Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
696/24.8T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR DE DESPEDIMENTO
ASSOCIAÇÃO HUMANITÁRIA DE BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS
ATIVIDADE DE NATUREZA PÚBLICA
BOMBEIRO VOLUNTÁRIO
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
JUSTA CAUSA
COLOCAÇÃO NO QUADRO DE RESERVA
Data do Acordão: 04/30/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 128.º, N.º 1, AL.ªS B), C) E H), 330.º, N.º 1, 351.º, AL.ª D), 381.º, AL.ª B), DO CÓDIGO DO TRABALHO E 14.º, N.ºS 2 E 3, DO DLEI N.º 247/2007, DE 27-05
Sumário: I – Existindo uma relação laboral, entre o trabalhador e a empregadora (Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários), em que o trabalhador foi contratado porque já era bombeiro voluntário, este pode ser objeto de sanção disciplinar de despedimento com invocação de justa causa, por comportamentos que lhe são imputados como cometidos no exercício de qualidade de bombeiro voluntário.

II – O ser colocado no quadro de reserva, enquanto bombeiro voluntário, pode servir de fundamento para fazer cessar a relação laboral que foi estabelecida nessa qualidade.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

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RELATÓRIO:

AA Afonso apresentou requerimento de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários ..., pedindo que se declare a ilicitude/irregularidade do despedimento, com as legais consequências, tendo para o efeito juntado decisão escrita do alegado despedimento com justa causa.

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado a motivar o despedimento, alegando, pelos fundamentos que invoca, a existência de justa causa.

O autor apresentou contestação, alegando em síntese que o despedimento deve ser considerado licito, pedindo que a ação seja julgada procedente, com a sua reintegração ao serviço da ré ou com o pagamento de indemnização por antiguidade.

Findos os articulados, não se realizou a audiência preliminar, proferindo-se despacho de saneamento do processo, afirmando-se a validade e regularidade da instância, e dispensando-se a enunciação dos temas de prova 

*

Procedeu-se a julgamento, segundo o formalismo legal aplicável, sendo que no decurso da audiência o ilustre mandatário do trabalhador usou da palavra para arguir a nulidade de todo o procedimento disciplinar bem como da decisão final de despedimento, por o mesmo ter sido instaurado e decidido pela direção da Associação, quando na verdade a competência para o efeito competia ao Comandante dos Bombeiros, matéria a que o ilustre mandatário da entidade empregadora respondeu e cujo conhecimento foi relegado para sede de decisão final  tudo conforme consta da respetiva ata.     

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente: 

1. Declara-se ilícito o despedimento do Autor, nos termos do disposto no artigo 381º, al. b) do Código do Trabalho. 

2. Condena-se a Ré a pagar ao autor:

a) as retribuições que o autor deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença somando as já vencidas o montante de 4.692,95 montante a que acrescem as retribuições referentes a subsídios de férias e subsídios de Natal que se forem vencendo em idêntico período;

c) a indemnização por antiguidade substitutiva da reintegração, no montante de 17.499,38.

3. Condeno ainda a ré a pagar ao autor juros de mora, à taxa legal e anual de 4%, sobre todas as peticionadas quantias, a contar das datas do respetivo vencimento.

*

Custas da ação pela ré, nos termos do artigo 527º do Código Processo Civil.

*

Nos termos conjugados dos artigos 98.º-P do Código de Processo do Trabalho e 12.º, n.º 1, al. e) e Tabela I-B, do Regulamento das Custas Processuais fixa-se à causa o valor de €22.192,33.”.

*

Registe e notifique.”

A ré apelou com as seguintes conclusões:

(…).

O trabalhador não apresentou contra-alegações.

Em conformidade com o disposto no artigo 87.º, n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da confirmação da sentença impugnada.

O trabalhador respondeu a este parecer.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.                                                                                                                                                                                                                                   

                                                                               ***

OBJETO DO RECURSO

O âmbito do recurso é delimitado nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.

Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1. Impugnação da matéria de facto.
2. Se o autor foi objeto de despedimento ilícito ou lícito.

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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal de 1ª instância fixou a matéria de facto da seguinte forma:

i) Factos provados

Encontram-se provados, nos presentes autos, os seguintes factos:

Factos alegados pela entidade empregadora:

1) A arguente é uma pessoa coletiva de utilidade pública administrativa sem fins lucrativos.

2) O trabalhador /autor celebrou primeiramente um contrato de trabalho a termo certo, podendo ser renovável, ao abrigo e nos termos da Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto.

3) O contrato de trabalho mencionado vigorou durante UM Ano e teve o seu início em 01/09/2002 e o seu términus agendado para o dia 31/08/2003.

4) Porém, esta relação laboral sucedeu-se no tempo e nunca cessou os seus efeitos, pelo que nos termos e ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 147 do Código do Trabalho o único Contrato de Trabalho a termo Certo celebrado inter partes converteu-se em Contrato de Trabalho Sem Termo.

5) No mais, o trabalhador/autor desempenha as funções correspondentes à sua categoria profissional de Bombeiro, desde o dia 01/09/2002 e está integrado no quadro ativo do corpo de Bombeiros, da Associação Arguente, desde 30/09/1987.

6) E, efetivamente desde então que presta serviços de acordo com ordens e orientações dos seus superiores hierárquicos no exercício das funções inerentes à categoria de Bombeiro, sem prejuízo de quaisquer outras afins ou funcionalmente ligadas em respeito dos princípios gerais.

7) O trabalhador/autor está integrado no Corpo de Bombeiros, cuja missão se mostra definida no art.º 3 do Decreto-Lei 247/2007.

8) E nessa medida, presta serviços de acordo com ordens e orientações dos seus superiores hierárquicos, no exercício das funções inerentes à categoria de corpo de Bombeiro Chefe, sem prejuízo de quaisquer outras afins ou funcionalmente ligadas de acordo com os princípios gerais que regem a atividade.

9) No mais, atento a sua categoria profissional de bombeiro, organizada em hierarquia, dele emanam também ordens e instruções para os seus subalternos.

10) Como é do conhecimento do trabalhador/ autor os Bombeiros Voluntários têm de prestar anualmente e obrigatoriamente o serviço operacional previsto no n.º 7 do art.º 17 do Decreto- Lei 247/2007, de 27 de Junho, na sua atual redação e em consonância com o disposto nos art.º s 5 e 6 da Portaria n.º 32- A /2014 de 7 de Fevereiro.

11) O trabalhador/ autor foi contratado porque já era Bombeiro Voluntário, qualidade que lhe permitiu ter as competências funcionais exigidas no identificado contrato de trabalho e também o conhecimento experienciado para ascender à categoria de Bombeiro Chefe.

12) Ao longo da duração do contrato é a qualidade de Bombeiro Voluntário que lhe permite ter formação adequada, temporizada e atualizada para o exercício de toda as funções inerentes ao seu contrato de trabalho.

13) O trabalhador/ autor, cumpriu reportado ao ano de 2023, com a obrigatoriedade de cumprir 160 horas de piquete, ou de socorro, ou de simulacro /exercício, que correspondem às atividades previstas nas alíneas a), b) e c) do artigo 5, ex vi do disposto no art.º 6, ambos da portaria n.º 32- A /2014 de 7 de Fevereiro.

14) Porém, em concreto, o trabalhador/ autor, também deveria ter cumprido, reportado ao ano de 2023, o mínimo de 40 horas de instrução e cumpriu apenas 24 horas, pelo que faltou-lhe cumprir 16 horas para perfazer as 40 horas mínimas de instrução.

15) Perante o conhecimento deste comportamento do trabalhador/ autor, no dia 11/01/2014, foi-lhe remetido o ofício 4/2024, que se anexou ao processo disciplinar e aqui se dá como reproduzido para os devidos efeitos, a fim de que se pronunciasse, no prazo de 8 dias, relativamente aos dados constantes no RNBP- Recenseamento Nacional dos Bombeiros Portugueses - plataforma informática de uso e âmbito nacional.

16) E, em sequência também informasse o que tivesse por conveniente.

17) Sendo certo que, o procedimento de inserção de dados na identificada plataforma, quanto à contabilização da prestação anual de tempo, é primeiramente registada pelo Bombeiro, em documento próprio que depois assina e é entregue ao Comandante ou ao Adjunto do Comandante, que introduz os dados eletronicamente.

18) Esta plataforma permite que todos os Bombeiros a partir de utilização de uma senha de acesso, possam consultar os tempos de serviço registados e máxime obter informação a todo tempo, do cômputo das horas cumpridas e em falta.

19) Tal dinâmica de procedimento é conhecido pelo trabalhador/ autor que sempre atuou em conformidade com o seu cumprimento.

20) E, de resto, em todos os anos anteriores a 2023 o trabalhador/ autor cumpriu com a obrigatoriedade da prestação anual do tempo mínimo de 200 horas de serviço operacional, sendo no mínimo de 160 horas de piquete, socorro, simulacro e 40 horas de instrução, como se estipula no art.º 6 e n.º 2 do art.º 12 da Portaria n.º32 A /2014 de 7 de Fevereiro.

21) O ofício 4/24 acima mencionado teve resposta recebida em mão pela Direção da associação arguente.

22) O trabalhador/autor articula em resposta datada de 16 de janeiro, o seguinte com referência aos aí segundo e terceiro parágrafos:

“Efetivamente, eu sou trabalhador assalariado da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários ... e simultaneamente, bombeiro voluntário do corpo de Bombeiros Voluntários de ....

E uma vez que detenho as duas qualidades, consta do meu RNPB a indicação de “vinculado” pelo que todo o serviço operacional que efetuei e efetuo como trabalhador, conta para todos os efeitos legais, como serviço operacional, razão pela qual nenhum elemento que seja trabalhador e simultaneamente como bombeiro voluntário da mesma associação pode passar para o quadro de reserva, o mesmo acontecendo com a minha pessoa.” (sic)

23) Não cumprindo com os limites mininos fixados de horas impostos, cai-se para fora do quadro ativo.

24) O trabalhador / autor transitou para o Quadro de Reserva, porque no ano anterior/ ciclo anterior, não prestou o tempo mínimo obrigatório.

25)  E, consequentemente, deixou de poder executar missões de socorro/ serviços operacionais, apesar do vínculo laboral à Associação Humanitária de Bombeiros ..., sua entidade empregadora.

26) O trabalhador/autor tampouco justifica ou alega sequer porque cumpriu 24 horas de instrução em vez do mínimo imposto de 40 horas.

27) O trabalhador/ autor manteve na RESPOSTA apresentada a mesma alegação nas mencionadas respostas aos ofícios prévios à NOTA DE CULPA. 

28) O trabalhador passou para o quadro de reserva a partir de 13/01/2024.

29) O trabalhador/autor não quis por vontade própria cumprir o tempo de serviço mínimo obrigatório de Bombeiro Voluntário.

30) A proteção de pessoas e bens a que as Associações Humanitárias de Bombeiros estão obrigadas, são executadas através do seu Corpo de Bombeiros.

31) A situação em que se encontra presentemente o trabalhador/ autor (ao cair no quadro de reserva) - em que se colocou voluntariamente - põe em causa diariamente, designadamente, o socorro urgente ou não às populações e o transporte de doentes, pois deixou de poder fazer parte das equipas escalonadas diariamente para cumprimento dessa missão.

32) Pois que, como Bombeiro para além de ter de cumprir todo o serviço operacional, está habilitado, como sempre fez ao longo dos anos, a conduzir veículos de combate a incêndio, socorro e emergência pré-hospitalar e também transporte de doentes.

33) O que contribui para a lesão de interesses patrimoniais da AHBVCB, porquanto deixa de ser retribuída pelo serviço de transporte de doentes não urgentes, por ter menos trabalhadores a efetuá-lo ou a integrar a equipa de transporte quando necessário.

34) Serviço que é prestado em a concorrência direta no mercado, com outras corporações e com empresas deste sector de atividade.

35) O trabalhador/ autor no seu dia a dia de trabalho, pode por exemplo, iniciá-lo com o transporte de um doente não urgente e por motivos de urgência desse mesmo paciente transportado, ter que integrar equipa de transporte de doente urgente, nomeadamente por ativação CODU - Centros de Orientação de Doentes Urgentes.

36) É do conhecimento geral de todos os bombeiros que os serviços renumerados ou comparticipados nunca foram objeto de registo no RNBP.

37) Em virtude de visita inspetiva ocorrida no dia 18 de Janeiro pelas 14:30 Horas da Autoridade para as Condições de Trabalho, perante o subsequente pedido de entrega de documentação entendida como relevante no âmbito dessa diligência e do respetivo processo contraordenacional n.º ...40, foi conferido o Livro de Ponto do aqui trabalhador/ autor, quanto aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro do ano de 2023, pelo Adjunto de Comando, tendo verificado que no mesmo fez constar erradamente as horas de inicio e termo[1] dos seguintes dias de trabalho:

Mês de Outubro de 2023: 

Dias - 2,3,4.5,9,10,11, 13,16,17,19,20,23,25,26,27,28 e 31; 

Mês de Novembro de 2023:

Dias - 7,8,9,10,13,14,15,16,20,21,27,28,29 e 30; 

Mês de Dezembro de 2023: 

Dias - 4,6,7,8,12,13,18,19,20,21, 27 e 28.

38) Pelo que, analisando as horas de entrada e saída através do programa de gestão de ocorrências do Corpo de Bombeiros constata-se que o trabalhador/ autor, não registou de acordo com a verdade a maioria das horas de entrada e saída nos meses indicados.

39) O Autor não tem passado disciplinar.

40) Com a sua conduta o trabalhador/ autor pode colocar em causa os procedimentos implementados por eventualmente os desconhecer em virtude de não ter cumprido com o período de instrução mínimo e a boa prática dos mesmos, nomeadamente quando em equipa com outro Bombeiro que tenha cumprido o tempo de serviço mínimo obrigatório do bombeiro voluntário.

Factos alegados pelo trabalhador:

41)  À data em que foi despedido o autor/trabalhador auferia €819,13.

*

ii) Factos não Provados:

Não resultaram provados, com relevo para a decisão da causa, os seguintes factos: 

Factos alegados pelo trabalhador:

1) O trabalhador / autor fez constar erradamente as horas de início e termo dos dias de trabalho suprarreferidos por sua iniciativa[2].

*

Expressamente se consigna que os demais fatos alegados pelas partes e não incluídos nos números precedentes foram considerados conclusivos, como matéria de impugnação de outra já considerada, de direito ou inócuos à decisão a proferir.

                                                                           ***

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Impugnação da matéria de facto

De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº 1, do CPCP “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

O Ponto impugnado é o facto 1 não provado com a seguinte redação:
1) O trabalhador / autor fez constar erradamente as horas de início e termo dos dias de trabalho suprarreferidos por sua iniciativa.
O Tribunal a quo formou a sua convicção relativamente a este ponto da seguinte forma: “Mais ficou o Tribunal convencido que o autor fez constar nos registos de tempos de trabalhos horários que efetivamente não praticou, tendo a prova produzida quanto ao preenchimento do livro de ponto sido no sentido de que o autor registava como hora de saída as 18h00, apesar de muitas vezes não sair a essa hora, saindo mais cedo. Aliás, o próprio autor, em sede de declarações de parte confirmou ser este o procedimento que adotava, ainda que não tenha resultado demonstrado que o fizesse por sua iniciativa (ou antes por instruções superiores), não tendo a este respeito a entidade empregadora logrado provar, como lhe competia, que esse registo incorreto de horas se ficou a dever a iniciativa do trabalhador, em face das contradições a este respeito verificadas no depoimento das testemunhas inquiridas.”
Segundo a recorrente ficou a constar, certamente por lapso, na douta decisão recorrida que o mesmo foi alegado pelo trabalhador, quando na realidade foi alegado pela entidade empregadora.
Trata-se efetivamente de factualidade alegada no artigo 87º do articulado de motivação de despedimento.
É assim eliminada a afirmação “Factos alegados pelo trabalhador”.
Constata-se ainda que existe contradição entre o facto em análise e o facto 37 com a seguinte redação:
37) Em virtude de visita inspetiva ocorrida no dia 18 de Janeiro pelas 14:30 Horas da Autoridade para as Condições de Trabalho, perante o subsequente pedido de entrega de documentação entendida como relevante no âmbito dessa diligência e do respetivo processo contraordenacional n.º ...40, foi conferido o Livro de Ponto do aqui trabalhador/ autor, quanto aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro do ano de 2023, pelo Adjunto de Comando, tendo verificado que no mesmo fez constar erradamente as horas de inicio e termo dos seguintes dias de trabalho:

Mês de Outubro de 2023:

Dias - 2,3,4.5,9,10,11, 13,16,17,19,20,23,25,26,27,28 e 31;

Mês de Novembro de 2023:

Dias - 7,8,9,10,13,14,15,16,20,21,27,28,29 e 30;

Mês de Dezembro de 2023:

Dias - 4,6,7,8,12,13,18,19,20,21, 27 e 28

Assim sendo alterar-se a parte sublinhada a bold que passa a ter a seguinte redação: tendo verificado que do mesmo constava erradamente as horas de inicio e termo dos seguintes dias de trabalho.

                   Por sua vez, o facto nº 1 não provado transita para o elenco dos factos provados.

                                                                                              **
2. Despedimento com justa causa.

Na sentença recorrida considerou-se: “Ora, no caso em apreço, e conforme resulta dos factos provados, o autor omitiu efetivamente o cumprimento de parte do serviço operacional a que estava obrigado, o que o levou a passar ao quadro de reserva, ficando por isso impossibilitado de prestar serviço operacional e assim de desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de bombeiro para a qual foi contratado.

Mas a verdade é que o autor presta serviço sob as ordens, direção e subordinação hierárquica da Ré desde há cerca de 22 anos, nunca tendo sido alvo de qualquer reparo ou procedimento disciplinar.

Ora, considerando tal ausência de antecedentes disciplinares e tendo ainda em conta que nos termos do artigo 14º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 247/2007, de 27 de Junho, passados 3 meses o autor poderia voltar ao quadro ativo, entende-se que a citada atuação do autor não comprometeu irremediavelmente a subsistência da relação de trabalho que mantinha com a ré, apenas a tendo posto temporariamente em crise, salientando-se, uma vez mais, que as decisões de despedimento têm de ser aplicadas, considerando não só a gravidade dos fatos, mas também a personalidade dos trabalhadores e o que se pode perspetivar do devir do contrato, sendo certo que neste caso não há fatos que permitam concluir pelo comprometimento irremediável da relação de trabalho.

Conclui-se assim que nas circunstâncias concretas em apreciação, a permanência do contrato do autor e das relações pessoais e patrimoniais que ele importava, não feririam, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, a continuidade do vínculo não representaria uma insuportável e injusta imposição à ré, afigurando-se, em consequência, ser o despedimento sanção desproporcional à gravidade da infração cometida.

Donde, podemos concluir no sentido de a factualidade relevante e acima explanada não ser suficiente para integrar a justa causa de despedimento.

E assim sendo, só nos resta concluir pela procedência do pedido de declaração de ilicitude do despedimento o que se decidirá.”

Alega a recorrente que o trabalhador/apelado passou para Quadro de Reserva a partir de 13-01-2024, por sua vontade e opção de escolha e perante essa realidade ficou o trabalhador/ apelado impedido de exercer qualquer atividade operacional, deixando de integrar o quadro ativo dos Bombeiros Voluntários. Porquanto o trabalhador/apelado transitou para o Quadro de Reserva, porque no ano anterior/ ciclo anterior, não prestou o tempo mínimo obrigatório, e, consequentemente, deixou de poder executar missões de socorro/serviços operacionais, apesar do vínculo laboral à Associação Humanitária de Bombeiros ..., sua entidade empregadora. A situação em que se encontrava o trabalhador/apelado (ao cair no quadro de reserva) - em que se colocou voluntariamente - põe em causa diariamente, designadamente, o socorro urgente às populações e o transporte de doentes, pois deixou de poder fazer parte das equipas escalonadas diariamente para cumprimento dessa missão.

Senão vejamos:

O enquadramento legal das Associações Humanitárias de Bombeiros Voluntários e da atividade de bombeiro consta dos DL 241/2007, de 21.06 (Regime Jurídico dos Bombeiros Portugueses no território continental), DL 247/2007, de 27.06 (Constituição, organização, funcionamento e extinção dos Corpos de Bombeiros), Lei 32/2007, de 13.08 (Regime Jurídico das Associações Humanitárias de Bombeiros), Despacho nº 9915/2008 da Autoridade Nacional de Protecção Civil, publicado no DR, 2ª Série, de 04.04.2008 (Regulamento das Carreiras de Oficial Bombeiro e de Bombeiro Voluntário) e Portaria 703/2008 , de 30.07 (Regulamento Disciplinar dos Bombeiros Voluntários).

A Lei n.º 32/2007, dispõe no art.º 2.º que:

“1 - As associações humanitárias de bombeiros, adiante abreviadamente designadas por associações, são pessoas coletivas sem fins lucrativos que têm como escopo principal a proteção de pessoas e bens, designadamente o socorro de feridos, doentes ou náufragos, e a extinção de incêndios, detendo e mantendo em atividade, para o efeito, um corpo de bombeiros voluntários ou misto, com observância do definido no regime jurídico dos corpos de bombeiros.

2 - Com estrita observância do seu fim não lucrativo e sem prejuízo do seu escopo principal, as associações podem desenvolver outras atividades, individualmente ou em associação, parceria ou por qualquer outra forma societária legalmente prevista, com outras pessoas singulares ou coletivas, desde que permitidas pelos estatutos.

3 - A designação de associação humanitária de bombeiros é exclusiva das associações cujo regime jurídico é regulado pela presente lei, não podendo ser adotada por outras entidades, ainda que com fins idênticos, mas não detentoras de corpos de bombeiros.”

De acordo com o Decreto-Lei 247/2007 e o DL 241/2007, aludem ao “bombeiro” como o indivíduo que, integrado de forma profissional ou voluntária num corpo de bombeiros, tem por atividade cumprir as missões do corpo de bombeiros, nomeadamente a proteção de vidas humanas e bens em perigo, mediante a prevenção e extinção de incêndios, o socorro de feridos, doentes ou náufragos e a prestação de outros serviços previstos nos regulamentos internos e demais legislação aplicável, sendo o “corpo de bombeiros” a unidade operacional, oficialmente homologada e tecnicamente organizada, preparada e equipada para o cabal exercício das missões previstas na lei;  a entidade detentora do corpo de bombeiros, é a entidade pública ou privada, designadamente o município ou a associação humanitária de bombeiros que cria, detém ou mantém um corpo de bombeiros (art.º 2º).

Ora, nos termos do artigo 3º, nº 1 do decreto-Lei 247/2007, constitui missão dos corpos de bombeiros:

“a) A prevenção e o combate a incêndios;

b) O socorro às populações, em caso de incêndios, inundações, desabamentos e, de um modo geral, em todos os acidentes;

c) O socorro a náufragos e buscas subaquáticas;

d) O socorro e transporte de acidentados e doentes, incluindo a urgência pré-hospitalar, no âmbito do sistema integrado de emergência médica;

e) A emissão, nos termos da lei, de pareceres técnicos em matéria de prevenção e segurança contra riscos de incêndio e outros sinistros;

f) A participação em outras atividades de proteção civil, no âmbito do exercício das funções específicas que lhes forem cometidas;

g) O exercício de atividades de formação e sensibilização, com especial incidência para a prevenção do risco de incêndio e acidentes junto das populações;

h) A participação em outras ações e o exercício de outras atividades, para as quais estejam tecnicamente preparados e se enquadrem nos seus fins específicos e nos fins das respetivas entidades detentoras

i) A prestação de outros serviços previstos nos regulamentos internos e demais legislação aplicável.”

Já o artigo 7º, sob a epígrafe “Espécies de corpos de bombeiros” dispõe que:

“1 - Nos municípios podem existir os seguintes corpos de bombeiros:

a) Corpos de bombeiros profissionais;

b) Corpos de bombeiros mistos;

c) Corpos de bombeiros voluntários;

d) Corpos privativos de bombeiros.

(…)

3 - Os corpos de bombeiros mistos têm as características seguintes:

a) São dependentes de uma câmara municipal ou de uma associação humanitária de bombeiros;

b) São constituídos por bombeiros profissionais e por bombeiros voluntários, sujeitos aos respetivos regimes jurídicos;

c) Estão organizados, de acordo com o modelo próprio, definido pela respetiva câmara municipal ou pela associação humanitária de bombeiros, nos termos de regulamento aprovado pela ANPC, ouvido o Conselho Nacional de Bombeiros.”

Mais dispõe o artigo 9º, sob a epígrafe Quadros de pessoal que:

“1 - Os quadros dos corpos de bombeiros profissionais e mistos detidos pelos municípios, bem como dos corpos privativos de bombeiros, estruturam-se de acordo com o regime a definir em diploma próprio.

2 - Os bombeiros que compõem os corpos de bombeiros voluntários ou mistos detidos por associações humanitárias de bombeiros, integram os seguintes quadros de pessoal:

a) Quadro de comando;

b) Quadro ativo;

c) Quadro de reserva;

d) Quadro de honra.

3- O quadro de comando é constituído pelos elementos do corpo de bombeiros a quem é conferida a autoridade para organizar, comandar e coordenar as atividades exercidas pelo respetivo corpo, incluindo, a nível operacional, a definição estratégica dos objetivos e das missões a desempenhar.

4- O quadro ativo é constituído pelos elementos pertencentes às respetivas carreiras e aptos para a execução das missões a que se refere o artigo 3.º, normalmente integrados em equipas, em cumprimento das ordens que lhes são determinadas pela hierarquia, bem como das normas e procedimentos estabelecidos.

5- O quadro de reserva é constituído pelos elementos que atinjam o limite de idade para permanecer na sua categoria ou que, não podendo permanecer no quadro ativo por motivos profissionais ou pessoais, o requeiram e obtenham aprovação do comandante do corpo de bombeiros, e ainda pelos elementos, que nos últimos 12 meses, não tenham cumprido o serviço operacional previsto no artigo 17.º.

6- O quadro de honra é constituído pelos elementos com 40 ou mais anos de idade que, com zelo, dedicação, disponibilidade e abnegação, exerceram funções ou prestaram serviço efetivo durante 15 ou mais anos, sem qualquer punição disciplinar, nos últimos três anos, nos quadros de comando ou ativo de um corpo de bombeiros, e ainda aqueles que, independentemente da idade e do tempo de serviço prestado, adquiriram incapacidade por doença ou acidente ocorrido em serviço ou tenham prestado serviços de caráter relevante à causa dos bombeiros.”

Por sua vez, com pertinência para o caso de que nos ocupamos, dispõe o artigo 17º, com referência ao serviço operacional, o seguinte:

“1- A atividade operacional desenvolvida pelo pessoal dos corpos de bombeiros tem natureza interna ou externa.

2- A atividade interna é prestada no perímetro interior das instalações do corpo de bombeiros, de acordo com os regulamentos.

3- A atividade externa é prestada fora das instalações, no cumprimento das missões previstas no artigo 3.º do presente decreto-lei.

4- Na sua área de atuação, cada corpo de bombeiros assegura a atividade operacional em todos os serviços para os quais for solicitado e seja considerado apto ou, fora dela, em todos aqueles que, nos termos legais, lhe forem requisitados.

5- Nos municípios em que se justifique, os corpos de bombeiros voluntários ou mistos detidos pelas associações humanitárias de bombeiros podem dispor de equipas de intervenção permanente, cuja composição e funcionamento é definida por portaria do membro do Governo responsável pela área da proteção civil.

6- Os municípios em cuja área territorial atuem as equipas de intervenção permanente podem apoiar o funcionamento das mesmas, designadamente comparticipando nos custos com seguros de acidentes de trabalho dos elementos que integram as equipas de intervenção permanente e nos custos com a aquisição de equipamentos a elas afetos.

7- O serviço operacional dos bombeiros voluntários, designadamente no que concerne ao número de horas de atividade, tipologia de serviço a prestar e obrigações no âmbito da formação que devem ser cumpridas para obtenção dos direitos, benefícios e regalias previstos no regime jurídico dos bombeiros portugueses, é aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da proteção civil, ouvido o Conselho Nacional de Bombeiros.”

Sendo que, nos termos do artigo 14º integram o quadro de reserva “(…) d) os elementos do quadro ativo que não tenham cumprido, durante o ano anterior, o serviço operacional previsto no artigo 17.º do presente decreto-lei”.

Ora, quanto ao operacional das várias carreiras de bombeiro voluntário do quadro ativo, aludido no nº 6 do artigo 17º, rege a Portaria n.º 32-A/2014, de 7 de fevereiro, que logo no seu artigo 2º estabelece que:

“1- O serviço operacional consiste na execução das atividades decorrentes da missão do corpo de bombeiros, nos termos especificamente definidos para cada carreira na presente portaria.

2- A permanência dos bombeiros no quadro ativo, bem como o gozo dos direitos, benefícios e regalias previstos no respetivo regime jurídico, dependem do cumprimento do tempo mínimo obrigatório de serviço operacional previsto na presente portaria.”

Mais estabelecem os artigos 3º e 4º da referida portaria que o oficial bombeiro está obrigado a cumprir um mínimo de 200 horas de serviço operacional por ano, das quais, no mínimo, 160 horas correspondem às atividades de socorro, piquete, simulacro e exercício e, no mínimo, 40 horas correspondem à atividade de instrução, devendo o oficial bombeiro ministrar e receber instrução.

Releva ainda para o nosso caso o teor do artigo 12º (efeito de incumprimento) da Portaria n.º 32- A/2014, de 7 de fevereiro, nos termos do qual:

1 – Os elementos do quadro ativo que não tenham, durante o ciclo anterior, efetuado o tempo mínimo de serviço operacional previsto no presente diploma transitam para o quadro de reserva, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º  247/2007, de 27 de junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 248/2013, de 21 de novembro.

2– Os elementos que transitarem para o quadro de reserva por incumprimento o serviço operacional perdem os direitos, benefícios e regalias para os elementos do quadro ativo, estabelecidos no Regime Jurídico dos Bombeiros Portugueses.”

Dispõe o artigo 37.º do citado DL 241/2007:

“1- Aos bombeiros voluntários aplica-se regulamento disciplinar próprio, aprovado por portaria do Ministro da Administração Interna, salvaguardado o disposto nos artigos seguintes.

2- O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local aplica-se subsidiariamente aos bombeiros voluntários.”

Por fim, dispõe o Regulamento Disciplinar dos Bombeiros Voluntários, aprovada pela

Portaria 703/2008 que:

-O Regulamento se aplica aos bombeiros voluntários que integram os quadros de pessoal homologados pela ANPC (art.º 1º, nº 1), mas que “Excetuam-se do âmbito de aplicação deste diploma os bombeiros voluntários que possuam estatuto diferente resultante de contrato individual de trabalho com a entidade detentora, quando a infração for praticada fora do exercício das funções de bombeiro. (art.º 1º, nº 3).

-O pessoal sujeito ao Regulamento Disciplinar é disciplinarmente responsável perante os seus superiores hierárquicos pelas infrações que cometa (art.º 2º, nº 1).

-Os bombeiros voluntários, no exercício das suas funções, estão exclusivamente ao serviço do interesse público, de acordo com os fins prosseguidos pela entidade detentora que cria e mantém o corpo de bombeiros (art.º 3º, nº 2);

-“Constitui ainda infração a violação dos deveres gerais previstos nos nºs 5 a 12 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local, publicado (…)”;

-em matéria de tipologia de penas disciplinares, de competência para a sua aplicação e de recurso hierárquico e contencioso, dispõe-se de forma idêntica à prevista no DL 241/2007 (cfr. arts. 8º, 13º e 28º da Port. 703/32008).

-O art.º 24º preceitua ainda que quanto à forma de processo, das actas, natureza secreta do processo, obrigatoriedade de processo disciplinar, competência para a instrução, nulidades, aplica-se o disposto “nos artigos 35º a 44º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local, (…)”.

-Não se pode aplicar ao mesmo bombeiro voluntário mais de uma pena disciplinar por cada infracção ou pelas infracções acumuladas que sejam apreciadas num só processo (art.º 12º, nº 1).

Serve a (longa) exposição para concluir: que o exercício da actividade de bombeiro voluntário tem natureza pública, prosseguindo um fim de interesse público; que, em matéria disciplinar, o regime a eles aplicável por infracções cometidas no exercício das suas funções tem natureza pública (veja-se, por exemplo, o regime dos recursos hierárquico e contencioso) e rege-se, subsidiariamente, por normas de direito público, qual seja o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, hoje o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas; que a entidade competente para aplicação de sanções a cadeia hierárquica do corpo de bombeiros (no caso de sanção de suspensão e de demissão, o comandante) e delas cabendo recurso hierárquico e contencioso, à semelhança do que vigora no direito público administrativo.

E o art.º 1º, nº 3, da Portaria 703/2008, que veio dar execução ao art.º 37º, nº 1, do DL 241/2007, é, a contrario, claro no sentido de que os bombeiros voluntários, ainda que com contrato individual de trabalho celebrado com a entidade detentora do corpo de bombeiros, estão, no que se reporta às infracções cometidas no exercício das funções de bombeiro, sujeitos ao Estatuto Disciplinar dos bombeiros voluntários, aprovado pela referida Portaria, e, subsidiariamente, ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas. Com efeito, deles apenas estarão excluídas as infracções que sejam cometidas fora do exercício de tais funções. Ou seja, cumulando o bombeiro a dupla qualidade de bombeiro voluntário e trabalhador por conta de outrém, as infracções das disciplinares cometidas no exercício das funções de bombeiro estão submetidas ao Regulamento Disciplinar próprio dos bombeiros.

Chegados aqui, cumpre dizer que o que está em causa é a decisão da ré/Associação, que, no âmbito do contrato individual de trabalho e ainda que desempenhando o A. as funções de bombeiro, lhe aplicou a sanção de despedimento com invocação de justa causa.[3]

Não está assim em causa a aplicação da Portaria 703/2008.

                                                                           *

Vejamos agora se ocorre justa causa de despedimento, questão que se desdobra nas subquestões correspondentes aos três requisitos–ou, dito de outra forma, elementos constitutivos (cfr. art.º 342º, nº 1, do Código Civil) – deste conceito [cfr. arts. 128º, 330.º, n.º 1, e 351.º, do CT].

A saber: i) uma infração disciplinar, ou seja, um comportamento ilícito e culposo do trabalhador;

ii) a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho (e, conexamente, a proporcionalidade do despedimento);

iii) a existência de um nexo de causalidade entre o dito comportamento e esta impossibilidade.

O direito do empregador ao despedimento pressupõe a verificação cumulativa dos três requisitos, os quais, em termos de precedência lógico-jurídica, se estruturam pela ordem indicada.

Resta apreciar se a apurada conduta do A. constitui justa causa de despedimento, ou seja, se, pela sua gravidade e consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho (art.º 351.º, n.º 1, do CT), , pautando-se este juízo por critérios de razoabilidade e exigibilidade (na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes – n.º 3 do mesmo artigo) e proporcionalidade (art.º 330.º, n.º 1).

Neste âmbito, alguns aspetos ainda a realçar: (i) a conduta do trabalhador deve ser apreciada conjuntamente, tendo em vista captar uma imagem global dos factos; (ii) a gravidade dos factos e a culpa do trabalhador aferem-se de acordo com o entendimento de um empregador normal, em face das circunstâncias do caso concreto e em função de critérios de objetividade, exigibilidade e razoabilidade” (v.g., Ac. desta 4.ª Secção do STJ de 14.01.2015, Proc. n.º 272/10.2TTCVL.C1.S1); (iii) “O requisito da impossibilidade de subsistência do vínculo laboral deve ser reconduzido à ideia de inexigibilidade de manutenção do contrato pela outra parte, e não apreciado como uma impossibilidade objetiva”; (iv) Esta impossibilidade (prática) “deve relacionar-se com o vínculo laboral em concreto”. E “o comportamento do trabalhador tem de ser de molde a comprometer, de imediato, o futuro do vínculo laboral”, obstando, efetivamente,

“à execução normal do contrato após o conhecimento da situação pelo empregador”, embora este requisito deva ser “aferido com cautela” e “conjugar-se com o prazo geral de caducidade

[de 60 dias] do procedimento disciplinar”.[4]

Artigo 128º

Deveres do trabalhador

1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:

a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;

b) Comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade;

c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;

d) Participar de modo diligente em ações de formação profissional que lhe sejam proporcionadas pelo empregador;

e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;

f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios;

g) Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador;

h) Promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;

i) Cooperar para a melhoria da segurança e saúde no trabalho, nomeadamente por intermédio dos representantes dos trabalhadores eleitos para esse fim;

j) Cumprir as prescrições sobre segurança e saúde no trabalho que decorram de lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

2 - O dever de obediência respeita tanto a ordens ou instruções do empregador como de superior hierárquico do trabalhador, dentro dos poderes que por aquele lhe forem atribuídos.”

Artigo 351.º

Noção de justa causa de despedimento

1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:

a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;

b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;

c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;

d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;

e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;

f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;

g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;

h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;

i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;

j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;

l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;

m) Reduções anormais de produtividade.

3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

Na sentença recorrida entendeu-se que “tem-se como verificada a infração imputada ao trabalhador, entendendo-se que a supra citada conduta consubstancia um desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto, bem como uma lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa, comportamento previsto no artigo 351º, n.º 2, als) d) e e) do Código do Trabalho.”

E mais à frente, acrescentou que “Ora, no caso em apreço, e conforme resulta dos factos provados, o autor omitiu efetivamente o cumprimento de parte do serviço operacional a que estava obrigado, o que o levou a passar ao quadro de reserva, ficando por isso impossibilitado de prestar serviço operacional e assim de desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de bombeiro para a qual foi contratado”.

Porém, quanto à sanção disciplinar a aplicar entendeu a Srª Juíza a quo que o autor presta serviço sob as ordens, direção e subordinação hierárquica da Ré desde há cerca de 22 anos, nunca tendo sido alvo de qualquer reparo ou procedimento disciplinar.

Ora, considerando tal ausência de antecedentes disciplinares e tendo ainda em conta que nos termos do artigo 14º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 247/2007, de 27 de Junho, passados 3 meses o autor poderia voltar ao quadro ativo, entende-se que a citada atuação do autor não comprometeu irremediavelmente a subsistência da relação de trabalho que mantinha com a ré, apenas a tendo posto temporariamente em crise, salientando-se, uma vez mais, que as decisões de despedimento têm de ser aplicadas, considerando não só a gravidade dos factos, mas também a personalidade dos trabalhadores e o que se pode perspetivar do devir do contrato, sendo certo que neste caso não há fatos que permitam concluir pelo comprometimento irremediável da relação de trabalho.

Conclui-se assim que nas circunstâncias concretas em apreciação, a permanência do contrato do autor e das relações pessoais e patrimoniais que ele importava, não feririam, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, a continuidade do vínculo não representaria uma insuportável e injusta imposição à ré, afigurando-se, em consequência, ser o despedimento sanção desproporcional à gravidade da infração cometida.

Donde, podemos concluir no sentido de a factualidade relevante e acima explanada não ser suficiente para integrar a justa causa de despedimento”.

Resultou provado:

-O trabalhador /autor celebrou primeiramente um contrato de trabalho a termo certo, podendo ser renovável, ao abrigo e nos termos da Lei n.º 99/2003 de 27 de agosto (facto 2);

-O contrato de trabalho mencionado vigorou durante um ano e teve o seu início em 01/09/2002 e o seu términus agendado para o dia31/08/2023 (facto 3);

-Porém, esta relação laboral sucedeu-se no tempo e nunca cessou os seus efeitos, pelo que nos termos e ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 147 do Código do Trabalho o único contrato de trabalho a termo certo celebrado inter partes converteu-se em contrato de trabalho sem termo (facto 4);

-No mais, o trabalhador/autor desempenha as funções correspondentes à sua categoria profissional de bombeiro, desde o dia 01/09/2002 e está integrado no quadro ativo do corpo de bombeiros, da associação arguente, desde 30/09/1987 (facto 5);

-E, efetivamente desde então que presta serviços de acordo com ordens e orientações dos seus superiores hierárquicos no exercício das funções inerentes à categoria de Bombeiro, sem prejuízo de quaisquer outras afins ou funcionalmente ligadas em respeito dos princípios gerais (facto 6);

-O trabalhador/autor está integrado no Corpo de Bombeiros (facto 7);

-E nessa medida, presta serviços de acordo com ordens e orientações dos seus superiores hierárquicos, no exercício das funções inerentes à categoria de Bombeiro Chefe, sem prejuízo de quaisquer outras afins ou funcionalmente ligadas de acordo com os princípios gerais que regem a atividade (facto 8);

No mais, atento a sua categoria profissional de bombeiro, organizada em hierarquia, dele emanam também ordens e instruções para os seus subalternos (facto 9);

-O trabalhador/ autor foi contratado porque já era Bombeiro Voluntário, qualidade que lhe permitiu ter as competências funcionais exigidas no identificado contrato de trabalho e também o conhecimento experienciado para ascender à categoria de Bombeiro Chefe (facto 11).

-Ao longo da duração do contrato é a qualidade de Bombeiro Voluntário que lhe permite ter formação adequada, temporizada e atualizada para o exercício de toda as funções inerentes ao seu contrato de trabalho (facto 12);

-O trabalhador/autor, cumpriu reportado ao ano de 2023, com a obrigatoriedade de cumprir 160 horas de piquete, ou de socorro, ou de simulacro /exercício (facto 13);

-Porém, em concreto, o trabalhador/ autor, também deveria ter cumprido, reportado ao ano de 2023, o mínimo de 40 horas de instrução e cumpriu apenas 24 horas, pelo que faltou-lhe cumprir 16 horas para perfazer as 40 horas mínimas de instrução (facto 14);

Perante o conhecimento deste comportamento do trabalhador/ autor, no dia 11/01/2014, foi-lhe remetido o ofício 4/2024, que se anexou ao processo disciplinar e aqui se dá como reproduzido para os devidos efeitos, a fim de que se pronunciasse, no prazo de 8 dias, relativamente aos dados constantes no RNBP- Recenseamento Nacional dos Bombeiros Portugueses – plataforma informática de uso e âmbito nacional (facto 15);

-E, em sequência também informasse o que tivesse por conveniente (facto 16);

-O ofício 4/24 acima mencionado teve resposta recebida em mão pela Direção da associação arguente (facto 21);

-O trabalhador/autor articula em resposta datada de 16 de janeiro, o seguinte com referência aos aí segundo e terceiro parágrafos:

“Efetivamente, eu sou trabalhador assalariado da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários ... e simultaneamente, bombeiro voluntário do corpo de Bombeiros Voluntários de ...:

“E uma vez que detenho as duas qualidades, consta do meu RNPB a indicação de “vinculado” pelo que todo o serviço operacional que efetuei e efetuo como trabalhador, conta para todos os efeitos legais, como serviço operacional, razão pela qual nenhum elemento que seja trabalhador e simultaneamente como bombeiro voluntário da mesma associação pode passar para o quadro de reserva, o mesmo acontecendo com a minha pessoa.” (sic) (facto 22);

-Não cumprindo com os limites minimos fixados de horas impostos, cai-se para fora do quadro ativo (facto 23);

-O trabalhador / autor transitou para o Quadro de Reserva, porque no ano anterior/ ciclo anterior, não prestou o tempo mínimo obrigatório (facto 24);

E, consequentemente, deixou de poder executar missões de socorro/ serviços operacionais, apesar do vínculo laboral à Associação Humanitária de Bombeiros ..., sua entidade empregadora (facto 25);

-O trabalhador/autor tampouco justifica ou alega sequer porque cumpriu 24 horas de instrução em vez do mínimo imposto de 40 horas (facto 26);

-O trabalhador passou para o quadro de reserva a partir de 13/01/2024 (facto 28);

-O trabalhador/autor não quis por vontade própria cumprir o tempo de serviço mínimo obrigatório de Bombeiro Voluntário (facto 29).

-A proteção de pessoas e bens a que as Associações Humanitárias de Bombeiros estão obrigadas, são executadas através do seu Corpo de Bombeiros (facto 30);

-A situação em que se encontra presentemente o trabalhador/ autor (ao cair no quadro de reserva) - em que se colocou voluntariamente - põe em causa diariamente, designadamente, o socorro urgente ou não às populações e o transporte de doentes, pois deixou de poder fazer parte das equipas escalonadas diariamente para cumprimento dessa missão (facto 31);

-Pois que, como Bombeiro para além de ter de cumprir todo o serviço operacional, está habilitado, como sempre fez ao longo dos anos, a conduzir veículos de combate a incêndio, socorro e emergência pré-hospitalar e também transporte de doentes (facto 32);

-O que contribui para a lesão de interesses patrimoniais da AHBVCB, porquanto deixa de ser retribuída pelo serviço de transporte de doentes não urgentes, por ter menos trabalhadores a efetuá-lo ou a integrar a equipa de transporte quando necessário (facto 33);

-Serviço que é prestado em a concorrência direta no mercado, com outras corporações e com empresas deste sector de atividade (facto 34);

-O trabalhador/ autor no seu dia a dia de trabalho, pode por exemplo, iniciá-lo com o transporte de um doente não urgente e por motivos de urgência desse mesmo paciente transportado, ter que integrar equipa de transporte de doente urgente, nomeadamente por ativação CODU - Centros de Orientação de Doentes Urgentes (facto 35);

-Em virtude de visita inspetiva ocorrida no dia 18 de Janeiro pelas 14:30 Horas da Autoridade para as Condições de Trabalho, perante o subsequente pedido de entrega de documentação entendida como relevante no âmbito dessa diligência e do respetivo processo contraordenacional n.º ...40, foi conferido o Livro de Ponto do aqui trabalhador/ autor, quanto aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro do ano de 2023, pelo Adjunto de Comando, tendo verificado que no mesmo consta erradamente as horas de inicio e termo dos seguintes dias de trabalho:

Mês de Outubro de 2023:

Dias - 2,3,4.5,9,10,11, 13,16,17,19,20,23,25,26,27,28 e 31;

Mês de Novembro de 2023:

Dias - 7,8,9,10,13,14,15,16,20,21,27,28,29 e 30;

Mês de Dezembro de 2023:

Dias - 4,6,7,8,12,13,18,19,20,21, 27 e 28 (facto 37);

Pelo que, analisando as horas de entrada e saída através do programa de gestão de ocorrências do Corpo de Bombeiros constata-se que o trabalhador/ autor, não registou de acordo com a verdade a maioria das horas de entrada e saída nos meses indicados (facto 38);

-O autor não tem passado disciplinar (facto 39);

-Com a sua conduta o trabalhador/ autor pode colocar em causa os procedimentos implementados por eventualmente os desconhecer em virtude de não ter cumprido com o período de instrução mínimo e a boa prática dos mesmos, nomeadamente quando em equipa com outro Bombeiro que tenha cumprido o tempo de serviço mínimo obrigatório do bombeiro voluntário (facto 40);

-O trabalhador / autor fez constar erradamente as horas de início e termo dos dias de trabalho supra referidos por sua iniciativa (facto 41).

Decorre destes factos provados que o trabalhador se colocou voluntariamente numa situação que o levou a transitar para o quadro de reserva, ficando assim impedido e exercer qualquer atividade operacional. Ora, tal perturbou a entidade empregadora/apelante no desempenho da sua missão, assim como os restantes bombeiros que faziam parte da sua equipa, pois que, nem podia ser por ele ministrada instrução, uma das caraterísticas funcionais que sempre assegurou, tendo sido necessário providenciar pela sua substituição.

A continuidade do vínculo laboral é insustentável para a entidade empregadora, porque não lhe pode distribui qualquer atividade ou tarefa durante 90 dias em que pode permanecer no quadro de reserva, mantendo a obrigação de pagamento do vencimento mensal do trabalhador, sem a correlativa contraprestação.

Acresce que fica na dependência da vontade do trabalhador bombeiro, de pedir nova inscrição para integrar o quadro ativo.

                Importa ter presente que o trabalhador/autor foi contratado porque já era bombeiro voluntário, qualidade que lhe permitiu ter as competências funcionais exigidas no identificado contrato de trabalho e também o conhecimento experienciado para ascender à categoria de bombeiro chefe, assim como o trabalhador/autor fez constar erradamente as horas de início e termo dos dias de trabalho por sua iniciativa, na sequência de visita inspetiva ocorrida no dia 18 de Janeiro pelas 14:30 Horas da Autoridade para as Condições de Trabalho, no âmbito do processo contraordenacional n.º ...40, em que foi conferido o livro de ponto do aqui trabalhador/ autor, quanto aos meses de Outubro, Novembro e Dezembro do ano de 2023.

                Ou seja, por outras palavras, como se demonstrou o recorrente além de bombeiro voluntário do Corpo de Bombeiros Voluntários detido pela recorrente, foi nesta veste que se apurou ter sido contratado pela mesma.[5]

“O que no caso dos autos resulta provado é que o trabalhador em causa tinha a categoria profissional de bombeiros e, nos termos da legislação aplicável, só podem exercer as funções para as quais foram contratados se pertencerem ao quadro ativo dos Bombeiros Voluntários, nos termos já explanados, sendo este um daqueles casos em que relações externas à relação jus-laboral impeditivas do trabalhador realizar a sua prestação se refletem naquela.

É por isso se reitera que o trabalhador em causa só pode exercer funções e cumprir missões de proteção e socorro se estiver no quadro ativo, pelo que tendo passado ao quadro de reserva se colocou voluntariamente em posição de não poder cumprir com as funções para as quais foi contratado.”[6]

Entende-se assim que esta é uma daquelas situações em que o facto é imputável ao trabalhador, já que foi este que se colocou numa situação que o levou a transitar para o quadro de reserva, ficando por isso impedido de exercer qualquer atividade operacional.

                                                                           *

Em suma, o autor violou os artigos 128º, nº 1, als. b), c) e h), artigo 351º, al. d), do CT.

Tendo em conta a imagem global dos factos, incluindo todas as suas circunstância e consequências, conclui-se – à luz de critérios de razoabilidade, exigibilidade e proporcionalidade – que com a sua conduta o autor tornou prática e imediatamente impossível a subsistência da relação laboral.                                      

                                                                           ***

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, com a consequente absolvição da ré dos pedidos formulados contra si pelo autor.

As custas devidas seriam pelo recorrido se não beneficiasse de isenção, nos termos do artigo 4º, nº 1, l. h), do RCP.

                                                      Coimbra, 30 de abril de 2025

Mário Rodrigues da Silva- relator

Paula Maria Roberto

Felizardo Paiva

                                                                           ***

Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC)

(…).
Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original


([1]) Foi alterado por este Tribunal para “tendo verificado que no mesmo constava erradamente as horas de inicio e termo dos seguintes dias de trabalho..”
([2]) Foi eliminado por este Tribunal dos factos não provados e transitada para o elenco dos factos provados passando a ter o nº 42.
([3]) Cf. Ac. do TRP, de 25-02-2023, 306/12, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt.

([4]) Cf. Ac. do STJ, de 16-10-2024, 3523/23, Mário Belo Morgado, www.dgsi.pt.

([5]) Aqui se distingue do Ac. do TRP, de 11-10-2018, 8687/17, Rita Romeira, www.dgsi.pt, já que contrato em causa foi celebrado para exercer as funções de maqueiro, atualmente por ter o curso de TAT, a desempenhar as funções de tripulante  de ambulância de transporte, não foi celebrado condicionado à circunstância de o mesmo prestar serviço de bombeiro voluntário.
([6]) Ac. do TRC, de 28-03-2025, 1002/24, Paula Roberto, de que o ora relator foi o 1º adjunto.