Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2237/22.2T9LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALCINA DA COSTA RIBEIRO
Descritores: PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DAS NULIDADES
GRAVAÇÃO DOS DEPOIMENTOS PRESTADAS EM AUDIÊNCIA
GRAVAÇÃO DOS DEPOIMENTOS PRESTADOS NO INQUÉRITO
FALTA OU DEFICIÊNCIA DE GRAVAÇÃO DOS DEPOIMENTOS
VALIDADE DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS EM INQUÉRITO NÃO CONFIRMADAS EM AUDIÊNCIA
VALORAÇÃO DAS DECLARAÇÕES PRESTADAS EM INQUÉRITO E EM AUDIÊNCIA
RELATÓRIO DE VIGILÂNCIA
PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
CONTEÚDO DA ACUSAÇÃO
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
REGIME DA PERDA DE BENS
PERDA DOS INSTRUMENTOS
PRODUTOS OU VANTAGENS DO CRIME
PERDA ALARGADA
VANTAGENS DO CRIME NO CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
VANTAGENS BRUTAS E VANTAGENS LIQUIDAS
PRINCÍPIO DE GANHO “LIQUIDO”
Data do Acordão: 12/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 1
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DOS ARGUIDOS E CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Legislação Nacional: ARTIGOS 99.º A 102.º, 118.º, N.º 1, 120.º, N.º 1, 123.º, N.º 1, 125.º A 127.º, 138.º, 178.º A 186.º, 191.º A 194.º, 227.º, 228.º, 249.º, 253.º, 275.º, N.º 1, 283.º, N.º 3, ALÍNEA B), 355.º, 363.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
ARTIGOS 109.º A 112.º-A DO CÓDIGO PENAL
ARTIGOS 21.º, 25.º, 26.º E 35.º A 39.º DO D.L. N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO
ARTIGO 1.º, ALÍNEA A), DA LEI N.º 5/2002, DE 11 DE JANEIRO
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 13/2014
Sumário: I - Para cumprimento do exigido na alínea b) do n.º 3 do artigo 283.º do C.P.P. é necessário existir sempre alguma concretização das condutas imputadas a um arguido de forma a ser possível enquadrá-las no tempo e situá-las no espaço com alguma precisão, mas relativamente ao tráfico de estupefacientes isso não impede que a narração da actividade de tráfico contenha uma sumula introdutória dos actos que a concretizam num determinado espaço e durante um lapso temporal, só assumindo tal síntese relevância se densificada com a narração de actos materiais e concretos, sem os quais não pode constituir fundamento na condenação do crime e/ou na medida da pena.

II - Em processo penal o regime das nulidades obedece ao princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade quando esta for expressamente cominada na lei.

III - Quando a lei não comine para a prática ou omissão de determinado acto a sanção de nulidade e, com a sua prática ou omissão, for violada alguma disposição legal, verificar-se-á uma irregularidade que, para ser conhecida, tem que ser arguida pelos interessados e que determina apenas a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar.

IV - A omissão da documentação em áudio das declarações prestadas em audiência é uma nulidade sanável, que deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o pedido da cópia da gravação e a efectiva satisfação desse pedido, sob pena de se considerar sanada.

V - Não existindo regra especial para a documentação das declarações tomadas pelo Ministério Público em inquérito, tal diligência de prova é reduzida a auto, nos termos gerais, não se lhe aplicando as regras da audiência.

VI - Correspondendo a audiência de julgamento à fase processual onde se materializa toda a produção de prova, com observância dos princípios da publicidade, imediação, oralidade e contraditório, a lei admite, excepcionalmente, a valoração das provas contidas em actos processuais pré-existentes, desde que, através da leitura, visualização ou audição, sejam transportados e introduzidos no julgamento e sejam objecto do contraditório, caso em que serão apreciados em conjugação com todos os demais, à luz das regras de valoração da prova do artigo 127.º do C.P.P.

VII - Não existindo norma a impor o sentido da valoração do conteúdo das declarações prestadas em inquérito e em audiência, nem norma que faça prevalecer uma sobre a outra, mesmo nos casos em que são contraditórias entre si, as declarações prestadas em inquérito não integram qualquer excepção ao princípio da livre apreciação da prova, cumprida que seja a condição de validade estabelecida no artigo 356.º do C.P.P.

VIII - Sendo o recurso o um meio processual destinado a provocar o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu, não pode ser apreciada a alegada falsidade de uma acta de diligência realizada em sede de inquérito pelo Ministério Público quando invocada pela primeira vez no recurso.

IX - O relatório de diligência externa, onde se integram as vigilâncias e o seguimento ao agente, consiste num resumo dos actos de investigação realizados pelos órgãos de polícia criminal no âmbito das suas competências e funções de investigação, nomeadamente cautelares, estatuídas nos artigos 249.º e 253.º do C.P.P.

X - Ao contrário do que sucede com os exames, revistas, buscas, apreensões e escutas, que seguem um regime próprio, o legislador não estabeleceu qualquer regra especifica para as diligências externas de investigação documentadas em relatório, sujeitando a validade de admissão e valoração probatória dos mesmos aos princípios gerais da prova.

XI - Os relatórios de vigilância descrevem os factos directamente presenciados pelos elementos policiais que os subscrevem e assinam, são incorporados nos autos em data anterior à acusação, são acessíveis antes do inicio e durante a audiência, são meios de obtenção de prova admissíveis.

XII - As regras da experiência comum, à luz das quais o julgador pode, dentro de certos limites, extrair de factos conhecidos outros factos que, por se manifestarem evidentes e/ou razoáveis, os considera provados, mais não significam do que analisar se um homem médio e razoável, colocado naquelas circunstâncias, concluiria, necessária, directa e logicamente, que a ilação só poderia ser aquela ou que seria impossível ser de outra maneira, afirmando-se, sem qualquer sombra de dúvida, um facto real e concreto.

XIII - O crime de tráfico de menor gravidade encontra fundamento em razões de justiça material e de proporcionalidade, que deslegitima que a sua punição se assemelhe à do tráfico simples, de maior gravidade, constituindo uma válvula de segurança do sistema em ordem a evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas.

XIV - O regime actual de perda de bens assenta, essencialmente, em dois modelos: a perda dos instrumentos, produtos ou vantagens do crime e a perda alargada, cada deles com pressupostos de campos de aplicação distintos.

XV - A perda de instrumentos, produtos e vantagens pressupõe a demonstração de que estes foram obtidos, directa ou indirectamente, com a prática de um facto ilícito típico, exigindo a prova da existência de uma relação de conexão entre o facto ilícito criminal concreto e o correspondente proveito patrimonial obtido.

XVI - Na perda alargada o regime probatório é menos exigente e é «baseado na diferença entre o património do arguido com base na presunção da ilicitude desconforme. O que está em causa já não são apenas as vantagens directamente resultantes da prática do crime, mas a existência de um património incongruente com os rendimentos lícitos e que o arguido não consegue, de qualquer forma licita, justificar. A perda não se restringe aos proceeds comprovadamente resultantes do crime (…) mas a tudo aquilo que não é congruente com os seus rendimentos lícitos e que, por isso, se presume «constituir vantagem de actividade criminosa».

XVII - São instrumentos do crime, para efeitos de declaração de perda, todos os objetos que serviram ou estivam destinados a servir para a sua prática se, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, justificando-se a sua perda em razão das finalidades de prevenção da utilização dos mesmos na actividade criminosa.

XVIII - Se os instrumentos não puderem ser apropriados em espécie a perda pode ser substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.

XIX - Os produtos do crime são os objectos que, inexistindo previamente, foram produzidos pela sua prática e as vantagens do facto ilícito abrangem todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica directa ou indirectamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.

XX - No regime especial do crime de tráfico de estupefacientes instrumentos do crime são todos os objectos que serviram ou estivam destinados a servir para a prática do crime ou que por este foram produzidos.

XXI - O perdimento de bens regulado no D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, tem matriz especifica e própria muito menos exigente nos seus pressupostos do que o previsto no Código Penal, de modo a combater qualquer rentabilidade da actividade de tráfico, sendo vantagens do crime são todas as coisas, ou direitos relacionados com o facto típico e ilícito.

XXII - No crime de tráfico de estupefacientes se as recompensas, objectos, direitos ou vantagens tiverem sido transformados ou convertidos noutros bens, são estes perdidos a favor do Estado em substituição daqueles e se tiverem sido misturados com bens licitamente adquiridos, são estes perdidos a favor do Estado até ao valor estimado daqueles que foram misturados, aplicando-se estas regras do perdimento a todos os lucros e benefícios obtidos com aqueles bens.

XXIII - No crime de tráfico de estupefacientes se a recompensa, os direitos, objectos ou vantagens relacionadas com o crime não puderem ser apropriados em espécie o confisco pode incidir sobre todo o património lícito do arguido, sendo a perda ou o confisco substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.

XXIV - No crime de tráfico de estupefacientes quando os instrumentos do facto ilícito típico não puderem ser apropriados em espécie, tem-se vindo a entender que o cálculo para aferir o seu valor se deve reportar à data da aquisição, de acordo com uma perspectiva objetivo-individual (através da utilização de critérios objetivos, de natureza económica, face à realidade económica do agente) e que deve obedecer aos principio do “ganho líquido” (devendo deduzir-se às vantagens alcançadas os montantes despendidos para a sua obtenção), sob pena de o valor bruto implicar uma ficção de enriquecimento.

XXV - O princípio de ganho “liquido” para cálculo do valor final o não é absoluto, porque nas situações em que a actividade subjacente à prática do crime é intrinsecamente ilícita, como é o caso do crime de tráfico de estupefacientes, não há qualquer tutela jurídica para as componentes licitas da actividade.

XXVI - No caso do crime de tráfico de estupefacientes as quantias licitas gastas com a compra e venda dos estupefacientes são instrumentos do crime, destituídos de qualquer tutela jurídica, podendo, por isso, ser declarados perdidos a favor do Estado, contaminando a ilicitude das modalidades da acção objectiva típica e ilícita elencadas no artigo 21.º do Decreto Lei n.º 15/23 os gastos com aquisição, transporte e logística que lhe são inerentes, ainda que provenientes do património licito do agente.

XXVII - Se, nos termos do artigo 109.º, n.º 3, do Código Penal, a perda do valor dos instrumentos do crime é admissível para os crimes em geral, também o deve ser para o regime especial do tráfico de estupefacientes, porque neste os pressupostos da perda são de menor exigência, porque, pela própria razão de ser de um regime especial, se visa impedir qualquer ganho com a actividade de tráfico, porque não contraria as regras dos artigos 35.º a 39.º do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e porque assim o exigem os princípios orientadores que enformam este regime de perda de bens.

XXVIII - Para efeitos dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 36.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o perdimento a favor do Estado incide na vantagem bruta obtida pelo agente e não sobre o “ganho liquido”, obtido deduzindo as despesas às vantagens brutas.

XXIX - O valor correspondente às despesas com a prática do crime não assume qualquer relevância na quantificação das vantagens obtidas, precisamente porque são um instrumento da actividade criminosa, sem qualquer tutela jurídica.

Decisão Texto Integral:

A. - RELATÓRIO

I. Por Acórdão proferido em 1 de julho de 2024, o Colectivo do Juiz 1 do Juízo Central Criminal de Leiria, deliberou:

1. Relativamente ao arguido, AA …

ABSOLVER o arguido, da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado imputado;

CONDENAR o arguido …, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-A, I-B e I-C anexas ao referido diploma legal, na PENA DE 6 (SEIS) ANOS DE PRISÃO;

Declarar que sobre a referida pena não incide o regime do Perdão e Amnistia previsto na Lei 38-A/2023, de 02.08, atenta a idade do arguido à data dos factos (superior a 30 anos de idade) e o crime praticado pelo mesmo – cf. artigo 2º, nº 1 e 7º, nº 1, alínea f), ix) da referida Lei;

NÃO DECLARAR A PERDA DE VANTAGENS peticionada nos autos;

1. Relativamente ao arguido, ARGUIDO BB …

ABSOLVER o arguido da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado imputado;

CONDENAR o arguido, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-B e I-C anexas ao referido diploma legal, na PENA DE 5 (CINCO) ANOS E 6 (SEIS) MESES DE PRISÃO;

CONDENAR o arguido, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea c) da Lei 5/2006, de 23.02, na PENA DE 1 (UM) ANO E 6 (SEIS) MESES DE PRISÃO;

EM CÚMULO JURÍDICO das referidas penas, CONDENAR o arguido BB … na pena única de 6 (SEIS) ANOS DE PRISÃO;

Declarar que sobre a referida pena não incide o regime do Perdão e Amnistia previsto na Lei 38-A/2023, de 02.08, atenta a idade do arguido à data dos factos (superior a 30 anos de idade) – cf. artigo 2º, nº 1 da referida Lei;

NÃO DECLARAR A PERDA DE VANTAGENS peticionada nos autos;

3. Relativamente aos OBJECTOS APREENDIDOS:

Nos termos do artigo 109º do Código Penal e do artigo 35º, nº 2, do Decreto-lei nº15/93, de 22 de Janeiro, declaram-se perdidos a favor do Estado todos os produtos estupefacientes apreendidos nestes autos e as embalagens que os acondicionam ou se destinam a acondicionar, …

*

Declara-se a perda a favor do Estado das balanças de precisão apreendidas e da faca …

Declara-se a perda a favor do Estado das quantias monetárias e telemóveis apreendidos aos arguidos nos autos, determinando-se a destruição dos telemóveis.

Declara-se, ainda, a perda a favor do Estado das armas de fogo e munições apreendidas nos autos ao arguido BB …, com a consequente entrega das mesmas à PSP.

II. Inconformados, recorrem os arguidos e o Ministério Público formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:

1. BB …

1. …

2. Em cúmulo jurídico, foi-lhe aplicada uma pena única de 6 (seis) anos de prisão.

6. Nos termos e para os efeitos do artigo 412º n.º 3 do Cód. Processo Penal, o Recorrente impugna todos os factos julgados provados, que como se procurou demonstrar em sede Motivação, deveriam estar inscritos na matéria dada como não provada.

11. Estamos perante um caso em que primeiramente se lança mão das escutas telefónicas para depois se realizarem buscas domiciliárias – o que se revela contrário ao propósito do legislador e à doutrina de Manuel Monteiro Guedes Valente.

21. O arguido … também recebeu transferências bancárias efetuadas por consumidores, na sua conta com o NIB …, através do MB WAY, entre 01.01.2021 e 20.03.2023, no valor total de €13 704,00 … para pagamento de cocaína (dados como não provados os valores globais das vantagens auferidas, constantes da Acusação - €22 474,00):

53. Estamos perante uma Omissão de Pronúncia pelo Tribunal a quo - Omissão de Pronúncia quanto ao facto de o Recorrente ser consumidor de cocaína, acrescido ainda do facto comprovado de sete dos consumidores ouvidos, em Julgamento, terem confirmado que consumiam em conjunto com ele, a sós ou em eventos sociais, com amigos.

57. Tal facto, conhecido e provado em sede de Julgamento nunca poderia ter sido absolutamente omitido na Sentença, também na sequência da não existência de qualquer referência quer durante a investigação, quer na própria Acusação. E tem consequências legais, plasmadas no artigo 379. °, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPP.

58. Exige-se que em sede de resposta ao presente Recurso, seja reposta a verdade dos factos!

59. Tal facto, porque poderia concorrer para qualificação diversa do crime de tráfico, quer porque poderia também diminuir as exigências de prevenção geral positiva, ou seja, seria sempre um facto que poderia alterar a cognição, valoração e juízo do Tribunal a quo, quer quanto à moldura abstrata da pena, quer quanto à medida concreta da pena a aplicar e aplicada ao Recorrente.

60. Torna-se até muito pertinente questionar, se, perante todas estas constatações acima evidenciadas, estas quantidades de cocaína vendidas pelo Recorrente, a tão reduzido número de consumidores, eram, afinal, suficientes para que ele pudesse fazer face às despesas com o seu próprio consumo?

61. Urge ainda questionar se este tipo de vendas, de quantidades tão insignificantes e/ou reduzidas, para um número tão limitado de consumidores, não configurará um crime de Tráfico de Menor Gravidade, p. e p. no artigo 25º, do DL nº 15/93, de 22.01!

62. Ou, a não ser assim entendido, se a pena aplicada, numa moldura penal de 4 a 12 anos, não será manifestamente exagerada, até pela absoluta omissão do consumo e dependência por parte do Recorrente, na Sentença, pedra angular e, claramente, determinante na convicção criada pelo colectivo do Tribunal a quo!

65. No que toca ao crime de tráfico de estupefacientes, cuja moldura penal se circunscreve entre os 4 e os 12 anos, entende-se que a pena de 6 anos aplicada ao recorrente é exagerada. Pois, se olharmos para os factos provados - sem prejuízo da impugnação - constata-se que, no espaço temporal em causa, poucos foram os actos de tráfico e poucos são os consumidores destinatários.

66. Para além do mais, o Recorrente é também ele um consumidor de produtos estupefacientes, como, em plena audiência de julgamento, foi conformado por SETE das 13 testemunhas arroladas pela Acusação!

67. Assim, somos de opinião que operada a convolação da condenação pelo artigo 21ºdo Dec. Lei n.º 15/93 de 22/01 para o artigo 25º alínea a) ou até, ainda que permaneça como válida a qualificação jurídica constante do acórdão recorrido, impõe-se que o quantum concreto da pena seja reduzido.

68. No que tange ao crime de detenção de arma proibida, podia até o Recorrente questionar como é que o Tribunal a quo concluiu que foi ele o autor do crime de detenção de arma ilegal, pois nos autos inexistem sequer indícios, ainda menos provas, ainda que insuficientes, de que tenha sido o autor do crime de detenção de arma proibida.

98. Assim, também não podemos deixar de entender que o quantum penal aplicado ao Recorrente, a título de pena única, deverá ser substituído por um outro, em que a contundência não seja o timbre dessa pena única e onde a justiça resplandeça na sua plenitude, reduzindo o valor da pena única, de forma que seja possível a aplicação do instituto de uma pena suspensa.

117. Acresce ainda NÃO corresponder à verdade o constante a fls. 35 da douta Sentença, onde se afirma, no final do primeiro parágrafo “. Depuseram (os militares da GNR), sobre as diligências realizadas de forma segura, livre, escorreita, objectiva e descomprometida, merecendo, por isso, tais depoimentos, credibilidade.”

118. Por constarem do Processo, do Relatório Final e, posteriormente, da Acusação do MP (praticamente um ‘copy e past’ do RF) um conjunto de fantasias e até alguns delírios, já anteriormente dissecados, a grande maioria deles considerados como Factos Não Provados na douta Sentença, com o único objectivo perceptível de pretenderem passar a ideia de que se estava perante um enorme traficante da zona Centro do País, quando, na realidade, inexorável e até cruel, demonstrada pelos números, não passa, afinal, o Recorrente, de um simples e reles traficante, que nem para conseguir pagar a cocaína que consumia, ganhou!

119. Esses delírios fantasiosos, que o responsável da investigação, quando questionado designou de ‘generalidades, sem importância’, levou-os até a considerarem a existência de uma Pirâmide, como estivessem perante um qualquer cartel, uma verdadeira associação criminosa, de compras em conjunto, vendas concertadas, áreas territoriais absolutamente descabidas, vendas a um numeroso número de pessoas, o que, obviamente era impossível de provar, por inexistente!

120. Violaram um princípio sagrado das vigilâncias e respectivos relatos de diligências externas – só se transmite o que se viu, sem o ‘CONDIMENTO’ da convicção pessoal!

121. Outra questão que ficou sem resposta foi a motivação que esteve por detrás do facto de nunca ter sido apreendida uma grama que fosse de cocaína aos poucos consumidores a quem o Recorrente vendia cocaína! Insuficiência manifesta para a prova de facto, dada como provada!

122. Não existe qualquer referência, uma sequer, aquando da especificação das entregas efectuadas pelo Recorrente à escuta telefónica e ao Relato de Diligência e/ou vigilância que a ele está associado, numa clara insuficiência de fundamentação da prova da matéria de facto.

123. Para além disso, nunca, em qualquer um, das dezenas e dezenas de Relatos de Diligências Externas e de Vigilâncias, se refere sequer o visionamento de dinheiro ou a troca do mesmo, entre os intervenientes.

134. Nesta senda, não se pode deixar de registar a utilização das escutas telefónicas para depois se lançar mão das buscas domiciliárias. Não era este o propósito do legislador.

142. As averiguações policiais e do Ministério Público ao seu património, conjugadas com as informações de todas as suas contas bancárias, as informações da Autoridade Tributária e da Segurança Social, não detectaram qualquer tipo de sinais exteriores de riqueza, o que, só por si, desmente a tese que as autoridades tentaram carrear para os autos, da qual ainda restam alguns resquícios, já referidos, na douta Sentença.

143. O Recorrente era um consumidor de cocaína, que num curto período da sua vida, para sustentar o seu vício, descambou para níveis e caminhos ínvios que o conduziram à prisão!

144.Sempre trabalhou e até emigrou para tentar melhorar as condições de vida do seu agregado familiar! Reforçou a ideia, com este tropeção, que só o trabalho lhe pode continuar a trazer uma vida estável, sem sobressaltos!

…».

2. AA …

1.º O Tribunal a quo errou no julgamento da prova reproduzida e a reproduzir.

A conjugação dos RED’s, omissos quanto a qualquer visualização de droga ou troca de dinheiro, as escutas com caráter vago e sem referência a valores ou quantias, mas apenas a locais de encontro e encontro entre o arguido e as testemunhas exigiriam que o Tribunal, para além de se pronunciar sobre se os contactos entre sujeitos e arguidos se destinavam a consumo ou auxilio para aquisição conjunta de droga, considerasse e reputasse como verdadeiro o depoimento prestado pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento.

2.º Não o fazendo, o Tribunal a quo preteriu o princípio da imediação positivado no artigo 355.º do CPP, o principio da audiência contraditória e o princípio do In Dubio Pro réu.

I- a prova é nula porque recolhida perante coação exercida pelos OPC durante a inquirição das testemunhas. São nulas todas as provas, depoimentos ou declarações que forem obtidos mediante tortura ou coação. A testemunha e outras foram coagidas e ameaçadas pelos OPC com dano real e efetivo para que com essa ameaça confirmassem ou depusessem num determinado sentido, sentido este incriminador do arguido AA.

Assim, todos os depoimentos em que as testemunhas relatam, em sede de audiência de discussão e julgamento que foram ameaçadas e coagidas e afirmarem este ou aquele facto ou esta ou aquela versão não podem ser valoradas por força do artigo 126.º n.º 2 al. d) do CPP

III- São formalmente falsos ou inválidos porque as declarações prestadas perante MP não foram prestadas perante Magistrado, mas perante funcionário Judicial.

4.º de acordo com os meios utilizados pelo arguido, circunstâncias e modo como procedeu à troca, cedência ou compra conjunta e tendo por base que a cedência, venda, troca ou compra conjunta de estupefaciente se destinava, na maioria das vezes a consumo do arguido ou a consumo conjunto do arguido e restantes intervenientes aqui testemunhas, o Tribunal a quo, para além de não poder dar como provado, por insuficiência para a matéria dada como provada para a decisão e de ter incorrido em erro de julgamento e falta de fundamentação deveria ter condenado o arguido pelo crime p. e p. no artigo 25.º ou 26.º do DL 15/93 de 22 de janeiro e não pelo artigo 21.º do mesmo diploma.

Para esse entendimento concorre o facto de não ter sido apreendida qualquer droga ao arguido …, não ter sido apreendido quantia compatível com o crime de tráfico, não ter o arguido um estilo de vida compatível com a parafernália de alegadas vendas, isto é, o arguido continuou a trabalhar e não se verificam sinais de melhoria drástica ou comportamentos e compras de luxo típicas do nível de tráfico apresentado pela acusação.

5.º Conforme resulta do estabelecido no artigo 374º, do CPP, a estrutura de uma sentença comporta três partes distintas, a saber: o relatório, a fundamentação e o dispositivo, sendo que a fundamentação deve conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

6.º O Tribunal recorrido não fundamenta o Ac. Relativamente à prova reproduzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Não dispõe ou demonstra de que forma afastou os depoimentos das testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, nem os motivos pelos quais considerou os seus depoimentos em sede de inquérito, mas não os depoimentos prestados perante o Tribunal.

7.º existe Omissão de Pronúncia quanto ao facto do arguido AA … ser consumidor e de que substâncias, bem como o facto de ter conhecido testemunhas em ambiente de consumo e se consumia com as mesmas.

8.º Conforme estabelece o art. 379.°, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, sendo tal disposição correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, por força do n.º 4 do art. 425.° do mesmo diploma.

10.º A gravação do depoimento da testemunha … e respetivo depoimento prestado por esta em fase de inquérito são obrigatórios por força do artigo 363.º do CPP. Não existindo não pode ser valorado por nula a prova em que assenta a motivação, o depoimento da testemunha, quer na fase de inquérito e lido em audiência mas também não gravado, quer o depoimento da testemunha no decorrer da audiência de discussão e julgamento, também não gravado.

Não existindo gravação, mas sendo a reprodução de prova desta testemunha e o depoimento oferece junto do Tribunal é essencial para a apreciação do mérito do recurso, para a consolidação dos factos e sindicância da matéria de facto dada como provada com base ou afastando o depoimento da testemunha na fase de audiência de discussão e julgamento. De igual forma não se encontra gravada a reprodução de prova em audiência nos termos e para os efeitos do artigo 355.º do CPP, no que diz respeito à leitura do depoimento da testemunha aquando da sua inquirição na fase de inquérito.

A prova reproduzida deve ser renovada nos termos e para os efeitos do artigo.

Prescreve o mencionado art.º 412.º, n.º 3 al. c) no mesmo sentido se alerta para o facto de não ter sido abrir o ficheiro de gravação relativo ao militar e testemunha …. Do depoimento do militar interessa o que se recorda a defesa: a parte em que depõe no sentido de nunca ter visto passagem ou troca de algo ou dinheiro no decorrer dos RDE’s realizados por si (quase a totalidade).

…».

3. Ministério Público

1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido no dia 01 de Julho de 2024 nestes autos, nas partes em que:

a) Julgou improcedente o pedido de perda das vantagens da actividade criminosa, nos termos do artigo 110º do Código Penal, requerido pelo Ministério Público.

b) Apenas condenou na pena de 6 anos de prisão o arguido AA …, pela prática em autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º nº 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C anexas ao citado diploma legal;

2. o Tribunal Colectivo julgou improcedente o pedido de perda de vantagens, nos termos do artigo 110.º, do Código Penal, nos seguintes termos: «O Ministério Público requereu, ainda, a perda de vantagens obtidas pelos arguidos com a prática dos ilícitos pelos quais serão condenados, no montante de € 6.730,10, relativo ao arguido AA …, e de € 22.474,00 e de € 540,00, relativos ao arguido BB …. Com exceção da quantia de € 540,00 apreendida nos autos, desconhece-se o valor de outras vantagens patrimoniais auferidas pelos arguidos com a prática dos factos, não se havendo logrado provar os demais montantes descritos.

Assim, haverá de improceder o pedido de perda de vantagens formulado pelo Ministério Público nos autos, declarando-se perdida a favor do Estado todas as quantias monetárias apreendidas nos autos aos arguidos, uma vez que não resulta provada a sua proveniência lícita.».

3. Entende-se que o Tribunal Colectivo ao ter decidido do modo supra descrito violou o disposto nos artigos 110.º, do Código Penal e o disposto no artigo 36.º, n.º 2, 3 e 4, Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

4. A perda de vantagens é, assim, exclusivamente determinada por necessidades de prevenção, sendo considerada como uma medida sancionatória típica análoga à medida de segurança, visando o Estado que nenhum benefício venha a resultar para o arguido pela prática do ilícito.

5. Nessa  confluência, a decisão de declaração    da perda de vantagens constitui uma consequência necessária da prática de um facto ilícito criminal, procurando o Estado, através dela, reconstituir a situação do seu autor antes da sua prática, ou seja, de modo a ficar sem qualquer benefício da prática do crime, assim percebendo que “o crime não compensou”.

6. Parece resultar que o Tribunal Colectivo optou por considerar que apenas poderia declarar perdidas as vantagens líquidas obtidas e não a bruta. Na ausência de prova de um dos elementos da equação (os custos, ou o preço pelo qual o estupefaciente era adquirido pelos arguidos), decidiu pela improcedência.

7. Dúvidas não há que o Tribunal apurou: os arguidos dedicaram-se à venda de produtos estupefacientes, condenando-os pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, do Decreto-Lei n.º15/93.; identificação dos consumidores a quem os arguidos venderam os estupefacientes;               Identificação dos valores monetários  pagos por cada dose de estupefaciente vendida e número de vezes; forma de pagamento do estupefaciente, quer em entrega de dinheiro, quer através de transferências bancárias, através de MBWAY.

8. Afigura-se-nos que o Tribunal Colectivo deveria ter decidido pela declaração da perda de vantagens, apurada pelo cálculo aritmético das vendas efectuadas pelos arguidos e respectivo pagamento recebido.

10. Ao não ter decido da forma agora exposta, incorreu o Tribunal a quo em erro de apreciação da prova produzida e da sua subsunção ao direito, nos termos do artigo 412.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal.

11. Deverá o presente acórdão, nesta parte, ser revogado e declarado perdido a favor do Estado, as vantagens auferidas pelos arguidos, com a prática do crime de tráfico de estupefacientes, nos termos supra expostas, isto é, da mera operação aritmética de soma dos valores recebidos e constantes dos factos provados.

12. O arguido AA … foi condenado na pena de 6 anos de prisão, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93.

13. Considerando o dolo directo com que o arguido agiu; o número de consumidores; a quantidade de produtos estupefacientes              32 movimentada e a sua natureza; a área geográfica de acção; o período temporal em que desenvolveu a actividade criminosa; as quantias monetárias auferidas; os vastos antecedentes criminais do arguido; a prática dos factos no período de liberdade condicional.

14. Atentos os extensos antecedentes criminais do arguido, ao delinquir novamente, e na prática do crime de tráfico de estupefacientes, o arguido revela que é imune ao efeito das penas, manifestando por um lado um repúdio pela norma legal, e por outro lado revelando uma imunidade ao efeito de prevenção especial da pena.

15. Entendemos que o arguido deverá ser condenado numa pena a fixar entre os sete e os oitos anos de prisão.

…».

III - O Ministério Público, em primeira instância, respondeu aos Recursos interpostos pelos arguidos, …

V. Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral-Adjunta, em parecer doutamente fundamentado conclui pelo não provimento dos mesmos dos arguidos e pelo provimento do recurso do Ministério Público.

V. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, nada obstando ao conhecimento de mérito do Recurso.

B. - QUESTÕES A DECIDIR

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal.

[1], … [2].

Neste quadro, submetem os arguidos à nossa apreciação, as seguintes questões:

1. Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia (arguidos);

2. Nulidade da sentença por omissão da análise crítica da prova (…);

3. Nulidade das declarações prestadas em inquérito perante o Ministério Público (…);

4. Nulidade da inquirição de … por omissão gravação (…);

 5. Impossibilidade de audição das declarações da testemunha …;

6. Invalidade dos relatórios de vigilância;

7. Falsidade do auto de declarações prestadas perante o Ministério Público (arguidos);

8. Impugnação de facto (arguidos)

9. Qualificação jurídico-penal (arguidos);

10. Perda de vantagens (Ministério Público);

11. Medida da Pena (Ministério Público e arguidos).

C. - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A primeira instância julgou a matéria de facto, como segue:

FACTOS PROVADOS:

Discutida a causa, com relevo para a boa decisão da mesma [e expurgada a matéria meramente probatória, conclusiva e genérica da mesma constante], resultaram provados os seguintes factos constantes da acusação:

1.

2.  …

3. …

4. …

5.

6.

       8 …

       8.

7. …

     11.

     12. …

     13. …

     14. …

Mais se apurou:

*

FACTOS NÃO PROVADOS:

*

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

Quanto à questão da culpabilidade:

Os militares da GNR inquiridos em audiência, responsáveis pela investigação realizada nos autos, confirmaram o teor dos relatórios de vigilância elaborados, os autos de busca e apreensão e as transcrições das interceções telefónicas realizadas. Mais depuseram sobre a forma como foram realizadas as diligências de inquirição de testemunhas constantes dos autos, inicialmente na sua presença e, mais tarde, perante Magistrado do Ministério Público. Depuseram sobre as diligências realizadas de forma segura, livre, escorreita, objetiva e descomprometida, merecendo, por isso, tais depoimentos credibilidade.

A conclusão de que os encontros presenciados pelas autoridades, e constantes dos relatórios vigilância elaborados nos autos, serviram a venda de produto estupefaciente por banda dos arguidos aos consumidores supra elencados decorre da conjugação do depoimento prestados pelas testemunhas em audiência (na qual se procedeu, em muitos casos, à leitura valorável do depoimento prestado pelas testemunhas em sede de inquérito) com o teor dos vários relatórios de vigilância constantes dos autos (e o tempo médio dos encontros ocorridos – de poucos minutos), a troca de algo de pequenas dimensões entre arguidos e testemunhas (não compatível com a venda de azeite ou de licores) e, em alguns casos, os autos de apreensão de estupefaciente na posse das testemunhas (após a troca).

De facto, e ainda que se pudesse aventar a hipótese de os órgãos de polícia criminal haverem pressionado as testemunhas a narrar os factos conforme descrito nos variados autos de inquirição, nenhuma justificação se encontra para que as testemunhas em causa hajam confirmado perante Magistrado de Ministério Público o teor de depoimento anteriormente prestado, que não a correspondência do mesmo com a realidade – note-se que, em vários dos depoimentos prestados perante Magistrado de Ministério Público, após lhes terem sido lidas na íntegra as declarações anteriormente prestadas, foi dada a todas as testemunhas (sem exceção) a possibilidade de livremente as negarem, corrigirem, retificarem, aumentarem ou interpretarem o anteriormente declarado, sendo que, em vários casos, foram inclusive feitas retificações, correções e esclarecimentos ao teor das declarações anteriormente prestadas …

De facto, ainda que se quisesse crer na versão apresentada pela Defesa do arguido … de que as autoridades policiais pretenderam incriminar injustificadamente o arguido, da prova constante dos autos, e lida e valorada validamente em audiência de julgamento, retira-se, sem margem para dúvidas, a prova da venda, pelo arguido AA, de cocaína, heroína e cannabis resina da forma que se deixa descrita.

A prova das transferências bancárias MB WAY efetuadas para as contas dos arguidos decorre da conjugação do depoimento das referidas testemunhas (inquiridas em audiência) com a análise da documentação bancária constante de fls. 2243 e ss, 2595 e ss e 2281 e ss. dos autos.

A prova constante dos autos não permite concluir, com o grau de rigor e de certeza que se impõe, que os arguidos vendiam estupefacientes em conjunto ou que se auxiliavam na atividade de venda por cada um deles desenvolvida, que adquiriam conjuntamente o produto estupefaciente ou que encaminhavam clientes um para o outro – não bastando a tais conclusões o teor das interceções telefónicas constantes dos autos, desacompanhadas de outros elementos probatórios.

A prova dos objetos e substâncias estupefacientes apreendidos decorre dos autos de busca e apreensão constantes dos autos, confirmados em audiência de julgamento pelos Militares da GNR que os elaboraram – …

A qualidade e quantidade do produto estupefaciente apreendido decorre diretamente do exame toxicológico constante de fls. 2873 a 2876 e de fls. 3029 dos autos.

Da conjugação dos factos praticados pelos arguidos com as mais elementares regras da normalidade e experiência comum é possível retirar o conhecimento e vontade da prática dos factos por banda dos mesmos, conhecendo a proibição da sua conduta.

Desconhecendo-se o valor a que os arguidos adquiram o estupefaciente que vendiam, não é possível apurar a margem de lucro dos mesmos pelas vendas realizadas – o que determinou que se tenham dado como não provados os valores globais das vantagens pelos mesmos auferidas, constantes da acusação.

Os demais fatos não provados resultam de não se haver produzido prova sobre os mesmos ou por se haverem apurado fatos distintos ou incompatíveis com aqueles que se excluíram.

D. -  APRECIAÇÃO DO RECURSO

I -  Questão prévia

Ao procedermos à audição da gravação da prova, constatamos que se consignou no Citius Médio Studio, o nome de … como tendo sido a testemunha ouvida no dia 29 de abril de 2024, pelas 10H57.

Todavia, nesse momento a testemunha ouvida foi … e não ….

Trata-se de um lapso de escrita, que deve ser corrigido, …

  

II - Nulidade do Acórdão recorrido

 Os recorrentes, …, apontam ao Acórdão recorrido, o vício da nulidade.

Vejamos:

Não constitui novidade afirmar que, em processo penal, o regime das nulidades obedece ao princípio da legalidade enunciado no n.º 1, do artigo 118.º, do Código de Processo Penal, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que um dos casos em que a lei comina expressamente com nulidade a violação de determinadas estatuições legais, é o do artigo 379.º, do mesmo diploma, onde se lê, no número 1:

A sentença é nula:

a) se não contiver as menções referidas no nº 2, e na alínea b) do nº 3, do artigo 374º; 

b) se condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, fora dos casos previstos nos artigos 358º e 359º; 

c) quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia conhecer.

São estes os casos e não outros que determinam a nulidade da sentença, destacando-se, as duas causas previstas na alínea a) e c), por serem as únicas que interessam ao caso sub judice.

A primeira reporta-se à falta de fundamentação a que alude o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal - consiste na enumeração dos factos provados e não provados, bem como numa exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal - e a segunda respeita à omissão de pronúncia sobre questão que deveria ter sido conhecida pelo tribunal recorrido. 

Também não constitui novidade dizer, que o dever de fundamentação das decisões judiciais tem consagração constitucional - artigo 205.º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa – e deve obedecer às formas previstas na lei, sendo que para a sentença, impõe o artigo 374.º, nº 2, do Código de Processo Penal, da lei adjectiva, que contenha, sob pena de nulidade, as seguintes menções:

a) A enumeração dos factos provados e não provados;

b) A exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal.

O dever de fundamentação de uma sentença, [um acto decisório, que toma forma de acórdão quando for proferido por um tribunal colegial - artigo 97.º, n.º 1, al. a) e n.º2], obedece, assim, à enumeração dos factos provados e não provados e, à explanação dos motivos pelos quais o tribunal julgou provado ou não provado determinado facto em detrimento de outro, esclarecendo quais os meios de prova produzidos, que, depois, de analisados, global, conjugada e criticamente, o levaram a decidir com decidiu.

Depois de enumerados os factos, impõe o artigo 374º, nº 2, que a sentença contenha uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, fazendo a análise critica, global e conjugada da prova que foi utilizada para formar a convicção do tribunal.

A análise crítica consiste na elucidação do processo de formação do convencimento do julgador, consubstanciado nos motivos pelos quais e em que medida um ou mais meios de provas foram valorados em determinado sentido e outros o não foram.

É através desta fundamentação – visa «a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina[3]» - que se poderá avaliar o processo lógico e subjectivo da formação da convicção do julgador.

Contudo, esta motivação não obriga a uma descrição minuciosa de todos os argumentos, contentando-se com uma descrição clara das razões que justificaram a decisão.

Não se exige uma apreciação crítica e exaustiva dos meios de prova, nomeadamente, «com apelo sistemático ao conteúdo concreto da prova. Esta vertente apenas se impõe na medida do necessário para a compreensão da decisão, da sua lógica intrínseca, de modo a que não possa apresentar-se como arbitrária ou injustificada, não porque o fosse, mas porque demonstrada a sua justificação.

Se é verdade que a fundamentação não se basta com a simples indicação de provas, também é verdade que a análise critica destas deve apenas ser necessária e suficiente para dar a conhecer porque decidiu o tribunal em determinado sentido[4]».

 Já a omissão de pronúncia - nulidade prevista na alínea c), do n.º 1, do artigo 379º, do Código de Processo Penal - ocorre quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer.

 Como uniformemente tem sido entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça[5], «a omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes e que como tal tem de abordar e resolver, ou de que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir».

O tribunal deve apreciar as questões que as partes submetem à sua apreciação e bem assim as de «conhecimento oficioso, ou seja, aquelas questões que o tribunal tem o dever de conhecer independentemente de alegação, e independentemente do concreto conteúdo da decisão recorrida e do objecto de recurso, quer elas digam respeito à relação processual, quer à relação material controvertida[6]».

«A falta de pronúncia que determina a nulidade da sentença incide, pois, sobre questões e não sobre os motivos ou fundamentos invocados pelos sujeitos processuais, ou seja, a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou as razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão[7]»

Percorrido Acórdão recorrido não vislumbramos nenhuma das nulidades invocadas pelos Recorrentes.

Começando pela omissão de pronúncia acerca do facto dos arguidos serem consumidores de estupefacientes, diga-se que o texto do Acórdão evidencia o contrário.

O consumo de cocaína por parte do arguido AA … foi considerado provado no ponto de facto n.º 17 – iniciou os consumos após o cumprimento da pena de prisão -.

Relativamente ao arguido, BB … os consumos de cocaína e os seus efeitos, foram considerados nos factos provados n.ºs 42 a 47.

O que o Tribunal recorrido não considerou provado foi que as trocas presenciadas pelas autoridades policiais «respeitaram ao consumo conjunto de estupefaciente por banda dos arguidos e das testemunhas, atenta a curta duração das mesmas e o modo como decorrem, bastando para o efeito atentar no teor dos relatórios de vigilância constantes dos autos e às horas ali descritas – antes respeitando à venda das referidas substâncias estupefacientes por banda dos arguidos».

Por outro lado, «várias das testemunhas inquiridas referiram, tanto na audiência como especialmente perante Magistrado do Ministério Público, nem sequer saber se os arguidos consumiam estupefacientes e relacionar-se com os mesmos apenas para a compra de tais substâncias, negando consumir em conjunto com estes e pese embora convivessem ou se cruzassem várias vezes com o arguido AA em contexto social.

Também não mereceu credibilidade o relato feito por algumas testemunhas de que, por vezes, os arguidos ofereciam produto estupefaciente – atentas as necessidades de consumo dos arguidos (…)» – porquanto o modo como a actividade era desenvolvida e o valor dos estupefacientes transacionados ultrapassam a a necessidade de aquisição dos mesmos pelos arguidos, para o seu consumo e para venda.

No que respeita às declarações das testemunhas que referenciaram consumir estupefacientes conjuntamente com os arguidos, justificou o tribunal que meio de prova contraditou tais declarações.

Deste modo, pronunciou-se o tribunal recorrido quanto ao facto de os arguidos serem ou não consumidores de produtos estupefacientes, e, sendo-o, se consumiam conjuntamente com algumas das testemunhas inquiridas e se destinaram as vendas comprovadas a satisfazer as necessidades dos seus próprios consumos, não existindo, assim, qualquer omissão de pronúncia.

Não têm, pois, razão, os arguidos, recorrentes.


*

Do mesmo modo, não tem razão o arguido, AA … em relação à nulidade do Acórdão por omissão da análise crítica da prova sobre a credibilidade conferida às declarações das testemunhas prestadas em inquérito perante o Magistrado do Ministério Público.

Deste modo, justificou o julgador através de uma análise global e critica da prova produzida em relação a cada acto de cedência e/ou venda do produto estupefaciente – declaração das testemunhas e prova corroborante -, o modo como chegou à conclusão que as declarações prestadas em inquérito eram mais credíveis que as prestadas em audiência de julgamento, modo esse com o qual o recorrente não concorda e, por isso, o reportam como erro de julgamento na impugnação concreta dos factos.

Não estamos, assim, perante ausência de apreciação crítica da prova, mas ante os meios de prova considerados na formação da convicção, cuja valoração é criticada pelos Recorrentes.

A análise do exame crítico das provas exarada no Acórdão recorrido, permite avaliar, ainda que sinteticamente, o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo[8]».

Cumpriu, pois, o tribunal recorrido, o dever de fundamentação das decisões judiciais, pela forma indicada no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, observando o disposto no artigo 205º, nº 1, da Constituição da República, não merecendo, assim, a crítica da nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, a), do Código de Processo Penal que lhe é apontada pelo recorrente, AA.

III – Omissão de Gravação do depoimento de …

O arguido, AA …, alerta para o facto de não ter sido possível abrir o ficheiro de gravação relativamente à testemunha, …, sugerindo ter sido cometida alguma irregularidade ou nulidade que o impediu de exercer a sua defesa.

Como já se adiantou no ponto anterior, o artigo 118º do Código de Processo Penal consagra, no domínio da nulidade dois actos processuais, o princípio da tipicidade, isto é, só são nulos os actos que a lei expressamente como tal os classifique, havendo que distinguir o instituto das nulidades (sanáveis e insanáveis) do instituto das irregularidades.

As nulidades insanáveis estão taxativamente enumeradas no artigo 119º do Código de Processo Penal (para além das cominadas em outras disposições legais).

A par destas, a lei prevê as nulidades dependentes de arguição ou sanáveis (artigo 120.º do Código de Processo Penal para além das previstas noutras disposições legais).

Quando a lei não comine para a prática ou omissão de determinado acto a sanção de nulidade e, com a sua prática ou omissão for violada alguma disposição legal, estar-se-á perante uma irregularidade, a qual determina apenas a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar e tem que ser arguida pelos interessados no próprio acto (ou nos três dias subsequentes se a ele não tiverem assistido) – n.º 1 do artigo 123.º do Código de Processo Penal.

Dito isto;

A omissão da documentação em áudio das declarações prestadas em audiência, conforme estabelecido no artigo 363.º, do Código de Processo Penal, integra o vicio de nulidade, que, não sendo definida como insanável - tendo presente o disposto no artigo 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal - só pode ser tida como nulidade dependente de arguição.

As divergências jurisprudenciais sobre o momento e o modo de arguição foram resolvidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 13/2014, DR, I Série de 23.09.2014, que decidiu:

«A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada».

No caso em apreço, não tendo o recorrente arguido perante o tribunal a quo a nulidade por omissão ou deficiência da gravação do depoimento da testemunha, …, a existir, encontra-se a mesma sanada.

Ademais, não tivemos qualquer dificuldade em aceder ao depoimento da testemunha gravado em audiência que ouvimos na íntegra.

Não tem, pois, razão o recorrente.

IV - Nulidade da inquirição de … por omissão gravação.

1. – Falta de gravação das declarações prestadas em audiência

 Para o recorrente, AA …, as declarações prestadas pela testemunha, …, prestadas em audiência, não podem ser valoradas como meio de prova válido, porquanto não se encontra gravado.

Como fundamento convoca o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2002 (DR, I Série, de 17 de julho de 2002).

Mas tal como o próprio recorrente alega, a jurisprudência fixada neste Aresto caducou com a alteração legislativa do artigo 363.º, operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de setembro, constituindo a omissão ou deficiência de gravação uma nulidade dependente de arguição, nos termos do artigo 120.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Consequentemente deve ser invocada perante o tribunal da primeira instância, nos termos decididos pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência n.º 13/2014, já referenciado, ou seja, «em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada».

Ora, não tendo o recorrente arguido a nulidade por omissão e/ou deficiência da gravação perante o Tribunal recorrido, tal nulidade a existir encontrar-se-ia sanada, nada impedindo a valoração das declarações da testemunha, …, prestadas em audiência. 

De qualquer forma, sempre se dirá que … foi ouvido como testemunha na sessão de 6 de maio de 2024 da audiência de julgamento (e não em 29 de abril como afirma o recorrente, cujas declarações foram gravadas na integra, nomeadamente, na parte em que procede a leitura das declarações prestadas em inquérito).

2. Falta de gravação das declarações em inquérito

Para o recorrente, as declarações prestadas em inquérito, pela testemunha, …, porque não foram gravadas, constituem prova nula, não podendo, por isso, serem lidas em audiências, nem serem usadas como meio de prova.

Que dizer?

O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação (artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), cabendo a direcção daquele ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de policia criminal [artigo 53.º, n.º 2 al. b) e artigo 263º, ambos do Código Penal].

Como titular do inquérito, o Ministério Público define a estratégia da investigação e, com excepção dos actos materialmente jurisdicionais e dos que contendem com os direitos fundamentais, que são da competência do juiz de instrução, pode praticar todos os actos e diligências que entender necessários e adequados à investigação do crime (artigos 268º e 269º do Código de Processo Penal).    

A inquirição das testemunhas levada a cabo pelo Ministério Público no decurso do inquérito constitui uma diligência de prova que, nos termos do artigo 275º, nº 1, é reduzida a auto, devendo, à falta de norma especial, obedecer às regras e princípios gerais, de que se destacam os artigos 99º a 102º e 138º do Código de Processo Penal.

Um auto é, nos termos do artigo 99º, nº 1, do Código Penal «o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como a recolher as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante aquele».

Nos termos do artigo 99.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, auto, além dos requisitos previstos para os actos escritos, o auto deve fazer menção dos elementos seguintes: a) Identificação das pessoas que intervieram no acto; b) Causas, se conhecidas, da ausência das pessoas cuja intervenção no acto estava prevista; c) Descrição especificada das operações praticadas, da intervenção de cada um dos participantes processuais, das declarações prestadas, do modo como o foram e das circunstâncias em que o foram, incluindo, quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual, à consignação do início e termo de cada declaração, dos documentos apresentados ou recebidos e dos resultados alcançados, de modo a garantir a genuína expressão da ocorrência; d) Qualquer ocorrência relevante para apreciação da prova ou da regularidade do acto.

A redacção do auto é efectuada pelo funcionário de justiça, ou pelo funcionário de polícia criminal durante o inquérito, sob a direcção da entidade que presidir ao acto (cf. artigo 100.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Importa, ainda considerar, o preceituado no artigo 101.º, do Código de Processo Penal, onde se lê:

A gravação áudio visual da tomada de declarações é, assim, obrigatória, apenas nos casos especialmente previstos na lei.

Um desses casos, é o auto respeitante à audiência (e também ao debate instrutório) - denomina-se de acta – que se rege complementarmente pelas disposições legais que este Código lhe manda aplicar, no que para aqui importa, os artigos 363.º a 364.º, do Código do Código de Processo Penal.

Não existindo regra especial para a documentação das declarações tomadas pelo Ministério Público em inquérito, não são de aplicar as regras exigidas para audiência – a gravação - mas a regra geral, da forma escrita, não assistindo razão ao recorrente.

Sempre que o auto deva ser redigido por súmula, compete à entidade que presidir ao acto, velar por que a súmula corresponda ao essencial do que se tiver passado ou das declarações prestadas, podendo para o efeito ditar o conteúdo do auto ou delegar, oficiosamente ou a requerimento, nos participantes processuais ou nos seus representantes (artigo 100.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).

O auto de inquirição de testemunhas deve ser assinado pela entidade que a orienta e preside, certificando, assim, que o que se passou é o que naquele consta.

As declarações das testemunhas prestadas no inquérito são, assim, documentadas em auto, sob a forma escrita, podendo ser redigido ou não, por súmula, conforme opção da entidade que lhe presidir.

Quando as declarações forem prestadas perante o Ministério Púbico hão-de ficar registadas em auto escrito por funcionário, sob a direcção e controlo daquele.

De volta aos autos;

A testemunha, … prestou depoimento em inquérito perante a Senhora Procuradora, ficando as suas declarações documentadas em auto escrito, redigido por funcionário de justiça e certificado pela Digna Magistrada do Ministério Público que presidiu ao acto (CC), com observância do disposto nos artigos 99.º a 101.º, do Código de Processo Penal, [fls. 2660 e 1817].

Não se verifica, pois, qualquer nulidade ou irregularidade na documentação das declarações tomadas pelo Ministério Público à testemunha, …, na fase de inquérito.

V - Nulidade das declarações prestadas pelas testemunhas em inquérito

1. Declarações sob tortura e coacção

Segundo o Recorrente, as testemunhas, … foram ameaçadas pelos OPC durante a inquirição, sendo, por isso nulos os testemunhos prestados.

Será assim?

É inquestionável que as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas, são nulas, não podendo, por isso ser utlizadas como meio de prova (artigo 126.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Considerando-se como ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, as provas obtidas mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível (artigo 126.º, n.º 2, do Código Penal).

As provas obtidas por um destes meios são proibidas em termos absolutos, pois atentam contra direitos indisponíveis para o próprio titular, relativamente aos quais é irrelevante o consentimento.

São nulidades insanáveis, de conhecimento oficioso.

No caso em apreço não está demonstrado que as declarações prestadas em inquérito perante da Digna Magistrada do Ministério Público tenham sido obtidas através de um dos meios elencados no mencionado artigo 126.º.

Na verdade, mesmo que se admita que as testemunhas que mencionaram ter sido pressionadas pela polícia – … – o foram, nada referem quanto às declarações prestadas mais tarde perante o Ministério Público, sendo estas as que foram lidas em audiência e valoradas como meio de prova.

De facto, nenhuma das testemunhas referenciadas conseguiu declarar de modo claro, preciso e objectivo, ter sido obrigada, coagida ou pressionada pelo Ministério Público a dizer o que não queria.

Por outro lado, a circunstância de alguns dos inquiridos ter afirmado: (i) que não se recordavam de nada -  … –; ou (ii) que assinaram de cruz - … – ou ainda, (iii) que não perceberem como é que as autoridades escreveram “aquilo” - … – não implica que tenham sido pressionados para prestarem declarações perante o Ministério Público.

Além de existirem testemunhas que, quando ouvidas pela Senhora Procuradora quiseram prestar esclarecimentos adicionais, tendo estes ficado registados no auto.

Nada indicia, pois, que as declarações prestadas, em inquérito, perante o Ministério Público, o tenham sido sob coacção ou tortura.

Como se lê, no Acórdão sindicado:

«(…) da conjugação da prova produzida em audiência com os elementos constantes dos autos, e da conjugação da mesma com as declarações prestadas pelo próprio arguido …, não se retira qualquer propósito de incriminação injustificada do arguido por parte das autoridades, antes decorrendo da concatenação de toda a prova produzida (nos autos e em audiência) a prática, por ambos os arguidos, dos factos do modo que se deixa descrito nos factos provados e fundada nos elementos probatórios que se passa a analisar.

A conclusão de que os encontros presenciados pelas autoridades, e constantes dos relatórios vigilância elaborados nos autos, serviram a venda de produto estupefaciente por banda dos arguidos aos consumidores supra elencados decorre da conjugação do depoimento prestados pelas testemunhas em audiência (na qual se procedeu, em muitos casos, à leitura valorável do depoimento prestado pelas testemunhas em sede de inquérito) com o teor dos vários relatórios de vigilância constantes dos autos (e o tempo médio dos encontros ocorridos – de poucos minutos), a troca de algo de pequenas dimensões entre arguidos e testemunhas (não compatível com a venda de azeite ou de licores) e, em alguns casos, os autos de apreensão de estupefaciente na posse das testemunhas (após a troca).

De facto, e ainda que se pudesse aventar a hipótese de os órgãos de polícia criminal haverem pressionado as testemunhas a narrar os factos conforme descrito nos variados autos de inquirição, nenhuma justificação se encontra para que as testemunhas em causa hajam confirmado perante Magistrado de Ministério Público o teor de depoimento anteriormente prestado, que não a correspondência do mesmo com a realidade – …

…».

Neste contexto, não se pode inferir que as testemunhas identificadas no recurso foram pressionadas pelos órgãos de polícia criminal para declararem o que declararam à Digna Procuradora que presidiu à diligência, ….

2. Nulidade das declarações prestadas em inquérito quando contraditórias com as prestadas em audiência

Para o recorrente, AA …, as declarações prestadas pelas testemunhas em inquérito não confirmadas em audiência não podem valer como meio de prova, ao abrigo do disposto no artigo 126.º, do Código de Processo Penal.

Com o devido respeito não acolhemos este entendimento.

O artigo 355º, do Código de processo Penal, sob a epígrafe «Proibição de valoração das provas» normatiza, no seu nº 1, o âmago do princípio da imediação da prova, segundo o qual «não valem em julgamento, nomeadamente para efeito da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência».

«A justiça da decisão (…) quer-se fundada na razão, nas provas, transparente para que possa convencer e ser fiscalizada e por isso que toda a prova deve ser produzida em audiência[9]».    

A audiência de julgamento corresponde, assim, à fase processual onde naturalmente se materializa toda a produção de prova com observância dos princípios da publicidade, imediação, oralidade e contraditório.

Excepcionalmente, e nos casos expressamente previstos na lei, podem ser valoradas provas contidas em actos processuais pré-existentes, desde que, através da leitura, visualização ou audição, sejam transportados e introduzidos no julgamento e sejam objecto do contraditório.

O artigo 355º, nº 2, do Código de Processo Penal conjugado com os preceitos que se lhe seguem, delimitam e regulam os casos em que, na audiência, se admite a leitura, visualização ou audição das provas antecipadas. 

De entre estas, constam as declarações das testemunhas prestadas em fase anterior ao julgamento perante o Ministério Público[10], as quais só podem ser lidas em audiência, nos casos específicos do artigo. 356º, do Código de Processo Penal.

Neste particular, dispõe o n.º 3 deste preceito:

«É também permitida a leitura das declarações anteriormente prestadas perante a autoridade judiciária[11](sublinhado nosso):

a) Na parte necessária ao avivamento da memória de quem declarar na audiência que já não recorda certos factos; ou

b) Quando houver, entre elas e as feitas em audiência, contradições ou discrepâncias».

No nosso caso, as declarações das testemunhas mencionadas pelo recorrente foram prestadas perante o Ministério Público e lidas em audiência, nos termos do artigo 356.º, n.º 3, citado, constituindo, por isso, prova legalmente permitida na formação da convicção do tribunal.

São meios de prova que constavam já do processo (não sendo surpresa para o arguido), discutidos em audiência de julgamento perante cada testemunha que os prestou, devendo, por isso, ser apreciados em conjugação com todos os demais, à luz das regras de valoração da prova enunciados no artigo 127.º, do Código de Processo Penal.

Aí se estabelece que excepcionados os casos de prova vinculativa, o julgador aprecia a prova segundo a sua própria convicção, formada à luz das regras da experiência comum.

«O artigo 127º do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador[12]».

As declarações prestadas em inquérito quando cumprida a condição de validade, por observância do disposto no artigo 356.º, do Código de Processo Penal, não integram qualquer excepção ao princípio da livre apreciação da prova. De facto, não existe norma a impor o sentido da valoração do conteúdo das declarações prestadas em inquérito e em audiência, nem existe norma que faça prevalecer uma sobre a outra, mesmo nos casos em que são contraditórias entre si.

Deste modo, não tendo prevenido o legislador valoração diversa da regra geral para a valoração das declarações das testemunhas prestadas inquérito perante o Ministério Público ou para as declarações prestadas em audiência, nos casos em que se contradigam, mas tão só as condições em que é legalmente admissível, não vislumbramos razão, para sobrevalorizar umas declarações em detrimento de outras.

Pois bem,

O tribunal recorrido não acreditou na versão que as testemunhas trouxeram à audiência de julgamento, em contradição manifesta com a que foi dada à Senhora Procuradora, porquanto a prova corroborante - RDE´S, intercepções telefónicas e/ou transferências em dinheiro por MBWAY – consolida a versão que cada uma das testemunhas deu em inquérito, raciocínio legitimo, coerente com as regras da experiência comum e legalmente admissível na valoração da prova.

Assim sendo, não se detecta que o Colectivo de Leiria tenha formado a sua convicção com base em prova proibida ou inadmissível, não assistindo razão ao recorrente.

VI – Falsidade do auto de inquirição de testemunhas

Prossegue o recorrente, AA …, alegando que as testemunhas foram presentes ao Ministério Público, mas ouvidas por funcionário judicial que subscreve todos os autos.

Porém, tal não corresponde à verdade. 

Com efeito, todos os autos de declarações prestados diante do Ministério Público se encontram devidamente assinados e certificados pela Senhora Funcionária que os elaborou e pela Senhora Procuradora que presidiu à diligência.

Se, porventura, pretende o recorrente arguir a falsidade do acto, fá-lo pela primeira vez, em sede de recurso, o que traduz uma questão nova, insusceptível de ser reapreciada pelo tribunal superior.

Com efeito,  

É sabido que o recurso se prefigura como um meio processual destinado a provocar a reapreciação da sentença por forma a corrigir certas imperfeições[13], visando, assim, o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu e não meios para obter decisões novas.

Constitui jurisprudência uniforme dos tribunais superiores que os recursos são meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais visam obter o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida, e não obter decisões - novas - sobre questões não suscitadas perante o tribunal recorrido.

Neste sentido, lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010 – www.dgsi.pt -:

 « (…) Os recursos despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre.»

Cabe, pois, a esta Relação a reapreciação das questões suscitadas e decididas em primeira instância, sendo este o objecto delimitador dos poderes de cognição deste Tribunal.

O Recorrente, … não arguiu a falsidade dos autos de declarações das testemunhas que, segundo ele. não teriam sido prestados perante a Senhora Procuradora, o que inviabiliza o conhecimento da questão por este tribunal da relação.

Não existindo indícios de que os autos de declarações das testemunhas certificados e assinados pela Senhora Procuradora que a eles presidiu são falsos, nada impede sejam lidos em audiência e considerados como meio de prova legalmente admissível, soçobrando, também, aqui, a pretensão do recorrente.


*

Questiona o recorrente, BB … - a credibilidade conferida pela primeira instância aos militares da GNR, porque na sua óptica, não foram seguros, livres, objectivos e descomprometidos.

Para tanto, invoca que ficou provado que os militares falsificaram os autos de inquirição de testemunhas, quer porque as fizeram assinar declarações que não correspondiam à verdade, quer porque consignaram que lhes foram mostradas fotos quando na realidade tal nunca aconteceu. 

Desconhecendo-se a que autos o recorrente se refere e não tendo sido suscitada perante a primeira instância, está vedado a esta instância de recurso apreciar e conhecer a questão da falsidade dos depoimentos prestados em inquérito, por integrar uma questão nova, nos termos sobreditos relativamente à falsidade arguida, pelo Recorrente, AA.

Por isso, improcede, também, este segmento do recurso.

VIII – Validade dos Relatórios de Vigilância

… insurge-se o recorrente, BB … contra o modo como teriam sido realizadas as vigilâncias, parecendo querer arguir a nulidade das mesmas.

Percorrida a Motivação e Conclusões do Recorrente, revisto o Acórdão em análise e ouvida a prova oral produzida em audiência, não conseguimos detectar a que pessoa ou pessoas e RDES se reporta o recorrente, nem qualquer anomalia no modo como foram realizados os relatórios de vigilância.

Porém, podemos afirmar que os relatórios de vigilância que serviram de base aos factos provados foram confirmados em audiências pelos militares que os elaboraram, nada obstando a que sejam admissíveis como meios de obtenção de prova que, como se sabe, distinguem-se dos meios de prova.

As provas, enquanto acto ou conjunto de actos tendentes a formar a convicção acerca da verificação ou não verificação de um determinado acontecimento, traduzem-se nos elementos de que o julgador se serve para fundamentar a sua convicção sobre a realidade (ou não) de um facto.

O objecto de prova em processo penal, é assim, constituído pelos factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis (artigo 124º, do Código de Processo Penal).

Já os meios de obtenção de prova são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova[14].

«É claro que através dos meios de obtenção de prova se podem obter meios de prova de diferentes espécies, v.g., documentos, coisas, indicação de testemunhas, mas o que releva de modo particular é que, nalguns casos, o próprio meio de obtenção da prova acaba por ser também um meio de prova. Assim, por exemplo, enquanto a escuta telefónica é um meio de obtenção de prova, as gravações são já um meio de prova. (…) pode suceder que a distinção resulte apenas de a lei ter dado particular atenção ao modo de obtenção da prova[15].».

De acordo com o disposto no artigo 249.º, do Código de Processo Penal:

Todas estas diligências devem constar de um relatório elaborado pelos órgãos de policia criminal que  as realizarem, que mencione, de forma resumida, as investigações levadas a cabo, os resultados das mesmas, a descrição dos factos apurados e as provas recolhidas [artigo 253.º, n.º 1, do Código de Processo Penal].

O relatório de diligência externa, como por exemplo, as vigilâncias e o seguimento ao agente, traduz, assim, um resumo dos actos de investigação realizados pelos órgãos de polícia criminal, no âmbito das suas competências e funções de investigação, nomeadamente, cautelares estatuídas nos artigos 249.º e 253.º do Código de Processo Penal.

Ao contrário do que sucede com os exames, revistas, buscas, apreensões e escutas – métodos de obtenção de prova como tal qualificados artigos 171º a 190º do Código de Processo Penal -  que seguem um regime próprio, não previne o legislador qualquer regra especifica para as diligências externas de investigação documentadas em relatório, como por exemplo as de vigilância e de seguimento, sujeitando a validade de admissão e valoração probatória aos princípios gerais da prova.

Primeiro, ao principio da legalidade da prova enunciado no artigo 125.º, do Código de Processo Penal: não havendo qualquer norma que a proíba, é legalmente admissível.

Depois, ao principio da livre apreciação (artigo 127.º do Código de Processo Penal). Inexistindo regra de valoração vinculativa, é de livre apreciação. 

Pressuposto é, que os subscritores dos relatórios sejam ouvidos em audiência e tomem posição sobre as diligências que realizaram e os resultados obtidos. 

Os relatórios de vigilância que constam nos autos descrevem os factos directamente presenciados pelos elementos policiais que os subscreveram e assinaram, tendo sido incorporados aos autos em data anterior à acusação, nesta indicados como meio de prova, e confirmados em audiência de discussão e julgamento, por isso, acessíveis aos Recorrentes antes do inicio e durante a audiência, podendo ser contraditados conforme melhor entendessem.

O mesmo é dizer que não se descortina qualquer irregularidade na aquisição da prova através dos relatórios de vigilância, ou violação dos princípios de defesa, do contraditório ou de direito probatório consagrados no ordenamento jurídico-penal.

IX - Escutas telefónicas e buscas

Nas Conclusões n.º 134 a 136, alude o recorrente a escutas telefónicas e a buscas domiciliárias que no seu entender foram utilizadas apenas para levantaram suspeitas durante a investigação, como se veio a demonstrar, já que não forneceram evidências ou provas concretas do cometimento do crime.

Tal afirmação é contrariada pelos factos provados nos pontos n.º s 3, 4, 9 e 10, donde sobressai claramente a venda de produtos de estupefacientes pelo arguido a determinadas pessoas e a detenção na sua posse de duas embalagens de cocaína (uma com 38,6g outra com 47,7g) integrantes do crime de tráfico de estupefacientes.

Tendo as escutas e as buscas que serviram de fundamento aos factos provados sido realizadas com observância do disposto nos artigos 187.º a 189.º e 176.º a 177.º, todos do Código de Processo Penal, nenhuma invalidade pode ser assacada a estes dois meios de obtenção de prova.   

X - Impugnação de facto

1. - Poderes de cognição do Tribunal da Relação em matéria de facto

Postula o artigo 431º do Código de Processo Penal que a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada, se a prova tiver sido impugnada nos termos do artigo 412º nº 3 do mesmo diploma.

Recai, assim, sobre o Recorrente, não só o ónus de identificar o erro apontado à decisão recorrida, como ainda o ónus de especificar o conteúdo dos meios de prova tido por não valorado ou valorado erradamente pela decisão posta em crise, capaz de, numa apreciação conforme aos critérios legais em vigor, impor a revogação e/ou a substituição da decisão recorrida em conformidade com a pretensão formulada.

Ou seja, o Recorrente tem, além de identificar o erro apontado, rebater a fundamentação da sentença que levou a esse erro, propondo uma motivação probatória capaz de, num critério minimamente persuasivo, impor a decisão alternativa que pretende. 

E isto, porque o respeito pelos princípios da livre apreciação, imediação e oralidade, impõe que o tribunal de recurso não deverá alterar a matéria de facto fixada pelo juiz do julgamento, se a livre convicção se encontrar devidamente fundamentada, e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum.

Neste sentido, decidiu o Acórdão desta Relação, de 6 de Março de 2002[16]:

 «Quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».

Ou seja, só perante a constatação de que a livre convicção se configurou em termos errados é legalmente possível ao tribunal superior alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido.

Como salienta o Acórdão da Relação de Coimbra 6 de Dezembro de 2000[17]:

 «O tribunal superior só em casos de excepção poderá afastar o juízo valorativo das provas feito pelo tribunal a quo, pois a análise do valor daquelas depende de atributos (carácter; probidade moral) que só são verdadeiramente apreensíveis pelo julgador de 1.ªinstância».

Ou, conforme se escreveu, entre outros, no Acórdão do Tribunal desta mesma Relação de 3 de Novembro de 2004[18]:

 «(...) É evidente que a valoração da prova por declarações e testemunhal depende, para além do conteúdo das declarações e dos depoimentos prestados, do modo como os mesmos são assumidos pelo declarante e pela testemunha e da forma como são transmitidos ao tribunal, circunstâncias que relevam, a par da postura e do comportamento geral do declarante e da testemunha, para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova, por via da amostragem ou indiciação da personalidade, do carácter, da probidade moral e da isenção de quem declara ou testemunha»

Na verdade, lê-se, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2005:

«A convicção do tribunal é construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e das lacunas, das contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, olhares, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência do raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos», elementos que a audição da gravação dos depoimentos prestados não fornece ao tribunal de recurso.

Reitere-se, a valoração das declarações das testemunhas, sejam prestadas no inquérito, sejam prestadas em audiência de julgamento, não fogem à regra geral da livre apreciação, podendo, pois, ser livremente valoradas, nos termos do já mencionado artigo 127º do Código de Processo Penal.

O Tribunal pode formar a sua convicção com base nas declarações prestadas em inquérito e na audiência, credibilizando, apenas uma delas ou segmentos de umas e outras, desde que, de forma clara, objectiva e concisa explicite as razões do seu convencimento.

E, só perante a constatação de que tal convicção se configurou em termos errados é legalmente possível ao tribunal superior alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido.

É que, a apreciação da prova feita em primeira instância é diferente da realizada pelo Tribunal de Recurso. Enquanto naquela, funcionam os princípios da oralidade e imediação da prova já referidos, nesta apenas existe a documentação da prova, sem acesso à percepção do comportamento não verbal dos inquiridos.

2. - Principio In dubio pro reo / prova indirecta. Presumida ou indiciária

Os recorrentes imputam ao Tribunal recorrido a violação do princípio in dubio pro reo, porquanto deveria ter acreditado nas declarações prestadas pelas testemunhas em audiência, sendo que ninguém presenciou as trocas do produto estupefaciente a troco de dinheiro, questão que nos conduz á compatibilização do princípio da presunção da inocência com a prova indirecta, presumida ou indiciária.

Apreciando:

O princípio da presunção da inocência surge pela primeira vez na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789 - por oposição a um processo de natureza inquisitória, em que, diante de provas formais, cabia ao acusado muitas vezes provar a sua inocência – e é hoje indiscutível no direito internacional e interno, nomeadamente, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

Hoje em dia, ninguém questiona que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.

E, porque se trata de um direito fundamental e de aplicação directa, só pode ser restringido por exigência e salvaguarda de outro direito fundamental (artigo 18.º, da Constituição da República Portuguesa).

Corolário do princípio da presunção de inocência, o princípio in dubio pro reo impõe ao julgador que, em caso de dúvida acerca dos factos probandos (existência dos factos, forma de cometimento e responsabilidade pela sua prática), posto que não lhe é permitido decidir-se por um non liquet, resolva essa dúvida em benefício do arguido relativamente ao ponto ou pontos duvidosos, podendo mesmo conduzir à sua absolvição[19].

Como salienta Figueiredo Dias[20] um non liquet na questão da prova – não permitindo ao juiz, que omita decisão - tem que ser sempre valorado a favor do arguido, sendo que «com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo».

Se, produzida a prova, subsiste no espirito do julgador um estado de incerteza, objectiva, razoável e intransponível, sobre a verificação, ou não, de determinado facto ou conjunto de factos, torna-se imperioso decidir a favor do arguido. Ao contrário, se a convicção do julgador foi alcançada com segurança e certeza, para além de toda a dúvida razoável, não há lugar à aplicação do princípio.

A dúvida razoável não corresponde a qualquer dúvida possível ou hipotética, só a dúvida séria se sobrepõe à íntima convicção, devendo, por isso, esta ser fundamentada, coerente, lógica e razoável.

Assim, «a livre apreciação exige a convicção para lá da dúvida razoável; enquanto o princípio in dubio pro reo impede (limita) a formação da convicção em caso de dúvida razoável. Constituindo, pois, como que a face e o verso da realidade: a livre convicção cessa perante a dúvida razoável e a dúvida não pode aceitar-se quando não for razoável.

Ora, a certeza judicial não se exime do vício da humana imperfeição, que sempre pode ser oponível o contrário do que admitimos como verdadeiro. Sempre, enfim, a imaginação fecunda do céptico, lançando-se nos caminhos do possível, inventará cem motivos de dúvida.

Com efeito em qualquer caso pode imaginar-se tal combinação extraordinária de circunstâncias que venha a destruir a certeza adquirida. Mas apesar desta combinação possível, não deixará de ficar satisfeito o entendimento quando motivos suficientes estabelecem a certeza, quando todas as hipóteses razoáveis tenham desaparecido e sido rechaçadas depois de um maduro exame.

A certeza judicial não se confunde com a certeza absoluta, física ou matemática, sendo antes uma certeza empírica, moral, histórica.

O julgamento da matéria de facto constitui não apenas um esforço de razoabilidade (…). De um lado tem que decidir – apenas – com base nas provas resultantes da discussão da causa em audiência, (artigo 355.º do Código de Processo Penal), e, de outro tem que se mover sempre dentro dos critérios legais de apreciação da prova, procurando, através do julgamento, superar a presunção de inocência do arguido ou, depois de esgotado todo o manancial probatório, vendo-se confrontado com mais do que uma solução probatória razoável, assumir aquela que favorece o arguido. É, dentro das provas validamente produzidas em audiência, que as presunções assumem especial relevo, para construir a realidade de um facto desconhecido, sempre dentro dos limites dos princípios da presunção e de livre apreciação da prova»[21].

O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; relevando as presunções judiciais[22] (cf. artigos 349.º e 351º, do Código Civil), assentes no simples raciocínio de quem julga[23] tendo por base as máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana»[24].

A presunção judicial permite que, de entre uma categoria de circunstancias e por meio do método indutivo decorrente das regras da experiência comum, se aceda aos factos ocultados, constituindo, assim, uma prova legalmente admissível em processo penal, como decorre do artigo 125.º do Código de Processo Penal, que, como já se sublinhou, é, apreciada segundo sua livre convicção do julgador.

A este propósito, decidiu, assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 27-05-2010[25],:

 «Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça.

Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC)

As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado, usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova)».

Impõe-se, no entanto, não olvidar que o recurso a este meio de prova, porque consente erros - na medida em que a convicção final resulta de uma sequência de raciocínios lógico-dedutivos de um facto certo e verificado, e não já de uma realidade directamente observável – não é absoluto, estando sujeito, a limitações, como aliás, tem vindo a ser defendido pela doutrina e jurisprudência, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2012, que, pela clareza e actualidade, reproduzimos, na parte em que, aqui, interessa.

 «O indício é, pois, um facto que, embora não demonstrando, per se, isoladamente, a existência histórica do facto a provar, evidencia, demonstra factos que, de acordo com a lógica das coisas e as regras da experiência da vida, proporcionam extrair ilações quanto ao facto que se visa demonstrar; o indício é um facto oculto (…) que será tanto mais seguro quanto menores ilações alternativas permita, logrando vencer o vazio probatório e arredar a presunção de inocência que, com ele se articula.

Em Espanha (como nos EUA) onde se faz largo uso de tal meio de prova, exige a jurisprudência para validade do indício os seguintes pressupostos:

De carácter formal: a sua expressão na sentença em factos – base, plenamente comprovados, que vão servir de apoio à dedução ou inferência, a afirmação do raciocínio através do qual se chegou à convicção da verificação do facto punível e da participação do acusado nele; no plano substancial não se dispensa a plena comprovação dos factos indiciários por prova directa, de inequívoca natureza acusatória, devendo aqueles ser plurais ou únicos, mas, então, de especial força probatória, contemporâneos do facto, sendo vários devem estar interligados de modo a que se reforcem mutuamente.

Quanto ao juízo de inferência é imperioso que seja razoável, que não seja arbitrário, absurdo, infundado, respondendo às leis da lógica e da experiência e que os factos provados surjam como conclusão natural, existindo entre os factos provados um nexo directo, preciso e conciso segundo as regras do critério humano.

A prova directa dos factos praticados pelas redes clandestinas de traficantes de droga e de branqueamento de capitais é, devido ao hermetismo com que actuam, viabilizada pela enorme capacidade de camuflagem de que se revestem, praticamente inviável, por isso a prova indiciária ou indirecta desempenha capital valor e não é proibida pela Convenção de Viena contra a Droga de 1988, escreveu-se na decisão do Supremo Tribunal de Espanha, n.º 560/2005, de 19.5.2006.

O mesmo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 26 de Outubro de 2011, defende a importância da “prova indiciária, ou o funcionamento da lógica e das presunções, bem como das máximas da experiência”.

Citando, Marieta (…), esclarece como se constitui a prova indiciária:

“a)- Em primeiro lugar o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar conhecer outro facto que com ele está relacionado. (Dellepiane define-o como todo o rasto vestígio, circunstancia e em geral todo o facto conhecido, ou melhor devidamente comprovado, susceptível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido).

  O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico, ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova directa (v.g. prova testemunhal no sentido de que o arguido detinha em seu poder objecto furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros).

b)- Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que, aliada ao indício, permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: -a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indicio-premissa menor- permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.

A inferência realizada deve apoiar-se numa regra geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando o estado de dúvida e probabilidade (…)

A prova indiciária é uma prova de probabilidades e é a soma das probabilidades que se verifica em relação a cada facto indiciado que determinará a certeza. Todavia, a transposição da soma de probabilidades que dá a convergência dos factos indiciados para a certeza sobre o facto, ou factos probandos, que consubstanciam a responsabilidade criminal do agente é uma operação em que a lógica se interliga com o domínio da livre convicção do juiz. Convicção sustentada, e motivada, mas que, nem por isso deixa de significar a passagem do Rubicão, ou seja, do domínio da possibilidade para a formatação de uma intima convicção sobre a certeza do facto».

O julgador pode, assim, à luz das regras da experiência comum e da sua livre convicção, dentro de certos limites, extrair de factos conhecidos, outros factos que, por se manifestarem evidentes e/ou como razoáveis, os considera provados.

Ter em conta as regras da experiência comum, mais não significa do que analisar, se um homem médio e razoável, colocado naquelas circunstâncias, concluiria, necessária, directa e logicamente - sem recurso a outras suposições – que a ilação só poderia ser aquela ou que seria impossível ser de outra maneira, afirmando-se, sem qualquer sombra de dúvida, um facto real e concreto.

Não constitui uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas antes na conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

Para ela concorrendo as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo”[26].

Como salienta o Cons.º José António Henriques dos Santos Cabral[27], sendo a máxima da experiência uma regra que não pertence ao mundo dos factos, originando um juízo de probabilidade e não de certeza, «só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial, se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno.

Só r5 este convencimento, alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária – quando é este tipo de prova que está em causa –, pode alicerçar a convicção do julgador.

Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer.

Para que seja possível a condenação é imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com génese em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória.».

Daqui resulta que a inexistência de prova directa de um facto não implica necessariamente a dúvida a exigir se julgue em beneficio do arguido como não provado. Se dos factos conhecidos se extrair com segurança a realidade de um facto desconhecido, é legítimo o recurso a este meio de prova. 

No caso vertente, alegam os recorrentes que não existe qualquer prova de que os encontros entre os arguidos e consumidores visualizados nos RDE´’S respeitem a troca de produtos estupefacientes por dinheiro.

Demonstram esta alegação com a transcrição de parte dos segmentos de alguns testemunhos que não os confirmaram em audiência.

E, na verdade, a prova indicada vista por si não seria suscpetível de demonstrar alguns actos de venda que os arguidos teriam concretizado.

Contudo, se dos factos conhecidos, exarados nos RDE´S, nas intercepções telefónicas, nas imagens, nas transferências bancárias, nos extractos bancários e da restante prova se presumirem os factos desconhecidos – os algos trocados são um produto estupefaciente contra a entrega de dinheiro - é possível julgar provados estes últimos factos, por vida da prova indirecta, presumida ou indiciária, prova essa que, como se disse, deve compatibilizar-se com o principio da presunção da inocência do arguido.

Foi assim que decidiu o tribunal de primeira instância.

E, quanto a nós, bem.

As intercepções telefónicas, os relatórios de vigilância, os extractos bancários, as transferências bancárias, as declarações prestadas em inquérito perante a Senhora Procuradora, lidas validamente em audiência e o modo vago e impreciso com que as testemunhas negaram ter comprado estupefaciente e afirmaram os consumos em conjunto com os arguidos (como veremos melhor adiante) conduzem-nos a uma única possibilidade lógica e racional, a de que os actos enunciados em cada um dos factos impugnados foram praticados pelos arguidos nos termos julgados provados pela primeira instância.

Desta feita, a prova indirecta utlizada pelo julgador a quo respeitou os limites do in dubio pro reo, sendo, por isso, legalmente admissível, não se detectando na decisão da matéria de facto violação de regras ou outros princípios de direito probatório.

3. À luz destes ensinamentos, vejamos se os meios de prova indicados pelos recorrentes e ouvida a gravação integral da prova produzida em audiência, revelam, sem qualquer dúvida razoável, que os arguidos praticaram os factos impugnados.

Assim:

3.1 – Recurso de AA …

3.1.1. – Declarações das Testemunhas …

A identificação destas testemunhas como meios de prova, consta na peça recursiva, são transcritos partes das declarações prestadas em audiência, mas não é feita qualquer referência ou relação com os factos que, em concreto, o recorrente pretende impugnar.  

Ora, já se disse que o artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal faz recair sobre o Recorrente o ónus de identificar os factos que pretende impugnar e as concretas provas que, na sua interpretação, e relativamente ao(s) ponto (s) de facto expressamente impugnados, impõem decisão diferente, devendo ainda, explicar as razões pelas quais tal prova impõe (e não apenas justifica) decisão diversa da recorrida.

Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número 3 do citado artigo 412.º, do Código de Processo Penal fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Todas estas especificações devem constar na Motivação e nas Conclusões do recurso (artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal).

A modificação de facto não se basta, assim, com a indicação de provas que permitam uma decisão diferente da recorrida, sendo, também necessário, que as provas identificadas e concretizadas imponham uma decisão diversa da proferida pela primeira instância.

Para tanto, exige-se ao recorrente que relacione «o conteúdo especifico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado[28].

O dever de especificação consiste, assim, na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que o Recorrente considera incorrectamente julgados, e na explicação da razão pela qual o teor do meio de prova ou obtenção de prova impõe a alteração do facto impugnado.

No caso dos autos, o recorrente não individualiza os factos que pretende impugnar com as declarações da testemunha DD, EE e FF, antes faz uma análise deste testemunho tendente a impor ao tribunal recorrido, a convicção que o próprio formou sobre a prova produzida em audiência.

Em lado, algum, da Motivação ou das Conclusões, o Recorrente estabeleceu uma relação entre os factos provados e as declarações da testemunha.

O Recorrente não cumpriu o dever de especificação a que alude o artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, com o sentido que lhe atribuímos, no que respeita à individualização dos pontos de factos que pretende ver alterados.

Esta impugnação indiferenciada relativamente a todos os factos postula a realização de um segundo julgamento, desta feita, no Tribunal de recurso, o que, como é, por demais sabido, não é legalmente admissível.

E, assim, sendo, não há lugar ao convite de aperfeiçoamento a que alude o artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal, pois o aperfeiçoamento do recurso imporia a modificação do seu âmbito, nomeadamente, na Motivação, a que obsta o nº 4 do mesmo preceito e diploma, onde se lê:

«O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação».

Consequentemente, rejeita-se a impugnação dos factos que o recorrido pretendia impugnar com as declarações das testemunhas aqui indicadas. 

3.1.2. - Ponto de facto provados n.º 8:

Esta factualidade foi julgada provada com fundamento na prova global produzida, nomeadamente, as declarações prestadas por estas testemunhas na fase de inquérito, perante a Digna Procuradora da República, porque devidamente corroboradas por relatórios de diligência externa (RDE), e/ou por relatórios de vigilância realizadas pelo Núcleo de Apoio Operativo da GNR ... (designado por RV-NAO) e/ou por intercepções telefónicas.

Trata-se de uma análise global da prova, articulada entre si, que permitiu ao julgador da primeira instância presumir, para além da dúvida razoável, que as testemunhas falaram verdade quando prestaram declarações perante o Ministério Público, posição que acolhemos depois de termos reapreciado os meios de prova indicados.

É que, ao contrário, do alegado pelo recorrente – centra a defesa numa análise redutora da prova e dos testemunhos prestados em audiência (…) -  o Tribunal a quo fundamentou com dados objectivos (que confirmámos) as razões pelas quais conferiu credibilidade às declarações prestadas pelas testemunhas em inquérito, justificando-se plenamente a convicção de que a versão mais conforme com a realidade do que se passou foi a declarada no inquérito e não em audiência.

Reitere-se que, a valoração das declarações prestadas em inquérito lidas em audiências, conforme o preceituado no artigo 356.º, do Código do Processo Penal, como sucedeu nestes autos, é legalmente admissível e obedece ao princípio da livre apreciação da prova enunciado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal, nos termos acima assinalados, mesmo quando o seu conteúdo seja contrário ao relatado pela mesma testemunha em audiência. O legislador apenas preveniu as condições de admissibilidade de tais declarações como meio de prova. Verificadas estas, não existe regra vinculativa para a valoração probatória dos testemunhos prestados em inquérito e em audiência que afasta a regra geral da livre apreciação.

Por conseguinte, não está o tribunal recorrido vinculado ao conteúdo dos depoimentos testemunhais prestados em audiência quando é contrário ao relatado em inquérito. A valoração probatória de umas e outras declarações obedece ao principio geral da livre apreciação, da imediação e oralidade, nada impedindo o decisor de as ponderar, em função não só do que foi dito e das explicações dadas, mas também, outros sinais, como sejam o tom e o ritmo de voz, as hesitações, a postura e as expressões faciais do depoente.

Formada a convicção no sentido de conferir credibilidade a umas declarações em prejuízo de outras, com base em fundamentos lógicos, racionais, objectivos e coerentes com o normal acontecer, o recorrente só pode afastar aquela convicção, se demonstrar que os fundamentos em que assentou violam o declarado pela testemunha (não a valoração do declarado) e/ou as regras da experiência comum.

Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Outubro de 2015[29] «Se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia na livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras da experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o beneficio da oralidade e da imediação – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.

Não basta, pois, que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção “era possível”, sendo imperiosa a demonstração de que as provas indicadas impõem uma outra convicção».

A alegação de que as testemunhas … negaram em audiência ter adquirido produto estupefaciente … - é, assim, insuficiente para impor a modificação dos factos impugnados para não provados.

Na verdade, mesmo que tais meios de prova consintam duas ou mais decisões de facto, tendo o decisor optado fundadamente pela credibilidade das declarações prestadas em inquérito, esta decisão é, em princípio inatacável, ainda que o recorrente faça uma leitura diversa daquela.

Em sede de apreciação pelo Tribunal Superior, o recorrente não lhe poderá opor a sua convicção e reclamar que por ela opte ou a sufrague, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova.

Só assim não será, quando as provas produzidas e expressamente indicadas pelo Recorrente imponham uma decisão diferente da proferida pelo tribunal a quo.

Na situação que nos ocupa, a prova indicada pelo recorrente não só não impõe decisão diversa, como reforça os fundamentos para atribuir crédito às declarações prestadas em inquérito.

Basta ouvir os testemunhos prestados em audiência para verificar a inconsistência das declarações prestadas em audiência, quando confrontados com os outros meios de prova.

Explicando,

Em suma, a conjugação e articulação das declarações prestadas perante a Magistrada do Ministério Público, dos relatórios de vigilância externa, as imagens e as intercepções telefónicas, conforme as regras da razoabilidade, bom senso e normal acontecer, permitem inferir, sem sombra de dúvida, que as trocas entre o arguido e cada um das testemunhas - … -  correspondem à compra e venda do produto estupefaciente e respectivo preço descritos nos factos provados, sendo, por isso legitima à prova indirecta, nos termos analisados em supra 2.

3.1.3. - Ponto de facto Provado n.º 8:

A impugnação destes factos baseia-se na circunstância de a testemunha, …, ter declarado em audiência, não se recordar de ter adquirido heroína ao arguido, … e da circunstância de os RDE´s n.º 10 e 39 apenas revelarem que uma pessoa se debruça sobre o carro do arguido e realiza com o mesmo uma troca.

Estes meios de prova são, à semelhança do afirmamos no ponto anterior, insuficientes para modificar a decisão que julgou tais factos provados. 

O depoimento da testemunha em audiência é vago e inócuo, em nada beliscando o afirmado em inquérito perante o Ministério Público, e lido em audiência de julgamento, observadas as normas legais aplicáveis.

Na verdade,

Consequentemente nada há que alterar nesta facticidade.

3. 1. 4. - Ponto de facto Provado n.º 8:

O fundamento da impugnação deste facto assenta também na circunstância da testemunha, … ter declarado em audiência ser amigo do arguido AA, nunca lhe comprou heroína, tendo consumido algumas vezes juntos. 

Já assinalamos em 3.1.2, que este modo de impugnação da decisão de facto não basta para se modificar a decisão proferida pela primeira instância, reiterando, aqui, os argumentos então aduzidos.

É o que sucede com as declarações prestadas pela testemunha em audiência pela incoerência e inconsistência da própria versão.

Deste modo, só se pode concluir, como concluiu a primeira instância que a versão dada ao Ministério Público é a mais consentâneo com a verdade dos factos, improcedendo, assim, o pedido para modificar o facto impugnado.

3.1.5 – Facto provado n.º 8:

Mais uma vez, recorre o arguido, a meios de prova insusceptíveis de colocar em crise a convicção formada pelo Tribunal de Leiria.

Na verdade, revistadas as declarações que prestou em audiência, particularmente, nas respostas dadas à Senhora Procuradora, nenhuma dúvida surge sobre as compras de haxixe ao arguido AA, ao dizer, «se era ele que ia buscar (entenda-se haxixe), pagava-lhe. Comprava naturalmente 5/10€, 2/3 vezes por semana, umas vezes comprava mais outras menos.».

3.1.6. – Ponto de facto provado n.º 8:

Reitera o recorrente o entendimento de que bastam as declarações proferidas por … em audiência - nega ter comprado estupefaciente … – para se alterar os factos provados para não provados.

Já vimos (ponto 3.1.2) que não tem razão.

Trata-se de um depoimento em que Tribunal a quo não acreditou. E, entenda-se, bem.

Não é credível, segundo a razoabilidade e lógica do normal acontecer, que o arguido ofereça cocaína ou heroína gratuitamente e sem qualquer contrapartida a um toxicodependente (ainda que conhecido).

3.1.7. – Facto Provado n.º 8:

Estes factos foram considerados provados com fundamento nas declarações do consumidor prestadas em inquérito e lidas em audiência consonantes com os RDE’S n.º 41 e 59.

Mais uma vez, defende o recorrente que esta versão não foi confirmada em audiência, já que a testemunha negou ter comprado estupefaciente ao arguido AA, apenas consumiram juntos.

E, mais uma vez, diremos que tal alegação não basta para mudar a factualidade de provada para não provada, pelos motivos enunciados em 3.1.2, que reproduzimos.

3.1.8. -  Ponto de facto provado n.º 8:

Prossegue o recorrente com a mesma técnica recursiva na impugnação da decisão de facto, isto é, na invocação das declarações prestadas em audiência pela testemunha, …, também ele a negar ter comprado haxixe e cocaína ao arguido, AA.

Para além do que, a este propósito vimos referenciando (cf. pontos 3.1.2 a 3.1.7) - não basta a indicação do meio de prova, sendo, ainda, necessário que esse mesmo de prova imponha uma decisão diferente - podemos acrescentar que a afirmação, em audiência, que nunca comprou ao arguido haxixe e cocaína», não é espontânea, nem imparcial.

Os silêncios e hesitações reveladas no discurso da testemunha, quando confrontada com a razão de ser da contradição entre depoimentos, retiram qualquer credibilidade ao que disse em julgamento.

É que, se a testemunha não se recorda de nada do que disse anteriormente porque toma medicamentos para a psiquiatria, também não teria certeza que nunca comprou heroína ao arguido, nem se recordaria especificamente do tribunal a que foi prestar declarações (...).

3.1.9. -  Ponto de facto n.º 8:

Para impugnar estes factos, convoca o recorrente duas circunstâncias probatórias: (i) a testemunha em audiência negou ter comprado estupefaciente ao arguido, … e (ii) os RDE n.ºs 45, 46, 48, 53, 59, 67 e o RV n.º 15/23 – NAO, não suportam qualquer troca de produto por dinheiro.

No que respeita às declarações prestadas em audiência, reproduzimos os argumentos enunciados nos pontos anteriores – em especial 3.1.2 – no sentido de que não têm força bastante para se terem os factos impugnados como não provados.

Considerando agora, os RDE n.ºs 45, 46, 48, 53 59, 67 e o RV n.º 15/23 NÃO -  incompatíveis com consumos em conjunto (a posição dos intervenientes e a rapidez de cada um dos actos contrariam essa possibilidade) – e as interceções telefónicas n.ºs 54, 2457, 2670, 2725, 2788, 2873, 33220, 3673, 4552, 5080, 5621, 5623, 6403 e 7571 do apenso I,  só pode concluir-se que aa declarações constantes do auto de fls. 2477, 2478 e  1812 a 1814 validamente lidas em audiência são as que retratam a realidade descrita nos factos impugnados, inexistindo qualquer fundamento para que se alterem para não provados.

3.1.10. – Ponto de facto provado n.º 8:

Pretende o recorrente que este facto seja julgado não provado com fundamento nas declarações que … prestou em audiência, em que negou ter comprado heroína ao arguido AA. Apenas lhe chegou a dar dinheiro para consumirem em conjunto.

Mas, como temos vindo a decidir, tal não basta.

É que esta versão não convenceu o Tribunal recorrido em face do contrário que resulta da conjugação das intercepções telefónicas com o depoimento prestado pela testemunha perante Magistrado do Ministério Público, lido em audiência.

O mesmo é dizer que a prova indicada pelo recorrente não impõe a alteração da decisão que julgou provado o facto impugnado.

 

3.1. 11. - Ponto de facto provado n.º 8:

Os factos provados correspondem, assim, ao declarado pela testemunha em inquérito e audiência, aos RDE’S indicados, sendo que as circunstâncias em que são realizadas as entregas não revelam qualquer gesto indiciador que arguido e a testemunha se encontravam ou se preparavam para consumir juntos a cocaína. Pelo contrário, a rapidez e modo como são realizadas só podem corresponder a actos de compra e venda de estupefaciente.

Ao que acresce as respostas explicativas dadas pela testemunha à Senhora Procuradora, sobre o modo como decorriam as entregas.

3.1.12. – Ponto de facto provado n.º 8:

 A testemunha negou, em audiência, ter comprado cocaína ao arguido AA.

Esta versão não foi credibilizada pelo Colectivo de Leira, porque contrariada pelo depoimento que aquele prestou perante Magistrado do Ministério Público (lido em audiência), de fls. 2725 e ss e fls. 2049 e ss, «no qual refere ter adquirido cocaína ao arguido por € 50/ € 60 a grama, entre o início de 2023 e Março de 2023; pagava em dinheiro; esclareceu os locais onde adquiriu o estupefaciente; referiu nunca ter consumido cocaína com o arguido, nem saber se o mesmo é consumidor. O que declarou em sede de audiência foi ainda contrariado pelo relatório de vigilância nº 59 (fls. 528 e 529).».

Advoga o recorrente que as declarações da testemunha em audiência são aptas a suscitar a aplicação do princípio in dubio reo.

Com o devido respeito, assim não o entendemos, quer pelas razões anteriormente explicadas (3.1.2) – as declarações proferidas em audiência não bastam para impor se julgue não provado este – quer ainda, pelo modo como foi prestado aquele depoimento.

Pelo que, também, aqui não assiste razão ao recorrente.

3.1. 13. Ponto de facto provado n.º 8:

Entregas a GG:

O meio de prova indicado pelo recorrente para alterar este facto para não provado consiste nas declarações que a testemunha, …, prestou em audiência, afirmando que nunca comprou haxixe …

E, de facto, foi esta a versão que afirmou em audiência, como aliás, foi reconhecido pelo Tribunal a quo, que nela não acreditou, atenta a contradição com o que declarado em inquérito perante o Ministério Público.

Esta convicção encontra razão de ser nas declarações prestadas pela testemunha em inquérito conjugadas com as sessões telefónicas n.ºs 1254 e 7646 - utilizando termos como “vens cá hoje” para marcar os encontros - e nas regras da experiência comum.

3.1.14. – Ponto de facto provado n.º 8:

Com a indicação das declarações da testemunha … prestadas em audiência – nega que tenha comprado ou consumido estupefaciente com o arguido … – contrariando, assim, o que disse em inquérito perante o Magistrado do Ministério Púbico, pretende o recorrente se julgue não provado o facto transcrito.

Porém, compulsadas umas e outras declarações, constatamos que as inconsistências do depoimento prestado em audiência - não me lembro do que disse foi há um ano, não foi ao tribunal, não me lembro do que disse na altura, não lembro dos pormenores, lembro-me de ter ido ao tribunal, mas não me lembro do que disse, fui ao posto, estava a ser pressionado (sem explicar como) e não quero acrescentar mais nada do que disse - traduzem um discurso ensaiado, com pouca ou nenhuma credibilidade.

3.1.15. - Ponto de facto provado n.º 8.

Na impugnação deste facto renova o recorrente o argumento de que a testemunha negou em audiência ter comprado estupefacientes ao arguido …, devendo, por isso, julgar-se não provado. 

Revisitada a prova indicada e toda a demais, concluímos que este probatório é manifestamente insuficiente para se decidir ao contrário do que decidiu a primeira instância (cf. ponto 3.1.2).

É verdade que, em audiência, a testemunha afirma que não comprou droga ao …. Contudo, a inconsistência das declarações e a preocupação em negar o anteriormente declarado ao Ministério Público, retiram-lhe toda a credibilidade.

Já as declarações prestadas perante o Ministério Público e lidas em audiência, são reforçadas: (i) pelos os RV n.º 11/23 – NAO e pelo n.º 26/23 – NÃO; (ii) pelos os diversos contactos telefónicos realizados para o arguido do telemóvel n.º ...27 –   v.g fls. 12 e 265 e 266 do apenso I –  e (iii) pelos esclarecimentos que a testemunha, livremente, entendeu dar quando foi ouvido pelo Ministério Público em relação à finalidade dos contactos telefónicos para o arguido - «foi para comprar cocaína. Contudo, já o contactou para tomar café».

Frente a esta prova, o tribunal recorrido não podia deixar de julgar provados os factos ora impugnados, improcedendo, assim, a pretensão do recorrente.

3.1. 16. -  Ponto de facto provado n.º 8

Ouvidas estas declarações e reapreciada a demais prova, concluímos serem aquelas declarações notoriamente insuficientes para modificar os factos impugnados (cf. ponto 3.1.2). 

3.2.  - Recurso de BB …

3.2.1. – Ponto 4 da acusação

Insurge-se o recorrente contra a decisão que considerou o facto narrado no n,º 4 da acusação, na parte onde se lê que os arguidos procediam ambos à venda direta de heroína, cocaína e haxixe/canabis a consumidores que os contactavam para o efeito, numa ampla área territorial …, marcando previamente os locais para a entrega de produto estupefaciente e recebimento do correspondente preço, locais que com frequência iam alterando.

Vejamos:

Desde há muito que a jurisprudência tem entendido que, «não se podem considerar como “factos” as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, pois a aceitação dessas afirmações para efeitos penais inviabiliza o direito de defesa e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art.º 32.º da Constituição. Por isso, essas imputações genéricas não são “factos” suscetíveis de sustentar uma condenação penal»[30].

«A narração dos factos deverá ser tanto quanto possível concreta, em termos de tempo e de lugar e, havendo vários agentes, quanto à intervenção particular de cada um, sendo irrelevantes imputações genéricas ou coletivas, a não ser como enquadramento de factos devidamente individualizados.».

Os factos imputados ao arguido devem ser claros, não podendo ser narrados na acusação (e consequentemente na sentença) conceitos vagos, genéricos e conclusivos, sob pena de violação do exercício do direito de defesa e do contraditório ínsito naquele de garantia constitucional (artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa).  

O exercício efectivo da defesa depende do conhecimento dos factos de que é acusado, do pedaço de vida em discussão.

A acusação deve conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada [artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal]. 

A sentença deve, sob pena de nulidade, conter a enumeração dos factos provados e não provados [artigo 374.º, n.º 2 e artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal) 

Ou seja, indicação da data e do lugar devem ser indicadas, se for possível.

Não se questiona, pois, que os princípios do acusatório, de defesa e do contraditório, pilares do nosso ordenamento jurídico-processual penal (artigos 20º, nº 4 e 32º, nº 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa e artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homens, ex vi  artigo 8º da Constituição da República Portuguesa) delimitam o pedaço de vida que deve ser dado a conhecer ao arguido, para encontrar o equilíbrio entre o exercício da acção penal e o direito de defesa, de que o contraditório é corolário.

E que, a imprecisão da matéria de facto provada colide com o direito ao contraditório, enquanto parte integrante do direito de defesa do arguido, constitucionalmente consagrado, traduzindo aquela uma mera imputação genérica que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido ser insuscetível de sustentar uma condenação penal[31].

O crime de tráfico de estupefacientes não foge a esta regra.

Assentemos, pois, que é necessário existir sempre alguma concretização das condutas imputadas a um arguido de forma a ser possível enquadrá-las no tempo e situá-las no espaço com alguma precisão.

Mas tal não impede que a narração da actividade de tráfico contenha uma sumula introdutória dos actos que a concretizam num determinado espaço e durante um lapso temporal. 

Posto isto, bastará atentar no quadro factual descrito no libelo acusatório para concluir que a matéria do ponto 4 constitui uma síntese introdutória da actividade desenvolvida pelos arguidos, enquadrando-a, depois, nos actos imputados a cada um dos arguidos, por referência às circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram.

Tal síntese só assume relevância se densificada com a narração de actos materiais e concretos, sem os quais, não pode constituir fundamento na condenação do crime e/ou na medida da pena.

Por isso, decidiu o Coletivo de Leiria atender apenas aos actos de tráfico individualizados, como tal enumerados no elenco dos factos provados e não provados, retirando da decisão de facto a matéria conclusiva que constava na acusação, sendo esta a razão pela qual não «respondeu aos factos 4, 7, 11, 13, 14, 17, 22, 23, 24, 25 e 34 da acusação, «atento o seu caráter vago, genérico e/ou conclusivo (e, em alguns casos, totalmente irrelevante, como o facto 12).

Pelo que a critica assacada ao Acórdão recorrido nas Conclusões 8, 9, 13, e 14 não tem qualquer fundamento, soçobrando na totalidade.

3.2.2. – Factos impugnados na Conclusões 7 a 9 e 15

Nas Conclusões 7 a 9, o recorrente faz referência a meios de prova, mas não indica os factos que, por vida desse, devam ser julgados não provados.

Não cumpre, pois, recorrente, o ónus de especificação exigido pelo artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, pelo que se rejeita a impugnação de facto enunciada na Conclusão n.º 15. 

3.2.3. - Pontos de factos provados, n.ºs 3, 4 e 9

a) Questiona o recorrente e, com razão, a terceira entrega de cannabis a …

Ressalta do depoimento desta testemunha que apenas comprou ao arguido duas placas de haxixe e que a quantidade que foi apreendida em sua casa, fazia parte da que adquiriu no dia 16 de março de 2023.

Termos em que, se elimina dos factos provados que, no dia 01.03.2023, pelas 15H14, …, para onde se deslocou no veículo de matrícula …, entregou cannabis resina a … (ponto de facto n.º 9).

na procedência das Conclusões n.ºs 17 a 20

b) Nas Conclusões n.ºs 16 e 35, alega o recorrente:

«Imputar a um qualquer cidadão a prática de um crime de tráfico de haxixe/cannabis, perante os factos provados em Julgamento e que a seguir se enumeram, para além de incompreensível, é quase ridículo, conhecendo-se até, nos dias de hoje, os efeitos e comercialização, legalizada, deste tipo de produto:

Esta alegação é repetida na conclusão n.º 35 e 36 Pretenderá, de certo, se considere esta factualidade provada.

Mas se assim for, não observa o recorrente o dever de especificação enunciado no artigo 412.º, n.º 3, 4, 5 e 6, do Código de Processo Penal.

É que, o recorrente faz referência às declarações da testemunha e a uma chamada telefónica, mas não relaciona cada um dos pontos de facto mencionados com o (s) meio(s) de prova que, para cada um, impõe(m) sejam considerados provados. 

Ou seja, o Recorrente não estabelece a relação entre cada meio de prova (o declarado pela testemunha e a chamada telefónica) e o ponto de facto ou pontos de facto que, de todos os que enumera, pretende alterar, por via do(s) meio(s) de prova indicados, o que pressuporia que este tribunal realizasse um segundo julgamento, o que, insista-se, não é legalmente admissível, pelos fundamentos exarados no ponto 3.1.1, que, por economia, se dão por reproduzidos.

Consequentemente, rejeita-se a impugnação de facto requerida nas Conclusão n.º 16 e 35.

3.2.4. – Ponto de facto provado n.º 7 e 9

No Acórdão sindicado, considerou-se provado, no ponto n.º 7, que, o arguido BB …também recebeu transferências bancárias efetuadas por consumidores, na sua conta com o NIB  ...13, através do MB WAY, entre 01.01.2021 e 20.03.2023, no valor total de € 13 704,00 (treze mil setecentos e quatro euros), para pagamento de cocaína:

No ponto de facto provado n.º 9 foram consideradas as seguintes vendas de cocaína: …

Da conjugação dos primeiros factos (ponto 7) com os segundos (ponto 9), conclui o recorrente que existe duplicação de actos de transferência bancárias e entregas de produto por cada uma das pessoas identificadas, suscitando assim dúvidas quanto ao número exacto das vendas de cocaína que efectivamente ocorreram.

Vejamos:

Antes de mais, importa reter que analisamos as transferências bancárias efectuadas para o arguido BB …, comparamo-las com os factos provados n.º 9, tendo chegado ás seguintes conclusões:

O ponto de facto provado n.º 7, contempla todas as transferências bancárias realizadas pelos consumidores, sem especificação do dia e do preço pago, enquanto os actos de tráfico foram individualizados pelo momento de cada entrega, do tipo, da quantidade e do preço do estupefaciente vendido pelo arguido …

Nas transferências bancárias, é possível descortinar as que coincidem com o valor do produto vendido num determinado dia a um consumidor devidamente identificado, …

Mas a questão coloca-se não na duplicação de vendas, como alega o recorrente, mas quanto ao valor recebido pelas vendas, através de transferência bancária ou de dinheiro, questão não foi conhecida na acusação, nem no acórdão sindicado, com a precisão e o rigor que se impunha.

A alegação dos valores globais de transferências bancária sem suporte na narração concreta dos factos, no caso, a data, o montante, a proveniência e a finalidade do dinheiro transferido para o arguido, BB ….

Da decisão da motivação de facto resulta que o tribunal recorrido se convenceu que não era necessário demonstrar um acto concreto de venda para comprovar que o valor das transferências bancárias (superior àquele) se destinou ao pagamento de cocaína, tendo por base as declarações de alguns consumidores em audiência, …

Porém, não esclareceu quais as transferências que serviram para obter o montante de 13 704,00€ indicada no corpo do facto n.º 7, nem se este valor abrangia o preço recebido pelas vendas referenciadas no facto provado n.º 9.

Ao que acresce a divergência entre soma das parcelas descritas no facto provado n.º 7 e o valor de 13 704,00€ referido, existindo, assim, um erro de cálculo. 

Nesta incerteza, e em obediência ao in dubio pro reo, resta atender apenas e só a importância de 9 884,00€, correspondente à soma da transferências bancárias discriminadas no ponto 7 (3820,00€+4694,00€+140,00€+880€+50€+300€), deduzidas as quantias recebidas pelo recorrente pelas vendas exaradas no facto provado n.º 9 -  … o que perfaz o total de 7 274,00€  e não 13 704,00€.

Consequentemente, importa modificar o ponto de facto provado n.º 7, nos seguintes termos:

 O arguido BB … também recebeu transferências bancárias efetuadas por consumidores, na sua conta com o NIB …, através do MB WAY, entre 01.01.2021 e 20.03.2023, no valor total de 7 274€, para pagamento de cocaína, de:

3.2.5. – As transferências em dinheiro

3.2.6. –  Factos provados resumo 

Porém, ao contrário do que alega, o tribunal recorrido considerou provados os consumos do recorrente do seguinte modo:

Daqui resulta que os factos relativos aos consumos de cocaína, os motivos que os justificaram e os efeitos que tiveram na vida do recorrente, foram enumerados pelo tribunal a quo como provados, nada havendo, assim, que alterar neste aspecto.

Questão diferente é a de saber se as entregas de cocaína pelo arguido retratadas nos factos provados o foram para consumo conjunto com as testemunhas.

E a este respeito, não demonstrou o recorrente que o estupefaciente que entregou a …, fosse para consumirem conjunto, para um desenrasque ou para consumir em festas sociais e em casa de amigos ou, ainda para venda para satisfazer o seu próprio consumo.

Note-se, aliás, que os factos provados correspondem precisamente ao declarado pelas testemunhas.

3.2.7. A detenção de armas

Para tanto, alega que a circunstância de terem sido apreendidas armas na sua habitação não basta para que se considerem os factos transcritos.

Sem razão, porém.

Com efeito, o auto de busca e apreensão demonstra que as armas apreendidas foram localizadas na residência do arguido, onde se encontravam outros instrumentos que serviram para a prática do crime de estupefacientes, utilizados por este arguido, designadamente uma balança de precisão, diversos recortes de plásticos destinados a embalar doses de produto estupefaciente, duas embalagens de cocaína, embalagens de plásticos para acondicionamento de produto, dinheiro e um telemóvel.

Por outro lado, as armas foram encontradas no quarto de dormir ocupado pelo arguido, uma delas na primeira gaveta da mesa de cabeceira, locais sob o total domínio do recorrente.

Tanto basta para que se tenha por certo que o arguido detinha as ditas armas na sua posse, nas condições narradas na facticidade provada, aí devendo continuar.

3.2.8. –  Actividade do recorrente

Nas conclusões 127 a 130, o recorrente menciona (i) declarações de uma dezena de consumidores; (ii) transferências por MBWAY e (iii) divergência entre essas transferências e os preços por grama, mas não identifica os factos que, em concreto, pretende impugnar ou a razão de ser da indicação dos meios de prova.

Pelo que, também, nesta parte, não cumpriu o recorrente o dever de especificação previsto no citado artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, rejeitando-se, por isso, a eventual impugnação de facto que o recorrente tenha tido a intenção de interpor.

3.2.9. - Insuficiência de prova

Para o recorrente o tribunal recorrido não poderia julgar como provadas as vendas aos consumidores em virtude de nunca lhe ter sido encontrada e aprendida qualquer tipo de droga.

Apesar de o recorrente não ter indicados os factos que pretendia impugnar com esta alegação, ainda assim, importa esclarecer que, a existência de estupefaciente pode ser provada através qualquer meio legal de prova, não sendo exigível uma apreensão de produto estupefaciente.

Neste sentido, decidiu:

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de março de 2004[32], consignando:

«(1) para que o arguido possa ser condenado como traficante de estupefacientes não é necessário que a droga lhe tenha sido apreendida ou identificada através de exame laboratorial. (2) Nesta matéria rege a livre convicção dos julgadores quanto à prova produzida através de meios que não sejam proibidos por lei. (Ac. de 21/10/1992, Processo nº. 42809).

Que «(1) O julgador pode sempre qualificar os factos segundo a sua experiência comum e, conjugando todos os elementos do processo pode chegar à conclusão que determinada substância estupefaciente, designadamente que é heroína. (2) A falta de exame do produto não constitui erro notório na apreciação da prova, nem insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. (Ac. de 09/06/1993, Processo nº. 42347).

Que «(1) A quantidade exacta de droga não é elemento essencial do crime de tráfico de estupefacientes, tendo apenas relevância para determinação do grau de ilicitude da conduta, a qual, obviamente, não é apreciada em função de quantidades precisas e rigorosas. (2) Por isso, a falta de exame da droga não constitui erro na apreciação da prova, nem insuficiência da matéria de facto para a decisão. (Ac. de 04/06/1996, Acs STJ pág. 186).

Que «Embora o exame toxicológico seja importantíssimo no domínio da prova dos crimes de tráfico de estupefacientes, nada obsta a que se proceda à demonstração da natureza do produto por outros meios, maxime, nos casos em que o agente faz desaparecer a droga no momento da busca, por exemplo, lançando-o para a sanita.» (Ac. de 07/05/1997, Processo nº 1446/96).

E, finalmente, que

 «(1) para haver condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes, p. p. no art. 21º, do DL 15/93, não é necessário que o agente tenha consigo alguma das substâncias a que se reportam as tabelas I a III anexas àquele diploma, bastando que se demonstre por qualquer meio legal, a prática de acto ou actos que se insiram no referido preceito. (2) A lei não exige assim, para a prova desta infracção, que se proceda à apreensão de droga e ao seu consequente exame laboratorial. (Ac. do STJ de 18/06/1998, Processo nº. 522/98).

E, na verdade, a lei não exige prova tarifada ou legal para a prova deste elemento do tipo.».

- O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21 de dezembro de 2000[33]:

«Não é necessário que certo suspeito seja encontrado na posse de estupefacientes para se poder concluir que o mesmo se dedica ao tráfico. Neste tipo de crime, os indícios são múltiplos e o “puzzle” indiciário pode e muitas é construído através de factos que, conjugados entre si, permitem com a segurança exigível nesta fase processual concluir pela sua prática.»

- o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1 de julho de 2015[34]:

«A não se entender assim e a exigir-se que, em todas e quaisquer circunstâncias, sempre será de exigir que se proceda ao exame toxicológico do produto para se verificar se tem características estupefacientes, inúmeros actos que a prova indica, inequivocamente, tratar-se de actos de tráfico de substâncias estupefacientes ficariam impunes.»

- O Acórdão da Relação do Porto de 8 de fevereiro de 2012[35]

«Exigir, fora das situações de flagrante delito e apreensão dos produtos, a concretização da quantidade do produto estupefaciente traficado (…) seria irrazoável e inviabilizaria praticamente a prova do crime de tráfico de estupefacientes (…).

«Tal prova não tem de assentar necessariamente na apreensão de algum produto estupefaciente, ou de instrumentos habitualmente utilizados por vendedores de estupefacientes. A prova da prática do crime de tráfico de estupefacientes não supõe necessariamente o flagrante delito e a apreensão de alguma quantidade desse produto. (…)

O que se impõe em situações de imprecisão quanto a quantidades de produtos estupefaciente, número de consumidores abrangidos, valores monetários envolvidos ou frequência das vendas (situação muito frequente quanto à prova do crime de tráfico de estupefacientes) não é a impossibilidade de prova da prática do crime, mas, ao abrigo de princípio in dubio pro reo, que essa imprecisão nunca prejudique o arguido, quer na qualificação jurídica dos factos, quer na determinação da medida da pena.».

No caso em apreço, existe prova bastante para que se julguem provados os factos enunciados nos factos n.ºs 3, 4 e 9.

3.2.10. – Outros factos

Com excepção do ponto (vi) e dos consumos já apreciado acima, não indica o recorrente os meios de prova que permitiriam (para quem defenda a impugnabilidade de factos omitidos na sentença), fossem considerados a factualidade acima descrita, como era seu dever, nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal já examinado nos pontos anteriores.

Pelo que se rejeita a impugnação dos factos referenciados nas Conclusões n.º 50, 51, 60, 69, 89, 95, 96 e 127. 

 

3.3.  Conclusão

Da apreciação dos fundamentos invocados pelos recorrentes para a alteração da impugnação da matéria de facto (com excepção da entrega pelo arguido BB … a …, descrita no ponto de facto n.º 9 e da correcção do erro cálculo no facto provado n.º 7), resulta evidente que a critica dos recorrentes sobre o modo como o Tribunal a quo formou a sua convicção, assenta essencialmente numa valoração fragmentada, parcial e redutora, da prova produzida, acentuando a tónica no facto de um grande número de testemunhas ter declarado em audiência não ter comprado droga aos arguidos, antes a consumindo com eles.

Ora, como se referiu, o julgador, ao apreciar a prova tem de atender a todos os meios de prova produzida, analisando-a, global, articulada, conjugada e criticamente, nada obstando que, nessa apreciação, atribua crédito a um único depoimento ou parte dele. Basta que seja credível.

«Os testemunhos não se contam, pesam-se[36]», não vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio testis unus, testis nullus.

Também não é exigível apenas prova directa do cometimento do crime. Necessário é, que a prova produzia globalmente considerada, incuta a certeza relativa, de que os factos se passaram da forma narrada na acusação ou no despacho de pronúncia. Reportamos às presunções «os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido[37] », supra referenciados em 2.

Tem-se entendido que a prova -  «o acto ou complexo de actos que tendem a formar a convicção da entidade decidente sobre a existência ou inexistência de uma determinada situação factual»[38]  - tendo por função a demonstração da realidade de um facto (artigo 341,º do Código de Processo Penal), não pressupõe uma certeza absoluta, lógico-matemática, como pretendem os recorrentes, antes se basta com a possibilidade de alcançar «um grau de certeza que as pessoas mais exigentes reclamariam para dar como verificado certo facto» ou  que permita afastar toda a dúvida razoável. Não uma qualquer dúvida, mas uma dúvida fundamentada em razões adequadas.

«Há uma dimensão inalienável consubstanciada no princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º, do CPP. A partir de um raciocínio lógico feito com base na prova produzida, afigura-se, de modo objectivável, ter por certo que o arguido praticou determinados factos. Exige-se não uma certeza absoluta, mas apenas e só o grau de certeza que afaste a dúvida razoável, a dúvida suscitada por razões adequadas. O que há-de ser feito mediante uma “valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão e das máximas da experiência comum[39]». 

Foi o que fez o Tribunal recorrido.

O juízo crítico final do julgador alicerçou-se no confronto entre os diversos meios de prova produzidos e bem assim da valoração intrínseca que, de acordo com as regras de direito probatório aplicáveis, o tribunal entendeu ser o que decorria de um processo racional e lógico de formação da convicção, no qual tiveram interferência cambiantes de normalidade, razoabilidade e de senso comum, com observância do disposto do artigo 127º, do Código de Processo Penal.

Foram os elementos objectivos que firmaram a convicção do tribunal alicerçou-se, não se detectando no processo de raciocínio, qualquer apreciação arbitrária da prova, em desfavor dos arguidos. As regras da experiência comum, da normalidade da vida e das coisas, permitem, num exame crítico, retirar dos meios probatórios objectivos considerados, as ilações e deduções que sustentaram os factos provados.  

As provas produzidas nestes autos são objectivas, permitindo demonstrar, não apenas os factos que delas directamente resultam, mas também os que delas se inferem através de um juízo critico, racional e lógico - sempre segundo as regras da vida e da experiência comum - o que aponta inelutavelmente para o quadro fáctico delineado e fixado no Acórdão sub judice.

O Colectivo de Leira não ultrapassou os limites da livre apreciação, não relevou uma ou outra prova, isoladamente considerada, antes, pelo contrário, conjugou entre si diversas provas objectivas, dentro dos limites do direito probatório, em particular da prova indirecta ou indiciária, em nada beliscando a presunção de inocência do arguido ou in dubio pro reo daquela resultante (artigo 32.º, da Constituição da República Portuguesa.

A sentença é clara na afirmação da sua fundamentação.

Assim sendo, de forma alguma se mostram violados os preceitos e princípios de direito probatório ou dos princípios e direitos de defesa dos recorrentes, onde se inclui o contraditório.

Não ocorre, pois, qualquer erro na apreciação da prova, tendo-se por definitivamente fixada a decisão do Colectivo de Leiria sobre a matéria de facto, (com excepção da entrega de cannabis …, descrita no ponto de facto n.º 9, eliminada e a correcção do valor de 13 704,00€ no ponto de facto n.º 7, alterações que em nada alteram as questões de fundo).

XI. - Qualificação jurídico-penal dos factos

1. Crime de tráfico para consumo

Embora sem referência expressa, percebe-se da Motivação e Conclusões de ambos os recursos, que pugnam pela condenação do crime de tráfico para consumo previsto e punido pelo artigo 26.º, da Lei 15/93, de 22 de janeiro, em vez do crime pelo qual foram condenados (o previsto e punido pelo artigo 21º, do mesmo diploma).

Dispõe o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro:

1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

2 - Quem, agindo em contrário de autorização concedida nos termos do capítulo II, ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar por que outrem introduza no comércio plantas, substâncias ou preparações referidas no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.

3 - Na pena prevista no número anterior incorre aquele que cultivar plantas, produzir ou fabricar substâncias ou preparações diversas das que constam do título de autorização.

4 - Se se tratar de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV, a pena é a de prisão de um a cinco anos.

Mais adiante, sob a epígrafe “Tráfico – consumidor,” acrescenta o artigo 26.º:

1 - Quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.

2 - A tentativa é punível.

3 - Não é aplicável o disposto no n.º 1 quando o agente detiver plantas, substâncias ou preparações em quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias.

Um dos elementos constitutivos deste tipo legal é precisamente, que qualquer uma das acções prevista no artigo 21.º, tenha por finalidade única e exclusiva a obtenção de estupefacientes para o seu próprio consumo.

Quando o agente trafica porque para isso é empurrado pela necessidade de obter estupefacientes para consumir, não possuindo dinheiro para o fazer, é impulsionado por uma situação externa – a toxicodependência, aliada à carência financeira – situação que lhe diminui a culpa[40]

A finalidade exclusiva mais não significa do que a intenção de obter meios ou produtos unicamente para uso pessoal, não abrangendo a afectação (ainda que parcial) do valor, bens ou produtos adquiridos para outros fins.  

Não estando demonstrado que a finalidade do tráfico de estupefacientes praticado pelos arguidos se destinava exclusivamente a assegurar o consumo pessoal, improcede a pretendida modificação do crime de tráfico previsto no artigo 25º, do citado Decreto Lei nº 15/93, para a previsão do artigo 26º, do mesmo diploma.

2. Crime de tráfico de menor gravidade

Os recorrentes foram condenados pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, nº 1 do DL 15/93, de 22.01.

Desta qualificação jurídico-penal discordam os recorrentes, tendo o facto de serem consumidores, os meios utlizados, a quantidade e os valores envolvidos, o número de consumidores alcançados.

Apreciando:

Sobre a factualidade típica do crime de tráfico de estupefacientes e outras actividades ilícitas, dispõe artigo 21º do Decreto-Lei nº 25/93, de 22 de janeiro, no que, ao caso interessa:

«Quem, em para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver (…) plantas ou preparados compreendidos nas Tabelas I a IV, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».

Descreve-se, aqui, o tipo essencial deste ilícito, cuja natureza se prefigura como um crime de perigo.

Será, pois, a partir do tipo fundamental, concretamente da ilicitude no mesmo pressuposta, que se poderá aferir se uma situação concreta de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade.

É um crime privilegiado, previsto no artigo  25.º n.º 1 , do Decreto Lei n.º 15/93, de 22/1, situado entre o tipo fundamental -  o tráfico simples  - e o tipo de tráfico agravado – artigo 24.º do diploma em análise – que se verifica, como estatuído no artigo 25.º, n,º 1, sempre, que,  «nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações».

O crime de tráfico de menor gravidade encontra fundamento em razões de justiça material e de  proporcionalidade, não sendo legítimo que a sua  punição se assemelhe à do tráfico simples,  de maior gravidade,  quando constitui o meio preferencial utlizado pelos grandes traficantes na difusão dos estupefacientes, havendo «que dissuadir dessa prática , que agrega   elevado número de agentes, dotados de grande mobilidade,  eficácia e à margem  de  elevado e incontornável  grau  risco[41]».

Neste aspecto, tem-se vindo a entender que este ilícito constitui uma válvula de segurança do sistema, em ordem a evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas (trata-se de uma crime «para o pequeno tráfico, para o pequeno “retalhista” de rua). [42].

Os crimes de tráfico de estupefacientes, enquanto «crimes de perigo, de protecção (total) recuadas a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe (…), a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos.

De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.

Por isso, a fragmentação por escala dos crimes de tráfico (mais fragmentação de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas do agente, que necessariamente preexistem à compressão do legislador[43]».

De um ponto de vista empírico o tráfico de menor gravidade  é , como o nome  sugere , um tráfico de reduzida, pequena , diminuta danosidade  socia  , com escassa ressonância ético-jurídica , produtor de uma impressão juridicamente abaladora,  limitadamente apenas à  fímbria da norma de estatuição   e de punição»[44], constituindo um minus relativamente ao crime matricial (…)»[45].

A ilicitude, genericamente, é a relação de antagonismo a estabelecer entre uma conduta humana e voluntária e o ordenamento jurídico; no aspecto formal ela assume a forma de acto contrário a uma proibição estabelecida pela ordem jurídica; de um ponto de vista material representa o ataque a bens individualmente relevantes ou colectivamente significantes.  

A antijuridicidade é anterior à lesão ou perigo de lesão sociológica , no dizer de VON LIZT  ; diverge da culpa porque esta reveste a natureza de um juízo de reprovação individual, de desvalor subjectivo,  sendo ambas passíveis de graduação, consoante a maior  intensidade da lesão de bens jurídicos  ou de perigo  de ofensa. [46] »

É a valoração global do desvalor da acção e do resultado que há-de resultar uma ilicitude consideravelmente diminuída – e não apenas uma ilicitude diminuída - tendo em conta, não só as circunstâncias que o preceito enumera de forma não taxativa mas ainda, outras que apontam para aquela considerável diminuição[47].

Com efeito, lê-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[48]:

«A essência da distinção entre os tipos fundamental (art. 21º) e privilegiado (art. 25º) reverte ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelam em concreto, e que devem ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente á enumeração exemplificativa contida da lei (…).

As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios, na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas. (…)

A tipificação do artigo 25º parece ter o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade, considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e frequência desta, encontre a medida justa da punição para casos que, embora de gravidade significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito, justificativa do artigo 21º e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no preceito em causa. Ao indagar do preenchimento do tipo legal do artigo 25º haverá que proceder a uma valorização global do facto, sopesando todas e cada uma das circunstâncias aí referidas, para além das demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado em que a ofensa ou o perigo de ofensa a bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado. (…)

São factos-índice dessa ilicitude consideravelmente diminuída, à luz do art. 25.º, do DL 15/93, de 22-01, que os enuncia expressa e exemplificativamente, os meios usados, a modalidade, a circunstância da acção e a qualidade ou quantidade das plantas ou substâncias ou preparações.

Os meios e a modalidade usados no tráfico respeitam à organização posta em prática para execução da acção, à sua maior ou menor sofisticação, à aptidão para alcançar o resultado proibido, à dimensão real deste, à sua idoneidade para a lesão dos bens ou valores jurídicos postos em crise, tanto mais grave quanto é a quantidade e a natureza dos estupefacientes, escalonada gradativamente nas tabelas em anexo ao DL 15/93, de 22-01, devendo proceder-se à valoração global de todos estes elementos, afastando-se a preponderância de uns sobre os outros, para o alcance do grau muito reduzido de desvalor da acção».

Em síntese, não basta «a presença de uma circunstância fortemente atenuativa para considerar preenchido aquele conceito, quando as restantes com incidência são de sentido contrário, do mesmo modo que um conjunto de circunstâncias fortemente atenuativas não poderá ser postergado, sem mais, pela presença de uma circunstância grave»[49].

No caso concreto, olhando para a factualidade global, não temos dúvidas que a conduta dos recorrentes aponta para uma actuação que vai muito para além da previsão para que está pensada o tipo de menor ilicitude do artigo 25º.

A quantidade e qualidade de estupefaciente - heroína, cocaína e cannabis resina - vendida … a consumidores, o período de tempo em que decorreu a actividade – entre meados de agosto 2022 e Março de 2023 -  o número de adquirentes a troco de dinheiro – pelo menos 96 -, o volume de transferências bancárias por MB WAY – 3 020,10€ - 2 065,10€ pela venda da cocaína e 955€ pela venda de cannabis – as quantidades transacionadas e valor auferidos, a zona geográfica de actuação - em comunidades pequenas – … – e os bens apreendidos – as 3 balanças de precisão (duas na cozinha, armário e na lareira e outra em cima do roupeiro do quarto do arguido), a faca, contendo a lâmina resíduos de produto estupefaciente, situada na gaveta da mesa de cabeceira do quarto do arguido e os diversos sacos já recortados e outros completos para embalamento do estupefaciente escondidos numa uma bola decorativa de árvore natal na garagem, ao que acrescem as 0,5 gramas de cannabis resina encontradas no quarto do arguido, produto que o arguido não consome - assumem já relevância na disseminação do produto.

O arguido, à data dos factos, não tinha emprego certo e regular – efectuava trabalhos esporádicos de electricidade e, aos fins de semana, colaborava com um amigo em rulote de produtos alimentares - vivendo à custa dos rendimentos que auferia da actividade de tráfico.

Por outro lado, a maior parte da qualidade da droga transaccionada – cocaína e heroína – é das mais nefastas para a saúde, desde logo, pelo grau e intensidade de adição que provoca.

Todas estas circunstâncias revela um desvalor de acção e de resultado incompatíveis com a exigida diminuição considerável da ilicitude na previsão do crime de tráfico previsto e punido no artigo 25.º, do Decreto Lei n.º 15/93.


*

O recorrente, BB …, abono do pedido de convolação do crime de tráfico simples no crime de tráfico de menor gravidade, apela, essencialmente a três fundamentos: (i) só abastecia 10 consumidores na cidade … de forma regular; (ii) as vendas que realizou foram esporádicas; (iii) e que foram mais as vezes que consumiu do que aquelas que levou o produto.

Não se tendo comprovado que o recorrente destinasse as vendas referenciadas nos pontos de facto provados n.º 3, 4 e 9 ao seu consumo pessoal e/ou ao consumo conjunto com os adquirentes dos estupefacientes transacionados, soçobra o fundamento (iii) como índice de diminuição da ilicitude.

Quanto ao demais, parece esquecer o recorrente que, para das 6 gramas de cocaína vendida a …, por 300,00€ (entre 2019 de dezembro de 2022), todas as demais ocorreram num período de cerca de dois meses – entre 16 de janeiro a 25 de março de 2023 – e não entre 2019 e 2023, como alega, razão pela qual as conclusões a que chega com os cálculos aritméticos feitos nas Conclusões n.º 9, 60, 65, 112, 113, se mostram erradas.

Contrariamente ao que afirma, nem as vendas são esporádicas, irregulares e irrisórias, nem os compradores se podem considerar como sendo em pequeno número.

A cocaína é uma das drogas mais perigosas, que causa elevada danosidade social, não podendo afirmar-se, como faz o recorrente, que estamos diante de uma conduta isolada, causal, que abrange quantidades de estupefacientes diminutas, com ganhos irrisórios.

A regularidade das vendas em tão curto espaço de tempo nos termos e condições realizadas constitui um elevado risco de disseminação dos produtos estupefacientes.

A detenção de duas armas, de fogo e munições, de uma balança de precisão em funcionamento, de diversos recortes de plástico destinados a embalar doses do produto estupefaciente e de 5 embalagens de plástico utlizadas para acondicionamento de produtos estupefaciente - objectos directamente associados á actividade de tráfico – ao invés de diminuir a ilicitude do facto, contribuem para a agravação da mesma.

No que concerne à motivação da sua conduta, pouco relevo assumem os consumos de cocaína - já que não eram do conhecimento da família do arguido, não tiveram repercussão no exercício da sua actividade laboral do recorrente e este nunca recorreu a ajuda externa para os controlar -  não tendo sido essa razão determinante para a actuação do recorrente.

A modificação de facto acima decidida, em nada altera esta conclusão.  

A valoração global do facto resultante da conduta do arguido não é susceptível de enquadrar a ilicitude consideravelmente diminuta, tendo por referência os pressupostos que enformam o crime de tráfico de estupefacientes.

Não estamos, assim, diante de uma situação de menor gravidade decorrente de menor ilicitude, que permita a integração da conduta do recorrente no tipo privilegiado do artigo 25.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro.


*

Na ponderação conjugada e articulada da acção desenvolvida por cada um dos arguidos nos termos sobreditos, é de concluir que a ilicitude consideravelmente diminuída - pressuposto objectivo do ilícito previsto no artigo 25º - não está preenchida. A conduta dos recorrentes integra a previsão do artigo 21º, do Decreto Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, como bem decidiu o Acórdão Recorrido.

  

3.- O crime de detenção de arma proibida

As questões suscitadas pelo recorrente em relação ao crime de detenção de arma proibida enquadram-se na impugnação de facto (questão já apreciada supra) e na medida da pena (que apreciaremos de seguida).

Como a primeira instância fez um correcto enquadramento jurídico-penal sobre a factualidade subjacente à detenção de armas proibidas imputada ao recorrente, nada há que criticar ao decidido.

XII. -  Escolha e Medida da pena

1. – Enquadramento jurídico

Dispõe o artigo 40º do Código Penal:

Sobre a finalidade das penas, escreveu-se, entre outros, no Acórdão desta Relação de 7 de março de 2012:

«Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições específicas que devem ser respeitadas; a formulação da norma reveste a «forma plástica» de um programa de politica criminal cujo conteúdo e principais proposições cabem ao legislador definir e que, em consequência devem ser respeitadas pelo juiz.

A norma do artigo 40º condensa, assim, em três preposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção dos bens jurídicos e socialização do agente do crime, sendo a culpa o limite da pena, mas não o seu fundamento (…)».

«O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada[50]».

«A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está assim, na moldura penal correspondente ao crime. Na determinação da medida concreta da pena, o tribunal está vinculado, pois, nos termos do artigo 71º, nº1, a critérios definidos em função de exigências de prevenção, limitadas pela culpa do agente (…)».

«As circunstância e critérios do art. 71º, do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau da ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases de coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que a assente a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados[51]».

Também o Supremo Tribunal de Justiça[52] tem vindo a entender que a «defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa, elegendo em cada caso aquela pena que se afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; neste sentido sendo uma razoável forma de expressão afirmar-se como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção geral de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto principio da necessidade da pena a que o artigo 18º, nº2, da Constituição da República consagra».

2. – Penas alternativa

«Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» que, como emerge do artigo 40º já citado, são a «protecção dos bens jurídicos» e a «reintegração do agente na sociedade». (artigo 70º, nº1, do Código Penal).

Conforme ensina Figueiredo Dias[53], no que toca ao critério de escolha entre penas alternativas, «o Tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização da punição.

O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação».

A prevenção geral constitui apenas o limite à actuação da prevenção especial de reintegração, visando assegurar o conteúdo mínimo de integração necessária à defesa do ordenamento jurídico, de tal forma que a pena não privativa da liberdade só não deverá ser aplicada quando a execução da prisão se revele fundamental para que não fiquem definitivamente afectadas a tutela dos bens jurídicos e a confiança da comunidade na validade das normas violadas[54].

3.- 1.4. Cúmulo Jurídico

É sabido, porque vem sendo repetidamente afirmado, pela Jurisprudência e pela doutrina, que tal como a medida concreta das penas parcelares, a pena única se determina em função da culpa do agente e das finalidades da punição, assumindo especial relevância a apreciação global conjunto dos factos e a personalidade do agente.

É o que decorre do artigo 77.º, nº 1, in fine, do Código Penal, ao estabelecer que:

«Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

A pena única há-de ser encontrada na moldura abstractamente aplicável à punição do concurso de crimes calculada nos termos do nº 2, do mesmo preceito, tendo como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias de multa, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes.

O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é assim, a personalidade do agente.

Impõe-se, portanto, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constituir uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente, sendo igualmente relevante a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.

Feito o enquadramento jurídico dos critérios determinantes para a escolha e medida da pena, apreciaremos, de per si, cada um dos recursos.

4. - BB …

4.1. – Penas parcelares

No que respeita à pena do crime de tráfico, temos alguma dificuldade em compreender se o arguido questiona a pena parcelar – cinco anos e seis meses de prisão – ou contra a pena única – seis anos de prisão.

Pois bem.

Tal conduta integra o crime de detenção de arma proibida pelo qual o arguido … foi condenado (artigo 86º, nº 1, alínea c) da Lei 5/2006, de 23.02), sendo punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

Se o tipo legal de crime prevê, em alternativa, duas penas principais – de prisão ou multa – a primeira ponderação do julgador está inserta no artigo 70º, do Código Penal, que, como se disse, consagra o princípio da preferência pela pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Donde, o único critério a que, neste momento se atende para a escolha da pena principal, é o da prevenção, que, nos termos do artigo 40º, do mesmo diploma, se reconduz à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente da sociedade (prevenção especial).

Em casos como os que se apreciam, a opção pela pena detentiva mostra-se equilibrada, atentas as imposições de prevenção geral e a necessidade de garantir a paz comunitária, assegurando que a pena não seja vista como um sintoma de impunidade.

As exigências de prevenção especial e geral não se coadunam com uma pena de multa.

A primeira, por ao arguido ser assinalada a atividade do crime de tráfico de estupefacientes, cuja associação com as armas proibidas resulta na percepção de personalidades avessas ao direito e cujo percurso ressocializador não é minimamente afectado por uma sanção penal de natureza pecuniária.

A segunda, por se considerar que tal associação de crimes – tráfico de estupefacientes e armas proibidas – é potenciador de um clima de violência gerador de alarme social e insegurança não estabilizados pela mera contribuição pecuniária para os cofres do Estado punidor.

Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 12 de março de 2008:

«Quanto ao crime de detenção de arma proibida (…) é de afastar a opção pela pena multa e, igualmente a redução da pena de prisão (…) desde logo pela associação, que não se pode escamotear, entre a detenção de arma e o tráfico de estupefacientes, e, depois porque o   combate à disseminação de armas proibidas, pelo perigo de incremento de criminalidade violenta, tem sido uma preocupação constante do legislador nos últimos tempos, quer através de legislação penal (…) quer de legislação de outro tipo, visando a recolha de armas, sendo a sua disseminação igualmente uma profunda inquietação da opinião pública e da população em geral, perante a crescente utilização de armas de fogo na prática criminosa».

Motivos pelos quais, é de manter o decidido pela primeira instância, na opção pela pena de prisão quanto ao crime de detenção de arma proibida.


*

Sobre a fixação da medida que concretamente deve ser aplicada ao arguido, reitere-se que é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, devendo atender às circunstâncias atípicas que deponham a favor e contra o arguido (cf. artigo 71º e 72º, do Código do Penal).

Tais circunstâncias podem ser classificadas em três grupos: referentes à execução do facto – alíneas a), b) e c): grau de ilicitude do facto, modo de execução do crime, grau de violação das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade do dolo ou da negligência, sentimentos manifestados na execução do crime e fins ou motivação do mesmo; relativos à personalidade do agente - alíneas d) e f): condições pessoais do agente e situação económica, falta de preparação para manter conduta lícita; e finalmente factores relativos à conduta anterior ou posterior ao crime – alíneas e).

No caso em apreço, sopesadas: (i) as fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir, nos termos já assinalados; (ii) o número de armas de fogo e munições detidas pelo arguido BB e as circunstâncias da detenção; (iii) a intensidade do dolo; (iv) as condições pessoais do arguido e (v) a ausência de antecedentes criminais, entende-se por adequada a pena aplicada ao arguido BB …, a pena de um ano e seis meses de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida.

No que toca ao crime de tráfico, importa considerar (i) o muito elevado grau da ilicitude dos factos traduzido na quantidade e qualidade de produtos estupefacientes num curto espaço de tempo; (ii) o grau de culpa traduzido no agravamento da intenção de persistir na prática do crime ao longo do tempo; (iii) as condições familiares, sociais e profissionais do arguido; (iv) a ausência de antecedentes criminais, (v) as exigências de prevenção geral (muito elevadas e (vi) as exigências de prevenção especial (mais atenuadas para o arguido BB …).

Mas se o factor dos antecedentes criminais entre os arguidos influi na medida da pena de cada um, pesando contra o arguido AA, o factor diferenciador da quantidade e preço do estupefaciente vendido, bem como o pecúlio monetário acumulado e apreendido dessa actividade, assume maior gravidade para o arguido BB.

Subsumindo estes fundamentos aos critérios estabelecidos nos artigos 40º e 71º, do Código Penal, a pena de 5 (cinco) anos e (6) seis meses de prisão aplicada ao Recorrente, BB … mostra-se adequada e proporcional às finalidades de prevenção geral e especial exigidas pelos factos praticados pelo Recorrente subjacentes ao crime de tráfico de estupefacientes, não merecendo qualquer reparo.

1.2. - Pena única

De acordo com o disposto no artigo 77.º, do Código Penal a medida abstracta da pena única tem como limite mínimo cinco anos e seis meses de prisão (a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas) e como limite máximo seis anos e seis meses de prisão (a soma das penas concretamente aplicadas aos dois crimes, sem exceder os 25 anos, tratando-se de pena de prisão).

A pena única em que foi condenado (6 anos de prisão) – foi fixada segundo os critérios assinalados, tendo, ainda, por fundamentos (i) os factos na sua globalidade, aos bens jurídicos violados; (ii) o período temporal dos mesmos; (iii) as circunstâncias em que foram praticados e (iv) a personalidade do arguido revelada nos factos – mostra-se razoável, proporcional e adequada às finalidades da punição, não colhendo a crítica do recorrente.

Consequentemente fica prejudicado o conhecimento da requerida suspensão da execução da prisão.

5.- Recurso do Ministério Público

O tribunal recorrido condenou o arguido AA …, como autor material da prática do crime de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, na pena de seis anos de prisão.

Discordante o Ministério Público, pugna por uma pena entre os sete a oito anos de prisão.

Em abono da sua tese, convoca: (i) o período de tempo compreendido entre agosto de 2022 e março de 2023; (ii) a extensa área territorial da actividade (…); (iii) os valores auferidos pelo arguido com a venda de produtos estupefacientes; (iv) a qualidade de produtos (heroína, cocaína e haxixe); (v) os extensos antecedentes criminais; (vi) a prática dos crimes durante o período da liberdade condicional e (vi) os meios de transporte utlizados: os veículos cedidos pela entidade patronal para as deslocações junto dos consumidores, abarcando, assim, uma maior área geográfica de acção e escudando-se de poder a vir ser alvo de fiscalização policial – pois que se deslocava num carro pertencente à sociedade Prosseguir.

Porém, com o devido respeito por esta opinião, assim não o entendemos.

Desde logo, porque apenas se apuraram o número de entregas de estupefaciente a consumidores, o preço pago, desconhecendo-se a quantidade global transaccionada.

Com excepção da quantidade e preço da cocaína apurada – um grama por 50/60€ - não se consegue determinar que quantidade de heroína foi vendida em cada pacote pelo preço de 10/20€ cada; que quantidade de cocaína existia em cada pacote vendido por 30€ e que quantidade de cannabis foi vendida por 10/ 20//50€.

Depois, porque, tal como o Recorrente reconhece nas suas alegações, o valor global transacionado pelo arguido AA … é de 5 791,00€, em cerca de 7 meses.

Em terceiro lugar, porque o transporte do estupefaciente utilizado pelo arguido - cedido pela entidade patronal – se, por um lado consta na Motivação de facto, não figura no elenco dos factos provados, não relevando, por isso, no agravamento da pena.

Vale por dizer que o número de vendas, o transporte a qualidade do estupefaciente e o respectivo preço não permitem determinar a quantidade de estupefacientes transacionados, nem o preço por grama ou dose, não podendo afirmar-se que o volume de negócio da actividade de tráfico constitui uma circunstância agravante da pena.

Em quarto e último lugar, porque sendo verdade que o arguido possui antecedentes criminais e praticou os actos durante o período em que se encontrava em liberdade condicional, devendo, por isso, depor contra o recorrente, ainda assim, não justifica (quando em comparação com a actividade do arguido, BB) uma pena de sete anos de prisão.

Não se mostram, pois, violados os normativos dos artigos 40.º, n.º 1 e 71.º do Código Penal, improcedendo, assim, as conclusões 12 a 16 do recurso do Ministério Público.

 

XIII. Declaração de perda vantagens

No nosso caso está demonstrado que os arguidos procederam a actos de venda de estupefacientes, tendo recebido, por cada um, uma determinada quantia em dinheiro.

Porém, entendeu o tribunal recorrido não se terem demonstrado o montante das vantagens auferidas pelos arguidos, o que parece sugerir o entendimento de que as vantagens a que refere o artigo 36.º, citado, corresponde à diferença entre o preço de venda e o preço de custo do produto (vantagens liquidas) e não ao montante auferido com as vendas (vantagens brutas).

É contra esta decisão que se insurge o Ministério Público. Em sua opinião, a vantagem obtida pelos arguidos corresponde exactamente aos valores obtidos dos actos de compra e venda de estupefacientes descritos nos pontos de facto provados n.ºs 3 a 5, 8 e 9. 

Que decidir?

O regime actual de perda de bens – o confisco - [55] (decorrente da clássica e tradicional distinção entre a «perda dos instrumentos ou produtos» do crime e a «perda de vantagens» deste resultantes), assenta essencialmente em dois modelos: (i) a perda dos instrumentos, produtos ou vantagens do crime e (ii) a perda alargada[56], cada deles com pressupostos de campos de aplicação distintos.

A perda de instrumentos, produtos e vantagens pressupõe, indubitavelmente, a demonstração de que as mesmas foram obtidas, directa ou indirectamente da prática de um facto ilícito típico. Ou seja, exige-se a prova, no processo, da existência de uma relação de conexão entre o facto ilícito criminal concreto e o correspondente proveito patrimonial obtido.

Já na perda alargada, o regime probatório é menos exigente «baseado na diferença entre o património do arguido com base na presunção da ilicitude desconforme. O que está em causa já não são apenas as vantagens directamente resultantes da prática do crime, mas a existência de um património incongruente com os rendimentos lícitos e que o arguido não consegue, de qualquer forma licita, justificar. A perda não se restringe aos proceeds comprovadamente resultantes do crime (…) mas a tudo aquilo que não é congruente com os seus rendimentos lícitos e que, por isso, se presume «constituir vantagem de actividade criminosa[57]».

Para o caso, releva a perda de instrumentos, produtos e vantagens, a que exige uma relação causal (um vinculo) entre o facto típico e ilícito e o bem concreto suscpetível de ser confiscado[58].

No plano geral, este regime é regulado, do lado material ou substantivo, nos artigos 109.º a 112.º - A do Código Penal e, do lado adjectivo ou processual, nos artigos 178.º a 186.º, 191.º a 194.º e 227.º e 228.º, do Código de Processo Penal.

No plano especial tem particular interesse para a decisão o regime de perda dos objectos, coisas ou direitos relacionados com a infracção enunciado nos artigos 35.º a 39.º, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro e a perda alargada consagrado na Lei 50/2002, de 11 de janeiro [artigo 1.º, alínea a)]. 

Mas o que se deve entender por instrumentos, produtos e vantagens do crime[59]?

No regime geral:

Os instrumentos do crime são todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos [artigo 109.º, n.º 1, do Código Penal]. 

A perda dos instrumentos do facto ilícito justifica-se em razão das finalidades de prevenção da utilização dos mesmos na actividade criminosa.

Se tais instrumentos não puderem ser apropriados em espécie, a perda pode ser substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva[60]  [artigo 109.º, n.º 3, do Código Penal].

Os produtos do crime são todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática, isto é, apenas e só, aquilo que inexistindo previamente, é “produzido” pela sua prática do crime[61]. [artigo 110.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal].

Já as vantagens do facto ilícito abrangem todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem [artigo 110.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal].

Também aqui, à semelhança do que foi fixado para a perda de instrumentos, estabelece o n.º 4, do artigo 110.º, do Código Penal, que, se os produtos e as vantagens não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor.

No regime especial do crime de tráfico de estupefacientes, instrumentos do crime são todos os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática do crime ou que por este tiverem sido produzidos [artigo 35.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93].

O perdimento de bens regulado no Decreto lei 15/93 tem matrizes especificas e próprias, muito menos exigente nos seus pressupostos do que o previsto no Código Penal, de modo a combater qualquer rentabilidade da actividade de tráfico[62].

Tal resulta claramente da alteração legislativa operada pela Lei n.º 45/96, de 03 de setembro, eliminou-se do n.º 1 do artigo 35.º[63], o pressuposto da perigosidade  dos objectos, passando a exigir-se apenas que « (1) os objetos tenham servido ou estivessem destinados a servir (2) para a prática de uma infração prevista neste diploma ou (3) que por esta infração tenham sido produzidos»,  registando-se, assim, “um afastamento do regime geral do C.P., criando-se um regime próprio (…), colocando-se a tónica, numa relação instrumental e causal, ainda que hipotética, entre os crimes aqui tipificados e os bens[64]».

Vantagens do crime são todas as coisas, ou direitos relacionados com o facto típico e ilícito.  

Nos termos do artigo 36.º do Decreto Lei n.º 15/93:

1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infracção prevista no presente diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.

2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.

3 - O disposto nos números anteriores aplica-se aos direitos, objectos ou vantagens obtidos mediante transacção ou troca com os direitos, objectos ou vantagens directamente conseguidos por meio da infracção.

4 - Se a recompensa, os direitos, objectos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.

5 - Estão compreendidos neste artigo, nomeadamente, os móveis, imóveis, aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores ou quaisquer outros bens de fortuna.

Se as recompensas, objectos, direitos ou vantagens tiverem sido transformados ou convertidos em outros bens, são estes perdidos a favor do Estado em substituição daqueles.  [artigo 37.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93].

E, se as recompensas, objectos, direitos ou vantagens tiverem sido misturados com bens licitamente adquiridos, são estes perdidos a favor do Estado até ao valor estimado daqueles que foram misturados. [artigo 37.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº 15/93].

De acordo com o disposto no artigo 38.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, as regras do perdimento de bens acabado de enunciar (referidos nos artigos 35.º a 37.º do diploma em análise) são aplicáveis a todos os lucros e outros benefícios obtidos com aqueles bens.

Na actividade de tráfico de estupefacientes, constituem vantagens do facto ilícito: (i) toda a recompensa dada ou prometida aos agentes da infracção; (ii) os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem; (iii) os direitos, objectos ou vantagens obtidos mediante transacção ou troca com os direitos, objectos ou vantagens directamente conseguidos por meio da infracção; (iv) os móveis, imóveis, aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores ou quaisquer outros bens de fortuna; (v) os lucros, ou outros benefícios obtidos com a recompensa, objectos, direitos e vantagens; (vi) o valor estimado das recompensas, objectos, direitos ou vantagens que tiverem sido misturados com bens licitamente adquiridos, (vi) o valor das recompensas, objectos ou vantagens quando não for possível a sua apreensão material.

As vantagens podem reportar-se, por um lado, a objetos corpóreos ou incorpóreos e, por outro lado, podem traduzir-se num aumento do ativo, na diminuição do passivo, na evitação de prejuízos ou nas poupanças de gastos – isto é, tudo aquilo que permita um enriquecimento patrimonial do agente. 

Podem, ainda ser (i) directas, se respeitam às próprias coisas que o agente do crime imediatamente obtém, como por exemplo, as quantias ou outros bens recebidos pelo agente em contrapartida da venda de estupefacientes; (ii) indirectas (as denominadas pela doutrina vantagens em cadeia do crime), as que decorrem do investimento das vantagens directas e (iv) as sucedâneas das vantagens directas, as conseguidas através da troca ou transacção das vantagens directas, as que substituem estas últimas (v.g, um automóvel comprado com o dinheiro do tráfico).

Além disso, podem ser instantâneas (ocorrendo no momento da prática do facto), continuadas (aumentando com o decorrer do tempo) ou até diferidas para um evento posterior e podem repercutir-se, quer na esfera patrimonial do agente, quer de um terceiro - importante é determinar o montante global[65].

Sublinhe-se, que o confisco não se restringe apenas aos activos resultantes directa ou indirectamente da prática do crime ou ao sucedâneo, podendo, também, incidir sobre todo o património lícito do arguido, nomeadamente, se a recompensa, os direitos, objectos ou vantagens relacionadas com o crime não puderem ser apropriados em espécie.

Neste caso, a perda ou o confisco é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.» [artigo 109.º, n.º 3 do Código Penal e 35.º, n.º 4, do Decreto Lei n.º 15/93].

«O confisco do valor tornou-se pedra angular de qualquer sistema eficiente de perda[66]. Com efeito, a recuperação da concreta vantagem do crime pode ser na prática impossível (o arguido gastou-a ou escondeu-a ou transferiu-a para terceiro de boa fé), ou então, ser tecnicamente inviável (…). Em ambos os casos, seja de impossibilidade superveniente, seja por impossibilidade genética, embora não se possa recuperar o próprio bem, pode ser confiscado o valor equivalente. A perda não pode ficar refém da natureza da vantagem e muito menos da conduta do próprio arguido. (…)

Quando por uma qualquer daquelas duas razões, for impossível recuperar os activos relacionados com o crime resta a possibilidade suplementar de atingir os activos daquele. Também o património lícito do arguido pode in extremis ser total ou parcialmente declarado perdido. Sempre que seja inviável confiscar os próprios proceeds of crime a lei permite que, em sua substituição seja confiscado o valor correspondente. Uma coisa equivale à outra, ficando em ambos os casos, o arguido na situação patrimonial que tinha antes da prática do crime, assim se demonstrando que aquele não compensa (…)[67]

Não indicando o legislador critério para aferir o valor, mas apenas o «respectivo valor», a designação perda de vantagens, sendo um conceito difuso e com alguma indeterminação jurídica, suscita, desde logo, o debate centrado em dois princípios -  o de vantagens brutas e o de vantagens liquidas – questão desenvolvida e discutida amplamente nos Estados Unidos, Alemanha e Itália.

A questão coloca-se acerca do critério que preside à determinação do valor concreto da vantagem a ser confiscado, quer em relação ao momento temporal (se a data de aquisição, de condenação ou outra), quer quanto ao valor a considerar (em função do valor do mercado ou do valor do património do agente), quer ainda quanto ao valor final a que se deve atender (valor liquido ou bruto).

Na esteira do defendido na doutrina[68] e na jurisprudência, tem-se vindo a entender que o cálculo do montante se deve reportar à data da aquisição, de acordo com uma perspectiva objetivo-individual (através da utilização de critérios objetivos, de natureza económica, face à realidade económica do agente) e que deve obedecer aos principio do “ganho líquido” (devendo deduzir-se às vantagens alcançadas os montantes despendidos para a sua obtenção), sob pena de o valor bruto implicar uma ficção de enriquecimento – essencial é efetuar a diferença entre aquilo que o condenado tem e aquilo que teria sem a prática do facto.

Centrando-nos no valor final – o que para aqui releva – diremos que o princípio de ganho “liquido” não é absoluto. Com efeito, nas situações em que a actividade subjacente à prática do crime é, intrinsecamente ilícita, como é o caso do crime de tráfico de estupefacientes, não há qualquer tutela jurídica para as componentes licitas (despesas, custos ou encargos ou benefícios) com a actividade.

Com efeito, as plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabela I a III, do Decreto-Lei 15/93, são, pela própria natureza, perigosas para a saúde, para a vida, para segurança das pessoas e bens a vida e para sociedade, que a utilização das mesmas (desde o cultivo ao consumidor final) é delimitada em duas vertentes: uma positiva traduzida fixação de um condicionalismo legal apertado para ser permitida; e uma negativa, traduzida na censura penal das situações em que não é permitida legalmente.

Por isso, quem cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos de consumo, previstos no artigo 40.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, as plantas, substâncias ou preparações referidas, comete o crime de tráfico e outras actividades ilícitas previsto e punido pelo artigo 21.º, do mesmo diploma.

Tratam-se, de plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV, anexas ao Decreto-Lei 15/93, instrumentos que serviram para a prática do crime de tráfico, que são sempre declaradas perdidas a favor do Estado, ainda que nenhuma pessoa seja punida pelo facto [artigo 35.º, n.º 2 e 3, do mesmo diploma].

Por conseguinte, as quantias licitas gastas com a compra e venda daqueles estupefacientes, porque foram utilizadas para a prática do crime, “serviram para a prática da infracção”, são instrumentos do crime, destituídos de qualquer tutela jurídica adquirindo, podendo, por isso, ser declarados perdidos a favor do Estado, nos termos do artigo 35.º, n.º 1, do Código Penal.

Neste quadro, parece-nos incontornável que a ilicitude de qualquer uma das modalidades da acção objectiva típica e ilícita elencadas no artigo 21.º do Decreto Lei n.º 15/23, contamina os gastos com aquisição, transporte e logística que lhe são inerentes (instrumentos do crime), ainda que provenientes do património licito do agente.

Neste sentido, decidiu o legislador de 2007, ao consagrar no artigo 109.º, n.º 3, do Código Penal, a possibilidade de a perda dos instrumentos poder ser substituída pelo respectivo valor, quando não puderem ser apropriados em espécie. 

Se a perda do respectivo valor dos instrumentos do crime é admissível para os crimes em geral, também o deve ser para o regime especial do tráfico de estupefacientes, gizado, como se disse em pressupostos de menor exigência do que o Código Penal, e pela própria razão de ser de um regime especial,  impedir qualquer ganho com a actividade de tráfico[69].

Apesar do Decreto-Lei n.º 15/93 ser omisso quanto à possibilidade de declaração da perda do valor dos instrumentos do crime de compra e venda de estupefacientes, ainda assim lhe é aplicável, quer porque não contraria as regras dos artigos 35.º a 39.º, quer ainda, porque assim o exigem os princípios orientadores que enformam este regime de perda de bens.

Não faria qualquer sentido, declarar perdido a favor do Estado o automóvel, a balança e o telemóvel utilizados para a prática da infracção e deixar incólume as quantias despendidas directa e necessariamente com aquisição, transporte e despesas de logística da heroína, cocaína e cannabis resina vendida pelos arguidos.

Punir a actividade de compra e venda de estupefacientes, por um lado e, permitir, por outro, a manutenção do preço recebido com a venda do mesmo, com fundamento na tutela do direito de propriedade das quantias licitas investidas e gastas no negócio de compra e venda de estupefacientes – os instrumentos do crime - é, com o devido respeito pela opinião contrária, uma contradição nos seus precisos termos. A compra do produto estupefaciente para vender mediante um preço, não legitima, nem pode legitimar a protecção do direito de propriedade das quantias despendidas com a actividade ilícita, no sentido de serem deduzidas no preço final. 

As vantagens resultantes de um crime de tráfico de estupefacientes, com a abrangência de acções objectivas ilícitas que envolve só podem incidir sobre a totalidade dos valores recebidos com a venda daqueles produtos.

Assegurar que o crime não compensa -   privando, «aqueles que se dedicam ao tráfico de estupefacientes do produto das suas actividades criminosas, suprimindo, deste modo, o seu móbil ou incentivo principal e evitando, do mesmo passo, que a utilização de fortunas ilicitamente acumuladas permita a organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do estado, as actividades comerciais e financeiras legitimas e a sociedade a todos os seus níveis.[70]» - é, num Estado de Direito, um principio fundamental que importa garantir, a par de outros direitos fundamentais, nomeadamente o direito de propriedade.

Tal resulta, quer dos instrumentos internacionais[71] e europeus[72], quer nacionais que regulam esta matéria, cujo pilar assenta no reconhecimento de que «o tráfico ilícito é fonte de rendimentos e fortunas consideráveis que permitem às organizações criminosas internacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do estado, as actividades comerciais e financeiras legitimas e a sociedade a todos os seus níveis», sendo, por isso necessário privar as pessoas que se dedicam ao tráfico ilícito dos produtos das suas actividades e (…) eliminar assim o principal incentivo para tal actividade.[73] ».

Não podemos esquecer que o confisco das vantagens do crime encontra fundamento no «propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligada à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que «o ‘crime’ não compensa». Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspecto deixe de caber o reflexo do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração)[74] ».

«No entanto, além destas finalidades preventivas, a este regime também está subjacente uma necessidade de restauração da ordem patrimonial dos bens correspondente ao direito vigente.

Um Estado de Direito não pode deixar de preocupar-se em reconstituir a situação patrimonial que existia antes de alguém através de condutas ilícitas ter adquirido vantagens patrimoniais indevidas, mesmo que estas não correspondam a um dano de alguém em concreto[75]».

Alinhamos, assim, pela posição defendida no Acórdão desta Relação de 20 de março de 2019[76], acolhidos, também, no Acórdão desta mesma Relação de  26 de abril de 2023[77] no sentido de que, «para efeitos do disposto nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 36.º do DL 15/93, o perdimento a favor do Estado deve incidir na vantagem bruta obtida pelo agente, ancorada no  Estudo do Professor Isidro Blanco Cordero[78], semelhante à seguida pelo Tribunal de Casacion Italiano, segundo o qual é necessário fazer uma distinção no apuramento do valor das vantagens: a) si el negocio del que se obtienen las ganancias es ilegal per se (por ejemplo, el tráfico de drogas), el decomiso pude recaer sobre la totalidade del valor de lo obtenido, b) Si, en cambio, solo se prohíbe penalmente la classe y forma en la que se consiguió el negocio jurídico, lo obtenido del delito en el sentido del § 73 párrafo 1 frase 1 del Código Penal son las ganancias especiales obtenídas de él (por lo tanto, las ganancias netas).».

Deste modo, com todo o respeito que nos merece a posição do Tribunal recorrido, consideramos que, quando se prove que o agente recebeu determinado preço pela venda de estupefacientes, como é o nosso, o valor da vantagem “preço” não é aferido de acordo com o princípio do “ganho liquido”, isto é, descontadas as despesas. O valor da vantagem “preço” corresponde ao valor total do preço recebido (vantagens brutas, sem dedução de despesas), devendo este ser declarado perdido a favor do Estado.

No caso vertente, resulta da factualidade provada, que os arguidos venderam a pessoas concretamente identificadas produtos estupefacientes, tendo destas recebido, por cada dose entre entregue, o respectivo preço,

Seja qual for o custo dos produtos e os encargos havidos com o negócio subjacente às vendas realizadas actividade de tráfico, nenhuma dúvida existe que os arguidos integraram no seu património os ganhos obtidos com as vendas de heroína, cocaína e cannabis resina, que, por decorrerem de uma actividade ilícita, são, por natureza, ilícitos. Tais ganhos correspondem directa e necessariamente aos montantes recebidos da actividade criminosa. 

Enquanto o crime de tráfico de estupefacientes mantiver a dimensão e a amplitude previstas na Lei 15/93, cremos ser impossível conceber uma única hipótese de despesas ocasionadas com o negócio do tráfico susceptíveis de licitamente serem deduzidas no preço final. A própria natureza do crime afasta essa possibilidade.

Demonstrado que os arguidos venderam droga em contrapartida de quantias monetárias, não conseguimos vislumbramos que tipo de despesas (licitas) poderiam ser consideradas quer para o desenvolvimento da actividade de tráfico, quer para cada transacção realizada e devidamente contabilizada. 

Logo, parece-nos evidente que, neste caso, os objectos, direitos e vantagens a que se refere ao artigo 36.º, do decreto lei n.º 15/93, são todas aqueles que tiverem sido directamente adquiridos pelo agente, para si ou para outrem, isto é, todas as quantias recebidas pela venda de produtos estupefacientes, independentemente dos custos existentes com a prática do crime.

Na determinação das vantagens ilícitas decorrentes da prática do delito, não há lugar ao cálculo dos lucros, do resultado liquido ou saldo final organizado numa espécie de conta-corrente de deve e haver do negócio da droga.

O valor correspondente às despesas com a prática do crime não assume qualquer relevância na quantificação das vantagens obtidas, precisamente porque são um instrumento da actividade criminosa, sem qualquer tutela jurídica.

No nosso caso, está comprovado que o arguido, AA …, recebeu pela venda de produto estupefaciente a quantia de 5 791,10€, [correspondente à soma de 3 020,10€, por transferências MB WAY - 2 065,10€ pela venda de cocaína e 955,00€ e pela venda de cannabis resina – e de 2 771,00€ - valor global das vendas realizadas a troco de dinheiro - (factos provados n.ºs 5, 6 e 8)].     

Da factualidade apurada, modificada nesta relação, o arguido BB … recebeu pela venda/cessão do produto estupefaciente vendido, a quantia total de 11 804,00€ (e não 16 526€ peticionada no recurso do Ministério Público), correspondente às seguintes parcelas (i) 7 274,00€ e (não os 13 704,00€ indicados no recurso) foram recebidos através de transferência bancária, excluído o  montante de 2 610,00€ nos termos da modificação do ponto de facto provado sob o número 7; (ii) 4 430,00€ resultam do preço global das vendas demonstradas nos factos provados n.º 3, 4 e 9);  (iii) 100€ relativamente ao preço estimado de duas gramas de cocaína deixada na caixa de correio de HH em 7 de fevereiro de 2023.

Não havendo dúvida que o valor das transferências bancárias e do dinheiro recebido provieram da venda da actividade de tráfico de estupefacientes desenvolvida pelos arguidos, procede parcialmente o recurso do Ministério Público, declarando-se perdidas a favor (i) a quantia de 5 791,10€ (vantagem do arguido AA …, com a consequente condenação de pagar esta ao Estado e (ii) a quantia de 11 804,00€ (vantagem do arguido BB …, com a consequente condenação de pagar esta mesma quantia ao Estado.

E. DECISÃO

Nestes termos, os Juízes, na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, acordam em:

1- Em julgar não providos os recursos interpostos pelos arguidos, ….

Custas pelos Recorrentes, com taxa de justiça individual que se fixa em 5 UCS, sendo os encargos solidários.

 2 – Julgar parcialmente procedente o recurso do Ministério Público e, consequentemente decide-se:

a) declarar perdida a favor do Estado, a quantia de 5 791,10€ (cinco mil setecentos e noventa e um euros e dez cêntimos) relativa à vantagem auferida pelo arguido AA …

b) condenar o arguido AA … a pagar ao Estado a quantia de 5 791,10€ (cinco mil setecentos e noventa e um euros e dez cêntimos); 

c) No mais julgar improcedente o recurso do Ministério Público, mantendo-se na integra o Acórdão recorrido. 

3 - julgar parcialmente procedente o recurso do Ministério Público e, consequentemente decide-se:

a) declarar perdida a favor do Estado, a quantia de 11 804,00€ (onze mil oitocentos e quatro euros) relativa à vantagem auferida pelo arguido, BB …;

b) condenar o arguido BB … a pagar ao Estado a quantia de 11 804,00€ (onze mil oitocentos e quatro euros), absolvendo-o do restante.

c) Em tudo o mais, manter-se na integra o Acórdão recorrido. 

Coimbra, 11 de dezembro de 2024

Alcina da Costa Ribeiro

Alexandra Guiné

Ana Carolina Cardoso


[1] Cf. entre outros, a do Supremo Tribunal de Justiça, Acórdãos de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271.
[2] Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995.
[3] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume III, p. 294.

[4] Acórdão desta Relação proferido no processo nº 72/07.7JACBR.C1, em www.dgsi.pt, sitio a que nos referiremos de ora em diante, sem menção do contrário. 
[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de outubro de 2010.

[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de dezembro de 2005, apud Código de Processo Penal Anotado, A. Henrique Gaspar, J.A. H. Santos Cabral, E. Maia Costa, A. J. Oliveira Mendes, A. Pereira Madeira e A. P. Henriques da Graça, pág. 1187.

[7] Oliveira Mendes, em Código de Processo Penal Comentado citado, anotação ao artigo 379º, pág. 1182.

[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de abril de 2000, processo nº 141/2000-3ª, SASTJ, nº 40, 48.
[9] Germano Marques da Silva, Produção e valoração da prova em Processo Penal, Revista do CEJ, IV, 1º semestre, pág. 42.  
[10] Únicas que, ao caso, interessam.
[11] Redacção decorrente da revisão do Código de Processo Penal, operada pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, que alterou a epígrafe do art. 356º: a “Leitura permitida de autos e declarações” foi substituída por “Reprodução ou leitura permitida de autos e declarações”.

[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de janeiro de 2011, Processo n.º 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88.

[13] Manuel Simas Santos e Manuel Lela Henriques, Recursos em Processo Penal, pág. 20
[14] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II, p. 209.
[15] Germano Marques da Silva, ob. citada, pág. 210.

[16] C.J., ano XXVII, Tomo II, p. 44.

[17] Processo nº 733/2000.
[18] Processo n.º 1417/04.

[19] Cf. Simas Santos e Leal Henriques, Noções de Processo Penal, Rei dos Livros, p. 50 e 51.
[20]  Direito Processual Penal, I vol. p.  213.

[21] Belmiro Andrade, e-book, Da prova indirecta ou por indícios: 4. A valoração da prova no âmbito da criminalidade económico-financeira, págs. 85 e 86. 

[22] As presunções - ilações que a lei (presunções legais) ou o julgador (presunções judiciais, simples ou de experiência) retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349º do Código Civil) -  constituem um meio de prova permitido por lei, podendo, por isso, ser produzido, em processo penal – artigo 125.º do Código de Processo Penal  - e, dele se socorrer o julgador para formar a sua convicção para julgar como provado ou não provado determinado facto que servirá, posteriormente, para fundamentar a solução de direito, sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351º do Código Civil).
[23] Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I, p. 333 e seguintes).
[24] João de Matos Antunes Varela e Fernando Andrade Pires de Lima, em Código Civil Anotado, volume I, p. 310.
[25] Processo nº 86/08.0GBPRD.P1. S1

[26] Acórdão do Tribunal Constitucional de 24/03/2003, DR. II, n.º 129, de 02/06/2004, 8544 e ss.
[27] Prova indiciária e as novas formas de criminalidade, JULGAR n.º 17 e-book CEJ:  DA PROVA INDIRETA OU POR INDÍCIOS 1. Prova directa e indirecta, págs. 16 e 17
[28]Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, página 1135.

[29] Relator: Desembargador: Fernando Chaves

[30]  Cf. Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva p. 992 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Acórdão de 15 de novembro de 2007 – Relator: Cons. Santos Cabral

[31] – cf. Acórdãos  de 06 de maio de 2004, Processo 908/04 - 5.ª;  de 04 de maio de 2005, Processo 889/05; de 07 de dezembro de 2005, Processo 2945/05; de 06 de julho de 2006, Processo 1924/06 - 5.ª; de 14 de setembro de 2006, Processo 2421/06 - 5.ª; de 24 de janeiro de 2007, Processo 3647/06 - 3.ª; de 21 de fevereiro de 2007, Processos 4341/06 - 3.ª e 3932/06 - 3.ª; de 16 de maio de 2007, Processo 1239/07 - 3.ª;  de 15 de novembro de 2007, Processo  3236/07 - 5.ª, de 02 de abril de 2008, Processo 4197/07 - 3.ª e de 02 de julho de 2008. Processo 07P3861.
[32] Processo n.º 03P3566

[33] proc. 00101569
[34] Processo n.º 371/14.1PFPRT.P1
[35] Processo n.º 35/09.8GCFLG.P1 
[36] Bacon, Psicologia do Testemunho, in Scientia Iuridica, p. 337.
[37] Como se refere no Ac. do STJ de 11-11-2004, proferido no Proc. n.º 3182/04 - 5.ª: «o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta só por si conduzir à sua convicção.»
[38] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume II, p. 81, 
[39]  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de novembro de 2017, processo n.º 146/14.8GTCSC.S1 – 5ª.

[40] Maia Costa, Revista do Ministério Público n.º 83, p. 186, apud Fernando Gama Lobo, Droga, Notas, Doutrina, Jurisprudência e Legislação avulsa, p. 145
[41] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2015, Processo n.º 7/10.0PEBJA.S1.

[42] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2014 (processo nº 3/12.2GALLE.S1) citando o Acórdão de 31 de janeiro de 2002 e Maia Costa, em Direito Penal da droga: breve história de um fracasso, Revista do Ministério Público, ano 19, nº 74, 103 e seguintes.

[43] Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de março de 2012.
[44] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2015, Processo n.º 7/10.0PEBJA.S1.
[45] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de julho de 2009, Processo n.º 52/07.2PEPDL.S1.
[46] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de março de 2015, Processo n.º 7/10.0PEBJA.S1.

[47] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2014 (processo nº 3/12.2GALLE.S1) citando o Acórdão de 31 de janeiro de 2002 e Maia Costa, em Direito Penal da droga: breve história de um fracasso, Revista do Ministério Público, ano 19, nº 74, 103 e seguintes.
[48] Acórdão de 29 de outubro de 2008 (processo nº 08P2961), já citado em vários Acórdãos proferidos por esta Relação.
[49] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de junho de 2004, Proc. n.º 148/04, em www.stj.pt.

[50]  Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 227 ss

[51] Acórdão desta Relação de 7 de março de 2012

[52] Entre outros, o Acórdão de 4 de junho de 2014.

[53] As Consequências do Crime, pág. 331.
[54] Figueiredo Dias, ob. cit. pág. 333.
[55] Sobre a imprecisão e delimitação do conceito, cf., entre outros, Jorge Godinho, Brandos Costumes? O confisco penal com base na inversão do ónus da prova (Lei 5/2002), de 11 de Janeiro, artigos 1º e 7º a 12º; José M. Damião da Cunha, Perda de bens a favor do Estado; Alberto Rodrigues Duarte Nunes, A inversão do ónus da prova no tocante ao Confisco: Das vantagens provenientes da prática de crimes como instrumento de combate à criminalidade organizada; Pedro Caeiro, Sentido e função do instituto da perda de vantagens relacionadas com o crime no confronto com outros meios de prevenção da criminalidade rediticia (em especial, os procedimentos de confisco in rem e a criminalização do enriquecimento ilícito) e João Conde Correia, Da proibição do confisco à perda alargada, INCM.  Quanto a nós utilizaremos indistintamente as designações “Perda de bens ou de vantagens” e “Confisco” por representarem o mesmo conteúdo material.
[56] cf. Lei 5/2002, de 11 de janeiro, estabelece as medidas de combate à criminalidade organizada.
[57] João Conde Correia, Anotação ao Acórdão da Relação de Lisboa de 8 de outubro de 2014, in Julgar on-line
[58] Hélio Rodrigues, Gabinete de Recuperação de Activos, o que é, para que serve e como actua” Revista do CEJ, 2013, p. 71.

[59] Com a entrada em vigor da Lei 30/2007, de 30 de maio, perdeu relevância a discussão dogmática à luz da redacção anterior dos artigos 109.º a 111.º anteriores, posto que a redacção do artigo 110.º, sujeitou as categorias da perda de produtos e de vantagens ao mesmo regime.
[60] Com os limites previstos no artigo 112.º-A:  1 – Quando for determinada a substituição da perda em espécie pelo pagamento ao Estado do correspondente valor, aplicam-se os prazos de prescrição previstos para a pena ou para a medida de segurança concretamente aplicada. 2 - Nos casos em que não tenha havido lugar a aplicação de pena ou de medida de segurança, aplicam-se os prazos de prescrição previstos para o procedimento criminal.
[61] Conde Correia, Apreensão ou arresto preventivo dos proventos do crime? Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.º 25 (2015), p. 511.
[62] No sentido de que o regime especial previsto no Decreto lei n.º 15/93 afasta o regime geral do Código Penal, cf. entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de setembro de 2000, CJ, VIII, T.III, p.177).
[63] Nos termos do artigo 35.º, na redacção anterior estatuía: «São declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou ofereçam sérios riscos de serem utilizados para o cometimento de novos ilícitos típicos.».
[64]Fernando Gama Lobo, in droga, Legislação, Notas, Doutrina, Jurisprudência, Quid Juris, pág. 131.
[65]João Conde Correia, Da proibição do confisco à perda alargada, p. 80 e seguintes.

[66] Cf. a nível internacional: (i) o artigo 5.º, n.º 1, alínea a) da Convenção das nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias psicotrópicas, dispõe: que as partes adoptem medidas que se  mostrem necessárias para permitir a perda: (a) de produtos provenientes de infracções estabelecidas de acordo com  o n.º 1, do n.º 3, ou (b) de bens cujo valor corresponda ao valor desses produtos; (ii) o artigo 2.º da Decisão Quadro 2005/212/JAI do Conselho de 24 de fevereiro de 2005, «cada estado membro tomará as medidas necessárias que habilitem a declarar perdidos, no todo ou em parte, os instrumentos e produtos de infracções penais com pena privativa de liberdade por período superior a um ano , ou bens de valor equivalente a esses produtos e (iii) o artigo 1.º da Directiva 2014/42UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril de 2014 (sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime da união europeia), a impor a possibilidade de substituir a perda dos instrumentos ou produtos por outros bens de valor correspondente.
[67] João Conde Correia, Apreensão ou arresto preventivo dos proventos do crime? Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.º 25 (2015), p. 522/523.
[68] Neste sentido, vide Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal…, p. 461 e João Conde Correia, Da proibição do…, p. 89 e ss.
[69] No sentido de que o regime especial previsto no Decreto lei n.º 15/93 afasta o regime geral do Código Penal, cf. entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de setembro de 2000, CJ, VIII, T.III, p.177).
[70] Preâmbulo ao Decreto lei 15/93.
[71] Cf. a este propósito, das Nações Unidas, a Convenção Contra a Criminalidade Organizada Transnacional de 2000, aprovada pela Resolução da Assembleia da Republica n.º 32/2004, de 2 de abril, ratificada pelo decreto do Presidente da República n.º 19/2004, de 2 de abril e a Convenção Contra a Corrupção, aprovada pela Resolução da Assembleia da Republica n.º 32/2004, de 21 de setembro, ratificada pelo decreto do Presidente da República n.º 92/2007, de 21 de setembro. Na Europa, v.g, a Convenção Relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda dos produtos do Crime, de 1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da Republica n.º 70/1997, de 13 dezembro, ratificada pelo decreto do Presidente da República n.º 73/1997, de 13 de dezembro, 
[72] Sobre o Congelamento e a perda de instrumentos e produtos do crime da União Europeia, cf. a Directiva 2014/42/EU, do parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre o Congelamento e a perda de instrumentos e produtos do crime da União Europeia, transposta para ordem nacional pela Lei n.º 30/2017 de 30 de maio e o Regulamento (UE)2018/1805 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de novembro de 2018 relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e perda de bens.  Na doutrina, cf. Pedro Caeiro, O confisco numa perspectiva de politica criminal europeia, em Maria Raquel Desterro Ferreira/Elina Lopes Cardoso/João Conde Correia (coordenadores, O Novo regime de Recuperação de Activos á luz da Directiva 2014/14/42/UE e a Lei que a transpôs, INCM, 2018, p.333 e seguintes.
[73]Convenção contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988 Aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91, de 6 de setembro, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 4/91, de 6 de setembro, que esteve na base do regime jurídico aplicável ao tráfico de estupefacientes.
[74] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 632.

[75] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 392/2015, de 12 de agosto.

[76] Processo n.º 13/17.3GAFND.C1.
[77] Processo nº 5/21.8GCCBR.C1.
[78] Sobre EL DECOMISO DE LAS GANACIAS DE LA CORRUPCIÓN, in Revista Eletrônica de Direito Penal AIDP-GB, Ano 1, Vol. N.º 1, junho de 2013, pág. 134,