Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2194/19.2T8ACB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL DO INSOLVENTE
CRITÉRIO
Data do Acordão: 05/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE COMÉRCIO DE ALCOBAÇA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 235º, 236º E 239.º, N.º 3, ALÍNEA B), SUBALÍNEA I), DO CIRE.
Sumário: I – O princípio da dignidade humana decorrente do princípio do Estado de Direito, constante, designadamente das disposições conjugadas dos artigos 1.º, 13.º, n.º 1 e 63.º, n.ºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa, bem como do artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, impõe que todo o ser humano – e seu agregado familiar – tenha o necessário para um sustento minimamente digno.

II - Para determinar o valor a excluir do rendimento disponível do insolvente afetado ao fiduciário importa ter presente que, no juízo a formular, importa encontrar um equilíbrio entre, por um lado, o ressarcimento dos credores já que, como é sabido, a exoneração do passivo restante traduz-se num perdão de dívidas, com a inerente perda dos correspondentes créditos, e, por outro lado, a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor e do seu agregado familiar: “Ao sacrifício financeiro dos credores terá de corresponder o sacrifício da insolvente, tendo como limite uma vivência minimamente condigna”.

III - O artigo 239.º, n.º 3, alínea b), i), do CIRE deve ser interpretado no sentido de que a exclusão aí prevista tem como limite mínimo o que seja razoavelmente necessário para garantir e salvaguardar o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar e como limite máximo o valor equivalente ao triplo do salário mínimo nacional e que o “sacrifício financeiro dos credores legitima proporcional sacrifício dos insolventes”.

Decisão Texto Integral:

                Acordam, os Juízes, na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

                   I – RELATÓRIO

                   F..., casado, titular do cartão de cidadão n.º ... e do NIF ..., Avenida ..., e I..., titular do cartão de cidadão n.º ... e do NIF ..., residente na Avenida ..., vieram requerer a declaração da sua insolvência, formulando igualmente pedido de exoneração de passivo restante ao abrigo do disposto no artigo 235.º e seguintes do CIRE.

               Ambos os requerentes vieram a ser declarados insolventes por douta sentença proferida em 22.10.2019, oportunamente transitada em julgado.                                                                                         Por sua vez, o pedido de exoneração de passivo restante veio a ser deferido, em 23.01.2020, nos seguintes termos:

“Perante o acima exposto, declaro que a exoneração do passivo restante será concedida findo o período de cinco anos. Assim, durante esse período, o rendimento disponível que os devedores obtenham, em tudo o que exceder a quantia equivalente a um salário mínimo nacional, se considera cedido ao Sr. Fiduciário, que será nomeado em seguida. Igualmente se considera como rendimento disponível para efeitos de entrega o correspondente a subsídios de férias e de natal que venham a ser recebidos pelos insolventes.

Subjaz ao valor ora determinado o critério referente ao salário mínimo nacional, o qual nutre alicerces no princípio da dignidade humana, conforme resulta do artigo 738.º, n.º 3 do CPC.

Sob pena de não lhe ser concedido, a final, o pedido de exoneração do passivo restante, durante este período de cinco anos, advirto os devedores de que ficam obrigados a:

a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufiram, por qualquer título, e a informar o Tribunal e ao Fiduciário sobre os seus rendimentos e património, na forma e no prazo em que isso lhes seja requisitado;

b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregados, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que sejam aptos;

c) Entregar imediatamente ao Fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;

d) Informar o Tribunal e o Fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de dez dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;

e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do Fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.

De acordo com o artigo 239.º, n.º 2 do Cire, nomeio como Fiduciário o próprio Sr. Administrador da Insolvência.

O Fiduciário ora nomeado deverá anualmente dar cumprimento ao disposto no art. 241º do CIRE, enviando aos autos um relatório detalhado dos montantes cedidos pelos devedores e dos pagamentos feitos, em cumprimento da referida norma.

Na inexistência de valor cedido, deve o Fiduciário informar em conformidade.

No referido relatório deve ainda o Fiduciário informar quaisquer alterações referentes à situação patrimonial dos devedores.

Caso o Fiduciário tome conhecimento de qualquer violação dos deveres dos devedores deverá informar de imediato o Tribunal em conformidade.”

Inconformados com a decisão, vieram os requerentes/insolventes interpor o presente recurso de apelação, pretendendo a revogação da douta decisão de exoneração do passivo restante e a sua substituição por outra que conceda aos insolventes, a título de rendimento disponível, o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais.

Para o efeito, apresentam a motivação do recurso e respetivas conclusões.

Os recorridos não responderam ao recurso.

Foi, em 12.03.2020, proferido douto despacho de recebimento do recurso nos seguintes termos:

“Por estar em tempo, ter legitimidade, e ser recorrível o despacho liminar quanto ao pedido de exoneração do passivo restante, proferido a 23/01/2020, admito o recurso interposto, a 11/02/2020, por F... e I... (artigos 627.º, 629.º, 631.º, n.º 2, 637.º, 638.º, n.º 1 segunda parte, 639.º do CPC).

O recurso interposto é de apelação, sobe de imediato, em separado e assume efeito devolutivo (artigo 14.º, n.º 5 do Cire).

Instrua o apenso recursivo com certidão que integra as seguintes peças processuais: petição inicial, Sentença de insolvência, relatório elaborado nos termos do artigo 155.º do Cire, despacho liminar objecto do presente recurso, alegações de recurso e do presente despacho.

Remeta ao Tribunal da Relação de Coimbra, para Superior Decisão.

Notifique.”

Nesta Relação foi recebido o recurso, mantendo-se a espécie, efeito e regime de subida que haviam sido fixados em sede de 1.ª Instância.

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objecto do recurso

É pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o seu objeto – Cfr. designadamente, as disposições conjugadas dos art.ºs 5.º, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 640.º, nºs 1, 2 e 3, todos do C. P. Civil – sem prejuízo das questões que se apresentem como de conhecimento oficioso.

Face às conclusões da motivação do recurso, a única questão a decidir é a seguinte:

Saber se a decisão recorrida deve ser revogada – por violação do disposto no invocado art.º 239.º, n.º 3, alínea b), subalínea i), do CIRE – e substituída por outra que conceda aos insolventes, a título de rendimento disponível, o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais.

2. Os Factos Provados 

Resulta dos autos, nomeadamente da petição inicial apresentada pelos requerentes, dos documentos juntos por estes e do relatório apresentado pelo Sr. AI, com interesse para a decisão deste incidente, que:

1 - Os requerentes F... e I... são casados entre si no regime de comunhão de bens adquiridos desde 23 de junho de 1974 – docs. 1, 2 e 3.

2 - São pais de dois filhos maiores de idade e independentes e beneficiam de ajuda monetária dos mesmos, cujo montante concreto não foi apurado.

3 -  Têm, respetivamente, 68 e 67 anos de idade, encontram-se reformados, ele auferindo 299,49€ (doc. 4) e ela 300,41€ a título de pensão (doc. 5)

4 - Pagam de renda pela casa onde residem €428,00 mensais (doc. 7 e 8) e as despesas gerais comuns mensais ascendem a cerca de €79,40: eletricidade e gás natural - 57,09€ (doc.6) e água, saneamento e resíduos – 22,31€ (doc. 9).

5 - Os requerentes têm despesas regulares ao nível da alimentação e higiene.

6 - Os requerentes têm gastos regulares ao nível da frequência de médicos e à toma de medicação (doc. 10).

7 - Não têm antecedentes criminais (docs de fls. 121 e 122).

8 - Não são titulares de quaisquer bens (docs. 11 e 12).

3. O Direito

Cumpre apreciar e decidir a única questão colocada no presente recurso, que é a de saber se a decisão recorrida deve ser revogada – por violação do disposto no invocado art.º 239.º, n.º 3, alínea b), subalínea i), do CIRE – e substituída por outra que conceda aos insolventes, a título de rendimento disponível, o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais.

Ora, concluem os recorrentes:

Entendeu o Tribunal a quo, proferindo Despacho Inicial de Exoneração do Passivo Restante, determinar que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do presente processo de insolvência, o rendimento disponível que os insolventes venham a auferir superior a 1 (um) salário mínimo nacional, se considera cedido ao fiduciário nomeado;

Contudo, os recorrentes não concordam com a ponderação do Tribunal na fixação do valor em causa;

Isto porque, o Tribunal a quo não apreciou na plenitude a factualidade do caso concreto, resultando numa fixação de um valor correspondente ao sustento mínimo manifestamente insuficiente;

Não foram ponderadas as despesas inerentes ao dia-a-dia dos recorrentes, nomeadamente despesas relativas à habitação, alimentação, higiene, saúde, entre outras;

Ademais, não está em causa a adaptação dos insolventes ao nível de vida e consumos à realidade em que se encontram, porquanto sempre se pautaram por uma vida humilde;

A verdade é que o valor que lhes foi reservado como isento de cessão não é compatível com a dignidade que a Lei Fundamental exige e o critério que o artigo 239º, n.º 3, alínea b) – i do CIRE acolhe.

A determinação do montante necessário ao sustento digno dos insolventes inferior a 2 (dois) salários mínimos nacionais não lhes assegura uma vida condigna.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso, julgando-o procedente e, em consequência, revogando-se parcialmente o despacho recorrido, fixando o sustento mínimo mensal isento de cessão aos recorrentes em 2 (dois) salários mínimos nacionais.

Quid Juris?

Entendemos que, face às conclusões do recurso, e salvo o devido respeito, não assiste a razão aos recorrentes.

Com efeito, os recorrentes pretendem que a douta decisão recorrida seja revogada – por violação do disposto no invocado art.º 239.º, n.º 3, alínea b), subalínea i), do CIRE. – e substituída por outra que conceda aos insolventes, a título de rendimento disponível, o valor correspondente a dois salários mínimos nacionais.

Ora, como vimos supra, mostram-se provados os seguintes factos:

1 - Os requerentes F... e I... são casados entre si no regime de comunhão de bens adquiridos desde 23 de junho de 1974 – docs. 1, 2 e 3.

2 - São pais de dois filhos maiores de idade e independentes e beneficiam de ajuda monetária dos mesmos, cujo montante concreto não foi apurado.

3 -  Têm, respetivamente, 68 e 67 anos de idade, encontram-se reformados, ele auferindo 299,49€ (doc. 4) e ela 300,41€ a título de pensão (doc. 5)

4 - Pagam de renda pela casa onde residem €428,00 mensais (doc. 7 e 8) e as despesas gerais comuns mensais ascendem a cerca de € 79,40: eletricidade e gás natural - 57,09€ (doc.6) e água, saneamento e resíduos – 22,31€ (doc. 9).

5 - Os requerentes têm despesas regulares ao nível da alimentação e higiene.

6 - Os requerentes têm gastos regulares ao nível da frequência de médicos e à toma de medicação (doc. 10).

7 - Não têm antecedentes criminais (docs de fls. 121 e 122).

8 - Não são titulares de quaisquer bens (docs. 11 e 12).

Vejamos.

Dispõe-se nos art.ºs 235.º, 236.º, n.º1, e 239.º, do C.I.R.E.:

“Art.º 235.º:

Se o devedor for uma pessoa singular pode ser-lhe concedida a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste, nos termos das disposições do presente capítulo.

Art.º 236.º:

1 - Quando o devedor se apresente à insolvência, deverá formular nesse momento o pedido de exoneração do passivo restante, pois que o mesmo será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório.

Art.º 239.º:

3 – Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:

b) Do que seja razoavelmente necessário para:

i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional.”

Por outro lado, o princípio da dignidade humana decorrente do princípio do Estado de Direito, constante, designadamente das disposições conjugadas dos artigos 1.º, 13.º, n.º 1 e 63.º, n.ºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa, bem como do artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, impõe que todo o ser humano – e seu agregado familiar – tenha o necessário para um sustento minimamente digno.

Assim, designadamente no art.º 1.º da C. R. Portuguesa, a propósito, estatui-se:

“Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana…e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”.

Ora, como já consideramos em outros arestos por nós relatados, para determinar o valor a excluir do rendimento disponível do insolvente afetado ao fiduciário importa ter presente que, no juízo a formular, importa encontrar um equilíbrio entre, por um lado, o ressarcimento dos credores já que, como é sabido, a exoneração do passivo restante traduz-se num perdão de dívidas, com a inerente perda dos correspondentes créditos, e, por outro lado, a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor e do seu agregado familiar: “Ao sacrifício financeiro dos credores terá de corresponder o sacrifício da insolvente, tendo como limite uma vivência minimamente condigna” – Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25.10.2012, Proc.º n.º 3359/12.3TBOER-E.L1-2, in www.dgsi.pt). Ou seja, o artigo 239.º, n.º 3, alínea b), i), deve ser interpretado no sentido de que a exclusão aí prevista tem como limite mínimo o que seja razoavelmente necessário para garantir e salvaguardar o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar e como limite máximo o valor equivalente ao triplo do salário mínimo nacional e que o “sacrifício financeiro dos credores legitima proporcional sacrifício dos insolventes” – Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 20.06.2012, Processo n.º 319/11.5TBPCV-E.C1, in www.dgsi.pt).

Assim, perante esta jurisprudência que, ao que julgamos, se mostra essencialmente uniforme, e ponderando ainda que o agregado familiar dos requerentes é constituído apenas por eles, e que os dois filhos maiores e independentes os auxiliam económica e financeiramente, mostra-se ainda correto o decidido na douta sentença recorrida a este respeito, a saber, a exclusão do valor equivalente a um salário mínimo nacional.

Pelo que se nos afigura ainda adequado manter como limiar do rendimento disponível o valor fixado pelo Tribunal a quo, correspondente a uma vez o salário mínimo nacional.

É que permitir um alargamento, nos termos pretendidos pelos recorrentes, desse rendimento disponível, significaria desequilibrar o balanceamento que aqui é preciso fazer entre as necessidades dos insolventes e os direitos dos credores em verem satisfeitos, na medida do possível, os seus créditos. 

De facto, o instituto da exoneração do passivo restante, para ser concedido, tem uma contrapartida que exige, necessariamente, um certo sacrifício económico do requerente/insolvente (e seu agregado familiar, se o houver), ou seja o valor definido para “o sustento minimamente digno” obrigará o insolvente a viver, nos próximos cinco anos, “com comedimento e modéstia.”

Ora, in casu, ponderando os interesses em jogo e as necessidades dos requerentes, encontrando-se o rendimento mínimo mensal garantido fixado pelo Decreto-Lei n.º 117/2019, de 20 de novembro, em €635,00, entende-se como justo e equilibrado, atenta a situação económica dos requerentes, que o rendimento disponível dos devedores/insolventes, objeto da cessão, seja integrado por todos os rendimentos que aos insolventes advenham a qualquer título, desde que em quantia superior a um salário mínimo nacional, como decidido na douta decisão recorrida.

Por conseguinte, “na determinação do que se deva considerar por mínimo necessário ao sustento digno do devedor, a opção do legislador foi, pois, a de utilizar um conceito aberto, que tem por subjacente o reconhecimento do princípio da dignidade humana assente na noção do montante que é indispensável a uma existência condigna, a avaliar na particularidade da situação do devedor em causa. Está-se sem dúvida perante um juízo de ponderação casuística do juiz relativamente ao montante a fixar.” - Ac. da RL de 18/1/2011 no Proc. 1220/10.5YXLSB-A.L1-7 in www.dgsi.pt. – sendo que “a medida da exoneração do passivo restante, destinada a permitir ao requerente a futura reintegração na vida económica, livres, então, das dívidas antigas, que provavelmente os acompanhariam por grande parte da vida, necessita de ter um correspectivo, uma razão justificativa, sob pena de parecer ser uma medida arbitrária. Ou seja, só há justificação para se aceder a este benefício se houver uma contrapartida meritória, sendo esta constituída pela assumpção de uma vida pautada pelo máximo de privação e poupança a favor dos credores durante cinco anos.” - Acs. da RL de 18/1/2011 no Proc. 1220/10.5YXLSB-A.L1-7 e da RC no 1826/09.5T2AVR-C.C1, ambos in www.dgsi.pt.

Assim, “constitui dever do insolvente adaptar o seu estilo e nível de vida ao padrão social condizente com a situação em que, imprevidentemente, se colocou, tratando-se, no fundo, da contrapartida decorrente da concessão do benefício da exoneração do passivo restante.” e “deste modo, não serão simplesmente as despesas enunciadas ou comprovadas que devem justificar o montante do rendimento indisponível no período da cessão, mas apenas aquelas que razoavelmente se justifiquem, traduzindo uma efectiva adaptação do padrão de vida do insolvente ao estatuto que lhe foi conferido” – Acs. da RL de 13.12.2012 e de 09.04.2013 in www.dgsi.pt..

Quer dizer: o valor a fixar terá de levar em consideração as particularidades de cada caso, devendo ponderar-se, por um lado, que se está perante uma situação transitória, durante a qual os insolventes deverão fazer um particular esforço de contenção de despesas e de percepção de receitas de molde a atenuar ao máximo as perdas que advirão aos credores da exoneração do passivo restante e, por outro lado, atender ao que é indispensável para, em consonância com a consagração constitucional do respeito pela dignidade humana (artºs 1º, 59º, nº. 2, al. a) e 63º, nºs 1 e 3 da CRP), assegurar as necessidades básicas do insolvente e do seu agregado familiar.

Aliás, “no âmbito da exoneração do passivo restante a determinação do rendimento disponível para cessão não tem como limite mínimo o salário mínimo nacional, para cada devedor, quando os devedores declarados insolventes vivam em economia comum.” – Ac. do S. T. J., de 24 de fevereiro de 2015, in Colectânea de Jurisprudência/Acórdãos do S. T. J., Ano XXIII, Tomo I/2015, págs. 124 a 126.

Por conseguinte, in casu, ponderando os interesses em jogo e as necessidades dos requerentes, encontrando-se o rendimento mínimo mensal garantido fixado pelo Decreto-Lei n.º 117/2019, de 21 de novembro, em €635,00, entende-se ainda como justo e equilibrado, atenta a situação económica dos requerentes, únicos elementos do agregado familiar, que o seu rendimento disponível, objeto da cessão, seja integrado por todos os rendimentos que aos insolventes advenham a qualquer título, desde que em quantia superior a um salário mínimo nacional, como decidido na douta decisão recorrida.

Em suma, deve, pois, improceder esta única questão recursiva suscitada pelos recorrentes.

Pelo exposto, e sem mais considerações, por desnecessárias, deve improceder, pois, o recurso interposto, mantendo-se a douta decisão recorrida, porquanto se não mostra terem sido nela violados designadamente o invocado art.º 239.º, n.º 3, alínea b), subalínea i), do CIRE, nem o (implicitamente) invocado princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de Direito, constante, designadamente, das disposições conjugadas dos art.ºs 1.º, 13.º, n.º 1 e 63.º, n.ºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa, bem como do art.º 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Improcede, pois, esta única questão recursiva, porquanto o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, não violou, designadamente, o disposto no invocado art.ºs 239.º, n.º 3, alínea b), subalínea i), do CIRE, nem o (implicitamente) invocado princípio da dignidade humana, decorrente do princípio do Estado de Direito, constante, designadamente, das disposições conjugadas dos art.ºs 1.º, 13.º, n.º 1 e 63.º, n.ºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa, bem como do art.º 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

III – DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes, na 1ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Coimbra:

1 - Julgam improcedente o presente recurso.

2 - Mantêm a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

                                                                Coimbra, 04 de maio de 2020