativo, na sua dimensão de direito à prova. Complementarmente há que considerar o regime do incidente probatório de impugnação da prova documental, designadamente no aspecto capital do oferecimento da respectiva prova.
Incidentalmente há que decidir uma outra questão, também de índole puramente procedimental, levantada em momento ulterior à do início da fase da preparação do julgamento do recurso: o efeito extraprocessual da sua interposição.
3.2. Efeito - extraprocessual - da interposição do recurso.
A interposição do recurso pode produzir um efeito - extraprocessual - devolutivo ou suspensivo: no primeiro caso, a interposição do recurso não obsta à produção dos efeitos da decisão recorrida, nomeadamente a sua exequibilidade, fora do processo em que foi proferida; no segundo impede aqueles efeitos e esta exequibilidade, fora do processo em que o recurso foi interposto (art.°s 647°,. n.° a), 2 e 3, 648.°, 676°, n.° 1, 693.° e 704.°, n.°s 1 e 5, do CPC).
A decisão impugnada foi proferida em acção de prestação de contas, com processo especial, e concluiu pela existência da obrigação de prestação de contas e, em consequência, condenou a apelante a prestá-las - embora o recurso não tenha directamente por objecto a obrigação material de prestação de contas, em si mesma, mas questões puramente procedimentais que a apelante agrega na expressão ilegitimidade/falta de poderes representativos e que a sentença impugnada qualificou, em linha com a proposta do apelado, como excepções dilatórias da irregularidade da representação deste e da falta de autorização ou deliberação para a propositura da acção. O recurso de apelação sobe imediatamente, nos próprios autos - mas o efeito - extraprocessual da sua interposição que lhe compete é o efeito suspensivo e não o efeito devolutivo que lhe foi assinalado no despacho que o admitiu (art.° 942.°, n.° 4, do CPC).
Como o despacho de admissão do recurso não vincula esta Relação, importa, pois, fixar ao recurso um tal efeito (art.° 641.°. n.° 5, 1.9 parte, do CPC).
3.3. Nulidade substancial da decisão impugnada.
A falta de motivação ou fundamentação da sentença verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um qualquer pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão (art.° 615.°, n.° 1, b), do CPC). A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais, embora se deva notar que apenas a ausência absoluta de qualquer fundamentação - e não a fundamentação, avara, insuficiente ou deficiente - conduz à nulidade da decisão. Realmente, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta, completa, de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor persuasivo da decisão - mas não produz nulidade[4] (art.°s 208.°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa, e 154.°, n° 1, do CPC).
Uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do seu bom fundamento. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes. A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade, sendo exigida para controlar a coerência interna e a correção externa dessa mesma decisão. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.
A sentença deve, pois, ser fundamentada, através da exposição dos fundamentos da decisão, em que o juiz deve discriminar os factos assentes ou provados (art.° 607.°, n.° 3, do CPC).
A apelante acha que a decisão impugnada não especifica os factos em que assentou a decisão. Uma tal alegação não se julga exacta. Uma leitura ainda que meramente oblíqua daquela decisão mostra que julgou os provados os factos, alegados pelo autor no articulado de resposta, designadamente, os relativos à convocatória da assembleia de compartes, e ás respectivas formalidades, e à eleição, nessa assembleia, dos respectivos órgãos. É certo que, como a sentença se escreve para ser lida e compreendida, que essa leitura e compreensão é facilitada pela discriminação individualizada e concentrada dos factos nela considerados provados que não devem por isso surgir espalhados pelo seu texto. Mas a verdade é que a falta de indicação concentrada dos factos julgados provados, se torna a sentença menos escorreita não é, decerto, causa da sua nulidade substancial, dado que, mesmo neste caso, não deixa de indicar os factos em que fez assentar a decisão final.
A apelante sustenta também que a sentença impugnada é omissa quanto à motivação dos factos que teve por provados.
A lei de processo é terminante na exigência da especificação, na decisão na matéria de facto, dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova, ou a ausência dela, dos factos (art.° 603°, n.° 4, do CPC).
Como, em regra, as provas produzidas, na audiência final ou fora dela, estão sujeitas à livre apreciação, o decisor da matéria de facto deve indicar os fundamentos suficientes para, que através das regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (art.° 605.° n.° 4, proémio, do CPC). Note-se que com a exigência de motivação não se visa a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz; a finalidade é limitadamente a de persuadir os destinatários da correcção da sua decisão.
A apreciação de cada meio de prova pressupõe o conhecimento do seu conteúdo, a determinação da sua relevância e a sua valoração.
Como, evidentemente, não é possível submeter a apreciação da prova a critérios objectivos a lei apela - e contenta-se - com a convicção íntima ou subjectiva, mas prudente, do tribunal. A convicção exigida para a demonstração da realidade ou da inveracidade de um facto é uma convicção que, para além de dever respeitar as leis da ciência e do raciocínio, pode assentar numa regra máxima da experiência. A convicção sobre a prova do facto fundamenta-se em regras de experiência - que tanto podem corresponder ao senso comum como a um conhecimento técnico ou científico especializado - baseadas na normalidade das coisas - o id quod plerumque accidit - e aptas a servirem de argumento justificativo dessa convicção. A convicção do tribunal extraída dessas regras da experiência é uma convicção argumentativa, isto é, uma convicção demonstrável através de um argumento.
No caso, a leitura da decisão impugnada torna patentes as provas que teve por decisivas para julgar os factos que considerou provados: a prova documental oferecida pelo autor com o articulado de resposta à contestação. É verdade que não pode dizer-se que a motivação adiantada pela Sra. Juíza de Direito para julgar provados aqueles factos seja particularmente pródiga na exposição das razões que a convenceram sobre a realidade daqueles factos. Apesar disso, deve entender-se que indica, com suficiência, as provas - que se resumem à prova documental produzida pelo autor com o articulado de resposta - com base nas quais se convenceu da veracidade daqueles mesmos factos, facultando assim à apelante o exercício, sem embraço, do seu direito de impugnar a decisão correspondente.
Mas vamos que, realmente, o decisor de facto do tribunal de que provém o recurso omitiu a especificação dos fundamentos suficientes para controlar a razoabilidade da sua convicção sobre o julgamento dos factos que considerou provados. Ainda que fosse o caso, de uma tal omissão, não resultaria, em caso algum, a nulidade da sentença contestada.
Apesar de actualmente o julgamento da matéria de facto se conter na decisão, final ou meramente interlocutória, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão da matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório.
A decisão da matéria de facto está, na realidade, sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de lugar à actuação por esta Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1^ instância (art.° 662.°, n° 2 c) e d), do CPC). Assim, no caso de a decisão da matéria de facto daquele tribunal se não mostrar adequadamente fundamentada, a Relação deve - no uso de uma forma mitigada de poderes de cassação - reenviar o processo para a 1^ instância para que a fundamente (art.° 662.°, n° 2 do CPC)[5].
Salienta-se este ponto, dado que, segundo a apelante, a nulidade da sentença decorreria, no caso, da falta de fundamentação da decisão da matéria de facto contida na sentença. Ora, nem a falta de fundamentação da decisão da questão de facto constitui causa de nulidade da sentença, nem, de resto, se verifica uma tal omissão.
Aliás - e como é, deveras, frequente - a arguição da nulidade da sentença não toma em devida e boa conta o sistema a que, no tribunal ad quem, obedece o seu julgamento.
O julgamento, no tribunal hierarquicamente superior, da nulidade obedece a um regime diferenciado conforme se trate de recurso de apelação ou de recurso de revista.
Na apelação, a regra é da irrelevância da nulidade, uma vez que ainda que julgue procedente a arguição e declare nula a sentença, a Relação deve conhecer do objecto do recurso (art°s 665.°, n° 1, n.° 1 do CPC).
No julgamento da arguição de nulidade da decisão impugnada de harmonia com o modelo de substituição, impõe-se ao tribunal ad quem o suprimento daquela nulidade e o conhecimento do objecto do recurso (art°s 665.°, n° 1 e 684.°, n.° 1, do CPC).
Contudo, nem sempre, no julgamento do recurso, se impõe o suprimento da nulidade da decisão recorrida nem mesmo se exige sempre sequer o conhecimento da nulidade, como condição prévia do conhecimento do objecto do recurso. Exemplo desta última eventualidade é disponibilizado pelo recurso subsidiário. O vencedor pode, na sua alegação, invocar, a título subsidiário, a nulidade da decisão impugnada e requerer a apreciação desse vício no caso de o recurso do vencido ser julgado procedente (art.° 635.°, n.° 2, do CPC). Neste caso, o tribunal ad quem só conhecerá da nulidade caso não deva confirmar a decisão, regime de que decorre a possibilidade de conhecimento do objecto do recurso, sem o julgamento daquela arguição.
Raro é o caso em que o recurso tenha por único objecto a nulidade da decisão recorrida: o mais comum é que a arguição deste vício seja apenas mais um dos fundamentos em que o recorrente baseia a impugnação. Sempre que isso ocorra, admite-se que o tribunal de recurso possa revogar ou confirmar a decisão impugnada, arguida de nula, sem previamente conhecer do vício da nulidade. Isso sucederá, por exemplo, quando ao tribunal hierarquicamente superior, apesar de decisão impugnada se encontrar ferida com aquele vício, seja possível revogar ou confirmar, ainda que por outro fundamento, a decisão recorrida. Sempre que isso suceda, é inútil a apreciação e o suprimento da nulidade, e o tribunal ad quem deve limitar- se a conhecer dos fundamentos relativos ao mérito do recurso e a revogar ou confirmar, conforme o caso, a decisão impugnada (art.° 130.° do CPC)[6].
A arguição da nulidade da decisão - embora muitas vezes assente numa lamentável confusão entre aquele vício e o erro de julgamento - é uma ocorrência ordinária. A interiorização pelo recorrente da irrelevância, no tribunal de recurso, que julgue segundo o modelo de substituição, da nulidade da decisão impugnada, obstaria, decerto, à sistemática arguição do vício correspondente.
Não há, pois, bom fundamento para, pela causa alegada pela apelante, ter a sentença impugnada por nula.
3.4. Conteúdo dos pressupostos processuais relativos às partes representados pela capacidade judiciária e pela legitimidade processual.
Consabidamente, a lei exige, para a apreciação do mérito da causa, que as partes apresentem um número de características que funcionam como pressupostos processuais a elas relativos, designadamente a capacidade judiciária e a legitimidade processual.
A capacidade judiciária é legalmente definida como a susceptibilidade de estar, por si, em juízo: trata-se, portanto, da susceptibilidade de a pessoa, por si, pessoal e livremente, decidir sobre a orientação da defesa dos seus interesses em juízo, em aspectos que não sejam de mera técnica jurídica (art.° 15.°, n.° 1, do CPC).
Como já se observou, por incapacidade judiciária lato sensu, em sentido doutrinário, podem ser designados, desde logo, dois vícios: a irregularidade da representação que se verifica quando está em juízo um incapaz ou uma pessoa colectiva representada por pessoa diferente daquela a quem compete a representação, embora se deva entender que a irregularidade da representação excede os quadros da própria incapacidade judiciária lato sensu, dado que se verifica sempre que alguém invoque poderes de representação, de capaz ou incapaz, que não tem; a falta de autorização, deliberação ou consentimento exigido por lei e do seu suprimento judicial, quando possível: o vício consiste, neste caso, em o representante carecer de uma autorização, deliberação ou consentimento alheio e não se mostrar munido desse requisito, regime que é igualmente aplicável quando seja a própria parte que necessita de uma autorização para estar em juízo. Qualquer destes vícios só produz efeitos se não for sanado (art.° 278.°. n.° 2, do CPC). Pressuposto processual relativo às partes inteiramente diferente é, por certo, a legitimidade processual.
Um ponto que, actualmente, não oferece dúvida relevante é a do critério aferidor da legitimidade singular.
A explicitação conceitual da ideia de legitimidade processual deu dado azo a conhecida controvérsia[7].
Quando se entenda que o objecto do processo é um litígio, têm legitimidade os titulares dos interesses em litígio; se se vir no objecto do processo uma relação jurídica, têm legitimidade os titulares dessa relação - Alberto dos Reis - ou os que se apresentem como tal - Barbosa de Magalhães. O Código de Processo Civil optou por uma fórmula prática: ao falar em relação material controvertida aponta para aquilo que o autor tenha querido apresentar em juízo[8].
Ou seja: tem legitimidade, por exemplo, como autor a parte que se apresente como titular da prestação alegada. Compreende-se, pois, o regime: se nem isso sucede, não vale a pena o tribunal prosseguir na sua análise, cabendo a absolvição da instância (art.° 577.°, e), do CPC).
Maneira que, com declarado propósito de por termo a uma discussão, já clássica, iniciada entre os Professores José Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães acerca dos critérios de aferição da legitimidade processual singular, a lei, aderindo à solução proposta pela jurisprudência dominante, declara que o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, interesse que se exprime pela utilidade decorrente da procedência da acção e que, na falta de indicação contrária, consideram-se, para efeitos de legitimidade, titulares do interesse relevante, os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada por aquele (art.° 30.°, n.°s 1 a 3, do CPC). Como é característico dos pressupostos processuais, a aferição da legitimidade é feita por referência ao objecto do processo - causa de pedir e pedido - definido pelo autor (art.° 30.°. n.° 3, do CPC).
O pensamento da lei foi, nitidamente, o de desvalorizar a legitimidade enquanto pressuposto processual com o propósito de dar prevalência à decisão de mérito relativamente à decisão de pura forma, circunscrevendo as situações de ilegitimidade àqueles casos em que da própria exposição da situação da situação de facto controvertida, cuja existência tem de pressupor, se exclui a individualização por parte de alguns dos sujeitos presentes na causa[9].
Agora, nos termos gerais, é de toda a conveniência não confundir legitimidade para pedir ou requerer - com procedência ou mérito do pedido ou requerimento correspondente (art.° 30.°. n.°s 1 e 3, do CPC)[10].
Sendo o objecto inicial do processo constituído pelo pedido e pela respectiva fundamentação, mas conferindo-se a esta, em sede de objecto do processo, apenas uma função individualizadora daquele, será aquele pedido a realidade aferidora da legitimidade de qualquer parte. Assim, a ilegitimidade de qualquer das partes só se verificará quando em juízo se não encontrar o titular ou titulares da relação material controvertida ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação. Entendimento diverso conduz a uma lastimável confusão entre legitimidade e procedência.
Para a legitimidade processual ter algum conteúdo, deve entender-se que ele não se resume a uma questão de palavras: não chega, para que ela se tenha por verificada, que o autor diga, vocabularmente, ter interesse no pedido. Há que ponderar, do conjunto da pretensão deduzida - pedido e causa de pedir - se ele se apresenta mesmo como titular da posição controvertida ou se, tudo somado, ele não alega, sequer, uma posição consistente.
A lei de processo é terminante em declarar que a legitimidade activa deve ser aferida através de um interesse em demandar, pelo que o que releva para a aferição desse interesse é a relação - directa - entre a parte e o objecto litigioso (art.° 30.°, n.° 2, do CPC). O interesse em demandar, segundo a definição legal, é aferido pela utilidade que uma decisão de procedência importa para a parte activa.
De harmonia com a orientação que se tem por correcta, o interesse em demandar não é suficiente para atribuir legitimidade a uma parte processual: é ainda indispensável que essa parte possa produzir todos os efeitos materiais que podem resultar da decisão de procedência da acção, ou seja que tenha legitimidade material para produzir esses efeitos[11].
A legitimidade ad causam constitui também um pressuposto processual positivo, i.e., uma condição que deve estar preenchida para que possa ser proferida a decisão de mérito.
É ao autor que compete assegurar o preenchimento dos pressupostos processuais, tanto daqueles que lhe respeitam directamente, como daqueles que se referem quer ao tribunal quer à contraparte. É isso que justifica que o não preenchimento do pressuposto processual importe uma consequência desfavorável para o autor: a falta dele constitui uma excepção dilatória e impede que o autor possa obter a tutela pretendida (art.°s 576.°, n.°s 1 e 2, e 577.°, c) e e), do CPC).
Tanto a incapacidade judiciária, entendida do modo lato referido, como a ilegitimidade ad causam constituem excepções dilatórias nominadas impróprias, dado que se limitam a impugnar dois pressupostos processuais positivos que o autor considera preenchidos. Por essa razão, o regime da prova desta excepções é aquele que se encontra estabelecido para os factos alegados pelo autor e impugnados pelo réu: não é o réu que tem de provar que o pressuposto não está preenchido, mas o autor que deve provar que o pressuposto está satisfeito (art° 342.°, n.° 1, do Código Civil). Daí que o risco da falta de prova do pressuposto positivo recai sobre o autor, porque é ele a parte onerada com a sua prova (art.°s 414.° do CPC, e 342.° do Código Civil).
Face a estes enunciados, tem-se por certo que não há fundamento sério para discutir a legitimidade ad causam do apelado.
O objecto da acção - pedido e causa de pedir - tal como foi recortado pelo autor - é uma obrigação de prestação de contas.
Juridicamente, a obrigação de informação - a que corresponde um simétrico direito a ser informado - tem um carácter marcado pela instrumentalidade, razão que explica a sua construção a partir da sua indispensabilidade para o exercício de outros direitos: a informação não é, em si mesma, um fim - mas um meio de permitir o exercício, pelo seu titular, de um outro direito. A tutela do direito à informação é instrumental perante outras situações decorrentes do direito substantivo, porque esse direito é ainda um meio de tutela dessas situações.
O Direito Civil português disponibiliza uma previsão, com carácter geral, da obrigação ou do dever de informar (art.° 573.° do Código Civil). Doutrina e jurisprudência são acordes em que a constituição dessa obrigação de informação exige a verificação cumulativa de dois pressupostos: a dúvida fundada, do titular de um direito, sobre a sua existência ou o seu conteúdo; a existência de outrem em condições de prestar as informações necessárias (art.° 573 .° do Código Civil)[12].
Espécie particular da prestação de informação é, decerto, a prestação de contas. A sua especificidade ou alteralidade relativamente à obrigação geral de informação reside nisto: é uma obrigação de informação pormenorizada, de forma vinculada, dado que se exige a discriminação da proveniência das receitas e a aplicação das despesas e o respectivo saldo (art.° 944.°, n° 1, do CPC). Esta última razão explica que a prestação de contas não se satisfaça com a simples entrega dos documentos comprovativos da despesa e da receita[13]. Neste sentido, a obrigação deve ser entendida, não como um simples dever de informação sobre o objecto do direito de outrem - mas como obrigação de informação detalhada das receitas e despesas efectuadas, acompanhada da justificação e documentação de todos os actos de que é uso exigir e guardar documento (art.° 941.° do CPC).
O sujeito passivo e activo da obrigação de prestação de contas individualizam-se, por recurso a este princípio geral, com relativa facilidade: essa obrigação recai sobre quem administra bens ou interesses alheios - ainda que só parcialmente - e beneficia o titular desses mesmos bens ou interesses (art.° 941.° do CPC)[14].
Se o vinculado a prestar contas não cumprir voluntaria ou espontaneamente essa obrigação - i.e., se não oferecer as contas da sua gestão - essas contas podem ser-lhe exigidas, quer dizer, pode ser forçado a prestá-las (art°s 941.° e 942.° do CPC).
No caso do recurso, de harmonia com o pedido e a causa de pedir alegadas pelo autor, apelado, este tem o direito de exigir que a ré, apelante, lhe preste contas e a última tem o dever de as prestar. Portanto, aferido o interesse em demandar pela relação entre objecto do processo e a parte activa, é seguro que o apelado tem interesse em demandar dado que a procedência da sua pretensão lhe acarretará uma utilidade: a vinculação da apelante à obrigação prestar as contas que o autor lhe exige. Dito doutro modo: o apelado tem interesse em demandar, ou seja, o interesse na obtenção de uma tutela favorável, através de uma decisão de procedência, e também o poder de o poder de, sem a presença de qualquer outra parte que o acompanhe, produzir os efeitos substantivos que decorrem da procedência daquela pretensão.
De resto, o direito do apelado de exigir do apelante a prestação das contas deve ter-se por irrecusável em face do acórdão desta Relação de 22 de Outubro de 2019, transitado em julgado, que é terminante em reconhecer ao apelado o direito de exigir do apelante a prestação das contas relativamente ao recebimento, pela primeira, das rendas relativas aos baldios, objecto mediato das contas pedidas pelo apelado à apelante.
A improcedência da excepção dilatória da ilegitimidade do autor, invocada pela apelante, ainda que em termos alternativos, independentemente da produção de qualquer prova é, assim, meramente consequencial.
Resta, por isso, a apreciação da excepção dilatória da incapacidade judiciária, lato sensu, do apelado decorrente da irregularidade da representação e da falta de autorização.
Ponto que exige a ponderação da estrutura orgânica dos baldios e da competência dos respectivos órgãos.
Segundo a definição legal, baldios, são os terrenos com as suas partes e equipamentos integrantes, possuídos e geridos por comunidades legais e constituem, em regra, logradouro comum dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gados, recolha de lenhas e de matos, de culturas e de caça e de todas as suas actuais e futuras potencialidades económicas, nos termos da lei e dos usos e costumes locais (art.°s 2.° a), e 3.°, n.° 1 da Lei n.° 75/2017, de 17 de Agosto).
Os baldios constituem, em regra, logradouro comum dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenha e de matos, de culturas e de caça, de produção elétrica e de todas as suas actuais e futuras potencialidades económicas, nos termos da lei e os usos locais, e o uso, a posse, a fruição e administração são feitos de acordo com a lei, os usos e costumes locais e as deliberações dos órgãos competentes das comunidades locais, democraticamente eleitos (art.° 3.°, n°s 1 e 2, da Lei n.° 75/2017, de 17 de Agosto).
A lei é terminante na declaração de que os compartes - cujo universo é integrado por cidadãos residentes na área onde se situam os correspondentes imóveis, qualidade que também pode ser atribuída, pela assembleia de compartes, a cidadão não residentes - são os titulares dos baldios (art.° 7.°, n°s 1 e 2, da Lei n.° 75/2017, de 17 de Agosto).
Ora, um direito subjectivo que atribui um determinado aproveitamento de uma coisa corpórea, que tem esta mesma coisa por objecto, é um direito real[15].
O direito dos compartes - que pode denominar-se de direito de baldio - é, pois, um direito real - mas um direito real outro: não se trata de um direito de propriedade, mas de um direito real a se, de titularidade difusa, indelevelmente marcado por estas características: não compreende o gozo, de modo pleno e exclusivo, do direito disposição da coisa sobre que incide; faculta a cada um dos elementos de um universo de pessoas - a comunidade local - de acordo com as deliberações das assembleias de compartes e os usos e costumes, a posse limitada às faculdades de uso e fruição das utilidades da coisa; está fora do comércio jurídico, pelo que é insusceptível de apropriação privada, tanto pelos compartes, individualmente considerados, quer pela estrutura da sua administração[16].
São três, e de natureza colegial, os órgãos dos baldios: a assembleia de compartes, o conselho diretivo e a comissão de fiscalização (art.° 17.°, n.° 1, da Lei n.° 75/2017, de 17 de Agosto).
A assembleia de compartes, que é constituída pelo universo dos compartes constantes do caderno de recenseamento anualmente aprovado e actualizado, tem entre outras, a competência de eleger o conselho directivo, deliberar sobre o recurso a juízo, por este conselho, para a defesa de todos os direitos e interesses da comunidade local relativos aos imóveis comunitários, bem como dos direitos da comunidade de compartes decorrente dos actos de gestão daqueles imóveis e ratificar os actos da sua competência reservada que o conselho directivo tenha praticado sem autorização com fundamento em urgência (art,° 24.°, n.° 1, q) e r) da Lei n.° 75/2017, de 17 de Agosto).
Ao conselho diretivo - composto, em número ímpar, por um mínimo de três e um máximo de cinco compartes, eleitos pela assembleia de compartes e que elegem entre si um presidente, que representa o conselho - compete, entre outras coisas, recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa dos direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao baldio e submeter esses actos a ratificação da assembleia de compartes (art.° 28.° n.°s 1 e 3, e 29.°, n.° 1, h), da Lei n.° 75/2017, de 17 de Agosto).
De harmonia com a Lei n.° 68/93, de 4 de Setembro - revogada pela Lei n.° 75/2017, de 17 de Agosto - ao conselho directivo competia igualmente, recorrer a juízo e constituir mandatário para defesa dos direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao baldio e submeter esses actos a ratificação da assembleia de compartes (art.° 21.° h)). Mas a boa interpretação da lei vinculava à conclusão que a assembleia de compartes podia, desde logo, por força das suas latitudinárias competências de administração, autorizar - previamente - o conselho diretivo a recorrer a juízo, caso em que, evidentemente, não era necessário qualquer acto de ratificação posterior, acto que só seria exigível se o conselho diretivo recorresse a juízo sem a autorização prévia da assembleia de compartes: se se reconhece a um interessado o direito potestativo de ratificar, v.g., o acto praticado em seu nome sem poderes representativos, então há que reconhecer-se a esse mesmo interessado a faculdade de, ab initio, autorizar esse mesmo acto, concedendo, através do acto autorizativo, os poderes representativos, para suprimento da falta dos quais se exige o acto posterior de ratificação, que torna certa a situação jurídica. Valeria, portanto, no tocante àquela disposição da lei revogada o argumento a fortiori, na modalidade de argumento maiori ad minus: se se permite ratificar, então também deve ser permitido autorizar.
De outro aspecto, apesar da revogação da Lei n.° 68/93, de 4 de Setembro, por força das regras gerais de aplicação da lei no tempo, deve admitir-se a sua sobrevigência, o que sucederá, patentemente, no tocante as condições de validade substancial ou formal de um acto jurídico - v.g. uma deliberação de um órgão colegial da comunidades locais - ou ao conteúdo de situações jurídicas que não possam abstrair do seu título constitutivo, que continuam a ser regulados pela lei vigente do tempo da sua prática ou da sua constituição (art.° 12.°, n.° 2, 1.9 parte, do Código Civil).
Do regime sumariamente descrito, extrai-se, sem dificuldade, por um lado, que a personalidade judiciária pertence à pessoa colectiva comunidade local, erigida em assembleia de compartes, e que a capacidade judiciária, essa, é atribuída ao conselho diretivo, o que bem se compreende dada a titularidade difusa do direito real de baldio e, por outro lado, que aquele conselho é representado pelo respectivo presidente.
Na espécie do recurso, a acção foi proposta pelo Conselho Directivo ... e o instrumento de procuração conferindo ao Exmo. Advogado subscritor do articulado de petição inicial poderes representativos forenses foi emitido pelo presidente daquele Conselho, como seu representante.
Todavia, logo no articulado de contestação a apelante tratou de alegar as excepções dilatórias, qualificadas pela sentença impugnada, por simpatia com a natureza que o apelado lhes atribuiu, da irregularidade da representação do autor e da falta, por este, de autorização ou deliberação para a propositura da acção. Ordenado para afastar qualquer das excepções, o autor juntou a acta da deliberação da assembleia de compartes realizada no dia 20 de Janeiro de 2013, a convocatória, datada de 26 de Abril de 2019, da assembleia de compartes para o dia 12 de Maio de 2019, a sua afixação na porta da sala dos compartes e no placard da Igreja, os avisos, e a acta da eleição dos diversos órgãos, incluindo do presidente do Conselho Directivo.
Notificada do articulado de resposta, a apelante declarou que impugna, por falso ou inexacto, o conteúdo dos documentos oferecidos pelo autor - mas não se propôs produzir, no requerimento em que produziu aquela afirmação, a tal propósito, qualquer prova.
A decisão impugnada abstraindo, por inteiro, da impugnação deduzida pela apelante contra os documentos oferecidos pelo apelado com o articulado, julgou provados os factos neles contidos e, com base neles, desamparou a arguição da excepções dilatórias aglutinadas, pela apelante, na expressão ilegitimidade/falta de poderes representativos.
Mas isso deve-se, no ver da apelante, à desconsideração, pela decisão impugnada, do seu direito ao processo equitativo, na dimensão - não, evidentemente, do seu direito ao contraditório - mas do direito à prova da falsidade - e, de harmonia com as conclusões que extraiu da sua alegação, só desta falsidade - dos documentos com base nos quais a sentença impugnada julgou provados os factos em que fez assentar a improcedência da excepção dilatória da falta de poderes representativos do apelado.
Mas esta alegação da apelante não toma em devida e boa conta as regras do procedimento probatório consequente à impugnação por qualquer das partes de documento oferecido pela outra, maxime no que toca à proposição da respectiva prova.
3.5. Direito ao processo equitativo.
Os poderes que partes gozam em processo, são, de um modo geral, caracterizáveis como ónus processuais.
Os ónus processuais são poderes que, não sendo exercidos, podem ter por consequência a imposição à parte de uma consequência desvantajosa, maxime, uma sentença desfavorável. A transformação dos poderes das partes em ónus processuais é, de resto, simples corolário do princípio processual instrumental do dispositivo, de harmonia com o qual, o tribunal não pode, em regra, substituir-se às partes e não pode suprir a falta de exercício dos seus poderes.
Um dos mais importantes ónus processuais é, decerto, o ónus da prova dos factos constituintes da causa de pedir ou da excepção alegadas (art.° 342.° do Código Civil).
Para cumprir o ónus da prova, a parte tem de utilizar um dos meios de prova legal ou contratualmente admitidos ou não excluídos por convenção das partes (art.° 345.° do Código Civil).
A prova é a actividade destinada à formação da convicção do tribunal sobre a realidade dos factos controvertidos, mais rigorosamente sobre afirmações de factos controversas (art°s 341.° do Código Civil). Essa actividade incumbe à parte onerada com a prova que, caso não satisfaça esse ónus, não obterá uma decisão favorável (art°s 342.° e 346.° do Código Civil e 414.° do CPC).
Dada da importância do ónus da prova para o proferimento de uma decisão favorável à parte onerada fala-se de um direito à prova, direito que é habitualmente deduzido, para a generalidade dos processos jurisdicionais do art.° 6.°. n.° 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem[17].
Mas é claro que ao direito à prova pode, também, assinalar-se, sem dificuldade, uma raiz constitucional.
Não sofre a mínima dúvida a atribuição, na Constituição da República Portuguesa, de um direito à jurisdição ou de acesso à justiça, que se desdobra na garantia de acesso aos tribunais e de uma garantia de acesso ao próprio direito (art.° 20.°, n.° 1)[18]. Este direito que constitui, de resto, simples decorrência do estado social de Direito também constitucionalmente consagrado, garante, de forma universal e geral, o direito de levar a sua causa à apreciação de um tribunal (art.° 2.°).
Como é evidente, não basta assegurar a qualquer interessado o acesso à justiça, sendo necessário que o processo a que se acede apresenta, quanto à sua própria estrutura, garantias de justiça. Tão indispensável como assegurar o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, é, por exemplo, garantir, àquele que recorre aos tribunais, um julgamento por um órgão imparcial, em plena igualdade de partes, o direito ao contraditório, uma duração razoável da acção, a publicidade do processo - e a efectivação de um direito à prova[19]. O direito de actuar em juízo terá, pois, de efectivar-se através de um processo justo ou equitativo.
O direito de acesso ao direito ao direito e à tutela jurisdicional efectiva e o direito ao processo equitativo estão largamente dependentes de conformação através da lei e da disponibilização de processos garantidores de uma tutela judicial efectiva, dotados de uma estrutura informada pelo princípio da equitatividade.
Em qualquer caso, o direito à tutela jurisdicional efectiva - que substituiu o direito de acesso aos tribunais colocado na epígrafe do texto anterior da Constituição, vincando-se assim que se visa não apenas garantir o acesso aos tribunais mas sim e principalmente possibilitar aos cidadãos a defesa de direitos e interesses legalmente protegidos através de um acto de jurisdictio - concretiza-se fundamentalmente através de um processo jurisdicional equitativo[20].
Por processo equitativo deve entender-se não só o processo justo na sua conformação legislativa - mas fundamentalmente como um processo materialmente informado pelos princípios materiais de justiça nos vários momentos processuais.
Neste plano, constitui dimensão ineliminável do princípio do processo equitativo, o direito à prova, i.e., à apresentação de provas destinadas a demonstrar e provar os factos alegados em juízo, de controlar as provas produzidas pela outra parte e de se pronunciar sobre o valor e resultado dessas provas.
A pretensão de tutela jurídica efectiva, na sua dimensão garantística, impõe a consideração processual das pessoas, não como objecto da decisão judicial - mas como comparticipantes na criação dessa mesma decisão. Do que decorre que a administração da justiça não se relaciona apenas com a protecção de situações jurídicas substantivas, mas também e directamente com a da posição processual daqueles que sejam afectados por essa decisão. Nestas condições, um processo orientado por um princípio de equitatividade deve assegurar aos respectivos sujeitos uma participação constitutiva na declaração do direito do seu caso, designadamente no plano da proposição e produção das provas e, através dela, na conformação da sua situação jurídica futura.
O ónus da prova é, antes de mais, o ónus de proposição da prova: para cumprir o ónus da prova, a parte onerada deve, antes de mais, satisfazer o ónus de a propor. Correspondentemente, o direito à prova é, desde logo, também o direito à proposição dessa prova. Mas é claro que a parte não pode queixar-se da violação do seu direito à prova se não cumpriu - o ónus de a propor.
Os documentos oferecidos pelo apelado, e que relevam para o problema da regularidade da sua representação e da autorização são documentos, e que a apelante arguiu de falsos, são particulares (art.°s 362.° e 363.°. n.°s 1 e 2, do Código Civil).
Relativamente aos documentos particulares assinados pelo seu autor, a lei estabelece um sistema gradativo de ilações.
- Primeira ilação: genuinidade da assinatura e, portanto, da autoria do documento; invocado um documento assinado, fica objecto de prova bastante que a assinatura é genuína: se a parte não impugnar a veracidade da assinatura, tem-se ela por demonstrada (art. 374.°, n.° 1, do Código Civil); se a parte impugnar a veracidade da assinatura ou então, não sendo a assinatura da própria parte, declarar que não sabe se é genuína (art. 374.°, n.° 1, do Código Civil, em perfeita correlação com o art.° 57.°, n.° 2, do CPC), a genuinidade da assinatura terá de ser objecto de prova, recaindo o ónus da prova sobre o apresentante do documento (devendo o tribunal, na dúvida, tomar a assinatura como não genuína) (art. 374.°, n.° 2, do Código Civil). Segunda ilação: da genuinidade da assinatura, conclui-se a genuinidade do texto do documento; o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos descritos faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (art. 376.°, n.° 1, do Código Civil);
- Terceira ilação: a demonstração da genuinidade do texto transforma o documento em confessório, isto é, os factos nele relatados consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante (art.° 376.°, n.° 2, do Código Civil); isto não impede, no entanto, que o autor do documento possa demonstrar a inveracidade daqueles. O valor probatório do documento assinado pode ser ilidido através da prova de uma das seguintes circunstâncias: a demonstração da falsidade material do documento (art. 376.°, n.° 1, in fine, do Código Civil), i.e., a prova da alteração do seu conteúdo, antes ou depois da subscrição pelo signatário; se o documento tiver sido assinado em branco, a demonstração de que foi violado um pacto de preenchimento ou de que o documento foi subtraído ao signatário (art. 378.° do Código Civil); se o documento tiver sido subscrito por pessoa que não saiba ou não possa ler ou a rogo, a demonstração de que a subscrição não foi confirmada perante notário (art. 373.°, n.°s 3 e 4, do Código Civil).
O procedimento probatório relativo às provas pré-constituídas, como é o caso da prova documental, pode dar lugar a um incidente probatório, destinado a averiguar a genuinidade, a autenticidade ou o preenchimento indevido de um documento (art.°s 444.° a 450.° do CPC). Em concreto, a impugnação da genuinidade do documento ou de reprodução mecânica e a ilisão da autenticidade ou da força probatória do documento devem ser efectuados no prazo de 10 dias a contar da sua apresentação, se a parte estiver presente, ou da notificação da junção do documento, no caso contrário (art.° 444.°. n.° 1, e 446,° n.° 1, do CPC). Para além destes aspectos comuns, há procedimentos diferenciados para a impugnação da genuinidade do documento e para a impugnação da autenticidade ou da força probatória do documento (art.°s 444.° e 445.° e 446.° a 450.°, respectivamente, do CPC).
Assim, com a impugnação da genuinidade do documento, i.e., da letra ou da assinatura do documento particular ou da reprodução mecânica, ou com a declaração de que não sabe se a letra ou a assinatura do documento particular é verdadeira, o impugnante pode requerer a produção de prova; a parte que produziu o documento pode requerer também a produção de prova destinada a convencer da genuinidade do documento (art.°s 444.° n.° 1, e 445.°, n.°s 1 e 2, do CPC). Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a sua genuinidade - a veracidade da letra e da assinatura - incumbe à parte que o apresentou a prova da sua veracidade (art.° 374.°, n.° 2, do CPC).
Se a parte impugnar a autenticidade ou a força probatória do documento - v.g., a falta de autenticidade do documento presumido pela lei como autêntico ou a sua falsidade - a parte contrária, salvo se a arguição for feita em articulado que não seja o último, é notificada para responder, podendo ser requeridas com a arguição e com a resposta a produção de prova, sendo a matéria do incidente considerada nos temas da prova, enunciados ou a enunciar, tendo a produção da prova, bem como a decisão, lugar conjuntamente com a da causa (art.°s 446.°, n.° 1, e 449.°, n°s 1 a 3, do CPC).
Quanto a distribuição do ónus da prova, valem, aqui, as regras gerais, sendo certo que o nosso direito probatório material se orienta pela chamada doutrina da construção da proposição jurídica ou teoria das normas - de harmonia com a qual a repartição desse ónus decorre das relações das normas entre si - e que, numa formulação simplificada, pode enunciar-se deste modo: cada parte está onerada com a prova dos factos subsumíveis à regra jurídica que lhe atribuiu um efeito favorável (art.° 342.°, n.°s 1 e 2, do Código Civil).
Assim, se uma parte arguiu a falta de autenticidade do documento ou a sua falsidade, cabe a arguente a prova de uma coisa ou de outra. Se o arguente não demonstrar aquela falta de autenticidade ou esta falsidade, o tribunal profere uma decisão contra essa parte, visto que é ela quem está onerada com o ónus da prova do facto correspondente (art.°s 414.° do CPC e 346.°, 2^ parte, do Código Civil).
Na espécie sujeita, a apelante notificada dos documentos oferecidos pelo apelado ordenados para demonstrar a regularidade da sua representação e a autorização da propositura da acção - que são documentos puramente particulares - não impugnou a sua genuinidade, a veracidade da sua letra ou da sua assinatura, mas antes alegou o vício, bem mais grave, da sua falsidade, embora a arguição seja puramente genérica, estando, por isso, bem longe de ser concludente, dado que não concretiza os factos susceptíveis de a inculcar ou sequer se a falsidade alegada é material ou intelectual. Realmente, se de um modo geral pode dizer-se que o documento e falso quando o que exprime não corresponde à realidade, i.e., quando o que o documento inculca ter-se passado não se passou realmente, costuma distinguir-se entre a falsidade material e a falsidade ideológica ou intelectual: a primeira refere-se á parte extrínseca do documento; a segunda à parte intrínseca, sendo certo que a falsidade do conteúdo do documento tanto pode ser material como ideológica, conforme se traduza ou numa viciação do conteúdo - o documento exprimia realmente o que se passou, mas foi alterado posteriormente - ou na divergência entre o que o documento relata e o que de facto se passou (mentira).
Independentemente da ausência de uma alegação concludente da falsidade alegada, a apelante omitiu uma outra formalidade deveras essencial: o oferecimento da prova destinada a demonstrar aquela falsidade. Realmente, no requerimento em que a arguiu a falsidade dos documentos a apelante não se propôs produzir, sobre esse objecto, qualquer prova, designadamente, testemunhal, faculdade - ou ónus - que assim foi irremediavelmente atingida pela preclusão, entendida com a inadmissibilidade da prática de um acto processual, pela parte, no prazo peremptório, fixado pela lei ou pelo juiz, para a sua realização.
Deste efeito preclusivo decorrem estas duas consequências: que está excluída a produção, sobre a impugnação, por falsidade, deduzida contra os documentos com base nos quais foi decidida, desfavoravelmente para a apelante a excepção, de qualquer prova; que a dúvida sobre a realidade do facto da falsidade dos documentos, alegada pela apelante, deve ser resolvida contra esta, parte onerada com a respectiva prova (art.° 414.° do CPC). Passando desta formulação subjectiva, para uma formulação objectiva, pode dizer-se que, perante a dúvida, sobre a realidade do facto - a falsidade do documento - o tribunal ficciona o facto contrário ao facto que a parte pretendia provar: a veracidade ou autenticidade, tanto material como intelectual ou ideológica, desse mesmo documento.
Apesar da natureza particular dos documentos e de não provarem, de pleno, os factos documentados, aqueles consideram-se suficientes, numa avaliação prudencial, para demonstrar os aqueles factos, porque é, de resto, a única prova que a lei admite para a sua demonstração. Excluída, por inteiro, a possibilidade de a apelante destruir toda e qualquer força probatória que se deve associar aos documentos e sendo a sua força persuasiva suficiente para estabelecer os factos que documentam, não há qualquer justificação para sejam produzidas, sobre os factos referidos às apontadas excepções dilatórias, quaisquer outras provas, necessariamente dotadas de maior falibilidade, como patentemente, ocorre com a prova testemunhal.
De resto, a excepção dilatória da incapacidade jurídica lato sensu, no segmento relativo à falta de autorização para a propositura da acção, nunca deveria ter-se, desde logo, por procedente dado que - de harmonia com o princípio da sanabilidade dos vícios puramente processuais - importaria, primeiro, fixar prazo para a sua obtenção e só no caso de essa autorização não ser obtida é que a apelante seria absolvida da instância (art.°s 6.°, n.° 2, 29.°. n.° 2, 1.9 parte, 577.°, d) e 278.°, n.° 1, c), do CPC).
Tendo-se isto, como se deve, por exacto, importa concluir pela correcção da decisão impugnada e, inversamente, pela falta de bondade do recurso. Cumpre, por isso, desampará-lo, de modo a que o tribunal e as partes se concentrem, enfim, no objecto material da causa: a obrigação substantiva de prestação de contas.
Expostos todos os argumentos, afirma-se, em síntese:
- É ao autor que compete assegurar o preenchimento dos pressupostos processuais, tanto daqueles que lhe respeitam directamente, como daqueles que se referem quer ao tribunal quer à contraparte.
- Tanto a incapacidade judiciária activa, como a ilegitimidade ad causam constituem excepções dilatórias nominadas impróprias, dado que se limitam a impugnar dois pressupostos processuais positivos que o autor considera preenchidos, razão pela qual o regime da prova desta excepções é aquele que se encontra estabelecido para os factos alegados pelo autor e impugnados pelo réu: não é o réu que tem de provar que o pressuposto não está preenchido, mas o autor que deve provar que o pressuposto está satisfeito, pelo que o risco da falta de prova do pressuposto positivo recai sobre o autor, porque é ele a parte onerada com a sua prova;
- O ónus da prova é, antes de mais, o ónus de proposição da prova, dado que para cumprir o ónus da prova, a parte onerada deve, antes de mais, satisfazer o ónus de a propor, pelo que a parte não pode queixar-se da violação do seu direito à prova, enquanto dimensão ineliminável do direito ao processo equitativo, se não cumpriu - o ónus de a propor;
- No incidente probatório da impugnação de documentos, recai sobre as partes o ónus de propor, logo com o articulado ou com o requerimento, em que seja deduzida a impugnação, a respectiva prova, competindo à parte que alega a falsidade do documento, o ónus da respectiva prova;
- Se no requerimento em que a arguiu a falsidade dos documentos, o arguente não se propôs produzir, sobre esse objecto, qualquer prova, designadamente, testemunhal, essa faculdade - ou ónus - é irremediavelmente atingida pela preclusão, entendida com a inadmissibilidade da prática de um acto processual, pela parte, no prazo peremptório, fixado pela lei ou pelo juiz, para a sua realização;
- Esta preclusão torna inadmissível a produção de toda e qualquer prova ordenada para demonstrar a falsidade, material ou intelectual, dos documentos impugnados por esse fundamento;
- A dúvida sobre a realidade do facto da falsidade dos documentos, deve ser resolvida contra o arguente, parte onerada com a respectiva prova.
A apelante sucumbe no recurso. Essa sucumbência torna-a objectivamente responsável pelas respectivas custas (art.° 527.°, n.°s 1 e 2, do CPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos:
a) Fixa-se ao recurso o efeito - extraprocessual - suspensivo;
b) Nega-se provimento ao recurso.
Custas pela apelante.
2023.06.27



[1] Que, de modo deliberadamente simplificador, pode ser entendida com a posição jurídica de um sujeito face a uma determinada posição jurídica concreta, ou como a susceptibilidade ou insuceptibildidade de certa pessoa exercer um direito ou uma obrigação, resultante, não das qualidades ou situação jurídica da pessoa, mas das relações entre ela e o direito ou obrigação em causa, legitimidade, cuja falta, enquanto pressuposto do negócio jurídico, determina, segundo alguma doutrina, a nulidade do negócio e, segundo outra, a sua ineficácia,. Cfr., v.g., José de Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil - Acções e Factos Jurídicos, Vol. III, pág. 54, Pedro Pais Leitão de Vasconcelos, A Autorização, Coimbra Editora, 2012, pág. 73 e 382, António Menezes Cordeiro, da Legitimidade e da Legitimação no Direito Civil, in Liber Amicorum Fausto Quadros, Coimbra, 2016, pág. e João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. III, págs. 76. Por todos, cfr. Joana Lopes Pereira, Legitimidade Civil - Uma Abordagem Actualista, Junho de 2018, disponível em repositório.ul.pt.
[2]    Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, A Autorização, Coimbra Editora, págs. 151 e 152.
[3]   Do lado passivo, a falta de autorização, deliberação ou consentimento exigido por lei, nunca constitui um pressuposto processual, mas um simples pressuposto de actos processuais.
[4]                            Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 195, pág. 140; Ac. STJ 10.05.2021 (3701/18.3T8VNG.P1.S1)
Ac. da RC 20.01.2015 (2996/12.TBFIG.C1).
[6]   Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1998, pág. 472, e Paula Costa e Silva, Meios de Impugnação, de Decisões Proferidas em Arbitragem Voluntária no Direito Interno Português, 199, n. 29. Notando a incompreensível atracção que é revelada em múltiplos recursos pela arguição de nulidades, António Santos Abrantes Geraldes - Recursos em Processo Civil, 7.^ edição actualizada, Almedina Coimbra, 2022, pág. 183, nota 318.
[7]  João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, 2.° vol., revisto e actualizado por Armindo Ribeiro Mendes (1987), pág. 185, José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.° (1944), pág. 39 ss., Manuel de Andrade, Lições de Processo Civil, por T. Moreno, Sousa Seco e P. Augusto Junqueiro (1945), pág. 100, e Miguel Teixeira de Sousa, A legitimidade singular em processo declarativo, BMJ n.° 292 (1982), págs. 53-116, entre outros.
[8]   Nas palavras do Supremo - STJ 03.04.1976, BMJ n.° 256 (1976), pág. 112 - a legitimidade é uma posição do autor e de réu em relação ao objecto do processo e tem de aferir-se, antes de mais, pelos termos em que o demandante configura o direito invocado e a ofensa que lhe foi feita. Ou, como queria Manuel de Andrade, Lições de Processo Civil cit., pág. 100: (...) não haverá interesse, pelo menos, quando as partes não são sujeitos da relação jurídica controvertida (direito e correspondente obrigação) tal como ela é apresentada no requerimento inicial.
[9]  Maria José de Oliveira Capelo, Interesse Processual e Legitimidade Singular nas Acções de Filiação, BFC, Studia Iuridica, 15, pág. 179.
[10]   Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, A Legitimidade Singular em Processo Declarativo, BMJ n.° 292, pág. 102.
João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, AADFDL, 2022, pág. 343.
[12]  António Menezes Cordeiro, Responsabilidade por informações dadas em juízo; levantamento da personalidade colectiva; dever de indemnizar, ROA, Ano 64, vol. I/II, Nov. 2004 (Anotação ao Acórdão do STJ de 9-Jan-2003), Jorge Ferreira Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Almedina, Coimbra, 1989, págs. 418 e 419, Vaz Serra, Obrigação de prestação de contas e outras obrigações de informação, BMJ n° 79, págs. 149 e ss., e Acs. do STJ de 2003, BMJ n° 432, pág. 375, e de 21.11.2006, www.dgsi.pt.
[13]   Ac. da RL de 08.03.1990, CJ, XV, II, pág. 123.
[14]   Vaz Serra, Obrigação de Prestação de Contas e Outras Obrigações de Informação, BMJ n° 79, págs. 149 e ss. e José Alberto dos Reis, Processos Especiais, Coimbra, 1982, vol. II, pág. 303.
[15]   José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, pág. 87.
[16]   Ac. do STJ de 24.10.2019 (850/13.8T8LSA.C1.S2), Maria Raquel Rei, “Do carácter não usucapível do direito de baldio” (Anotação a um escritura de justificação), RDC, II, (2017), 4, págs. 819 a 836, e Jaime Gralheiro, Comentário á Nova Lei dos Baldios (Lei 68/93, de 4 de Setembro), Almedina, 2002, pág. 12. Para a qualificação dos baldios como propriedade em comum, cfr. Rui Pinto Duarte, Comentário ao Acórdão da Relação de Guimarães de 23.11.2017 sobre um litígio relativo a baldio(s), CES, Cooperativismo e Economia Social, n.° 40 (2017-2018), pág. 144.
[17]   Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 56.
[18]  Este direito à jurisdição ou de acesso à justiça é igualmente atribuído, por exemplo, pelo art° 10 da DUDH, pelo art° 14 n° 1 do PIDCP e pelo art° 6 n° 1 da CEDH.
[19]  J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, art°s 1° a 107°, vol. I, Coimbra Editora, 2007, págs. 415 e 416.
[20]     José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7^ edição, Almedina, Coimbra,
págs. 492 a 502.