Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
377/12.5TTGRD.2.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: PENSÃO OBRIGATORIAMENTE REMÍVEL
IMPOSSIBILIDADE DE ATUALIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 75.º, 76.º E 77.º, AL.ª D), DA LAT E 59.º DA CONSTITUIÇÃO
Sumário: I – Conforme resulta da alínea d) do artigo 77.º da LAT, a remição não prejudica, além do mais, <<a atualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão>>.

II – Sendo a pensão devida ao sinistrado obrigatoriamente remível a mesma não é atualizável, como também não o seria mesmo que lhe tivesse sido fixada desde início a IPP resultante do agravamento.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 377/12.5TTGRD.2.C1

Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ..., ...

deduziu incidente de revisão e, por força do agravamento, a pensão a que tinha direito foi fixada no montante de € 2.365,88, desde 08/09/2021 (despacho de fls. 121 a 122), pensão esta obrigatoriamente remível.

                                                              *

O Ministério Público veio requerer que a nova pensão fixada em consequência da revisão da incapacidade seja considerada como se tivesse sido atribuída no dia seguinte ao da data da alta (14/01/2013) sendo atualizada de acordo com as portarias aplicáveis, embora seja apenas devida desde 08/09/2021.

                                                             *

Foi, depois, proferida decisão com o seguinte dispositivo:

“Pelo que, e decidindo-se em conformidade com o promovido, determino que a nova pensão (fixada em consequência da revisão da incapacidade) no valor de €2.365,88, seja considerada como se tivesse sido atribuída no dia seguinte ao da data da alta (14 de Janeiro de 2013) sendo actualizada de acordo com as seguintes portarias que lhe são aplicáveis, ainda que apenas seja devida desde 08.09.2021:

- Portaria 378-C/13, de 03.05 - 0,4%, com efeitos a 01.01.2014;

- Portaria 162/016, de 09.06 - 0,4%, com efeitos a 01.01.20162;

- Portaria 97/2017, de 07.03 - 0,5%, com efeitos a 01.01.2017;

- Portaria 22/2018, de 18.01 - 1,8%, com efeitos a 01.01.2018;

- Portaria 23/2019, de 17.01 - 1,6%, com efeitos a 01.01.2019, e;

- Portaria 278/2000, de 4.12 – 0,70%, com efeitos a 01.01.2020.

Notifique e, após, abra vista ao Ministério Público, a fim se ser calculada a PAV actualizada com base na qual será calculado o capital de remição devido (diferencial relativamente ao capital de remição já pago).”

                                                             *

A seguradora, notificada desta decisão, interpôs o presente recurso, cuja alegação concluiu da seguinte forma:

“1. Apenas as pensões que não são remíveis e, por isso, pagas anualmente, são atualizáveis (ponto 7 do Preâmbulo e do artº 2º do DL 668/75, de 24/11 e artº 82º, nº 2, da Lei 98/2009, de 04/09).

2. Aquando da fixação da pensão inicial, mesmo que o sinistrado apresentasse uma IPP de 18,37% (como apresenta agora) e não de 16,48% 8como apresentava inicialmente), a pensão seria igualmente remível e não actualizável.

3. A pensão atribuída ao sinistrado não é actualizável, nem atualmente, nem o seria se tivesse sido inicialmente fixada nos termos em que agora o foi.

4. Por isso, deve manter-se o cálculo do capital de remição realizado nos presentes autos (com referência 29369525), com base no valor de 243,41, resultante da diferença entre a pensão revista de 2.365.88 e a pensão inicial de 2.122,47.

5. A decisão recorrida violou o disposto no DL 668/75, de 24/11, no art. 75º e no artº 82º, nº 2, ambos da Lei 98/2009 e no artº 6º do DL 142/99, de 30/04, pelo que deve ser revogada.

NESTES TERMOS, julgando o presente recurso procedente e revogando a douta decisão recorrida, V.Exªs farão, como sempre,

INTEIRA JUSTIÇA!”

*

O sinistrado ofereceu resposta, concluindo que:

(…).

*

O Ministério Público também respondeu concluindo nos seguintes termos:

(…).

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer que antecede no sentido de que “a Apelação deve(rá) obter provimento”.

                                                             *

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                                                             *

II – Questões a decidir:

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C., na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 41/2013 de 28/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Assim, cumpre apreciar a questão suscitada pela seguradora recorrente, qual seja:

Se a pensão fixada ao sinistrado por força da revisão, obrigatoriamente remível, não deve ser atualizada.

                                                             *

III – Fundamentação

a) -  Factos provados

Os constantes do relatório que antecede.

                                                             *  

b)- Discussão

Se a pensão fixada ao sinistrado por força da revisão, obrigatoriamente remível, não deve ser atualizada.

Alega a recorrente que apenas as pensões que não são remíveis são atualizáveis; a pensão fixada ao sinistrado não é atualizável atualmente nem o seria se tivesse sido inicialmente fixada nos termos em que o foi agora, pelo que, deve manter-se o cálculo do capital de remição realizado nos autos resultante da diferença entre a pensão revista e a pensão inicial.

Por outro lado, consta da decisão recorrida o seguinte:

Cumpre apreciar e decidir quanto ao teor da promoção de 14.07.2022, tendo já sido ouvidas as partes.

Conforme ali se refere, por sentença proferida nos autos principais, em 14 de Outubro de 2013, decidiu-se, no que ora releva, que o sinistrado AA estava afectado de uma IPP de 16.48%, a partir de 14 de Janeiro de 2013.

Em consequência, foi fixada a pensão anual e vitalícia de €2.122,47, correspondente ao capital de remição de €29.848,30.

Tal pensão foi fixada tendo por base a remuneração anual de €18.398,64 constante do auto de tentativa de conciliação: 523,74 € x 14 m (ret. base) + 125,00 € x 14 m (ajudas de custo TIR) + 294,60 € x 14 meses (clsª 74ª do CCT) + 432,66 € x 12 m (média ajudas de custo estrangeiro).

Por sentença proferida nos presentes autos de revisão da incapacidade, foi decidido “que o sinistrado AA se encontra, por efeito do acidente dos autos, afectado de uma IPP de 18,37% desde 08.09.2021 – data da apresentação do requerimento para revisão – pelo que a pensão a que tem direito passa, com efeitos a partir dessa data, para o montante de €2.365,88 (dois mil trezentos e sessenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos), sendo tal pensão obrigatoriamente remível.”

O cálculo do capital de remição realizado nos presentes autos (cfr. ref.ª 29369525) foi efectuado apenas com base na diferença da PAV fixada nos autos principais e nos presentes autos, obtendo-se o resultado de €243,41 (€2.365,88 - €2.122,47 = €243,41) e multiplicando-se, após, pela taxa aplicável de 12,259.

Contudo, e concordando-se com o teor da promoção do Ministério Público de 14.07.2022, afigura-se-nos que os presentes autos não se mostram em condições de ser efectuado o calculo do capital de remição, sem que se façam intervir os critérios de actualização necessários, devendo, antes de mais, proferir-se a respectiva decisão, pelo que deverá desconsiderar-se o cálculo do capital de remição entretanto efectuado (ref.ª 29369525).

É que, conforme refere o Ministério Público, e a cujo entendimento aderiu o sinistrado, «“Tendo sido atribuída ao sinistrado uma pensão obrigatoriamente remível, e fixando-se uma pensão superior no quadro de um incidente de revisão, deverá fixar-se uma nova pensão a cujo valor anual se deduzirá o valor anual da pensão anteriormente remida” (…) – cfr. Ac. do TRL de 25.09.2019, processo 1306/04.5TTLSB.1.L1-4 disponível em www.dgsi.pt.

Ora, “O incidente de revisão não dá lugar a uma nova pensão, mas apenas à alteração do montante anteriormente fixado, em consequência da revisão da incapacidade.

Assim, no cálculo da pensão revista deve usar-se a mesma fórmula usada para o cálculo da pensão inicial.” (…) sendo que “A alteração do montante da pensão por força da revisão da incapacidade do sinistrado e a actualização da pensão têm fundamentos distintos. Esta tem por fundamento a inflação ou a desvalorização da moeda e aquela a melhoria ou o agravamento das lesões ocorridas por força do acidente”– cfr. Ac. do TRL de 18.05.2016, processo nº 82/10.7TTSTB.L1-4, disponível em www.dgsi.pt.

Assim, e como se decidiu neste aresto, “As actualizações que incidem sobre a pensão revista devem reportar à data inicialmente fixada ou à data em que se verifiquem os requisitos para a actualização, como se ela tivesse sido fixada numa dessas datas, embora só deva ser paga a partir da data da entrada em juízo do requerimento de revisão da incapacidade”.

E, como se escreveu no Ac. do TRL de 25.09.2019, citado supra, “Para efeitos do cálculo da pensão decorrente de incidente de revisão – quando do mesmo decorra alteração da capacidade de ganho do sinistrado – são ponderados, exactamente, os mesmos critérios que o foram aquando do cálculo inicial, fixando-se a nova pensão (revista) tal-qual o fosse à data da alta”, pelo que “Caso a pensão revista seja actualizável, os coeficientes de actualização devem sobre a mesma incidir como se estivesse a ser fixada desde o início, não obstante apenas ser devida desde a data de entrada do requerimento que deu início ao incidente de revisão.” (neste sentido, veja-se ainda, os Acórdãos do STJ de 25.03.1983 e de 17.06.1983, publicados, respectivamente, no BMJ n.º 325.º, pág. 499, e BMJ n.º 328.º, pág. 458 e citados neste aresto do TRL de 25.09.2019).

O mesmo critério é adoptado pelo TRP no Ac. do TRP de 15.12.2016, processo nº 1257/13.2TTPNF.P1, disponível em www.dgsi.pt, inteiramente aplicável ao caso vertente, e assim sumariado:

“I- Tendo a pensão inicialmente fixada sido obrigatoriamente convertida em capital de remição, só com a alteração da pensão em função do agravamento reconhecido no presente incidente de revisão é que esta passou a ser uma pensão actualizável.

II - Sendo certo que no cálculo da pensão que passou a ser devida terá de atender-se à retribuição auferida pelo sinistrado à data do acidente de trabalho, uma vez que foi com base neste que se calculou a pensão inicial, tal conduzirá a que o valor da pensão que se obtém é exactamente aquele que se obteria se a pensão fosse calculada então. Portanto, em termos reais, esse valor está, em regra, está desvalorizado.

III - As prestações pecuniárias devidas ao sinistrado, nas quais se integram as pensões anuais e vitalícias, são um substituto do seu salário (total ou parcial) e, logo, na totalidade ou em parte, o seu meio de subsistência.

IV - Através da instituição da regra da actualização das pensões o legislador procurou assegurar um mecanismo que atenuasse os efeitos decorrentes da degradação do valor real das pensões ao longo do tempo, por efeito da desvalorização da moeda e da inflação. São essas mesmas precisas razões que levam à manutenção dessa regra, no que aqui importa sendo de ter presente que o legislador tomou posição expressa quanto à sua aplicação mesmo nos casos em que houve lugar à remição parcial ou total da pensão inicialmente fixada, ao dispor o art.º 77.º, alíneas d), da Lei n.º 98/ 2009, que a remição não prejudica “A actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão”.

V - Não terá sido propósito do legislador, pois não seria consentâneo com o princípio da unidade do sistema jurídico (art.º 9.º do Código Civil), que a actualização só fosse aplicada para futuro, ou seja, a partir do momento em que é devida a pensão revista. A proceder-se assim, estar-se-ia a considerar uma pensão desvalorizada como ponto de partida válido.

VI - Por esta ordem de razões, também nestes casos em que a pensão inicialmente remida vem posteriormente a dar origem a uma pensão (revista) anual e vitalícia actualizável, deve levar-se em conta a desvalorização do valor real ocorrida por efeito do tempo entretanto decorrido entre a fixação de uma e da inflação, impondo-se que se actualize a diferença entre o valor daquela primeira e o desta última, na medida em que tal tenha sido devido por força da lei.”.

Adoptar-se entendimento diverso “– isto é, do entendimento de acordo com o qual a actualização só deveria incidir sobre a pensão revista a partir do momento em que esta fosse devida, resultaria a incongruência de, após vários anos desde a data da fixação inicial da pensão, vir a ser fixada uma pensão revista que, na medida em que resultante do cálculo a que obedeceu a sua fixação inicial, não reflectiria a desvalorização da moeda entretanto ocorrida.” – cfr. Ac. do TRL de 25.09.2019, proferido no processo 1306/04.5TTLSB.1.L1-4, e já citado.».

Pelo que, e decidindo-se em conformidade com o promovido, determino que a nova pensão (fixada em consequência da revisão da incapacidade) no valor de €2.365,88, seja considerada como se tivesse sido atribuída no dia seguinte ao da data da alta (14 de Janeiro de 2013) sendo actualizada de acordo com as seguintes portarias que lhe são aplicáveis, ainda que apenas seja devida desde 08.09.2021:

- Portaria 378-C/13, de 03.05 - 0,4%, com efeitos a 01.01.2014;

- Portaria 162/016, de 09.06 - 0,4%, com efeitos a 01.01.20162;

- Portaria 97/2017, de 07.03 - 0,5%, com efeitos a 01.01.2017;

- Portaria 22/2018, de 18.01 - 1,8%, com efeitos a 01.01.2018;

- Portaria 23/2019, de 17.01 - 1,6%, com efeitos a 01.01.2019, e;

- Portaria 278/2000, de 4.12 – 0,70%, com efeitos a 01.01.2020.

Notifique e, após, abra vista ao Ministério Público, a fim se ser calculada a PAV actualizada com base na qual será calculado o capital de remição devido (diferencial relativamente ao capital de remição já pago).”

Vejamos:

A jurisprudência não se tem manifestado de forma unânime no que respeita à questão em apreciação.

Contudo, dúvidas não existem de que, conforme resulta do disposto no artigo 6.º do DL n.º 142/99, de 30/04, o valor das pensões de acidentes de trabalho é atualizado anualmente com efeitos a 1 de janeiro de cada ano, nos mesmos termos em que o forem as pensões do regime da segurança social e de acordo com o disposto nas respetivas portarias.

Na verdade, como se decidiu no acórdão do STJ, de 03/03/2010, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:

<<O regime da actualização das pensões devidas por acidente de trabalho – ou por doença profissional – foi introduzido na ordem jurídica portuguesa por via do D.L. n.º 668/75- Com as redacções que, sucessivamente, lhe vieram a ser dadas pelo D.L. n.º 456/77, de 2 de Novembro, pelo D.L. n.º 286/79, de 13 de Agosto, pelo D.L. n.º 195/80, de 20 de Junho, e pelo D.L. n.º 39/81, de 7 de Março., de 24 de Novembro, assentando a sua razão de ser na desvalorização da moeda e consequente aumento do custo de vida. Com efeito, pode ler-se no preâmbulo de tal diploma que “não obstante a flagrante desvalorização da moeda e consequente aumento do custo de vida que já se vem verificando há largos anos, com especial incidência na última década, nunca se procedeu a qualquer actualização das pensões por acidente de trabalho ou doença profissional (…)”.

A actualização das pensões, proclamada por tal diploma, estava, no entanto, condicionada a determinados critérios legais, quais fossem o valor anual da retribuição que, sendo indexado ao valor da remuneração mínima mensal legalmente fixada para o sector em que o trabalhador exercesse a sua actividade e para o território onde a exercesse, não poderia àquela remuneração mínima mensal ser superior, atento o art. 1.º, do citado diploma, e o grau de incapacidade permanente, necessariamente igual ou superior a 30%.

Por força da entrada em vigor da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, que veio a revogar a Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1969, as pensões emergentes de acidente de trabalho continuaram a ser susceptíveis de actualização quer nas situações em que o sinistrado se mostrasse afectado de uma incapacidade permanente – fosse ela parcial com coeficiente de desvalorização igual ou superior a 30%, fosse ela absoluta ou fosse ela absoluta para o trabalho habitual – quer nas situações em que do acidente viesse a resultar a morte do sinistrado e a pensão fosse fixada ao seu ou seus beneficiários, a menos que o valor da pensão nas enunciadas situações fosse inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, caso em que, e à semelhança do que sucede com as pensões por incapacidade permanente parcial inferior a 30%, seria obrigatoriamente remível (art. 56.º, da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que veio a regulamentar a Lei 100/97, de 13 de Setembro).

Tais pensões passaram, no entanto, a ser actualizadas nos mesmos termos em que o fossem as pensões do regime geral da segurança social, atento o disposto no art. 6.º, do D.L. n.º 142/99, de 30 de Abril - Dispôs o n.º 1 do referido art.º 6º: “As pensões de acidentes de trabalho serão anualmente actualizadas nos termos em que o forem as pensões do regime geral da segurança social”.»

(…)

Na verdade, distinta da alteração do montante da pensão por força do incidente de revisão da incapacidade do sinistrado – que tanto pode ocorrer em razão da melhoria da sua capacidade de ganho, decorrente da melhoria das sequelas causadas pelo acidente de trabalho, como em razão do agravamento de tais sequelas, com inevitável repercussão na capacidade de ganho – é a sua actualização que, como vimos, tem subjacente razão distinta e que se prende com a inflação ou com a desvalorização da moeda.

Acresce que a lei dos acidentes de trabalho, ao não estatuir acerca do modo como há-de ser calculada a pensão decorrente de incidente de revisão, remete-nos, inelutavelmente, para os critérios – ou fórmulas – que presidiram ao respectivo cálculo inicial, com excepção, naturalmente, do que emerja desse incidente quanto à capacidade de ganho do sinistrado.

Vale o exposto por dizer que para efeitos do cálculo da pensão decorrente de incidente de revisão – quando do mesmo decorra, naturalmente, alteração da capacidade de ganho do sinistrado – são ponderados, exactamente, os mesmos critérios que o foram aquando do cálculo inicial, fixando-se a nova pensão (revista) tal-qual o fosse à data da alta- Cfr., Acórdãos do STJ de 25.03.1983 e de 17.06.1983, publicados, respectivamente, no BMJ n.º 325.º, pág. 499, e BMJ n.º 328.º, pág. 458.. E, por respeito ao princípio da unidade do sistema jurídico, constante do art. 9.º, do Código Civil, se a pensão revista deve ser calculada do mesmo modo que o foi a pensão inicial então os coeficientes de actualização devem sobre a mesma incidir como se estivesse a ser fixada desde o início, não obstante apenas ser devida desde a data da sua alteração.

Do entendimento diverso – isto é, do entendimento de acordo com o qual a actualização só deveria incidir sobre a pensão revista a partir do momento em que esta fosse devida – resultaria a incongruência de, após vários anos desde a data da fixação inicial da pensão, vir a ser fixada uma pensão revista que, na medida em que resultante do cálculo a que obedeceu a sua fixação inicial, não reflectiria a desvalorização da moeda entretanto ocorrida. Aliás, de tal entendimento poderia mesmo resultar que, em casos de agravamento do estado do sinistrado com consequente atribuição de um coeficiente de desvalorização superior àquele que já era portador, lhe pudesse vir a ser fixada uma pensão inferior àquela que, até então, vinha percebendo (porque, entretanto, sujeita a actualizações), justamente em razão de o cálculo da pensão revista não reflectir qualquer actualização dos factores que para o efeito relevam.»

Por outro lado, conforme resulta da alínea d) do artigo 77.º da LAT, a remição não prejudica, além do mais, <<a atualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão>>.

E, como se escreveu no acórdão da Relação de Évora, de 25/01/2023, disponível em www.dgsi.pt:

Dispõe igualmente o art. 82.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, que:

1 - A garantia do pagamento das pensões estabelecidas na presente lei que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida e suportada pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos regulamentados em legislação especial.

2 - São igualmente da responsabilidade do Fundo referido no número anterior as atualizações do valor das pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 % ou por morte e outras responsabilidades nos termos regulamentados em legislação especial.

(…)

Dispõe também o ponto 7 do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, que:

7. Nesta fase, dadas as atuais dificuldades e tendo em conta que as desvalorizações inferiores a 30% de um modo geral não representam flagrante redução efetiva na capacidade de ganho da vítima e que a contemplarem-se todas as situações isso seria uma dispersão financeira em flagrante prejuízo dos casos mais graves, optou-se apenas pela atualização dos casos iguais ou superiores a 30%.

Por fim, dispõe o art. 2.º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24/11, que:

Art. 2.º Não estão abrangidas pelo disposto no artigo anterior as pensões resultantes de incapacidades inferiores a 30%.

Cumpre decidir.

A sentença recorrida aborda a questão de que a pensão revista deve ser sujeita a atualizações a partir do momento em que o sinistrado tenha direito à pensão, ainda que apenas venha a receber esse novo montante a partir do momento em que deu entrada em juízo o incidente de revisão; porém, não aborda a questão prévia que é a de saber se, na situação em apreço, sendo a pensão revista, nos termos do 75.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, obrigatoriamente remível, pode, ainda assim, ser atualizável.

Na realidade, parece que não.

Conforme resulta desde 1975 do citado Decreto-Lei e que se mantém na Lei n.º 98/2009, de 04-09 (LAT), apenas as pensões que não são remíveis, e, por isso, pagas anualmente, são atualizáveis.

Aliás, no acórdão deste Tribunal, citado na sentença recorrida[2][4], a pensão revista passou a ser calculada com base numa incapacidade permanente parcial de 61,5% com IPATH, devendo a mesma ser paga de forma anual e vitalícia[3][5].

Esse mesmo entendimento resulta do n.º 2 do art. 82.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09, que expressamente refere que as atualizações ocorrem em pensões devidas por incapacidade permanente igual ou superior a 30 %.

Atente-se ainda à circunstância de que se tivesse sido fixado, de início, ao sinistrado a incapacidade permanente parcial que resultou do incidente de revisão de incapacidade, por ser obrigatoriamente remível, não seria atualizável, pelo que, de igual modo, não será em incidente de revisão de incapacidade atualizável.

Ora, regressando ao caso dos autos, e ponderando o que ficou dito, é nosso entendimento que sendo a pensão devida ao sinistrado obrigatoriamente remível a mesma não é atualizável, como também não o seria mesmo que lhe tivesse sido fixada desde início a IPP resultante do agravamento.

Na decisão recorrida faz-se apelo ao Acórdão da RL, de 25/09/2019, no entanto, o mesmo respeita a uma pensão revista não obrigatoriamente remível. E o mesmo ocorre no que respeita ao acórdão da RP, de 15/12/2016, caso “em que a pensão inicialmente remida vem posteriormente a dar origem a uma pensão(revista) anual e vitalícia atualizável”.

Por fim, não vislumbramos que a interpretação que vimos preconizando dos normativos em causa seja violadora do princípio constitucional da justa reparação consagrado no artigo 59.º da CRP.

A remição não prejudica, além do mais, a atualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão, no entanto, não interpretamos o disposto nesta alínea d) do artigo 77.º da LAT como dizendo respeito a qualquer pensão (remível ou não), sob pena de incongruência do regime de remição e atualização das pensões.

Na verdade, o artigo 77.º não pode ser interpretado sem ter em conta o disposto nos artigos 75.º e 76.º que estabelecem as condições de remição e o cálculo do capital.

Como refere Carlos Alegre, em anotação ao artigo 58.º do DL n.º 143/99 de 30/04, <<os artigos 56.º e seguintes da presente regulamentação têm em vista, apenas, a remição de pensões anuais e vitalícias, que são, somente, uma das formas de reparação de acidentes de trabalho. Assim sendo, nenhuma outra forma de reparação legalmente prevista pode ser prejudicada pela remição de pensões. Nesse sentido, a enumeração feita pelo artigo 58.º não taxativa, mas é-o, tão somente, no que concerne às próprias pensões e suas vicissitudes.>>

E, como se decidiu no acórdão da RP, de 15/12/2016, disponível em www.dgsi.pt:

<<IV. Através da instituição da regra da actualização das pensões o legislador procurou assegurar um mecanismo que atenuasse os efeitos decorrentes da degradação do valor real das pensões ao longo do tempo, por efeito da desvalorização da moeda e da inflação. São essas mesmas precisas razões que levam à manutenção dessa regra, no que aqui importa sendo de ter presente que o legislador tomou posição expressa quanto à sua aplicação mesmo nos casos em que houve lugar à remição parcial ou total da pensão inicialmente fixada, ao dispor o art.º 77.º, alínea d), da Lei n.º 98/2009, que a remição não prejudica “A actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante de revisão de pensão”.

(…)

VI – Por esta ordem de razões, também nestes casos em que a pensão inicialmente remida vem posteriormente a dar origem a uma pensão (revista) anual e vitalícia actualizável, deve levar-se em conta a desvalorização do valor real ocorrida por efeito do tempo entretanto decorrido entre a fixação de uma e da inflação, impondo-se que se actualize a diferença entre o valor daquela primeira e o desta última, na medida em que tal tenha sido devido por força da lei.>>

Assim sendo, procedem as conclusões da recorrente.

                                                             *

                                                             *

IV – Sumário[2]

(…).

                                                                        *

                                                             *

V - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, na procedência do recurso, acorda-se em revogar a decisão recorrida que procedeu à atualização da nova pensão obrigatoriamente remível.

                                                             *

                                                             *

Custas pelo recorrido.

                                                             *

                                                             *

Coimbra, 2023/04/12

(Paula Maria Roberto)

(Mário Rodrigues da Silva)

(Felizardo Paiva)





[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Mário Rodrigues da Silva
                      Felizardo Paiva

[2] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.