Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1413/12.0TJCBR-P.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: INSOLVÊNCIA
IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITOS
DECLARAÇÃO CONFESSÓRIA
FORÇA PROBATÓRIA CONTRA TERCEIROS
DIREITO DE RETENÇÃO
TRADIÇÃO DA COISA
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 352.º, 358.º, N.º 2, 376.º, N.ºS 1 E 2, E 755.º, N.º 1, AL.ª F), DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – A declaração confessória apenas faz prova plena do facto confessado (designadamente a entrega/pagamento de determinada quantia) quando seja apresentada contra o confitente; quando seja apresentada contra terceiros – designadamente um credor do confitente que tenha impugnado o crédito que resultaria do facto confessado – a declaração confessória não faz prova plena daquele facto e fica sujeita à livre apreciação do tribunal.
II – Nessas circunstâncias, a confissão constante de contrato promessa de compra e venda onde o promitente vendedor (cuja insolvência foi, posteriormente declarada) declarou ter recebido determinada quantia do promitente comprador, não faz prova plena desse pagamento em relação aos credores da massa insolvente – designadamente à credora hipotecária que impugnou a existência do crédito – valendo apenas como elemento probatório sujeito à livre apreciação do tribunal.

III – A tradição da coisa, enquanto pressuposto do direito de retenção consagrado na alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º do CC, corresponde ao acto por via do qual se transfere para outrem a sua detenção ou disponibilidade material, situação que se tem como verificada quando o promitente vendedor entrega a fracção a que se reporta o contrato prometido aos promitentes compradores que, na sequência desse facto, contratam fornecimento de electricidade, água e gás para a fracção em causa, nela passando a habitar.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:

Apelação nº 1413/12.0TJCBR-P.C1

Tribunal recorrido: Comarca de Coimbra - Coimbra - Juízo Comércio - Juiz ...

Relatora: Catarina Gonçalves

1.º Adjunto: Helena Melo

2.º Adjunto: Arlindo Oliveira

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

Nos autos de insolvência referentes a A..., SA, a Sr.ª Administradora da Insolvência apresentou a lista de créditos onde, entre outros:

- Reconheceu um crédito de AA e BB no valor de 471.973,70€ e juros de 9480,00€ garantido por direito de retenção sobre as fracções E, G6 e G7 e estacionamento designado por p48 do prédio descrito na Conservatória sob o n.º ...36;

- Não reconheceu a existência de um crédito de CC por se considerar que o incumprimento do contrato lhe era imputável (já que havia sido notificada para a celebração da escritura e não compareceu).

A credora B..., Ld.ª (agora Banco 1..., S.A.) veio impugnar o crédito reconhecido a AA e BB – sustentando que ele não devia ser reconhecido –, alegando, em resumo:

- Que a sentença que reconheceu o direito de crédito e de retenção dos referidos reclamantes (promitentes compradores) – sentença que esteve subjacente ao reconhecimento do crédito – não produz efeito de caso julgado contra a Impugnante (credora hipotecária), uma vez que esta não foi parte na identificada acção;

- Que, de qualquer forma, o crédito decorrente das custas com a ação declarativa, no montante de 1.973,70€, não poderá gozar do direito de retenção, uma vez que tal garantia apenas abrange o crédito indemnizatório por força do incumprimento culposo do contrato promessa.

- Que os reclamantes não juntaram qualquer documento do qual resulte a existência de um contrato promessa, os termos do mesmo e comprovativo de pagamento de sinal e nem sequer alegaram que a insolvente lhes tenha transmitido a posse do imóvel e que o alegado contrato promessa tenha sido definitivamente incumprido pela promitente vendedora e consequentemente resolvido face ao incumprimento culposo daquele.

Os Reclamantes (AA e BB) responderam, sustentando a existência do crédito.

A Reclamante CC veio também impugnar a lista de créditos com fundamento na indevida exclusão do seu crédito (que não foi reconhecido pela Sr.ª Administradora), alegando, em resumo:

- Que, em Maio de 2011, a Impugnante celebrou com a Insolvente um contrato promessa de compra e venda por via do qual esta prometeu vender-lhe um apartamento, pelo preço de 250.000,00€;

- Que pagou a título de sinal a quantia de 85.000,00€;

- Que esse sinal foi pago com o valor de 15.000,00€ que a Impugnante já havia pago a título de rendas no âmbito de contrato de arrendamento que ficou sem efeito com a celebração do contrato promessa e com o valor de 70.000,00€ correspondente a um crédito de honorários que o Dr. DD detinha sobre a Insolvente;

- Que, a partir de Maio de 2011, a ora impugnante passou a utilizar de modo exclusivo a fracção prometida vender;

- Que, em face do atraso na celebração da escritura, a Impugnante comunicou – por escrito – à Insolvente que estava disponível para a celebração da escritura nos 15 dias subsequentes, após o que considerava o contrato resolvido;

- Que não compareceu à escritura marcada pela Sr.ª Administradora porque não se reconhecia devedora da quantia que era exigida e que não tomava em conta a quantia entregue a título de sinal;

- Que está disponível para a celebração da escritura nas condições referidas (com consideração do valor que pagou a título de sinal), concedendo um prazo admonitório de quinze dias para que a Senhora Administradora de Insolvência, venha, de harmonia com o artigo 102.º do C.IR.E., declarar se pretende ou não cumprir o contrato promessa;

- Que, caso a Sr.ª Administradora opte pela recusa de cumprimento do contrato, deverá ser reconhecido o seu crédito no valor de 170.000,00€ (correspondente ao sinal em dobro) garantido por direito de retenção sobre a referida fração, nos termos do artigo 755.º, n.º 1, al. f) do Código Civil.

A credora B..., S.A. respondeu a tal impugnação, impugnando os factos nela relatados, alegando não ter sido junto qualquer documento comprovativo do alegado pagamento do sinal, da alegada cessão de créditos entre o Dr DD e a impugnante e subsequente compensação ou cópia do “escrito” através do qual entende ter resolvido o contrato e sustentando que o contrato foi incumprido pela Impugnante por ter recusado a celebração da escritura nos termos que lhe foram comunicados pela Sr.ª Administradora.

Conclui, por isso, pela inexistência de qualquer crédito.

A Sr.ª Administradora respondeu à impugnação de CC, sustentando a sua improcedência e dizendo, em resumo:

- Que desconhece o alegado pagamento do sinal, sendo certo que nada consta das contas da empresa, além do pagamento da quantia de 15.000,00€ a título de rendas do período de 17/07/2009 a 17/10/2010, não existindo qualquer documento que titule o alegado crédito de 70.000,00€;

- Que a Impugnante não é e nunca foi credora daquela quantia de 70.000,00€, nem por si própria, nem por créditos que o seu mandatário lhe tenha cedido;

- Que é falso o que consta do contrato promessa a propósito do pagamento do sinal;

- Que, tendo pretendido cumprir o contrato, comunicou à Impugnante a data para a realização da escritura e ela não compareceu, incorrendo em incumprimento definitivo do contrato, não sendo, por isso, titular do direito de crédito que vem reclamar.

Seguidos os trâmites legais e realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença onde – no que toca às impugnações em causa – se decidiu nos seguintes termos:

(…)

Julga-se improcedente a impugnação apresentada por CC, e em consequência mantém-se o não reconhecimento do crédito reclamado;

(…)

Julga-se parcialmente procedente a impugnação deduzida por B..., Lda (agora Banco 1..., S.A.) relativamente ao crédito reconhecido a AA, por si e em representação de sua filha menor, BB, e em consequência reconhecendo a estes um crédito correspondente ao direito a uma indemnização, no montante global de €479.000,00 (quatrocentos setenta e nove mil euros) já com juros vencidos contados à taxa legal sobre a importância de €470.000,00 desde 23 de Março de 2012, a que devem acrescer os juros vincendos, à taxa de 4%, sobre €479.000,00 até efetivo pagamento e o valor de custas/custas de parte, as quais se contabilizam em €1.973,70 e os juros vencidos que até à reclamação totalizam €480,00, sendo de natureza comum com excepção dos juros vencidos após a declaração de insolvência, que são de natureza subordinada;

(…)”.

Inconformada com essa decisão, CC veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…).

AA e BB também interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…).

O credor Banco 1..., S.A, respondeu ao recurso interposto por CC, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

(…).

A credora Banco 1..., SA também respondeu ao recurso apresentado por AA e BB, formulando as seguintes conclusões:

(…).


/////

II.

Questões a apreciar:

O recurso interposto por CC suscita as seguintes questões:

· Apurar a força probatória do documento que incorpora o contrato promessa e das declarações que dele constam no que toca ao pagamento do sinal, com vista a saber se tal documento é (ou não) bastante para julgar provado o pagamento do sinal no valor de 85.000,00€;

· Saber se o contrato promessa celebrado com a Apelante foi incumprido pela Sr.ª Administradora e se, por força desse incumprimento, a Apelante é titular de um direito de crédito no valor de 170.000,00€, correspondente ao dobro do sinal;

· Saber se esse crédito – caso se conclua pela sua existência – está garantido por direito de retenção sobre a fracção que foi objecto do contrato promessa.

O recurso interposto por AA e BB suscita as seguintes questões:

· Saber se a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia quando classificou o crédito dos Apelantes como crédito comum;

· Saber se devem (ou não) ser julgados provados os seguintes factos: que a fracção foi entregue pela Insolvente, em Dezembro de 2010, aos promitentes compradores; que o Apelante passou a habitar a fracção em causa com as suas três filhas e com a sua esposa; que mobilaram essa fracção e que a mesma ainda está habitada;

· Saber se, em face da matéria de facto provada – eventualmente alterada na sequência da apreciação do ponto anterior –, deve (ou não) concluir-se pela existência de tradição da fracção que foi objecto do contrato promessa celebrado com os Apelantes, com vista a saber se o crédito que lhes foi reconhecido (emergente do incumprimento do contrato imputável à Insolvente) está garantido por direito de retenção sobre essa fracção.


/////

III.

Na 1.ª instância e na parte que releva para o presente recurso, foram julgados provados os seguintes factos:

1. Os presentes autos de insolvência foram instaurados em 29/04/2012 (cfr. requerimento inicial junto aos autos principais);

2. No dia 07/03/2013, a insolvente deu entrada de um Processo Especial de Revitalização, o qual corre termos no ... Juízo Cível de Coimbra, sob o número de processo 829/13.... (cfr. Apenso B).

3. No âmbito do referido Processo Especial de Revitalização foi, no dia 08/03/2013, proferido despacho de nomeação do Administrador Judicial Provisório, tendo o aludido despacho sido publicado no portal Citius na presente data, dia 11/03/2013 (Cfr. despacho e comprovativo da publicação junto aos Apenso B).

4. Em 12/03/2013 foi proferido nos autos principais despacho do seguinte teor:

Tendo em conta o teor do documento junto aos autos e do requerimento que antecede e dado que o artº 17.º-E nº 6 do CIRE dispõe que “Os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência do devedor suspendem-se na data de publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, desde que não tenha sido proferida sentença declaratória da insolvência, extinguindo-se logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação.”, declaro suspenso o presente processo, dando sem efeito o julgamento marcado para amanhã.

Notifique.”

5. Nos autos principais, a sociedade A..., S.A. foi declarada insolvente por sentença proferida a 7/11/2013, transitada em julgado a 02/12/2013 (cfr. sentença proferida).

6. O relatório previsto no artº 155º, do CIRE e lista provisória de credores foram juntos aos autos principais em 03/01/2014 (cfr. autos principais);

7. A lista definitiva de credores reconhecidos foi junta aos autos a 05/05/2015.

(…) (…)

Quanto à impugnação de CC

25. Em 17.09.2009, a impugnante celebrou com a insolvente um denominado contrato de arrendamento urbano, para habitação, com prazo certo, através do qual, a insolvente deu de arrendamento à reclamante a fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra “C” composta por T-Dois, designada por 115, situada no primeiro piso e garagem designada por G38, situada no piso menos dois à cota 33.15, no Lote n....22.1, sito na Quinta ..., Rua ... e Rua ..., , da freguesia ..., no Concelho ..., e que se encontra inscrito na matriz predial Urbana da freguesia ... sob o n....31 e que está descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ...12... (Cfr. doc. 1 junto com a reclamação de créditos).

26. Nos termos do contrato, a renda anual era de 15.000,00€, comprometendo-se a reclamante a pagar mensalmente a quantia de 1.250,00€ (Cfr. doc. 1 junto com a reclamação de créditos).

27. Em 5 de Maio de 2011, a insolvente e a reclamante celebraram um novo contrato, que denominaram de contrato promessa de compra e venda, através do qual a insolvente prometeu vender e a reclamante prometeu comprar, a referida fracção pelo preço de 250.000,00€, ficando exarado no mesmo que o “pagamento é feito da seguinte forma:

a) Na data e com a celebração do presente contrato, a Primeira Outorgante considera-se paga da quantia de 85.000,00€ (oitenta e cinco mil euros), a qual assume função de sinal, que resulta do montante de 15.000,00€ (quinze mil euros) entregue como renda no âmbito do contrato de arrendamento urbano para habitação (…) e do montante de 70.000,00€ de que a segunda é credora da primeira, considerando-se aquela integralmente paga desse crédito, nada mais tendo a reclamar”.

B) O remanescente do preço, ou seja, a quantia de 165.000,00€ /Cento e sessenta e cinco mil euros) será pago pela Segunda Outorgante à Primeira no dia e com a realização da escritura pública de compra e venda ora prometida” (Cfr. doc. 1 junto com a reclamação de créditos).

28. Nos termos do referido contrato a devedora declarou-se legítima possuidora de um lote de terreno para construção, designado por lote ..., sito na Quinta ..., freguesia ..., Concelho ... (Cfr. doc. 1 junto com a reclamação de créditos).

29. Mais declarou que destinava o referido lote à construção de um prédio para habitação e que prometia vender à ora impugnante, que, por sua vez, prometia comprar, um apartamento tipo T2, correspondente à fracção autónoma ... (Cfr. doc. 1 junto com a reclamação de créditos).

30. A aludida quantia de 15.000,00€, correspondente às rendas do período de 17.07.2009 a 17.10.2010, que deu entrada nas contas da sociedade (não tendo sido pagas as rendas reportadas ao período de 17.10.2010 a 05.05.2011, no montante de 12.500,00€) (cfr. doc. 1 junto com a reclamação de créditos).

31. O contrato referido foi outorgado e assinado pela insolvente representada por EE, Administrador da insolvente (Cfr. doc. 1 junto com a reclamação de créditos).

32. O negócio definitivo deveria ser realizado no prazo de 6 meses, contados de Maio de 2011, ficando a marcação da escritura a cargo da A..., S.A. (Cfr. doc. 1 junto com a reclamação de créditos).

33. Após a outorga do referido contrato promessa a impugnante continuou a ocupar o apartamento prometido vender, reconhecendo-se como utilizadora, cuidando da respectiva conservação, limpeza, nela pernoitando, tomando refeições, recebendo amigos e familiares.

34. A impugnante, tendo celebrado em seu nome contratos de fornecimento de serviços como água, luz e gás, apresenta recibos de consumo de água no período de 2013-12-09 a 2013-12-16, de luz no período de 16 de Out.2013 a 15 de nov. 2013, de gás no período 17-08-2012 a 17.10.2012

35. Recebeu, pelo menos, a correspondência referente aos recibos referidos no ponto anterior e a carta enviada pela administradora judicial junta como dos. 10 e 11 com a resposta da administradora judicial à impugnação.

36. Encontra-se junto como doc. 5 na reclamação de créditos recibo em nome da impugnante de pagamento do condomínio referente ao 4º trimestre (Outubro a Dezembro de 2013).

37. A fracção prometida vender encontra-se actualmente descrita na ... Conservatória de Registo Predial ... sob o artigo ...12... (cfr. certidão de registo predial junta aos autos).

38. Em 6.10.2014, a administradora judicial comunicou à impugnante que:

"a) (...) é minha intenção cumprir o contrato promessa de compra e venda celebrado em 5 de Maio de 2011, entre Vªs Exªs na qualidade de promitente compradora e a sociedade insolvente A..., SA, na qualidade de promitente vendedora e que teve por objeto a fração autónoma designada peta letra "C", composta por T-Dois, designada por 115, situada no primeiro piso e garagem designada por G38, situado no piso menos dois à cota 33.15, no Lote n....22.1, sito na Quinta ..., Rua ... e Rua ..., da freguesia ..., no Concelho ..., e que se encontra inscrito na matriz predial Urbana da freguesia ... sob o n. ... e que está descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ...12...;

b) Informar que se encontra designado o próximo dia 20 de Outubro de 2014, pelas 10 horas, para a realização do contrato definitivo de compra e venda, a ter lugar na Ig Conservatória do Registo Predial ... (Casa Pronta 1), sita na Avenida ..., ..., ..., ... ...;

c) Deverá Vªs Exªs para o efeito, remeter, antecipadamente, àquele posto de atendimento Casa Pronta 1, os elementos necessários da sua responsabilidade, nomeadamente os seus documentos de identificação pessoal, bem como os comprovativos do pagamento dos impostos devidos pela transmissão da fração;

d) Tendo em consideração que Vªs Exªs entregou à promitente vendedora, por conta do preço a quantia total de 15.000,00€, deverá ainda Vªs Exªs entregar no ato da vendo, um cheque visado emitido à ordem da "Massa Insolvente de A..., SA"* no montante de 235.000,00€ (duzentos e trinta e cinco mil euros), correspondente ao montante que farta pagar relativo ao preço da veda, que é de 250.000, 00€;

e) Fica desde já Vªs Exªs notificada de que a não comparência na data da realização do contrato definitivo de compra e venda, na data designada e a falta de pagamento do remanescente do preço da venda, tem como consequência, entre outras resultantes da lei, o incumprimento definitivo do contrato imputável a Vªs Exªs (cfr. Doc. 10 e 11 juntos com a resposta à impugnação por parte da massa insolvente).

39. No dia da escritura a impugnante não compareceu, tendo o Dr. DD enviado uma carta à administradora informando que a impugnante não tinha de comparecer (pois entende que o contrato já está resolvido e que o crédito reclamado no processo já lhe foi reconhecido no montante de 170.000,00€, gozando a sua constituinte do direito de retenção) (Cfr. Doc. 12 junto com a resposta à impugnação da massa insolvente).

40. Em 13.04.2015, a administradora enviou uma carta à impugnante na qual lhe transmitiu que: “na sequência da minha comunicação anterior venho pela presente, informar a Vªs Exªs de que em virtude da não comparência de Vªs Exªs no passado dia 20 de Outubro de 2014, pelas 10 horas, na ... Conservatória do Registo Predial ... (Casa Pronta I), sita na Avenida ..., ..., ..., ... ..., para a realização do contrato definitivo de compra e venda, da fração autónoma designada pela letra "C", composta por T-Dois, designada por 115, situada no -1? piso e garagem designado por G38, situada no piso -2 à cota 33.15, no Lote n.e 22.1, sito na Quinta ..., Rua ... e Rua ..., da freguesia ..., no Concelho ..., e que se encontra inscrito na matriz predial Urbana da freguesia ... sob o n....31 e que está descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ...12... e ainda em virtude de Vªs Exªs não ter pago a parte do preço em falta de 235.000,00€, considero que houve incumprimento definitivo do contrato, assistindo-me o direito de resolver o contrato promessa de compra e venda e em consequência o direito a fazer da massa insolvente o sinal entregue.

Fica por isso Vªs Exªs notificada da perda de interesse da Massa Insolvente na realização do contrato definitivo, assim declarando e considerando resolvido o contrato promessa de compra e venda outorgado entre Vªs Exªs e a Insolvente ", tendo a impugnante respondido que “aguardará então pela relação do scréditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos e para os efeitos do artº 29º do CIRE, para posterior apresentação de impugnação, se for caso disso” (cfr. Doc. 13, 14 e 17 juntos com a resposta apresentada pela massa insolvente à impugnação).

41. Em sede de impugnação apresentada em 18/05/2015, veio a impugnante conceder um prazo que chama de admonitório, para que a administradora de insolvência manifeste se quer ou não cumprir o contrato (cfr. Doc. 15, 16 e 17 junto com a resposta apresentada pela massa insolvente à impugnação).

(…) (…)

Quanto à impugnação deduzida por B..., Lda (agora Banco 1..., S.A.) relativamente ao crédito reconhecido a AA, por si e em representação de sua filha menor, BB

198. Encontra-se junto a fls. 3333 a 3336 denominado Contrato promessa celebrado pelo reclamante AA e pela sua ex-mulher, por si e em representação da sua filha, enquanto promitente-compradores, com a insolvente, como promitente vendedora, em 27 de Outubro de 2010, no qual se comprometiam a celebrar um contrato oneroso de transmissão da nua propriedade e do usufruto das frações E; G6 e G7 e estacionamento designado por P48 de prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia ..., Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...36 e inscrito na matriz sob o artº ...54 pelo preço de €300.000,00, e tendo ficado acordado que a escritura de compra e venda, a marcar pela primeira outorgante, aqui insolvente, deveria ser celebrada até 30/04/2011;

199. Na cláusula 4ª do aludido contrato foi estabelecido como valor global da compra e venda prometida da nua propriedade da fracção em causa, o valor de €300.00,00 (trezentos mil euros), sendo que o valor da prometida transmissão do usufruto era fixado em €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) (cfr. fls. 3333 a 3336).

200. Pela mesma cláusula o promitente adquirente da nua propriedade, no caso a filha do reclamante, através dos seus pais (cf. Cláusula 15ª) obrigava-se a pagar à insolvente nos meses de Novembro e Dezembro de 2010, a título de sinal e princípio de pagamento dessa nua propriedade, a importância de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) obrigando-se ainda a liquidar o remanescente do preço no acto da escritura púbica (cfr. fls. 3333 a 3336).

201. O reclamante e a sua então esposa como promitentes adquirentes do usufruto da mesma fracção obrigavam-se a pagar à insolvente nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril de 2011, também a título de sinal e principio de pagamento, a importância de €75.000,00 (setenta e cinco mil euros), sendo que remanescente do preço deveria ser pago no acto da mesma escritura pública (cfr. alíneas a) e b) do nº 2 da cláusula 4º) (cfr. fls. 3333 a 3336).

202. A fls. 3337 a encontra-se um Aditamento a esse contrato promessa acordado entre as partes com a aposição da mesma data do contrato inicial – 27/10/2010 – em que se esclarecia não só que o montante global de €225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros) a pagar a titulo de sinal e principio de pagamento (€150.000,00 correspondente à nua – propriedade e €75.000,00 ao usufruto) seria pago pelo aqui reclamante à aqui insolvente em moeda estrangeira, reais brasileiros no caso, com a entrega imediata de 12 cheques no valor de R$45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) cada um, emitidos para as datas acordadas no contrato promessa, perfazendo os mesmos um total global de R$ 540.000,00 (quinhentos e quarenta mil reais), recebidos pela insolvente (doc.de fls. 3337 que se considera integralmente reproduzido, designadamente quanto aos cheques, valores e datas apostas).

Estabelecia-se complementarmente que a fracção objeto do contrato promessa seria entregue em Dezembro de 2010 aos promitentes compradores por parte da promitente vendedora:

203. Encontra-se junto a fls. 3339 a 3340 uma factura de energia-EDP, Serviço Universal- em nome de FF, Rua ..., ..., Quinta ..., ... Coimbra referente ao período de 2012.01.21 a 2012.02.20;

204. Encontra-se junto a fls.3340 verso uma factura de fornecimento de água-Águas de Coimbra - em nome de FF, Urb. ..., ..., ..., ... Coimbra referente ao período de 2011.10.20 a 2011.11.17;

205. Encontra-se junto a fls. 3341 uma factura de GG - em nome de HH, Quinta ..., 22 9 ... 2º E 922, ..., ... Coimbra referente ao período de 18.08.2011 a 19.10.2011;

206. Encontra-se junto como doc. nº 6 (26/03/2018) carta que refere registada com aviso de recepção datada de 25 de Janeiro de 2012, de AA e FF a notificarem a promitente vendedora para a marcação da escritura que, de acordo com o nº 1 da cláusula 5ª do contrato-promessa de compra e venda, lhe incumbia, tendo ela ficado obrigada a fazê-lo até ao dia 30/04/2011, e a dar o prazo de 15 dias, até ao dia 10 de Fevereiro de 2012, para cumprirem esse contrato procedendo à marcação de escritura…sob pena de “considerarmos incumprida definitivamente da vosa parte a obrigação que para vós decorre do mesmo contrato-promessa”.

207. Encontra-se junta como doc. nº 7 (26/03/2018) resposta da insolvente a essa carta referindo que se encontram a “diligenciar junto do Banco 2... no sentido de realizar, entre outras, a escritura da fracção prometida vender a V. Exas”.

208. E referindo ainda que “E precisamente por não depender da nossa vontade, mas do facto atrás exposto, que não podemos garantir a realização da referida escritura na data de 10 de Fevereiro, por vós pretendida.

Contudo, tudo faremos para que aconteça no prazo indicado, tal como é do interesse de ambas as partes”.

209. Encontra-se junta como doc. nº 8 (26/03/2018) carta que refere registada com aviso de recepção datada de 23 de Fevereiro de 2012, em que os promitentes compradores procederam à resolução formal do contrato-promessa nos termos dos artºs 432 e ss do Código Civil e em que peticionavam o pagamento de uma indemnização de €470.000,00 (quatrocentos e setenta mil euros).

210. Encontra-se junta como doc. nº 9 resposta da insolvente referindo que é convicção que o contrato promessa de compra e venda não se encontra resolvido, ao contrário do que afirma V. Exas” e que se encontram a “diligenciar junto da entidade bancária competente, no sentido de fixar data para a realização da escritura do contrato de compra e venda”.

211. Encontra-se junto como doc. nº 10 (26/03/2018) carta resposta do reclamante à carta referida no ponto anterior, dizendo, além do mais, que “para nós deixou de ter qualquer interesse a marcação de qualquer escritura ao andar em questão, dando aqui por reproduzidos os termos da nossa resolução formal do contrato levada a efeito em 23 de Fevereiro de 2012, até porque, as vicissitudes da vossa mora também provocaram o divórcio entre nós, devendo a indemnização a que temos direito servir para nos ajudar a ir cada um para sua casa”.

212. Encontra-se junta com a reclamação de créditos cópia de sentença como documento nº 1 proferida no âmbito do processo nº 1045/12.... que correu termos na ... Secção da Vara Mista de Coimbra proposto por AA, por si e em representação da sua filha menor, BB contra A..., S.A., agora insolvente, foi, por considerada confessada a matéria de facto alegada pelo autor na petição inicial nos termos do disposto no arº 484º, nº 1, do CPC, decidido:

a) Declaramos resolvido o contrato-promessa celebrado em 27 de outubro de 2010 com o Autor e sua ex-esposa, FF, por si e em representação da sua filha menor, BB, e que consta do doc. Nº 1 junto com a PI, em virtude do incumprimento definitivo da sua parte das obrigações que para ele emergiam desse contrato, resolução válida e fundadamente operado pela carta datada de 23 de Fevereiro de 2012 e que consta do doc. 5 junto com a P.I.;

b) Condenamos a Ré a pagar ao Autor, por si e em representação da sua filha menor, uma indemnização, no montante global de €479.000,00 (quatrocentos setenta e nove mil euros) já com juros vencidos contados à taxa legal sobre a importância de €470.000,00 desde 23 de Março de 2012, a que devem acrescer os juros vincendos até efetivo pagamento;

c) Reconhecer na titularidade jurídica do A. e da sua filha menor, BB, um a direito de retenção sobre a fração identificada no ponto 1ª da matéria de facto como garantia do pagamento ao autor daquele crédito indemnizatório”.

213. E referindo que “O divórcio do Autor provocou também a separação de interesses entre ele e a esposa no que concerne ao contrato promessa aqui em causa, tendo esta outorgado um contrato de cessão da sua posição contratual a favor do Autor (cf. Doc. Nº 8 junto com a P.I. e que aqui se dá por reproduzido e integrado) transmitindo a estes todos os direitos e obrigações que para ela emergiam do mesmo contrato (cf. Cláusula 2ª do doc. nº 8)” e que “A ex-mulher do Autor outorgou uma procuração a favor deste para intervir na defesa dos interesses da filha de ambos, nos termos constantes do documento junto com a PI sob o n. 9, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)”.

214. No montante reclamado é incluído o valor de €1.973,70 de custas (e de parte) com a aludida acção (cfr. documento nº 2 junto com a reclamação de créditos).

215. Em garantia da quantia mutuada de 24.000.000,00€ a insolvente constituiu hipoteca voluntária sobre o prédio urbano descrito na 1ª CRP sob o nº ...36 a favor do Banco 2..., S.A., tendo sido transmitida para a impugnante B..., Lda e está regista sob as Ap. ...2 de 2005/12/09 e ...7 de 2006/02/09.

216. Foi reconhecido à impugnante um crédito no montante de 12.374.513,88€, garantido por hipoteca das fracções referidas.

217. Foram apreendidos seguintes bens:

a- Bens imóveis:

[…];

b- 30.000 acções ao portador da sociedade C..., S.A. (Verba sessenta e quatro);

c- Bens móveis e saldo bancário (Verba sessenta e cinco, sessenta e seis, sessenta e sete).

218. Foram constituídas e registadas as seguintes hipotecas:

a. a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes hipotecas legais anexo à relação definitiva de credores reconhecidos (cfr. fls.19 a 21):

[…];

b. Banco 3..., S.A., actual D..., S.A.:

[…];

c. Banco 2..., S.A., depois B..., S.A. e agora Banco 1..., S.A., de acordo com o exarado na relação definitiva de créditos reconhecidos de acordo com os respectivos montantes máximos a garantir (Ap. ...2 de 2005/12/09 convertida em definitivo pela A.17 de 2006/02/09; Ap....8 de 2006/02/09; Ap. ...2 de 2007/05/28 e Ap. ...71 de 2011/07/15):

[…];

d. Instituto da Segurança Social, IP-Centro Distrital de Coimbra

[…].


**

Não se julgou provado:

Em relação à impugnação de CC:

- Que a impugnante tenha entregue €70.000,0, a título de sinal, no aludido e denominado contrato-promessa.

- Que a impugnante fosse credora daquele montante.

- Que o grupo empresarial em que a insolvente estava inserida, fosse devedora ao Doutor DD, Advogado, da quantia de 80.000.00€ (oitenta mil euros), e que tenha pago por conta desse valor, mediante cheque bancário, a quantia de €10.000,00, permanecendo por pagar a quantia de €70.000,00.

- Que tal quantia se reporte a honorários devidos no âmbito do patrocínio judicial em diversos processos fiscais, todos eles procedentes.

- Na inexistência de fundos monetários para aquele pagamento, tenha sido acordado entre todas as partes, impugnante, insolvente e advogado, que aquela quantia de 70.000.00€ seria tida como se de um pagamento da impugnante se tratasse.

- Que desde Maio de 2011 a impugnante tivesse manifestado à insolvente disponibilidade e interesse em que a escritura fosse realizada, não tendo a escritura sido outorgada por factos relativos à insolvente, nomeadamente, ao facto de esta não dispor dos meios financeiros que lhe permitissem pagar aos credores com ónus registados o levantamento de tais registos.

- Que a impugnante, para além de envio de correspondência registada, tenha comunicado e entregue directamente à devedora, na pessoa do Dr. II o seguinte escrito:

Reportando-nos ao contrato promessa de compra e venda, cuja cópia se junta, informo que a actuação de Vªs Exªs configura incumprimento definitivo do contrato, porquanto se mostra esgotado o prazo referido no ponto 1. da cláusula Quinta, isto depois de ter sido várias vezes solicitada a marcação da escritura.

Mais. Depois da fracção me ter sido entregue, na data da outorga do contrato promessa, desde logo, manifestei a intenção de efectuar a escritura no prazo de 6 meses. Contudo, encontra-se gerado um impasse em torno da realização da escritura por força da v/impossibilidade de transmitir a fracção livre de ónus e encargos, pelo que se entende que está esgotada qualquer possibilidade de solução para ultrapassar o impasse.

Em face das circunstâncias, considero que não estão cumpridas as obrigações assumidas por Vªs Exªs em consequência da outorga do contrato promessa.

Não obstante, mantenho a disposição de no prazo de 15 dias seguidos contados da entrega da presente correspondência, receber de Vªs Exªs a comunicação da data, local e hora para a outorga da escritura da fracção sem ónus e encargos, esclarecendo-se que findo aquele prazo sem que aquela se mostre efectuada, considero o contrato promessa resolvido, face a uma situação de incumprimento definitivo, informando-se igualmente que pretendo fazer valer o direito de retenção como forma de garantir o cumprimento da obrigação de indemnização decorrente do não cumprimento definitivo do contrato promessa”.

- Que nessa ocasião a impugnante tenha comunicado à insolvente que, face às circunstâncias que justificavam o atraso na realização da escritura, considerava o contrato promessa incumprido.

- Que a impugnante tenha concedido um prazo de 15 dias para que lhe fosse transmitido o local e a data para a realização da escritura publica de compra e venda, e que a insolvente nada tenha dito ou informado.

- Que a impugnante, na altura também tenha transmitido tais pretensões ao Senhor Doutor JJ.

- Que por banda da insolvente o Senhor Doutor JJ se apresentasse mandatado por ambos os administradores para aceitar a aludida cedência.

Em relação à impugnação deduzida por B..., Lda (agora Banco 1..., S.A.) relativamente ao crédito reconhecido a AA, por si e em representação de sua filha menor, BB:

- Que a fracção tenha sido entregue em Dezembro de 2010 aos promitentes compradores por parte da insolvente;

- Que o reclamante tenha passado a habitar a fracção em causa com as suas três filhas com a sua ex-esposa e que ainda esteja habitada;

- Que as tivessem mobilado.


/////

IV.

Apreciemos então o objecto dos recursos.

Apelação de CC

Está em causa neste recurso um alegado crédito emergente de um contrato promessa de compra e venda celebrado em 05/05/2011 entre a Apelante e a Insolvente por via do qual a primeira prometeu comprar e a segunda prometeu vender, pelo preço de 250.000,00€, a fracção autónoma destinada a habitação, designada pela letra “C” composta por T-Dois, designada por 115, situada no primeiro piso e garagem designada por G38, situada no piso menos dois à cota 33.15, no Lote n....22.1, sito na Quinta ..., Rua ... e Rua ..., , da freguesia ..., no Concelho ..., e que se encontra inscrito na matriz predial Urbana da freguesia ... sob o n....31 e que está descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ...12... (cfr. pontos 25 e 27 da matéria de facto).

A Apelante reclamava um crédito no valor de 170.000,00€ correspondente ao dobro do sinal que alegava ter pago (crédito que a Sr.ª Administradora não reconheceu).

A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação deduzida pela alegada credora (a Apelante) – não reconhecendo o crédito em causa – argumentando, em resumo:

· Que não havia resultado provado o pagamento de 70.000,00€ a título de sinal (valor que corresponderia, segundo a Apelante, ao valor de um crédito de honorários que o Dr. DD detinha sobre a Insolvente e que, segundo acordado, teria sido considerado para efeitos de pagamento do sinal), uma vez que não foi junto qualquer documento que titule o indicado crédito de 70.000,00€, nem foi feita prova do envio à Insolvente de qualquer factura, nota de despesas ou de honorários, ou qualquer outro documento através do qual fosse transmitida a cessão do pretenso crédito;

· Que a confissão de recebimento desse sinal constante do contrato promessa (documento particular) não era oponível e não tinha eficácia em relação ao credor hipotecário, pelo que, não tendo sido provada a efectiva entrega desse valor, apenas se poderia considerar como sinal o valor de 15.000,00€ que também era mencionado no contrato;

· Que não existia incumprimento definitivo do contrato por parte da Insolvente, uma vez que a Impugnante não provou ter existido qualquer interpelação admonitória, pelo que o negócio estava em curso à data da declaração de insolvência;

· Que, nessas circunstâncias, a Sr.ª Administradora designou data para a realização da escritura à qual a Impugnante (Apelante) não compareceu, incorrendo em incumprimento definitivo do contrato.

Discordando da decisão, a Apelante fundamenta o seu recurso na seguinte argumentação:

· Considera que os factos compreendidos na “declaração” constante do contrato promessa – ou seja, a entrega e recebimento do sinal no valor de 85.000,00€ - tinham que ser julgados provados porque estão plenamente provados, na medida em que são contrários aos interesses do declarante e, portanto, configuram uma confissão;

· Considera que, nessas circunstâncias e porque a Sr.ª Administradora pretendia celebrar a escritura sem tomar em conta esse sinal – exigindo, por isso, um valor superior ao que era devido – não existiu qualquer incumprimento da Apelante (pelo facto de não ter comparecido à escritura);

· Refere que, perante essa situação, concedeu um prazo admonitório para que a Sr.ª Administradora declarasse se pretendia ou não celebrar o contrato, com dedução da quantia paga a título de sinal;

· E conclui dizendo que não tendo a Sr.ª Administradora celebrado o contrato, a Apelante, por força desse incumprimento, tem um direito de crédito correspondente ao dobro do sinal (170.000,00€) que está garantido por direito de retenção nos termos da alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º do CC.

A questão central do recurso prende-se, portanto, com a força probatória do documento que incorpora o contrato promessa e das declarações que dele constam no que toca ao pagamento do sinal, sustentando a Apelante que, em face desse documento e da confissão dele constante, tinha que ser julgado provado o pagamento do sinal no valor de 85.000,00€.

Vejamos se assim é.

É certo que – como diz a Apelante – o documento particular cuja autoria esteja reconhecida faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento (cfr. art.º 376º nº 1, do Código Civil). Assim, estando estabelecida a autoria das declarações dele constantes e não existindo qualquer falsidade, é indiscutível que ele prova plenamente que a Apelante e a Insolvente emitiram as declarações que nele estão mencionadas, facto que, aliás, não está em causa no presente recurso, sendo certo que a emissão e o teor dessas declarações foram julgados provados (cfr. pontos 27 a 32 da matéria de facto provada).

O que está em causa no presente recurso é a força probatória daquele documento relativamente aos factos compreendidos nas declarações que dele constam e, mais concretamente, relativamente ao efectivo pagamento da quantia de 85.000,00€ que a Insolvente ali declarou ter ocorrido, sustentando a Apelante que o documento também faz prova plena desses factos que, como tal, não estão carecidos de qualquer outra prova e devem julgar-se provados.

Conforme resulta do disposto no art.º 376.º do CC, a força probatória plena do documento particular limita-se às declarações dele constantes e não se estende aos factos compreendidos nessas declarações (o documento prova plenamente que a Insolvente declarou ter recebido aquela quantia, mas já não prova plenamente que a tenha efectivamente recebido). No que toca aos factos compreendidos na declaração (no caso, o pagamento da referida quantia), eles apenas se consideram provados – como determina o n.º 2 do art.º 376.º - na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, ou seja, na medida em que correspondam a uma confissão (cfr. art.º 352.º do CC).

Sucede que, conforme preceitua o art.º 358.º, n.º 2, do mesmo diploma, essa confissão (extrajudicial) – feita em documento particular – apenas tem força probatória plena quando seja feita à parte contrária ou a quem a represente e isso significará, em princípio, que ela não vale e não pode ser invocada com essa força probatória contra outras pessoas.  

A questão suscitada no recurso consiste precisamente em saber se a confissão (da Insolvente) constante do referido documento – no que toca ao recebimento do sinal – pode ser oposta, com valor de força probatória plena, à Massa Insolvente e aos respectivos credores e, em particular, à credora hipotecária que veio impugnar o crédito em questão e o efectivo recebimento daquela quantia, em termos de se julgar provado – por força dessa confissão e independentemente de qualquer outra prova – que a Apelante pagou à Insolvente, a título de sinal, a quantia ali mencionada.

Tendo em conta o disposto nos artigos 352.º e segs. do CC e, em particular, o disposto no art.º 358.º, n.º 2, parece que a confissão será, sobretudo, uma prova contra o confitente e em benefício ou favor da pessoa a quem é dirigida e, portanto, o seu valor probatório legal apenas poderia operar entre os referidos sujeitos; fora desse círculo – ou seja, quando seja invocada contra o confitente por qualquer outra pessoa que não aquela a quem a confissão havia sido dirigida ou quando invocada pela pessoa a quem foi dirigida contra pessoa diferente do confitente –, a declaração confessória não teria força probatória plena e estaria sujeita à livre apreciação do tribunal. Dir-se-ia, portanto, como diz José Lebre de Freitas[1] que “…a confissão apenas produz efeitos contra o confitente, configurando-se como um acto de eficácia, em princípio, limitada ao respectivo autor e à parte contrária”.

Foi essa a posição adoptada pela decisão recorrida quando considerou que aquela confissão (feita pela Insolvente e dirigida à Apelante) não era oponível e não tinha eficácia em relação, desde logo, ao credor hipotecário, que havia impugnado esse crédito e que, por essa razão, não era bastante para considerar como demonstrado/provado que a Apelante tivesse entregado, a título de sinal, a quantia de 70.000,00€ que a Insolvente havia declarado ter recebido.

Essa posição corresponde, aliás, à posição que vem sendo adoptada pela nossa jurisprudência, onde se destacam os seguintes acórdãos:

· Acórdão do STJ, de 13/12/2022[2], em cujo sumário se lê: “…a confissão da devedora (antes de ser insolvente), constante dum CPCV, respeitante ao montante de sinal recebido, tem força probatória plena, em relação ao promitente comprador, de dele ter recebido de sinal o montante que no CPCV se refere, porém, em relação a terceiros (como é caso dos restantes credores e, in casu, do credor hipotecário), não tem eficácia plena – tal confissão não é oponível a terceiros – valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal”;

· Acórdão do STJ de 12/02/2019[3] em cujo sumário se lê o seguinte:

I - A declaração confessória só vale como tal no confronto da pessoa a quem a confissão é feita nos termos do negócio jurídico em que se insere, e já não relativamente a terceiros, como são os credores e a massa insolvente do confitente.

II - A força probatória plena emergente da confissão exarada em documento particular só existe no âmbito da relação entre o declarante e o declaratário, e não também no confronto de terceiros, como é o caso da massa falida e dos credores do insolvente. Quanto aos terceiros a declaração confessória não tem eficácia plena, valendo apenas como elemento de prova a apreciar livremente.

III - Deste modo, a declaração vertida em documento particular (contrato-promessa e termo de entrega de imóvel ao promitente-comprador) pelo promitente-vendedor no sentido de que foi entregue certa quantia a título de sinal, não implica, no confronto da massa insolvente do promitente-vendedor e dos credores da massa, que ademais impugnaram o facto, a prova plena de que tal entrega ocorreu realmente”.

· Acórdão do STJ de 12/01/2012[4], em cujo sumário se lê: “Não pode invocar-se no confronto de terceiros, cujos direitos são abalados pelo teor de declaração confessória, constante de certa escritura pública em que intervieram credor e devedor, o valor de prova plena de tal confissão extrajudicial, em termos de vedar ao terceiro a impugnação, por qualquer meio probatório, da validade ou veracidade do reconhecimento confessório”;

· Acórdão do STJ de 29/10/2019[5], em cujo sumário se lê o seguinte:

A força probatória plena estabelecida no artigo 376.º, n.º 2, do CC, apenas se reporta interpartes, ou seja, nas relações entre declarante e declaratário, mas não no confronto de terceiros.

(…) A declaração de ter recebido a totalidade do preço de venda do imóvel proferida pela promitente vendedora em aditamento ao contrato promessa de compra e venda celebrado não pode valer, em sede de processo de reclamação de créditos, como confissão oponível quer à Massa Insolvente quer aos Credores da Massa, que não são parte negocial contrária do confitente, mas terceiros”.

Em idêntico sentido se pronunciaram os Acórdãos da Relação de Coimbra de 12/10/2021 e de 07/09/2021[6]; os Acórdãos da Relação do Porto de 27/01/2020[7], de 27/09/2017 e de 20/01/2014 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 15/06/2023[8]

Mas essa solução – amplamente adoptada na nossa jurisprudência – não é consensual.

Miguel Teixeira de Sousa, em comentário ao Acórdão do STJ  de 12/02/2019 (acima citado)[9], manifesta a sua discordância em relação à solução aí acolhida, dizendo, designadamente, que tal solução padece de um equívoco que consiste “…em esquecer que as situações jurídicas, uma vez constituídas, ficam a fazer parte da vida jurídica e não podem ser apagadas por factos e circunstâncias que são juridicamente irrelevantes”, acrescentando que “há meios jurídicos para um terceiro reagir contra a constituição, a modificação ou a extinção de uma situação jurídica, como, por exemplo, a declaração de nulidade, a impugnação pauliana ou a alegação de um direito incompatível (como acontece quando um terceiro considera que é ele, e não nenhum dos contratantes, o titular do direito que foi objecto do contrato)” e que “o que que não pode suceder é que terceiros que não possuem qualquer fundamento para se oporem à constituição, modificação ou extinção da situação jurídica possam argumentar que ela não lhes é oponível”.

Sustenta, portanto:

Que “…os efeitos de uma confissão não podem ser aniquilados com o argumento de que esses efeitos, necessariamente favoráveis à contraparte, são, ao mesmo tempo, prejudiciais para terceiros”;

 Que “…Ou os credores têm algum motivo substantivo para se oporem à confissão da dívida a favor de B ou aos seus efeitos (invocando, por  exemplo, algum deles que é ele, e não B, o credor da dívida), hipótese em que, para que essa confissão não lhes seja oponível, têm de deduzir a respectiva oposição ou demonstrar por que razão os efeitos da confissão não lhes são oponíveis (…) Ou os credores não têm nenhum motivo substantivo para se oporem à confissão da dívida a favor de B ou aos seus efeitos, caso em em que essa confissão não pode deixar de lhes ser oponível”.

Conclui dizendo: “…há que desfazer o equívoco de que, aquilo que vale, de forma relativa, entre dois interessados não pode ser oposto a terceiros. O correcto é precisamente o contrário: aquilo que é constituído por alguns vale necessariamente, de forma absoluta, para qualquer terceiro, a menos que este terceiro tenha (e utilize) algum fundamento substantivo para se opor ao que foi constituído”.

José Lebre de Freitas também parece colocar algumas restrições àquela solução.

Com efeito, apesar de dizer – como se referiu supra – que “a confissão apenas produz efeitos contra o confitente, configurando-se como um acto de eficácia, em princípio, limitada ao respectivo autor e à parte contrária”, sustenta que essa regra tem excepções e conclui: que a confissão será ineficaz relativamente a terceiros com um interesse que seja paralelo ao do confitente, relativamente a terceiros titulares de um interesse concorrente com o dele a menos que a lei imponha o litisconsórcio e relativamente a terceiros com um interesse independente e incompatível; ela seria eficaz, no entanto, relativamente a terceiros com interesse subordinado ao do confitente, seja essa subordinação jurídica (desde que acompanhada duma relação directa entre o terceiro e a parte contrária) ou uma subordinação prática (como seria o caso dos terceiros juridicamente indiferentes, onde se incluem os credores)[10].

Seja como for, não encontramos razões válidas para divergir daquela que tem sido a solução adoptada na jurisprudência.

Não ignoramos que, como refere Miguel Teixeira de Sousa, as situações jurídicas, uma vez constituídas, ficam a fazer parte da vida jurídica e não podem ser apagadas por factos e circunstâncias que são juridicamente irrelevantes. Todavia, sem ignorar a existência da declaração confessória – que existe, naturalmente, e faz parte da vida jurídica –, o que está aqui em causa é apenas o apuramento do seu valor probatório em determinado e concreto litígio que opõe determinados sujeitos onde a declaração é apresentada para prova dos factos compreendidos na declaração (como seja, por exemplo, o pagamento efectuado por determinada pessoa a outra), ou seja, saber, em função do objecto do litigio e das partes envolvidas, se aquela declaração tem força probatória plena ou se vale apenas como elemento probatório sujeito à livre apreciação do tribunal. E a verdade é que não existe qualquer norma legal que estabeleça a força probatória plena da confissão fora do círculo definido no art.º 358.º, n.º 2, do CC e, designadamente, quando apresentada contra um credor do confitente.

Ao contrário do que acontece com a existência das declarações que constam do documento – que resultam plenamente provadas sem restrições, conforme resulta do disposto no art.º 376.º, n.º 1 do CC e que, caso correspondam a declarações negociais produzirão os efeitos que lhe são inerentes –, a prova plena dos factos compreendidos nessas declarações está legalmente circunscrita e limitada às situações previstas nos artigos 376.º, n.º 2, e   358º, n.º 2, do CC e, portanto, esses factos apenas ficam plenamente provados na medida em que correspondam a uma confissão feita à parte contrária ou a quem a represente.

Com efeito, a redacção da norma em causa parece pressupor um litígio entre os sujeitos envolvidos na declaração confessória (o confitente e o destinatário da declaração) e é no âmbito do processo referente a esse litigio que actua e opera a força probatória plena ali estabelecida (actuando, naturalmente, contra o confitente e a favor da parte contrária). Não se colhe na norma em questão qualquer elemento ou indício que aponte para o facto de essa especifica força probatória poder operar fora desse círculo e, mais concretamente, quando a declaração seja invocada contra o confitente por qualquer outra pessoa que não seja aquela a quem a confissão havia sido dirigida ou quando ela seja invocada pela pessoa a quem foi dirigida contra pessoa diferente do confitente. E não existindo norma legal que lhe atribua essa força probatória, parece que, nessas situações, a declaração apenas poderá valer como elemento probatório sujeito à livre apreciação do tribunal.

Ao contrário do que diz Miguel Teixeira de Sousa, não se trata, salvo o devido respeito, de defender ou sustentar que a confissão seja aniquilada com o argumento de que os seus efeitos, necessariamente favoráveis à contraparte, são, ao mesmo tempo, prejudiciais para terceiros porque, na verdade, a força probatória dela emergente operará sempre, nos termos da lei, entre o confitente e o destinatário da confissão, independentemente da questão de saber se ela prejudica (ou não) terceiros. O que aqui se sustenta é apenas que, fora desse círculo, a confissão não tem força probatória plena (porque nenhuma norma legal lha atribui) ficando, por isso, sujeita à livre apreciação do tribunal.

Diz também Miguel Teixeira de Sousa que a solução adoptada é incoerente na medida em que, segundo ela “…a confissão realizada por A perante B não é oponível a C, porque essa confissão tem uma eficácia relativa limitada a A e B, mas o crédito de C perante A é oponível a B, porque... esse crédito não tem uma eficácia relativa limitada a C e A”. Diríamos, no entanto, e salvo o devido respeito, que o crédito de C perante A será oponível a B se não for impugnado ou, caso tenha sido impugnado, se estiver demonstrada a sua existência, nos mesmos termos em que isso sucede com o crédito de B que resulte do facto confessado. A questão que aqui abordamos coloca-se noutro plano e, mais concretamente, ao nível da demonstração/prova dos créditos que será feita, naturalmente, em função dos elementos probatórios que cada um deles tenha ao seu dispor e da respectiva força probatória. E é no âmbito da prova dos créditos – quando ela seja necessária por terem sido objecto de impugnação – que se coloca a questão em análise no presente recurso e que se resume a saber qual o valor probatório da confissão para efeitos de prova do facto confessado (pagamento de determinada quantia) quando essa confissão não é oposta ao confitente, mas sim a um credor do confitente que impugnou o crédito que resultaria daquela confissão. É certo, portanto, que os créditos dos credores da massa insolvente serão, naturalmente, oponíveis uns aos outros se e na medida em que sejam reconhecidos ou não forem impugnados; se forem impugnados, eles serão reconhecidos (ou não) em função dos elementos probatórios que sejam apresentados, em função da sua força probatória e em função da actividade ou ónus probatório que seja exigida a cada um dos envolvidos.

Ora, na sequência do exposto e não existindo qualquer norma legal que estabeleça uma força probatória plena à confissão quando ela seja apresentada contra um terceiro e, designadamente, contra um credor do confitente que tenha impugnado o crédito que resultaria do facto confessado, não será possível atribuir essa força probatória à declaração que está em causa nos autos.  

Entendemos, portanto, em face do exposto – como também se entendeu nos Acórdãos acima mencionados – que a confissão da Insolvente (antes da declaração de insolvência), no âmbito do contrato promessa que celebrou com a Apelante, onde declarou ter recebido desta a quantia de 85.000,00€ a título de sinal, não faz prova plena desse pagamento em relação aos credores da massa – designadamente à credora hipotecária que impugnou a existência do crédito –  valendo apenas como elemento probatório sujeito à livre apreciação do tribunal.

Assim e ao contrário do que sustenta a Apelante, a referida declaração – constante do contrato promessa – não prova plenamente que ela tenha pago à Insolvente a quantia de 85.000,00€ a título de sinal.

Tal declaração estava sujeita – conforme referimos à livre apreciação do tribunal – podendo (ou não) ser suficiente para – isoladamente ou em conjugação com outros elementos probatórios – fundar a convicção do Tribunal acerca da efectiva verificação daquele pagamento.

É certo que, em teoria e ainda que no âmbito da livre apreciação do julgador, uma declaração desse tipo poderia bastar, só por si e independentemente de outra prova, para fundar a convicção do Tribunal acerca da efectiva verificação do pagamento. Com efeito, estando em causa uma declaração feita no âmbito de um contrato em que um dos contraentes declara ter já recebido uma parte daquilo que lhe era devido por força do mesmo contrato e tendo em conta que, à partida, ninguém declara, perante o seu devedor, ter recebido a prestação que lhe era devida se isso não corresponder à verdade, tudo apontaria para a veracidade do facto.

Isso não acontecia, porém, no caso em análise, dada a existência de circunstâncias anómalas e atípicas que põem em causa a credibilidade do facto contido na declaração (o pagamento) e que são susceptíveis de criar uma dúvida séria e legítima acerca da sua efectiva verificação. Com efeito, além do facto (pouco habitual) de uma parte do sinal (70.000,00€) ter sido pago por via de “compensação” com um crédito de que a Apelante (promitente compradora) era (alegadamente) titular perante a promitente vendedora, sem que, ao contrário do que seria normal, se tivesse feito qualquer alusão à origem e natureza desse crédito, a verdade é que a própria Apelante veio, entretanto, alegar nos autos que o referido crédito – que teria servido para pagar o sinal – era, afinal, um crédito de honorários que o seu advogado (o Dr. DD) detinha sobre a Insolvente, mais alegando que havia sido acordado entre todas as partes – impugnante, insolvente e advogado – que aquela quantia de 70.000.00€ seria tida como se de um pagamento da impugnante se tratasse. Ora, sendo certo que o contrato não faz qualquer referência a esse alegado acordo e não contém a assinatura do referido advogado e não existindo qualquer outro documento por via do qual o referido advogado tivesse disposto do seu pretenso crédito (que também não está documentado) a favor da Apelante, suscitavam-se sérias dúvidas acerca da efectiva realização do pagamento do sinal que ali se declarou ter ocorrido.

É certo, portanto, que, ao contrário do que pretende a Apelante, a referida declaração – constante do contrato promessa – não bastava, só por si, para julgar provado o pagamento da quantia de 70.000,00€ a título de sinal. Conforme referimos, essa declaração não fazia prova plena desse pagamento e, no âmbito da sua livre apreciação pelo Tribunal, ela não teria, só por si, credibilidade suficiente para criar a convicção do julgador acerca desse pagamento.

A prova desse pagamento só poderia, portanto, radicar noutros elementos probatórios que, eventualmente, confirmassem a veracidade daquele facto.

Todavia, após ponderação e análise crítica de toda a prova produzida, entendeu o julgador (em 1.ª instância) que não existiam elementos suficientes para concluir pela efectiva verificação do pagamento em questão e a Apelante não impugna e não ataca o juízo crítico assim formado pelo julgador em 1.ª instância e não indicou quais eram os elementos probatórios (além da declaração contida no contrato promessa) que poderiam justificar uma decisão diferente daquela que foi proferida em relação ao citado facto.

Na verdade, a Apelante impugnou a decisão de facto com um único fundamento: entendia que a declaração (confessória) constante do contrato tinha força probatória plena em relação ao facto que nela se compreendia (o pagamento), pelo que tal declaração impunha, só por si, que o facto em questão tivesse que ser julgado provado. Já vimos que não é assim. A declaração em causa não tinha força probatória plena em relação ao referido facto e não bastava, por si só, para o julgar provado.

Nessas circunstâncias e sendo certo que a decisão de facto não foi impugnada com outros fundamentos – designadamente com fundamento em erro na apreciação da prova – improcede o recurso no que toca a essa questão.

A improcedência do recurso no que diz respeito a essa questão prejudica, de algum modo, as questões subsequentes, relacionadas com o incumprimento do contrato.

Não tendo resultado provado que a Apelante tivesse entregado a quantia de 85.000,00€ a título de sinal, tendo entregado apenas a quantia de 15.000,00€, é certo que qualquer crédito que detivesse pelo alegado incumprimento do contrato promessa não corresponderia ao valor de 170.000,00€ que reclama nos autos e apenas poderia ter como referência o valor de 15.000,00€ que, comprovadamente, foi pago a título de sinal.

Todavia, sendo certo que tal direito de crédito pressupunha, à luz do disposto no n.º 2 do art.º 442.º do CC, o incumprimento definitivo do contrato por parte do promitente vendedor, considerou-se na decisão recorrida que tal crédito não existia, uma vez que havia sido a Apelante quem havia incorrido em incumprimento definitivo do contrato em virtude de – sem qualquer motivo válido – não ter comparecido na data e local que lhe haviam sido comunicados pela Sr.ª Administradora da Insolvência com vista à celebração do contrato prometido, com expressa advertência de que a falta de comparência implicaria o incumprimento definitivo do contrato.

A Apelante atacou/impugnou essa decisão, sustentando que não havia incorrido em incumprimento do contrato, uma vez que a sua recusa de celebração da escritura radicou no facto de a Sr.ª Administradora pretender celebrar o contrato em desconformidade com o que havia sido prometido, desconsiderando o valor de 70.000,00€ que já havia sido pago a título de sinal e exigindo, dessa forma, um preço superior ao que era devido.

A verdade é que, como resulta do que se disse supra e ao contrário do que sustentava a Apelante, não resultou provado que tivesse pago a referida quantia, circunstância que torna inoperante a justificação que apresenta para recusar a celebração do contrato nos termos que lhe haviam sido comunicados pela Sr.ª Administradora.

Nessas circunstâncias e não tendo sido suscitada nenhuma outra questão, improcede o recurso.

Confirma-se, portanto, a decisão que, julgando improcedente a impugnação apresentada pela Apelante (CC), não reconheceu o crédito que por ela havia sido reclamado.

Apelação de AA e BB

O recurso interposto pelos referidos credores incide sobre a decisão que, julgando parcialmente procedente a impugnação deduzida por B..., Lda (agora Banco 1..., S.A.), classificou como comum o crédito que lhes foi reconhecido (no valor de €479.000,00 acrescido de juros vincendos, à taxa de 4%, a partir de 24 de Março de 2012, sobre o valor de €479.000,00, bem como o valor de custas/custas de parte, no valor de €1.973,70 e os juros vencidos que até à reclamação totalizam €480,00), sustentando os Apelantes que o crédito em questão está garantido por direito de retenção sobre as fracções que eram objecto do contrato promessa.

A sentença recorrida concluiu pela inexistência de direito de retenção – classificando o crédito como comum – por ter considerado que não havia sido feita prova de um dos pressupostos desse direito: a traditio

As razões da discordância dos Apelantes em relação à decisão recorrida resumem-se nos seguintes termos:

· Entendem os Apelantes que a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia porque a alteração da qualificação do crédito não constava do pedido formulado pela credora que impugnou o crédito;

· Entendem os Apelantes que a sentença também padece de nulidade por excesso de pronúncia por não ter julgado provados determinados factos  apesar de os mesmos não terem sido impugnados, sustentando que os aludidos factos (que a fracção foi entregue pela Insolvente, em Dezembro de 2010, aos promitentes compradores; que o Apelante passou a habitar a fracção em causa com as suas três filhas e com a sua esposa; que mobilaram essa fracção e que a mesma ainda está habitada) devem ser considerados provados;

· Sustentam que a traditio, enquanto pressuposto do direito de retenção, não tem que ser uma tradição material, bastando uma tradição simbólica e que a existência dessa tradição resulta inequivocamente do aditamento ao contrato promessa quando ali se diz que a fracção será entregue em Dezembro de 2010;

· Sustentam, além do mais, que também resultou provada a tradição material da fracção, uma vez que do depoimento da testemunha KK, da matéria de facto dada como provada nos pontos 203, 204 e 205 e dos documentos aí referidos que o imóvel passou a ser habitado a partir de Janeiro de 2011.

Começando pela pretensa nulidade da sentença, diremos, desde já, que ela não está configurada.

Conforme se disse, os Apelantes invocam a nulidade da sentença por excesso de pronúncia com dois fundamentos: porque alterou a qualificação do crédito sem que isso tivesse sido pedido pela credora impugnante e porque não julgou provados determinados factos apesar de os mesmos não terem sido impugnados.

Segundo o disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea d), a sentença é nula (por excesso de pronúncia) quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Assim, resultando do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do mesmo diploma que o juiz apenas pode tomar conhecimento das questões suscitadas pelas partes e das questões cujo conhecimento oficioso lhe seja permitido ou imposto por lei, a sentença será nula por excesso de pronúncia quando conheça de questões que não sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido suscitadas pelas partes.

Nada disso aconteceu aqui.

Vejamos.

Dizem os Apelantes que a credora impugnante apenas pediu (cfr. art.º 27.º da respectiva impugnação) que não fosse reconhecido qualquer crédito aos Apelantes sem que tivesse pedido a alteração da sua classificação no caso de ele vir a ser reconhecido e que, nessas circunstâncias, não podia o juiz apreciar essa questão e alterar a classificação do crédito que havia sido feita pela Sr.ª Administradora.

Salvo o devido respeito, não têm razão, uma vez que resultava claramente da impugnação que ela visava a existência do crédito e o direito de retenção.

Com efeito, sustentando que a sentença invocada pelos Reclamantes – que havia reconhecido o crédito e o direito de retenção – não lhe era oponível, a credora impugnante impugnou todos os factos alegados e documentos juntos com a reclamação de créditos, alegando que os reclamantes não haviam juntado qualquer documento do qual pudesse aferir-se a existência de um contrato promessa, os termos do mesmo e comprovativo de pagamento de sinal e acrescentando que os Reclamantes não haviam sequer alegado que a Insolvente lhes tivesse transmitido a posse do imóvel, que o alegado contrato promessa tenha sido definitivamente incumprido pela promitente vendedora e que tivesse sido resolvido em face desse incumprimento.

Era evidente, portanto, que a Impugnante punha em causa a existência do crédito e a existência dos pressupostos do direito de retenção (a tradição do imóvel e o incumprimento do contrato por parte da promitente vendedora) e, portanto, a existência desse direito de retenção e a consequente classificação do crédito (caso se viesse a concluir pela sua existência) era uma questão que estava submetida à apreciação do juiz e que, como tal, tinha que ser conhecida.

Segundo os Apelantes, a sentença também seria nula (por excesso de pronúncia) por ter dado como não provados os seguintes factos (que, alegadamente, não teriam sido impugnados): que a fração tenha sido entregue em dezembro de 2010 aos promitentes compradores por parte da insolvente; que o reclamante tenha passado a habitar a fração em causa com as suas três filhas e com a sua esposa e ainda esteja habitada e que as tivesse mobilado.

A verdade, porém, é que a argumentação dos Apelantes não tem sequer aptidão para justificar a conclusão que dela pretendem extrair.

A pretensão dos Apelantes poderia ter alguma lógica se eles argumentassem no sentido de que os factos em questão estavam excluídos do âmbito de apreciação do juiz; só assim poderia ter algum sentido a afirmação de que, ao ter apreciado esses factos (julgando-os não provados), o juiz havia apreciado “questão” cujo conhecimento lhe estava vedado. Não é essa, no entanto, a argumentação dos Apelantes. O que os Apelantes dizem é que os factos em questão deviam ser julgados provados por não terem sido impugnados e, se assim é, o que estão a dizer é que os factos em causa deviam ser apreciados (não correspondendo, por isso, a factos ou questões que não pudessem ser conhecidos pelo juiz), mas deviam ser decididos em sentido diferente. Aquilo que os Apelantes imputam à sentença não é, portanto, uma nulidade por excesso de pronúncia (sendo certo que não sustentam que aqueles factos não podiam ser conhecidos e apreciados pelo juiz); o que imputam à sentença é um erro de julgamento (a sentença não julgou provados aqueles factos e, na perspectiva dos Apelantes, eles deviam ser julgados provados por não terem sido impugnados).

A sentença recorrida não padece, portanto, da nulidade que lhes é imputada pelos Apelantes.

Não existindo qualquer nulidade da sentença, o que importa saber é se a sentença recorrida incorreu (ou não) em erro de julgamento quando decidiu não julgar provados os factos acima mencionados, o que equivale a saber se esses factos devem ser julgados provados, conforme pretendem os Apelantes.

Começamos por referir que, ao contrário do que sustentam os Apelantes, não será possível afirmar que os factos em questão não tenham sido impugnados.

Importa notar que tais factos nem sequer foram alegados expressamente na reclamação deduzida pelos Apelantes e apenas constavam da sentença que acompanhava e apoiava tal reclamação. Ora, a verdade é que a credora impugnante, além de sustentar que essa sentença não tinha, quanto a ela, efeito de caso de julgado, impugnava expressamente a totalidade da reclamação (os seus artigos 1.º a 6.º) e os documentos que com ela haviam sido juntos.

É certo, portanto, que, nessas circunstâncias, os factos em causa não poderiam ser considerados assentes por falta de impugnação.

De qualquer forma, pensamos que a prova produzida fornece elementos bastantes par julgar provado que a Insolvente entregou a fracção em causa aos promitentes compradores em Dezembro de 2010 e que, a partir de então, estes passaram a habitá-la.

Com efeito, resultou provada (cfr. ponto 202 da matéria de facto e documento junto em 26/03/2018) a existência de acordo das partes no sentido de a fracção ser entregue aos promitentes compradores em Dezembro de 2010. Ainda que esse facto não baste, só por si, para concluir pelo efectivo cumprimento desse acordo e, consequentemente, pela efectiva entrega da fracção, a verdade é que existem outros elementos probatórios que apontam, de forma inequívoca, para esse facto, como sejam o facto de os promitentes compradores terem contratado fornecimento de electricidade, água e gás para a fracção em questão (cfr. pontos 203, 204 e 295 e documentos juntos em 26/03/2018) pelo menos a partir de meados de 2011. Refira-se, em relação a esta matéria, que, na nossa perspectiva e ao contrário do que se considerou na decisão recorrida, não assume aqui relevância o facto de os aludidos contratos terem sido celebrados em nome da ex-esposa do Apelante que não reclamou qualquer crédito; à data, ela era – tal como os Apelantes – promitente compradora, era casada com o Apelante e, nessas circunstâncias, a celebração de contratos de fornecimento de electricidade, água e gás por um dos elementos do casal para a casa em questão não deixa de demonstrar que aí passavam a habitar e que, como tal, tinham a disponibilidade material da fracção que lhes havia sido cedida pela promitente vendedora conforme havia sido acordado, sendo irrelevante – para efeitos de existência ou não de tradição da coisa – que, por força de separação ou divórcio, um dos elementos do casal tenha, entretanto, deixado de ali habitar e tenha deixado de ter a posição de promitente comprador por ter cedido ao outro a sua posição contratual. Por outro lado, conforme resulta dos documentos juntos aos autos em 26/03/2018, a correspondência trocada entre os promitentes compradores e a promitente vendedora (correspondência a que se reportam os pontos 206, 207, 208, 209, 210 e 211) foi enviada e expedida de e para a morada que corresponde à fracção em causa (objecto do contrato promessa), sinal de que a fracção estava na efectiva disponibilidade dos promitentes compradores que aí tinham instalado a sua residência. A própria Insolvente reconheceu – na carta correspondente ao documento n.º 9 junto em 26/03/2018 – que havia autorizado “o pleno e total usufruto do apartamento em causa e do seu condomínio” aos promitentes compradores. Esses elementos probatórios permitem-nos concluir, com razoável segurança, que, em conformidade e em obediência ao que havia sido acordado, a fracção em causa foi efectivamente entregue, em Dezembro de 2010, aos promitentes compradores que aí passaram a habitar.

Refira-se, em complemento, que foi essa a morada que os Apelantes indicaram na reclamação de créditos que apresentaram e que o facto de a fracção em questão ser por eles ocupada é claramente referida pela Sr.ª Administradora em vários requerimentos que apresentou no apenso da liquidação do activo (cfr. requerimentos de 13/04/2021, 23/09/2021 e 04/04/2023).

Em consequência do exposto e alterando, nessa medida, a decisão proferida sobre a matéria de facto, julgam-se provados os seguintes factos (que passarão a constar do elenco da matéria de facto provada com a numeração indicada):

202-A – Na sequência do acordo mencionado na parte final do ponto anterior, a promitente vendedora (a Insolvente) entregou a fracção em causa aos promitentes compradores em Dezembro de 2010;

202-B – Na sequência desse facto, os promitentes compradores passaram a habitar e residir na fracção em causa.

Em face dessa alteração e dos factos que agora se julgam provados, é certo dever ser reconhecido o direito de retenção reclamado pelos Apelantes em relação ao crédito no valor de 479.000,00€ e respectivos juros que foi reconhecido pela sentença recorrida e cuja existência não vem questionada no presente recurso.

O referido crédito – cuja existência não está aqui em apreciação por ser questão não incluída no âmbito e objecto do recurso – corresponde ao dobro do sinal que havia sido pago pelos promitentes compradores (acrescido de juros) e emerge do incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da Insolvente (promitente vendedora), nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 442.º, n.º 2, do CC.

Segundo o disposto na alínea f) do n.º 1 do art.º 755.º do CC, goza de direito de retenção “O beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos temos do artigo 442.º”.

Assim, estando aqui em causa – como se viu e conforme resulta da sentença recorrida – um crédito dos promitentes compradores resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442.º, é certo que esse crédito estará garantido por direito de retenção desde que, como resulta da norma acima citada, tenha existido tradição da coisa a que se refere o contrato prometido.

A tradição da coisa corresponde ao acto por via do qual se transfere para outrem a sua detenção ou disponibilidade material e que envolve, naturalmente, como tem sido reconhecido pelo STJ[11], um elemento negativo (o abandono pelo antigo detentor do poder de facto ou disponibilidade material da coisa) e um elemento positivo (o acto que exprime a tomada do poder sobre a coisa); pode ser uma tradição material que se efectiva através de um acto físico de entrega e recepção da coisa (como acontece nos casos em que se entrega em mão um determinado bem móvel) ou pode ser uma tradição simbólica que se efectiva através de acto a que, social convencionalmente, se atribui esse significado (como acontece nos casos em que a tradição se efectua através da entrega da chave de um imóvel)[12].

Ora, tendo em conta os factos que agora julgámos provados (que, na sequência do acordo que havia sido estabelecido nesse sentido, a promitente vendedora (a Insolvente) entregou a fracção em causa aos promitentes compradores em Dezembro de 2010 e que, na sequência desse facto, os promitentes compradores passaram a habitar e residir na fracção em causa), não poderemos deixar de ter como demonstrada a tradição da fracção que era objecto do contrato promessa, o que, em face das considerações acima efectuadas, confere aos promitentes compradores o direito de retenção sobre a fracção em garantia do crédito que lhe foi reconhecido emergente do incumprimento do contrato promessa.

Assim, sendo certo que, conforme disposto no art.º 759.º, n.º 2, do CC, o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente, o aludido crédito dos Apelantes tem que ser graduado, em relação ao produto da venda do citado imóvel, antes do crédito do Banco 1..., S.A. que é garantido por hipoteca.

Fora do âmbito dessa garantia encontra-se o crédito de €1.973,70 que, por não emergir do incumprimento do contrato, tem que ser classificado como crédito comum.


******

SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

(…).


/////

V.
Em face de tudo o exposto, decide-se:
A) – Julgar improcedente o recurso interposto por CC, confirmando-se a decisão que, julgando improcedente a impugnação por ela deduzida, não reconheceu o crédito que havia reclamado;

B) – Julgar procedente o recurso interposto por AA e BB e, em consequência:
i. Revoga-se o segmento da decisão recorrida que classificou o crédito dos Recorrente emergente do incumprimento do contrato promessa (479.000,00€ e respectivos juros) como crédito comum, classificando-se o aludido crédito como garantido por direito de retenção em relação à verba número 41 (quarenta e um);
ii. Altera-se o segmento decisório referente à graduação efectuada em relação à citada verba n.º 41 (Fracção autónoma designada pela letra “E”, composta por T-Quatro, designado por 922, situado no segundo piso, as garagens designadas por G6 e G7 situadas no piso menos um à cota 33.15, e o estacionamento P48 situado no piso menos um à cota 36.75 no Lote n.º ..., sito na Quinta ..., Rua ..., da freguesia ..., no Concelho ..., e que se encontra inscrito na matriz predial Urbana da freguesia ... sob o n.º ...54 e que está descrito na ... Conservatória de Registo Predial ... sob a descrição ...04...), determinando-se que, em relação ao produto da venda do citado imóvel, será pago em primeiro lugar o crédito garantido dos Apelantes (acima mencionado), após o que serão pagos os demais créditos de acordo com a ordem estabelecida na decisão recorrida;
iii. Mantém-se em tudo o mais a decisão recorrida.  

As custas da apelação de CC serão suportadas pela Apelante.
As custas da apelação de AA e BB serão suportadas pela Impugnante/Apelada Banco 1..., S.A.
Notifique.

                              Coimbra,

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                    (Helena Melo)   

                                                 (Arlindo Oliveira)


[1] A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pág. 328.
[2] Proferido no processo n.º 11857/16.3T8SNT-B.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[3] Proferido no processo n.º 882/14.9TJVNF-H.G1.A1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] Proferido no processo n.º 6933/04.8YYLSB-C.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[5] Proferido no processo n.º 1012/15.5T8VRL-AU.G1.S2 , disponível em Sumários de Acórdãos das Secções Cíveis, Boletim Anual de 2019 – Secções Cíveis e em https:// jurisprudência.pt.  
[6] Proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 1847/18.7T8PBL-A.C1 e 1853/19.4T8PBL-B.C1, disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[7] Proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs18080/15.2T8PRT-B.P1, 1654/09.8TBAMT-E.P1 e 239/11.3TBLSD-A.P1, disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[8] Proferido no processo n.º 5178/10.2TBCSC-C.L2-6, disponível em http://www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Blog do IPPC, Jurisprudência 2019 (29) https://blogippc.blogspot.com/2019/06/jurisprudencia-2019-29.html.
[10] Ob. cit., pág. 328 a 336.
[11] Cfr., designadamente, os Acórdãos de 03/05/2023 (processo n.º 4183/16.0T8VNG-E.P1.S1) e de 25.03.2014 (processo n.º 1729/12.6TBCTB-B.C1.S1.), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Acórdão do STJ de 25/03/2014, proferido no processo n.º 1729/12.6TBCTB-B.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.