Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JOÃO ABRUNHOSA | ||
Descritores: | CRIME DE OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA EMPURRÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/09/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CINFÃES | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART.ºS 30º, 47.º, N.º 1, 71º, 77.º, N.º 1 E 143.º, 181.º, N.º 1, 183.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B) E 212.º, N.º 1 , TODOS DO CÓDIGO PENAL . | ||
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Sumário: | I - A ofensa integradora do crime de ofensa à integridade física, do artigo 143.º do Código Penal, é qualquer alteração desfavorável produzida no organismo de outrem, anatómica ou funcional, local ou generalizada, de natureza física ou psíquica, seja qual for o meio empregado para a produzir, não se exigindo que dela resulte dor ou lesão externa, mas a ofensa não poderá ser insignificante, segundo um critério da adequação social.
II - A acção física para empurrar outrem para trás, com força, como manifestação de desagrado e com intenção molestar fisicamente o ofendido, provocando-lhe dor e desconforto, integra a prática de um crime de ofensa à integridade física. III - Não é socialmente adequado manifestar desagrado empurrando outrem, porque tal acto ultrapassa o nível geralmente habitual e socialmente tolerado de impacto físico no corpo de outrem. IV - Seria paradoxal que se para manifestar desagrado o agente insultasse ou ameaçasse outrem cometeria um crime de injúria ou ameaça, mas já não cometeria qualquer crime se se limitasse a usar da força física para o empurrar causando-lhe desconforto. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: João Abrunhosa Adjuntos: Maria José Guerra Cândida Martinho *
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Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: No Juízo de Competência Genérica de Cinfães, por sentença de 24/10/2024, foi o Arg.[1] AA, com os restantes sinais dos autos, absolvido e condenado nos seguintes termos : “... No que diz respeito à parte criminal: Face exposto, tendo em atenção as considerações aduzidas e as normas legais citadas, o Tribunal julga a acusação pública procedente e a acusação particular improcedente e, em consequência, decide: A) Absolver o arguido AA da prática de um crime de injúria agravado, p. e p. pelos artigos 181.º, n.º 1 e 183.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal; B) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de €: 5,50; C) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à razão diária de €: 5,50; D) Em cúmulo jurídico das penas referidas, condenar o arguido AA, na pena única de 135 dias de multa, à razão diária de €: 5,50, o que perfaz o montante global de €: 742,50 (setecentos e quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos); E) Condenar ainda o arguido AA no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça criminal em 2 UC. * No que diz respeito à parte civil: Pelo exposto, decido julgar o pedido de indemnização civil deduzido por BB parcialmente procedente e, consequentemente condenar o arguido AA a pagar a quantia de €: 250,00 (duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados e a quantia de €: 300,00 (trezentos euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação da sentença até efetivo e integral pagamento. Não há lugar ao pagamento das custas cíveis, face ao estabelecido no artigo 4.º, n.º 1, al. n) do Regulamento das Custas Processuais. * Notifique. * Após trânsito, remeta boletim à D.S.I.C. * Consigna-se que, não obstante a idade do arguido à data da prática dos factos, em face da pena aplicada ao mesmo, não é aplicável aos presentes autos o regime de perdão de penas previsto na Lei n.º 38-A/2023 de 02.08 – artigo 3.º, n.º 2, alínea d), parte final do citado diploma. ...”. * Não se conformando, o Arg., interpôs recurso, com os fundamentos constantes da motivação, com as seguintes conclusões: “... 1º O art 143 ,nº1 do CP prevê que quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 2º Consta do ponto sete da matéria dada como provada que o arguido agarrou o assistente e empurrou-o com força para a sua retaguarda, o que provocou como se diz no ponto dez dor e desconforto. 3º É consabido que o empurrão se traduz numa acção forte que leva a pessoa a deslocar-se. Todavia assume vários graus de gravidade. 4º Ora, do empurrão perpetrado pelo arguido ao ofendido não resultou qualquer escoriação, hematoma ou outra qualquer lesão na pessoa do assistente. Pelo que se deverá considerar que a sua gravidade é reduzida. 5º Se tivesse causado dor, teria o ofendido recorrido a cuidados médicos para que fossem prescritos os medicamentos certos para alívio da mesma, assim actuaria o homem médio colocado na mesma situação do ofendido. 6º Também não afectou a saúde do assistente, não gerando qualquer incapacidade para o seu trabalho como padeiro, que é um trabalho que exige bastante esforço físico. 7º Assim, se alguma lesão provocou o acto do arguido a mesma foi insignificante. 8º Ora, o crime de ofensa à integridade física é um crime de resultado, ou seja, só existe crime se a conduta do agente provoca ofensa no corpo ou na saúde do ofendido, caso essa lesão seja grave, o suficiente para considerar-se juridicopenalmente típica e ilícita. É essa a tese dominante na jurisprudência(cfr entre outros o ac da RP de 2-04-2021 no proc 1132/18.4PBMTS.P1,ac da RE de 21-05-2013 no proc 74/09.9GBGLG.E1,ac RP de 11-06-2003 no proc nº 1470/03 todos disponíveis in www.dgs.pt 9º Segundo o disposto na art 212, nº 1 do CP pratica o crime de dano quem destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia 10º Dos factos provados consta que o arguido pegou numa mesa e empurrou-a tendo esta batido num balcão frigorifico tendo provocado uma amolgadela na porta 11º Não se provou qualquer estrago na mesa, mas apenas no balcão frigorifico correspondente a um prejuízo no bem, supostamente propriedade do assistente, no valor de 250,00€. 12º O crime de dano é um crime doloso. 13º Ou seja, o agente tem de saber ou representar que o resultado da sua acção sacrifica coisa alheia(cft Ac da RC de 17 -02-214 no proc nº 140/10.8 GAPTL.G2 publicado em www gde.mj.pt Consiste o dolo, neste crime, na consciência e vontade de destruir, danificar ou desfigurar a coisa alheia, com o fim de lesar a propriedade de outrem(Leal Henrique Simas Santos, CP 1982, vol 4 1987 Rei dos Livros pg 117) 14º Assim, embora se verifique o elemento objectivo do crime, faltou o elemento subjectivo, isto é, o dolo 15º De facto, as circunstâncias em que, o comportamento do arguido ocorreu denotam que o arguido não pretendia danificar o objecto onde o prejuízo se verificou, mas apenas reagir contra o facto de ser posto fora do estabelecimento. 16º Na verdade, foi na sequência de uma altercação entre ofendido e arguido, pelo facto da atitude do ofendido em dar a ordem de saída da padaria ao arguido, que sucedeu o empurrão ao ofendido e também na mesa, ou seja, o arguido não pretendeu causar qualquer dano no bem, supostamente do ofendido. 17º Independentemente disso, o balcão continuou a ser usado e utilizado pelo assistente, sendo o prejuízo causado diminuto não merecendo a tutela penal. 18º Considerando ambos os crimes merecedores de tutela penal sempre se deveria ter em conta na determinação concreta das respectivas penas o que dispõe o art 71 do CP 19º A determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido deverá ser feita em função da sua culpa, do grau de ilicitude do facto, das exigências de prevenção de futuros crimes e outras circunstâncias estabelecidas no referido artigo 71 do CP. 20º Toda a pena tem como suporte axiológico-normativo a culpa concreta sendo que esta é a causa final da determinação da pena, sem prejuízo das considerações de prevenção geral e especial (artigo 71.º deste código), não podendo nunca a medida concreta da pena ultrapassar a culpa do agente. 21º A pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito e a culpabilidade, seu pressuposto e limite último, e seja possível, pelo menos o cumprimento da missão ressocializadora da própria pena com respeito ao próprio arguido, acrescendo deste modo o fim da prevenção especial. 22º Os factos ocorrerem no dia 15-10-2022, pelas 5:30h, em que o arguido, acompanhado por duas pessoas, se deslocou à “Padaria ...”, sita na Rua ... em ..., explorada pelo assistente BB, tendo sido servido pelo assistente, permanecendo dentro do estabelecimento, a consumir. Pouco depois, o assistente pediu ao arguido e às pessoas que o acompanhavam que fizessem menos barulho. Como o arguido não acatou ordenou-lhe que saísse 23º Dado que as padarias apenas devem abrir às 6 horas, o ofendido teria praticado uma infracção ao ter a mesma aberta ao público, servindo a desoras o arguido e os companheiros 24º O ofendido tem mais de 60 anos, e o arguido tinha 21 anos, notando que ele teria excesso de álcool , na expressão por si utilizada não “estaria sozinho”, deveria actuar de modo diferente até porque ficou com medo da reacção do arguido ao impor a sua saída da padaria. 25º O ofendido prevaricou ao ter a padaria aberta ao público àquela hora e principalmente, ter tido uma atitude prepotente e vexatória que constitui uma provocação, embora ténue, mas que contribuiu para o comportamento da vítima , dando o empurrão no ofendido e na mesa, ou seja, o arguido agiu num estado de emoção que foi provocado pelo assistente, agravado por algum excesso de álcool , que não o isentando de culpa a diminuem. 26º Ora, tais factos, não deveriam ser ignorados pelo julgador e deveriam ser tidos em conta no processo de determinação da pena pelos referidos crimes, designadamente sobre a ponderação do grau de culpa do arguido/recorrente, diminuindo-a, com os inerentes reflexos na medida concreta da pena. 27º As consequências de ambos os empurrões não foram de elevada gravidade, como atrás foi dito, para merecerem uma pena concreta de 90 dias de multa para cada um dos crimes . 28º Quanto à conduta anterior aos factos e posterior, o arguido não tem antecedentes criminais e o facto de não estar presente no julgamento não pode militar contra si, como resulta da douta sentença, até porque, 29º Requereu a justificação da falta por estar doente, tendo a mesma sido relevada. 30º O arguido tinha, na altura, pouco mais de 21 anos, o que deveria ser tido em consideração, embora tal não constitua atenuação especial, mas poderia, uma eventual redução da pena, contribuir para uma maior socialização e integração do arguido, tanto mais que antes dos factos e depois deles tem manifestado um comportamento exemplar. 31º Acresce que, se a pena aplicada a cada um dos crimes diminuísse para 30 dias de multa para cada um deles, o arguido estaria abrangido pela regime de perdão da pena previsto na Lei nº 38-A/2023 de 2-08, nos termos do disposto no art 3, nº2, alínea d), uma vez que, em cúmulo jurídico, não lhe seria aplicada pena superior a 120 dias de multa 32º Dispõe o artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil, que “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”. 33ª Ora, atentos os factos dados como provados, o arguido só praticou os factos , ambos os empurrões, após o vexame de receber uma ordem de saída daquele local, onde só entrou porque o assistente transgrediu. 34º Embora a culpa do assistente não seja igual à do arguido, foi o estado emocional deste que contribuiu para aquelas condutas . 35º Assim, a culpa do ofendido, ainda que reduzida tem sempre de ser ponderada no confronto com aquela demonstrada pelo arguido recorrente, justificando-se plenamente que os danos sofridos pelo demandante não possam ser ressarcidos integralmente pelo aqui arguido/demandado, devendo, por isso, ser diminuída essa sua obrigação 36º A douta sentença a quo violou o disposto, entre outros, no art 143 nº 1, 212 nº1, 71 do CP, e 570, nº 1 do CC. 37º Pelo exposto deve, pois, dando-se provimento ao recurso, ser revogada a sentença e substituída por outra que absolva o arguido, ou, caso assim não se entenda, seja reduzida a pena de ambos os crimes para 30 dias de multa para cada um deles, com a consequente redução do cúmulo jurídico 38º A absolvição do arguido em ambos os crimes levará à absolvição no pedido civil, ou, caso seja condenado na parte criminal em multa inferior àquela em que foi condenado, deverão os montantes da indemnização serem reduzidos quer no que diz respeito aos danos morais, quer quanto aos danos patrimoniais Assim se fará, o que se requer e espera JUSTIÇA ...”. * A Exm.ª Magistrada do MP[2] respondeu ao recurso, para além do mais, nos seguintes termos: “... II - A Posição do Ministério Público Entende o Ministério Público que carecem de fundamento as pretensões do recorrente/arguido, não merecendo a douta sentença recorrida qualquer reparo. Senão vejamos. 1. Da relevância criminal dos crimes de ofensa à integridade física e dano Do crime de ofensa à integridade física O crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no n.º 1 do artigo 143.º do Código Penal, estatui que «quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa». O bem jurídico que a norma incriminatória protege é a integridade física e psíquica da pessoa em si mesma e enquanto tal, tratando-se de um crime de dano (quanto ao bem jurídico violado) e de resultado (quanto ao objeto da ação). No que concerne ao bem jurídico tutelado, como lesão corporal tipicamente relevante, inclui-se “toda a alteração anatómica ou patológica”, toda a “perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas” - cfr. Prof. Pinto da Costa, Ofensas Corporais - Introdução ao seu Estudo Médico-Legal, Colóquio de 01.03.83, Aula Magna da Faculdade de Medicina do Porto. Por consequência, o elemento objetivo do artigo 143.º do Código Penal fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde de uma pessoa, independentemente da dor ou sofrimento causados ou de uma eventual incapacidade para o trabalho. Assim, “integram o elemento típico as atuações que envolvam uma diminuição da substância corporal, como a perda de órgãos, membros ou pele, lesões da substância corporal, como nódoas negras, feridas ou inchaços, alterações físicas ou perturbação de funções físicas. Objeto da ação é o corpo humano de outra pessoa. As lesões psíquicas cobertas por este segmento típico são tão-somente aquelas que, simultaneamente, causem um efeito físico, pelo modo ou intensidade de que se revestem. Outro tipo de perturbações do bem-estar psíquico poderá integrar uma lesão da saúde. (…)” Qualifica-se de lesão na saúde “toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a, aqui se incluindo toda a produção ou aprofundamento de uma constituição patológica” (M/S/Maiwald I 81, citado na mesma obra, p. 207), toda a intervenção que perturbe o silêncio orgânico. (…) Considera-se lesão à saúde tanto a criação de um estado de doença(v.g. através de uma infeção, do contágio de uma doença sexualmente transmissível ou por qualquer outra via, sendo irrelevante a necessidade de intervenção do médico no sentido da cura ou a duração da doença, para efeitos de integração deste tipo) como a manutenção ou agravamento de um estado de doença ou sofrimento já existente (v.g. omissão de administração de medicamentos para minorar a dor de um paciente ou prescrição de medicamentos sem conhecimentos médicos para os efeitos)” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 28.02.2012, relator Fernando Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt. Deste modo, exige-se uma apreciação da gravidade da lesão, fundada em critérios objetivos (como a duração e a intensidade do ataque ao bem jurídico e necessidade da tutela penal), sendo condição dessa relevância típica que a agressão do bem jurídico assuma um grau mínimo de gravidade descortinável segundo critérios de adequação social – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da CEDH, 4.ª ed., UCE, 2021, pág. 602. No mesmo sentido, Figueiredo Dias explica que as lesões insignificantes estarão excluídas do tipo penal, tendo em conta que os tipos penais não são neutros, mas antes exprimem já, e de uma forma global, um sentido social de desvalor – cfr. Direito Penal, 2004, pág. 277. Em suma, para que o tipo legal em apreço se considere preenchido, deverá verificar-se, materialmente, uma lesão efetiva do bem jurídico tutelado, enquanto consequência necessária da ação ilícita, através de uma atuação consciente, deliberada e esclarecida do agente, molestando o corpo do ofendido ou a sua saúde, nomeadamente provocando lesões físicas ou psíquicas neste, cuja gravidade seja suficiente para exigir a proteção do referido bem jurídico. Tal crime abrange qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independente de esta provocar lesão corporal, como decorre do Assento n.º 2/92 do STJ de 18 de dezembro de 1991 (in DR, serie I-A de8 de Fevereiro de 1992) que declara: “integra o crime do art.º143.º do Código Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho.” – datado de 04.05.2022, relatora Cláudia Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt. Por fim, no que respeita ao elemento subjetivo do tipo, o crime em análise exige o dolo do agente – enquanto conhecimento e vontade de realização da ação típica -em qualquer uma das suas modalidades, de acordo com o artigo 14.º do Código Penal. Resultou da factualidade acima aduzida que o arguido AA, efetivamente, atingiu o corpo do ofendido BB com o empurrão desferido no peito deste, fazendo com que este recuasse do local onde se encontrava – conduta que, provocou dor, gerou pressão e violência sobre o corpo do ofendido. Na verdade, a jurisprudência vem entendendo que um empurrão, de acordo com as circunstâncias, merece a tutela do Direito, consistindo numa efetiva violação do bem jurídico protegido pela norma, a saber o corpo e a saúde da vítima, na medida em que sempre estará em causa uma conduta que supõe o exercício de força contra o corpo do visado – o que basta para o preenchimento da tipicidade objetiva do crime – assim, Tribunal da Relação de Coimbra de 08.05.2019, relatora Maria Pilar de Oliveira, disponível em www.dgsi.pt. De facto, «as lesões insignificantes estão excluídas do tipo de crime do artigo 143.º do Código Penal. O ato de “empurrar” envolve, em princípio, uma certa violência sobre o corpo de outra pessoa, e pode situar-se na fronteira da (i)licitude penal. Assim, um empurrão num transporte coletivo, ou um empurrão para afastar alguém que se aproxima demasiado, não serão condutas típicas; mas já o será o “desferir empurrões nos ombros de outra pessoa na sequência de discussão que se gerou entre ambas”» - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.10.2012, relator Ana Barata Brito, disponível em www.dgsi.pt. Mais se veja o aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, de 07.03.2012, relatado por Alice Santos, disponível em www.dgsi.pt, o qual sumariou que “pratica o crime de ofensa à integridade física aquele que, voluntária e conscientemente desfere um empurrão com ambas as mãos no peito do ofendido, desequilibrando-o, ainda que não lhe cause qualquer lesão”. Isto posto, resulta da factualidade dada como provada que o empurrão dado pelo arguido ao ofendido não ocorreu por mero descuido ou incúria, mas no âmbito de uma discussão havida entre ambos, iniciada pelo arguido, pelo que entendemos que a conduta do arguido sobre o ofendido apresenta gravidade suficiente para merecer a tutela do Direito. Assim, o arguido sabia e quis lesar o corpo de BB, o que conseguiu, pelo que, inexistem dúvidas de que o arguido AA, com a sua conduta preencheu os elementos objetivo e subjetivo integrantes do crime de ofensas à integridade física simples p.e p. no artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal. Do crime de dano Dispõe o artigo 212.º n.º 1 do Código Penal “quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. No crime de dano o bem jurídico protegido é a propriedade, isto é, protege a propriedade alheia contra agressões que atingem diretamente a existência ou integridade do estado da coisa. A incriminação não protege direta e tipicamente o património, podendo afirmar-se, por isso, que o dano não configura um crime contra o património embora o prejuízo patrimonial configure uma consequência ou efeito do dano. A propriedade constitui o bem jurídico protegido por tais normativos; aliás, sempre cumpre referenciar que o direito à propriedade encontra esteio e consagração constitucional, conforme se pode aferir da leitura do artigo 62.º da Lei Fundamental. Todavia, tal asserção não deve ser considerada em sentido estrito. Com efeito, subscrevemos a posição de Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direito do Homem”, 3.ª Ed., Universidade Católica Portuguesa, p. 833, quando afirma que “o conceito penal de propriedade inclui o poder de facto sobre a coisa, com fruição das utilidades da mesma. (…) Portanto, ofendido no crime de dano é a pessoa proprietária, possuidora ou detentora legítima da coisa”. Neste segmento, aludiremos também ao Acórdão n.º 7/2011 (publicado no Diário da República, n.º105, Série I, de 31-05-2011), que fixou jurisprudência neste sentido, considerando ofendido, no âmbito deste ilícito criminal, o proprietário da coisa “destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada”, e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa, for afetado no seu direito de uso e fruição. Ora, o objeto da ação "coisa alheia" tratar-se-á de coisa materialmente apreensível ou, de qualquer forma exposta à ação (destruidora ou modificativa) do homem. A ação será o ato de destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável. O crime de dano é um crime material, consumando-se com a efetiva destruição (total ou parcial), danificação, desfiguração ou inutilização da coisa, isto é, a consumação começa com a produção da lesão ou defeito da coisa. A destruição configura a perda da coisa, e a consequente desintegração da sua substância, e que pode ser total – no seu todo – ou apenas em parte. Já a danificação significa a ofensa relevante à materialidade ou integridade da mesma, que acarrete uma imperfeição ou falha (física ou de funcionamento) mas sem que tal signifique a sua completa destruição. Por sua vez, a desfiguração consubstancia uma modificação da imagem exterior da coisa, que altere a sua representação extrínseca. A inutilização reporta-se a uma diminuição da utilidade da coisa, atendendo à função que a mesma assegurava. No que concerne ao elemento subjetivo, temos que se trata este de um crime exclusivamente doloso, mas que admite o dolo em qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal, ou seja, direto, necessário ou eventual. Deste modo, em virtude da factualidade dada como provada, verifica-se que o arguido AA preencheu os elementos objetivo e subjetivo do tipo legal do crime de dano, nos termos do disposto no artigo 212.º do Código Penal. 2. Da medida da pena Os n.ºs 1 e 2 do artigo 40.º do Código Penal dispõem que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo certo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.” Na esteira do Prof. Figueiredo Dias, entendemos que “a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto.” Esta proteção dos bens jurídicos traduzir-se-á na tutela das expectativas da comunidade em manter em vigor a norma infringida e, assim, numa ideia de prevenção geral positiva ou prevenção de integração, que decorre do princípio de política criminal da necessidade da pena consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição. Assim, na determinação da pena haverá que atender “a uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, sendo certo que abaixo desse ponto óptimo de tutela, outros existem em que a tutela ainda é efectiva, até se alcançar um limiar mínimo, abaixo do qual não é comunitariamente suportável a fixação da pena, sem se pôr em causa a sua função tutelar.” Mas, a medida da pena não poderá, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. Dentro dos limites da prevenção geral positiva ou de integração -o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de tutela dos bens jurídicos - atuam razões de prevenção especial de socialização que determinam, em último termo, a medida da pena. Visa-se com a prevenção especial evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reinserção na comunidade, só, assim, se alcançando uma eficácia ótima de proteção dos bens jurídicos. Define-se, deste modo, a culpa como pressuposto e limite da pena, e a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade como seus fins. Por sua vez, no artigo 70.º do Código Penal, o legislador revela uma preferência pelas penas não detentivas, na sequência do princípio da máxima restrição da aplicação da pena de prisão, sendo certo que apenas se deverá optar por uma pena de prisão quando tal seja imposto pelos fins das penas: a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º daquele diploma legal. Definida em abstrato a moldura atentos os critérios deste preceito legal, estabelece o artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal que a determinação da pena “é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.” Aqui chegados e descendo ao caso concreto, cabe aferir se a sentença recorrida violou os supra expendidos critérios de determinação da pena. Entendemos que não. Vejamos, Conforme resulta da matéria de facto dada como provada e em virtude das considerações jurídicas agora aduzidas, tendo em conta a violação pelo arguido de bens jurídicos distintos, conclui-se que o arguido cometeu, em concurso efetivo: - um crime de ofensas à integridade física simples, previsto no n.º 1 do artigo 143.º do Código Penal e punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa; - um crime de dano previsto pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal e punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Aqui chegados, entendemos que a sentença recorrida fez uma cuidada ponderação das circunstâncias enunciadas no artigo 71.º do Código Penal que depunham a favor do arguido e contra ele e, vistas as circunstâncias dadas como provadas e ponderadas no sentença, há-de convir-se que a redução dessa pena não será sustentável, pois poria certamente em causa a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais. Assim sendo, parece-nos ser clara a inviabilidade da pretensão do arguido em ver reduzida na sua medida a pena em que foi condenado. Pelo exposto, tendo presentes os fatores e ensinamentos supra referidos e, sem olvidar Que uma pena deve assumir-se como uma censura suficiente do acto e constituir um verdadeiro sacrifício e, simultaneamente, garantir à comunidade a validade e vigência da norma violada, entendemos que a Mma. Juiz a quo, ao fixar a pena única de 135 dias de multa, à razão diária de € 5,50, ponderou cabal e corretamente, a medida da culpa do arguido e as exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir. * Assim sendo, em face do juízo de ponderação efetuado, entende o Ministério Público que o recurso interposto pelo arguido deverá improceder, mantendo-se, na íntegra a sentença recorrida, a qual não merece qualquer reparo. ...”. * Neste tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer com, para além do mais, seguinte teor: “... Ao recurso respondeu doutamente a Exma. Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela improcedência do recurso, em termos que, pelo seu acerto e eloquência, reclamam a nossa adesão e nos dispensam de outras considerações complementares para além daquelas que, brevemente, se seguem. Assim, Não tendo o arguido impugnado validamente, isto é, nos termos do art.º 412º.3 e 4. o CPP, os factos provados 9., 10., 11., 12. e 13., e sendo jurisprudência pacífica que a simples dor é suscetível de configurar ofensa ao corpo, para efeitos da previsão do art.º 143º do Cód. Penal[3], e que, para integrar a previsão do art.º 212º do mesmo diploma legal, não é necessário que a coisa perca a sua funcionalidade, bastando que seja desfigurada, mais não cumpre se não concluir pela verificação, in casu, de todos os elementos típicos dos crimes de ofensa à integridade física simples de dano, pelo que a condenação do arguido, manifestamente, não é merecedora de qualquer censura. Um segundo e último comentário apenas para consignar que, atenta a matéria de facto provada e aos critérios constantes nos art.ºs 70º e 71º do Cód. Penal, e como bem o demonstra o Ministério Público na sua resposta, a pena em que o arguido foi condenado revela-se justa e adequada à satisfação das finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, à culpa do arguido e às exigências de prevenção especial de socialização, razão pela qual também nesta parte deve o recurso improceder. Não pode, contudo, deixar de se assinalar a inocuidade da original argumentação expendida pelo arguido para atenuar a sua culpa, atribuindo o sucedido ao facto de o assistente ter aberto o seu estabelecimento meia-hora mais cedo que seria suposto e de ter pedido ao arguido que se deslocasse para o exterior por estar a fazer muito barulho, ao ponto de, a dado passo do seu recurso, com certeza inadvertidamente, se referir a si próprio como «vítima». Em síntese, também nós somos de parecer que o recurso interposto pelo arguido AA deve ser julgado improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida. ...”. * O Arg. respondeu a este parecer, reafirmando a posição assumida na motivação do seu recurso. * A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal. Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis, ou seja, os princípios da verdade material, da livre apreciação da prova e “in dubio pro reo”. Tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está ainda sujeita aos princípios da publicidade, da oralidade e da imediação. O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto: “... A) Factos Provados: Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir: Das Acusações Pública e Particular: 1. No dia o dia 15-10-2022, pelas 05h30, o arguido, acompanhado por duas pessoas, deslocou-se à “Padaria ...”, sita na Rua ..., ... ..., explorada pelo Assistente BB. 2. Nessa ocasião, o arguido foi servido pelo Assistente e permaneceu dentro do estabelecimento, a consumir. 3. Pouco depois, o Assistente pediu ao arguido e às pessoas que o acompanhavam que fizessem menos barulho, por ser de madrugada e haver residências nas imediações. 4. O arguido não acatou tal pedido e o Assistente pediu-lhes que saíssem do estabelecimento. 5. Nessa sequência, o arguido dirigiu ao assistente a expressão «estás feito burro». 6. Perante tal, tendo temido pela reação do arguido, solicitou aos três que se deslocassem para o parque de lazer que existe nas proximidades e que seria um local onde poderiam fazer barulho. 7. De imediato, o arguido entrou na zona de fabrico do estabelecimento, agarrou o Assistente e empurrou-o com força para a sua retaguarda. 8. Nesse momento, dois funcionários vieram em auxílio do Assistente, impedindo o arguido de prosseguir com tal conduta. 9. O arguido pegou, então, numa mesa e empurrou-a contra um balcão frigorífico, causando uma amolgadela na porta. 10. Como consequência adequada, direta e necessária da atuação do arguido, o Assistente sentiu dor e desconforto. 11. O arguido agiu com o propósito de molestar fisicamente o Assistente, o que conseguiu e com o que se conformou. 12. O estrago na porta do balcão frigorífico causou ao Assistente um prejuízo no valor de €250,00 (duzentos e cinquenta Euros). 13. O arguido atuou com o objetivo de causar estragos no equipamento do estabelecimento comercial, que sabia pertencer ao Assistente, o que conseguiu. 14. Ao atuar como atuou, o arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Do Pedido de Indemnização Civil: 15. O assistente é pessoa honesta, educada e respeitada na comunidade. 16. O assistente sentiu enorme injustiça, por o arguido ser pessoa mais nova que o próprio. 17. O arguido sentiu-se diminuído e humilhado. Mais se apurou que: 18. O arguido não tem antecedentes criminais. B) Factos não provados: Não se apurou a demais factualidade, designadamente: Da Acusação Particular: a) O arguido, ao proferir a expressão referida em 5), dirigiu palavras ao assistente que atentaram contra a sua honra e consideração. * Fica expressamente consignado que os restantes factos ou expressões alegadas não foram tidas em consideração pelo Tribunal, porquanto se revelam como meros juízos conclusivos, irrelevantes ou configuram matéria de direito. ...”. * Como dissemos, o art.º 374º/2 do CPP[4] determina que, na sentença, ao relatório se segue a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. A redacção deste preceito inculca a ideia, que a obediência a regras de bom senso, clareza e precisão apoiam, de que a fundamentação da decisão se repartirá pela enumeração dos factos provados, depois dos não provados e, seguidamente, pela exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas. Necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. No cumprimento desse dever, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto da seguinte forma: “... A convicção deste Tribunal relativamente aos factos que considerou provados e não provados fundou-se na análise livre e crítica da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e carreada para os autos, em conjugação com as regras da experiência comum e da verosimilhança, conforme disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, sendo de destacar em particular: as declarações do assistente BB conjugadas com o depoimento das testemunhas CC e DD. O arguido não compareceu na audiência de discussão e julgamento, apesar de regularmente notificado para o ato (cfr. ata de 21.10.2021). Por seu lado, o assistente BB, num depoimento que se mostrou conciso e enquadrado, confirmou, genericamente, o teor das acusações pública e particular, tendo explicado as circunstâncias de tempo e lugar dos factos descritos, confirmando, desde logo, que a altercação ocorreu em virtude dos pedidos efetuados pelo próprio e pelos seus funcionários para que fizessem menos ruido, em face das horas a que tal ocorria e, como tal, podendo perturbar o descanso dos vizinhos. Mais confirmou que o arguido aparentava se encontrar embriagada [mencionando que o arguido “não estava sozinho” (sic)] e que lhe dirigiu a expressão «estás feito burro», bem assim como que aquele o seguiu para a zona de fabrico do pão e empurrou-o no peito, de mãos abertas, tendo suscitado a intervenção dos seus funcionários e de um dos acompanhantes do arguido. Nessa sequência, indicou que o arguido, no referido local de fabrico, pegou numa pesa e atirou-a contra a porta do frigorifico, a qual ficou amolgada. Mais indicou que o arranjo do equipamento se cifra em €: 250,00, valor apurado àquela data, conforme orçamento que o mesmo obteve junto de técnico especialista e que não foi colocado em causa por outra prova apresentada perante este Tribunal e que nos parece adequado ao caso em concreto, tanto mais a sinceridade e isenção com que o assistente apresentou o valor em causa. Por fim, declarou que sentiu dor durante cerca de 3 dias, em face do empurrão, tendo tomado comprimidos para as dores, bem como ficou com receio que o arguido ali voltasse ou de o encontrar na freguesia onde aquele habita, tendo se sentido inquieto durante alguns meses – o que motivou a que mantivesse a porta do estabelecimento trancada. As declarações do assistente foram plenamente corroboradas pelos depoimentos das testemunhas CC e DD, à data ambos funcionários do assistente e que se encontravam no local e à hora dos factos em discussão, tendo presenciado e confirmado, in totum, o modo como o arguido seguiu o assistente para a zona de fabrico da padaria, o empurrou com violência no peito, tendo ambos intervindo nesse momento da altercação, e como o arguido atirou uma mesa de madeira contra o frigorifico. Ambos confirmaram que serviram 3 jovens, um dos quais o arguido, que aparentava se encontrar embriagado, e a quem solicitaram que fizessem menos barulho, ao que anuíram por poucos minutos, tendo o assistente solicitado, por essa razão, que saíssem do estabelecimento. Por fim, confirmaram que o assistente, nos meses seguintes, passou a trancar a porta do estabelecimento, tendo DD mais confirmado que o assistente teve dores, tomou medicação nos dias seguintes, tendo ficado perturbado com os factos e que tinha receio de ir à freguesia do arguido e se cruzar com o mesmo. DD mais declarou que o assistente é uma pessoa tranquila, respeitada e que gosta de estar bem com todos à sua volta. Deste modo, em face dos depoimentos coerentes entre si, a prova realizada perante este Tribunal mostrou-se unívoca, tendo ficado patente que os factos ocorreram conforme vinham descritos na acusação pública, nomeadamente que o arguido, na sequência de uma chamada de atenção por parte do assistente quanto ao barulho que se encontrava a efetuar no estabelecimento comercial desta, proferiu a expressão descrita em 5), mais tendo, nessa sequência, empurrado o assistente, no peito, com força, o que lhe provocou dores e, ainda, atirado com uma mesa contra um frigorifico, o que provocou uma amolgadela. Nestes termos, ponderando globalmente a prova produzida, não restaram dúvidas quanto à essencialidade dos factos em discussão, ou seja, que no dia e local indicados nas acusações, o arguido dirigiu ao assistente a expressão mencionada, que o empurrou e que danificou um frigorifico – pelo que foram dados como provados os factos descritos de 1) a 10) e 12). Por fim, os factos provados n.ºs 11), 13) e 14) atenta a sua natureza subjetiva e, como tal, insuscetíveis de prova direta, resultam dos restantes factos dados como provados, sopesados com as regras da lógica e da experiência comum. Quer-se com isto dizer que a factualidade em mote se deu como provada porquanto a mesma se extrai da motivação que se tem vindo a expor, donde se conclui que o arguido, efetivamente, quis praticar os factos que lhe foram imputados (porquanto teve esse desígnio), que representou a factualidade imputada e quis agir de acordo com a mesma, sabendo atingia o corpo do assistente, sendo a sua atuação apta a causar-lhe dor e lesões, bem assim como sabia que, ao atirar a mesa, provocaria danos no equipamento em causa. No que concerne aos factos que compõem o estado de espírito do assistente e fundam o pedido de indemnização civil descritos de 15) a 17), decorrem, naturalmente, da factualidade por este experienciada e que sempre se situa no padrão da normalidade correspondente à afetação pessoal e social causada pelo comportamento imputado ao arguido, bem assim como tendo em conta as suas declarações prestadas, nessa matéria, em sede de audiência de discussão e julgamento em conjugação com o depoimento das testemunhas ouvidas. Por fim, valorou-se o teor do certificado de registo criminal junto aos autos e donde resulta o facto provado n.º 18. Quanto aos factos não provados, não se produziu em audiência de julgamento qualquer outra prova, suficientemente consistente e credível, que permitisse dar como provados outros factos para além dos que nessa qualidade se descreveram. Como tal, apenas ficou pro provar o facto descrito em a), referente ao elemento subjetivo relativo ao crime de injúria imputado, porquanto a expressão em causa não se mostra adequada a ofender a honra e a consideração do assistente, quer por não se dirigir diretamente à sua pessoa, mas ao seu comportamento, como por se afigurar somente como mera grosseria, carecendo da necessária dignidade penal para ser protegida pelo normativo legal correspondente. Nessa esteira, sopesando toda a prova produzida, conclui o Tribunal conforme a factualidade globalmente sustentada nas doutas acusações e no pedido de indemnização civil, devida e inequivocamente suportada através de prova realizada perante si, a qual se demonstrou congruente e bastante para permitir formar a convicção de que os factos em causa ocorreram conforme agora dados como provados e não provados. ...”. * Isto posto, é pacífica a jurisprudência do STJ[5] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[6], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso. Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, bem como a rejeição do recurso cível, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no recurso são as seguintes: I – Tipificação da conduta do Arg.; II – Medidas das penas. * Cumpre decidir. I – Entende o Recorrente que a sua conduta não preenche os elementos do tipo da ofensa à integridade física, porque se alguma lesão provocou esta foi insignificante, nem de dano, porque não se provou o respectivo dolo. O tribunal recorrido tipificou a conduta do Arg. da seguinte forma: “... B) Do crime de ofensas à integridade física: O arguido vem, ainda, acusado da prática de um crime ofensa à integridade física simples, p. e p. no n.º 1 do artigo 143.º do Código Penal, o qual estatui que «quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa». O bem jurídico que a norma incriminatória protege é a integridade física e psíquica da pessoa em si mesma e enquanto tal, tratando-se de um crime de dano (quanto ao bem jurídico violado) e de resultado (quanto ao objeto da ação). No que concerne ao bem jurídico tutelado, como lesão corporal tipicamente relevante, inclui-se “toda a alteração anatómica ou patológica”, toda a “perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas” - cfr. Prof. Pinto da Costa, Ofensas Corporais - Introdução ao seu Estudo Médico-Legal, Colóquio de 01.03.83, Aula Magna da Faculdade de Medicina do Porto. Por consequência, o elemento objetivo do artigo 143.º do Código Penal fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde de uma pessoa, independentemente da dor ou sofrimento causados ou de uma eventual incapacidade para o trabalho (o legislador penal não exige um número mínimo de dias de doença ou de impossibilidade para o trabalho) - cf. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 2º Vol., p. 136. Assim, “integram o elemento típico as atuações que envolvam uma diminuição da substância corporal, como a perda de órgãos, membros ou pele, lesões da substância corporal, como nódoas negras, feridas ou inchaços, alterações físicas ou perturbação de funções físicas. Objeto da ação é o corpo humano de outra pessoa. As lesões psíquicas cobertas por este segmento típico são tão-somente aquelas que, simultaneamente, causem um efeito físico, pelo modo ou intensidade de que se revestem. Outro tipo de perturbações do bem-estar psíquico poderá integrar uma lesão da saúde. (…) Qualifica-se de lesão na saúde “toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a, aqui se incluindo toda a produção ou aprofundamento de uma constituição patológica” (M/S/Maiwald I 81, citado na mesma obra, p. 207), toda a intervenção que perturbe o silêncio orgânico. (…) Considera-se lesão à saúde tanto a criação de um estado de doença (v.g. através de uma infeção, do contágio de uma doença sexualmente transmissível ou por qualquer outra via, sendo irrelevante a necessidade de intervenção do médico no sentido da cura ou a duração da doença, para efeitos de integração deste tipo) como a manutenção ou agravamento de um estado de doença ou sofrimento já existente (v.g. omissão de administração de medicamentos para minorar a dor de um paciente ou prescrição de medicamentos sem conhecimentos médicos para os efeitos)” – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 28.02.2012, relator Fernando Ribeiro Cardoso, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, Paula Ribeiro de Faria refere que o tipo legal em análise supõe a produção de um resultado que é a ofensa do corpo ou da saúde, de outra pessoa, que tem de ser imputado à conduta ou à omissão do agente de acordo com as regras gerais de apuramento da causalidade e preenche-se independentemente da dor ou sofrimento causados – cfr. Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 205. Mais esclarece a referida Professora que “por ofensa no corpo poder-se-á entender todo o mau trato através do qual o agente é prejudicado no seu bem estar físico de uma forma não insignificante e sob o ponto de vista do bem jurídico protegido não será de ter como relevante a agressão, e ilícito o comportamento do agente, se a lesão é diminuta” – cfr. ob. cit., p. 205 e 207. Deste modo, exige-se uma apreciação da gravidade da lesão, fundada em critérios objetivos (como a duração e a intensidade do ataque ao bem jurídico e necessidade da tutela penal), sendo condição dessa relevância típica que a agressão do bem jurídico assuma um grau mínimo de gravidade descortinável segundo critérios de adequação social – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República Portuguesa e da CEDH, 4.ª ed., UCE, 2021, pág. 602. No mesmo sentido, Figueiredo Dias explica que as lesões insignificantes estarão excluídas do tipo penal, tendo em conta que os tipos penais não são neutros, mas antes exprimem já, e de uma forma global, um sentido social de desvalor – cfr. Direito Penal, 2004, pág. 277. Em suma, para que o tipo legal em apreço se considere preenchido, deverá verificar-se, materialmente, uma lesão efetiva do bem jurídico tutelado, enquanto consequência necessária da ação ilícita, através de uma atuação consciente, deliberada e esclarecida do agente, provocando no corpo ou na saúde do ofendido uma lesão física ou psíquica, ainda que não acompanhada de sofrimento ou dor, cuja gravidade seja suficiente para exigir a proteção do referido bem jurídico. Por fim, no que respeita ao elemento subjetivo do tipo, o crime em análise exige o dolo do agente – enquanto conhecimento e vontade de realização da ação típica - em qualquer uma das suas modalidades [direto, necessário ou eventual], de acordo com o artigo 14.º do Código Penal. Resultou da factualidade acima aduzida que o arguido, efetivamente, atingiu o corpo do assistente com um empurrão desferido no peito, com violência, tendo provocado dores ao assistente e demandado a toma de medicação analgésica em virtude da pressão exercida sobre este. Mais resultou provado que o arguido quis agir do modo acima descrito com o propósito, conseguido, de atingir o corpo do assistente, sabendo que a sua conduta era apta a produzir dor o que, efetivamente, se verificou, e, não obstante, não se coibiu de prosseguir com a mesma, pelo que fica demonstrado que o arguido agiu com dolo direto. Na verdade, a jurisprudência vem entendendo que um empurrão, de acordo com as circunstâncias, merece a tutela do Direito, consistindo numa efetiva violação do bem jurídico protegido pela norma, a saber o corpo e a saúde da vítima, na medida em que sempre estará em causa uma conduta que supõe o exercício de força contra o corpo do visado – o que basta para o preenchimento da tipicidade objetiva do crime – assim, Tribunal da Relação de Coimbra de 08.05.2019, relator Maria Pilar de Oliveira, disponível em www.dgsi.pt. De facto, «as lesões insignificantes estão excluídas do tipo de crime do artigo 143.º do Código Penal. O ato de “empurrar” envolve, em princípio, uma certa violência sobre o corpo de outra pessoa, e pode situar-se na fronteira da (i)licitude penal. Assim, um empurrão num transporte coletivo, ou um empurrão para afastar alguém que se aproxima demasiado, não serão condutas típicas; mas já o será o “desferir empurrões nos ombros de outra pessoa na sequência de discussão que se gerou entre ambas”» - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.10.2012, relator Ana Barata Brito, disponível em www.dgsi.pt. Mais se veja o aresto do Tribunal da Relação de Coimbra [de 07.03.2012, relator Alice Santos, disponível em www.dgsi.pt], o qual bem sumariou que «pratica o crime de ofensa à integridade física aquele que, voluntária e conscientemente desfere um empurrão com ambas as mãos no peito do ofendido, desequilibrando-o, ainda que não lhe cause qualquer lesão». Isto posto, resulta da factualidade dada como provada que o empurrão dado pelo arguido ao assistente não ocorreu por mero descuido ou incúria, mas no âmbito de uma discussão havida entre ambos, e que culminaram na intervenção de terceiros para afastar o arguido do assistente e acalmar a situação, pelo que entendemos que a conduta do arguido sobre o assistente apresenta gravidade suficiente para merecer a tutela do Direito. Por fim, denote-se ainda que não ocorreram quaisquer causas de justificação da ilicitude, de exclusão de culpa ou outra condição de punibilidade que excluam a respetiva responsabilidade, pelo que se conclui que a conduta do arguido é ilícita e culposa. Assim, o arguido sabia e quis lesar o corpo de BB, o que conseguiu, pelo que, inexistem dúvidas de que o arguido AA, com a sua conduta preencheu os elementos objetivo e subjetivo integrantes do crime de ofensas à integridade física simples p. e p. no artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, impondo-se a necessária condenação pelo crime cometido. * C) Do crime de dano: Por fim, o arguido vem ainda acusado do crime de dano conforme estatuído pelo artigo 212.º do Código Penal, segundo o qual «quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa». Em face do disposto na norma aludida, o bem jurídico protegido pela incriminação é a propriedade, o que inclui o poder de facto sobre a coisa, com fruição das suas utilidades, pelo que será ofendido pelo crime de dano, não só o proprietário como o possuidor ou detentor legítimo da coisa – neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, 2021, UCE, pág. 901. Por consequência, a norma protege a propriedade alheia contra agressões que atingem diretamente a existência ou integridade do estado da coisa, pelo que o prejuízo patrimonial configura uma consequência ou efeito do dano – cfr. Tribunal da Relação de Coimbra em acórdão de 19.03.2003, relator Barreto do Carmo, disponível em www.dgsi.pt. Assim, de acordo com o aresto supracitado, são elementos do tipo objetivo de ilícito: 1. O objeto da ação é a coisa corpórea, seja móvel ou imóvel – aqui se distinguindo do crime de furto, o qual apenas inclui coisas móveis – pelo que a coisa enquanto objeto da ação ilícita deve ser materialmente apreensível ou, de qualquer forma exposta à ação (destruidora ou modificativa) do homem, bem como passíveis de apropriação (e de destruição ou danificação). Por fim, a coisa deverá ter algum valor e a conduta lesiva revestir-se de algum relevo, para que o facto atinja o limiar da dignidade penal. 2. A coisa deve ser alheia, determinada pelos princípios da lei civil, excluindo-se as coisas insuscetíveis de apropriação, as rei nullius, as coisas próprias. 3. A ação humana ilícita tem que ser apta a «destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável», sendo que: i) A destruição implica a perda total da utilidade da coisa, ou seja, a aniquilação definitiva da sua integridade tornando-a irreparável. ii) A danificação abrange os atentados à substância ou à integridade física da coisa que não atinjam o limiar da destruição, podendo concretizar-se pela produção de uma lesão nova ou pelo agravamento de uma lesão preexistente, bem como pela modificação da substância da coisa ou diminuição da sua funcionalidade; iii) Por desfigurar compreende-se os atentados à integridade física que alteram a imagem exterior da coisa, querida pelo respetivo proprietário. iv) A inutilização abrange ações que suprimem, diminuem ou reduzem a utilidade da coisa segundo a sua função, atingindo a sua integridade física ou material, sendo que a funcionalidade da coisa é determinada pelos usos e costumes da sociedade. Por consequência, o crime de dano é um crime material e de resultado, consumando-se com a efetiva destruição (total ou parcial), danificação, desfiguração ou inutilização da coisa, isto é, a consumação começa com a produção da lesão ou defeito da coisa – cfr. aresto acima mencionado. No que concerne ao elemento subjetivo, a conduta só pode ser assacada ao agente a título de dolo, (que se desdobra no elemento intelectual, que consiste na representação, previsão dos elementos do tipo de crime) e volitivo (vontade de realização daqueles elementos do tipo) em qualquer das suas modalidades, direto, necessário e eventual, pelo que inexiste a possibilidade de dano negligente – cfr. Tribunal da Relação de Évora em aresto de 22.10.2019, relator José Maria Martins Simão, disponível em www.dgsi.pt. Por fim, denote-se, ainda, que comete um só crime de dano o agente que, na mesma ocasião, destrói várias coisas de uma pessoa, pelo que, havendo unidade da ação criminosa, o valor do dano causado resulta da soma dos valores das coisas danificadas – cfr. PPA, ob cit, pág. 904. Das várias modalidades acima previstas, a danificação é a que interessa ao caso em concreto, pelo que sendo a lesão reparável, o valor do dano incluirá o valor da reparação da coisa – in casu, o montante de €: 250,00 conforme declarado pelo assistente. Assim, reportando-nos ao caso em apreço nos autos, ficou demonstrado que o arguido, atirou uma mesa contra um frigorifico, provocando uma amolgadela na respetiva porta, o que evidencia que, através da sua conduta, o arguido atentou contra a integridade material daquele equipamento, diminuindo-o na sua funcionalidade, assim preenchendo o elemento objetivo do normativo legal em apreço. Mais se encontra comprovado que a reparação da porta em causa se cifra no montante de €: 250,00 apurado à data da prática dos factos, inexistindo nos autos quaisquer fatores que importem a consideração de valor diferente, nomeadamente quanto à respetiva inflação. Como tal, em face da factualidade analisada, mais se encontra demonstrado que a atuação protagonizada pelo arguido AA é voluntária, consciente e livre, com o concretizado propósito de causar estragos no imobiliária do assistente, não obstante saber que os objetos lhe não pertenciam e que essa sua conduta era proibida e punida por lei, o que permite concluir pela prática do crime com dolo direto. Denote-se ainda que não ocorreram quaisquer causas de justificação da ilicitude, de exclusão de culpa ou outra condição de punibilidade que excluam a sua responsabilidade, pelo que se conclui que a conduta do arguido é ilícita e culposa. Deste modo, em virtude da factualidade dada como provada, verifica-se que o arguido AA preencheu os elementos objetivo e subjetivo do tipo legal do crime de dano, nos termos do disposto no artigo 212.º do Código Penal, impondo-se a respetiva condenação pelo mesmo. ...”. São elementos do tipo de ofensa simples à integridade física, p. e p.[7] pelo art. 143º do CP[8], a ofensa no corpo ou na saúde de outrem, causada dolosamente[9]. Esta ofensa é qualquer alteração desfavorável produzida no organismo de outrem, anatómica ou funcional, local ou generalizada, de natureza física ou psíquica, seja qual for o meio empregado para a produzir. Não se exige a existência de dor ou de lesão externa[10], mas a ofensa não poderá ser insignificante, segundo um critério da adequação social[11]. Por isso, entendemos que a acção de força física para empurrar outrem, com força para trás, como manifestação de desagrado e com intenção molestar fisicamente o Ofendido, que sentiu dor e desconforto, integra a prática de um crime de ofensa à integridade física. Não desconhecemos o acórdão que decidiu no sentido de que se o empurrão só causa desconforto, não integra o crime de ofensa à integridade física[12], mas não subscrevemos tal entendimento, por entendermos que não é socialmente adequado (vejam-se, na nota anterior, os exemplos de adequação social referidos por Paulo Pinto de Albuquerque) manifestar desagrado empurrando outrem, porque ultrapassa o nível geralmente habitual e socialmente tolerado de impacto físico no corpo de outrem[13]. Seria até paradoxal que, se para manifestar tal desagrado o agente insultasse ou ameaçasse outrem, cometeria um crime de injúria ou ameaça, mas já não cometeria qualquer crime se se limitasse a usar da força física para o empurrar causando-lhe desconforto. De qualquer forma, no nosso caso, o empurrão, não só causou desconforto, mas também dor, pelo que, mesmo nos termos desta jurisprudência, integraria o crime de ofensa à integridade física. Por isso, consideramos que a conduta do Arg., nesta parte, preenche os elementos do tipo da ofensa simples à integridade física. Quanto ao crime de dano, não pode deixar de ser improcedente a pretensão do Arg., uma vez que “... atuou com o objetivo de causar estragos no equipamento do estabelecimento comercial, que sabia pertencer ao Assistente, o que conseguiu. ...” (facto provado 13.) e a matéria de facto nem sequer foi impugnada. É, pois, improcedente, nesta parte, o recurso. * Não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no art.º 410º/2 do CPP, que são de conhecimento oficioso[14] e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum[15]. * II – O Arg., não pondo em causa a opção por penas de multa, entende que as que lhe foram aplicadas são exageradas e devem ser reduzidas. O tribunal recorrido fundamentou a escolha e a determinação que fez das medidas das penas da seguinte forma: “... 1. Da escolha da Pena De acordo com o disposto no artigo 30.º do Código Penal «o número de crimes determina-se pelo número de tipos efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente». Conforme resulta da matéria de facto dada como provada e em virtude das considerações jurídicas agora aduzidas, tendo em conta a violação pelo arguido de bens jurídicos distintos, conclui-se que o arguido cometeu, em concurso efetivo: - um crime de ofensas à integridade física simples, previsto no n.º 1 do artigo 143.º do Código Penal e punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. - um crime de dano previsto pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal e punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Em face dos normativos legais em apreço, verifica-se que estatuem uma alternatividade entre as penas aplicáveis, de prisão e de multa, pelo que, desde logo, se impõe ao Tribunal proceder à respetiva escolha e aplicação ao caso em concreto. Como tal, primeiramente, deve ser realizada uma ponderação ao nível da escolha da pena, de acordo com as finalidades que lhe subjazem de acordo com o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, ou seja, tendo em conta que a aplicação da pena visa a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa (n.º 2). Assim, verifica-se, por um lado, a culpa - que atua como limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas – e, por outro, a prevenção, constituem os dois termos do binómio em que irá ser determinada a medida da pena – cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pág. 214. Mais denota o referido Professor que “as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e na medida do possível na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa” (in ob cit, pág. 227), enquanto juízo de censura ético-jurídico imposto ao agente. Em suma, preconiza este autor que «toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa” – cfr. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª edição, Gestlegal, 2019, pág. 96. Por sua vez, estabelece o artigo 70.º do Código Penal o critério que deve presidir à escolha da pena, explicitando que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.» Ora, o critério exposto neste artigo evidencia, antes de mais, que o ordenamento jurídico-penal português assenta na conceção básica de que a pena privativa da liberdade deve constituir a último ratio da política criminal - entendimento sufragado por Figueiredo Dias, in ob cit, págs. 52 e 53. Neste sentido, a preferência referida no artigo 70.º “só deverá ser afastada devido a considerações de prevenção, sobressaindo as especiais de socialização, sem que, porém, também, as exigências de prevenção geral não sejam descuradas, no sentido de que a tanto se oponham na medida em que revelam o conteúdo indispensável à defesa do ordenamento jurídico» - cfr. Acórdão da Relação de Évora de 02.02.2016, relator António João Latas, disponível em www.dgsi.pt. No que se refere às exigências de prevenção geral, estas referem-se à tutela da confiança e das expectativas da comunidade na vigência da norma violada, ou seja, a pena tem como finalidade primária o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime – cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª edição, Gestlegal, 2019, pág. 91. Por sua vez, quanto às exigências de prevenção especial, estas serão aferidas pela necessidade de socialização do agente. Como tal, através da aplicação de uma concreta pena, pretende-se mostrar à comunidade que a norma protetora de um certo bem jurídico continua válida e que a sua violação acarreta consequências. Em todo o caso, a necessidade de tutela de bens jurídicos tem de “fornecer um espaço de liberdade ou de indeterminação, uma moldura de prevenção dentro dos quais podem (e devem) atuar as considerações extraídas das exigências da prevenção especial de socialização” – cfr. Figueiredo Dias, As Consequências cit., pág. 229. Revertendo ao caso em concreto, tendo em conta as circunstâncias acima descritas e que geraram o cometimento dos presentes factos, permite-se integrar os mesmos num episódio esporádico, acrescendo a ausência de antecedentes criminais do arguido, considera-se que a aplicação da pena de multa se revela adequada e suficiente a satisfazer as necessidades de punição e, desse modo, por um lado, constituirá aviso suficiente para que o arguido não pratique factos da mesma natureza e, por outro lado, reafirmando-se a confiança da comunidade na validade e vigência da norma jurídica violada, sob pena de a aplicação de uma pena privativa da liberdade se demonstrar como violadora do princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso. * 2. Da determinação da concreta medida da pena Encontrando-se escolhida a pena a aplicar ao caso em concreto, deve ser determinada a sua medida concreta, nos termos do artigo 71.º do CP, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele (n.º 2). Neste ponto, deve ser denotado que não podem ser tomadas em consideração as circunstâncias que já façam parte do tipo de crime, de acordo com o princípio da proibição da dupla valoração, «segundo o qual o juiz não deve utilizar para determinar a medida da pena as circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto – cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Lições para os alunos da disciplina do Direito Penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 2007-2008, pág. 25. Em todo o caso, sem violar o princípio da proibição da dupla valoração pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo - neste sentido, Figueiredo Dias, ob cit, pág. 235. Assim, estabelece o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram a sua ação, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, as condutas anterior e posterior ao facto (alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo 71.º do CP) e ainda as exigências de prevenção geral e os seus antecedentes criminais. Ora, tendo em conta que, in casu, a aplicação da pena de multa ao arguido será tida como pena principal, esta deve ser tida como autêntica pena criminal - e não mero “direito de crédito” contra o condenado conformada em termos que permite a plena realização das finalidades das penas, em particular a realização das exigências de prevenção geral - neste sentido, Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Lições para os alunos da disciplina do Direito Penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra 2007-2008, pág. 12. Como tal, “impõe-se que a aplicação da pena de multa represente uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma” - Figueiredo Dias, in ob cit, páginas 118 e 119. Por consequência e para a determinação concreta da pena de multa devem ser aplicados os critérios dispostos no artigo 47.º do CP, sendo que a moldura abstrata da pena se situa entre o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360 (n.º 1), definida de acordo com o sistema dos dias-multa, segundo o qual aquela deve ser fixada em função de um certo número de dias e processando- através de dois atos autónomos, separados e sucessivos: i) num primeiro momento, fixa-se o número de dias de multa com base nos critérios da determinação da medida da pena plasmados no artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, ou seja, “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” – cfr. art.º 47.º, n.º 1 do CP; ii) num segundo momento, fixa-se o quantitativo diário de cada dia de multa de acordo com a capacidade económica e financeira do agente e dos seus encargos pessoais, sendo o limite mínimo do quantitativo diário da pena de multa aplicável ao arguido é de 5,00€ (cinco Euros) e o máximo de 500€ - cfr. art.º 47.º, n.º 2 do Código Penal. Por conseguinte, à luz de tais princípios, e de acordo com os critérios expostos, importa determinar a medida concreta de cada pena aplicável ao Arguido. Quanto a ambos os crimes, há de atender-se ao modo de execução dos factos, tendo o arguido, por sua iniciativa, e sem qualquer justificação para a sua conduta, desferido um empurrão contra o assistente, na presença dos funcionários do assistente, bem como danificando imobiliário do mesmo, o que, desde logo, revela um grau de censura elevado. Em particular quanto ao crime de ofensa à integridade física, importa considerar a existência de consequências para o assistente, consubstanciadas em dor localizada e que demandaram a toma de medicação, o que evidencia um mediano grau de afetação do bem jurídico atingido pela atuação perpetrada pelo arguido. Quanto ao crime de dano, não milita a favor do arguido o facto de ter sido cometido no estabelecimento comercial do assistente, durante a madrugada, o que evidencia o grave sentimento de insegurança que lhe foi provocado. Acresce ainda, no que importa às consequências produzidas, o valor do estrago produzido, o qual, ainda que se situando aquém do montante legalmente considerado elevado, certo é que não é de todo inexpressivo para mitigar a culpa do arguido. Quanto a ambos os crimes indicados, valora-se ainda o carácter intenso do dolo, na sua modalidade direta, porquanto os factos foram queridos e realizados pelo arguido, o que indica uma elevada culpa, conforme factualidade dada como provada e, por consequência, gerando uma especial reprovação por este Tribunal. Relativamente aos factos anteriores e posteriores ao cometimento destes ilícitos é de ter em conta, por um lado, que o arguido não tem antecedentes criminais e, por outro lado, a sua falta à audiência de discussão e julgamento, sem qualquer justificação e privando o Tribunal de conhecer da sua razão e perceção sobre os factos que lhe vinham imputados. No que concerne às necessidades de prevenção geral, as mesmas são relevantes na medida em que a comunidade repudia, veementemente, os comportamentos impulsivos demonstrados pelo arguido, em virtude dos sentimentos de insegurança que criam na comunidade. Finalmente, milita a favor do arguido a inexistência de antecedentes criminais por crimes da mesma natureza ou natureza diferente, o que fundamenta a possibilidade deste Tribunal fazer um juízo de prognose favorável acerca da sensibilidade do mesmo à aplicação da pena e de ser por ela influenciado, e, desse modo, aplacando as exigências da prevenção especial que se impõem quanto ao cometimento de novos factos ilícitos. Assim, ponderando todas as razões acima avançadas e com vista a conseguir a plena ressocialização do arguido, a satisfação das finalidades de tutela dos bens jurídicos, sem prescindir do limite inultrapassável que é a culpa do arguido, mais atendendo que em julgamento não foi possível apurar as condições económicas do arguido, certo é que o arguido se situa em idade profissional ativa, pelo que é legitimamente presumível afirmar que aufere mensalmente, pelo menos, o valor do salário mínimo nacional [atualmente fixado em €: 820,00 pelo Decreto-lei n.º 107/2023 de 17 de novembro] e que tem como encargos as despesas habituais do quotidiano, entende-se como adequado aplicar as seguintes penas: - pelo crime de ofensas à integridade física a pena de 90 dias de multa; - pelo crime de dano a pena de 90 dias de multa. - fixar o quantitativo diário da multa, em cada pena, em €: 5,50, o qual não coloca em causa a dignidade do condenado, não se demonstrando nem demasiado excessivo para aquele, não lhe impondo um sacrifício exagerado, nem, por outro lado, sendo irrisório ao ponto de não cumprir as finalidades de prevenção exigidas. * Como tal, estando o arguido condenado pela prática, em concurso real, de dois crimes, o que ocorre antes do trânsito em julgado de qualquer um deles, importa, de acordo com o disposto no artigo 77.º do CP, determinar – para efeitos de condenação – uma pena única de multa, através da realização do cúmulo jurídico das penas da mesma natureza individualmente aplicadas. 3. Do Cúmulo Jurídico: Conforme exposto no artigo 77.º, n.º 1 do CP, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Por sua vez, refere o n.º 2 do artigo 77.º do CP que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Na verdade, conforme bem explica o douto Supremo Tribunal de Justiça «I. A pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, segundo o texto do n.º 2 do art. 77.° do CP, tem a sua moldura abstrata definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos (…) II. Segundo preceitua o n.º 1 do art. 77.º do CP, na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que deverá ter-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. III. Assim, com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente» - in acórdão de 21-11-2012, relator Oliveira Mendes, disponível em www.dgsi.pt. Em suma, no caso de cúmulo jurídico, deveremos, essencialmente, proceder a uma ponderação global dos factos, por um lado e, por outro, atender à ilicitude global de toda a conduta do agente em análise – cfr. Souto de Moura in A Jurisprudência do S.T.J. sobre fundamentação e critério da escolha e da medida da pena, Lisboa, 26 de Abril de 2010. Isto posto, foi já acima determinada a medida concreta da pena para cada um dos crimes, pelo que prosseguindo para o segundo momento de determinação e aplicando os critérios do artigo 77.º, n.º 2 do CPP, a moldura legal abstrata do cúmulo jurídico do concurso será de 90 a 180 dias de multa. Por fim, de modo a concretizar a medida concreta da pena única do concurso, ponderando todos os factos praticados e que acima se evidenciaram, bem como a personalidade impulsiva do arguido (não acatando um pedido razoável do assistente), a necessidade da comunidade na validação das normas jurídicas violadas, a qual se considera elevada (desde logo, tendo em conta que a globalidade das condutas criminosas aqui em apreço), as necessidades individuais de prevenção e a necessidade de repressão deste tipo de criminalidade que manifestamente se impõe, é de considerar ajustada a fixação da pena única de 135 dias de multa. No mais, por economia processual, consideram-se os factos já acima aduzidos no que concerne à situação económico-social do arguido, fixando-se, de igual modo, o quantitativo diário da pena única de multa em €: 5,50. ...”. A intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada[16],[17], ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares[18]. Na fixação concreta da pena de multa deve agir-se segundo os princípios gerais do doseamento da pena[19], isto é, devem considerar-se o grau de ilicitude e culpa, as exigências de prevenção e de reprovação, devendo ainda considerar-se quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do crime em apreço resultem a favor ou contra o agente[20], sendo que destas circunstâncias a decorrente da situação económica e financeira do Arg., desde que não tenha reflexo nos elementos de culpa e ilicitude, só deve ser considerada para a determinação do quantitativo diário. Tendo presente que a pena de multa é uma verdadeira sanção, com os inerentes custos para quem a suporta, na fixação da sua taxa diária o tribunal não poderá nunca olvidar as circunstâncias essenciais para a sua determinação e, estas, são primordialmente as decorrentes da situação económica e financeira do Arg. e os reflexos na sua vida familiar, quando a haja. Neste particular, como é jurisprudência dominante, diríamos unânime, dos Tribunais superiores, a aplicação de uma pena de multa não pode consistir numa forma disfarçada de absolvição[21]. Por sua vez, na determinação da medida da pena do cúmulo serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art.º 77º/1 do CP)[22],[23]. No presente caso, as penas parcelares aplicadas ao Recorrente foram fixadas em medidas ligeiramente inferiores a 1/4 dos intervalos entre os limites mínimos e máximos aplicáveis, e a pena única, em medida correspondente a 1/2 do respectivo intervalo, em montante diário muito próximo do limite mínimo. Verificamos que o tribunal recorrido aplicou correctamente os princípios gerais de determinação das penas, não ultrapassou os limites das molduras das culpas, e teve em conta os fins das penas no quadro da prevenção. Por outro lado, em face da matéria de facto apurada, entendemos que não estamos perante qualquer desproporção da quantificação efectuada das penas, nem face a violação de regras da experiência comum, pelo que não se justifica intervenção correctiva deste Tribunal. ***** Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos não provido o recurso e, consequentemente, confirmamos a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC. * Notifique. D.N. ***** (Elaborado em computador e integralmente revisto pelo subscritor (art.º 94º/2 do CPP). *****
- acórdão da RC de 14-12-2010, relatado por Esteves Marques, in JusNet 5582/2010, do qual citamos: “…O tipo legal do art. 143° fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente da dor ou sofrimento causados (aliás estamos perante uma ofensa no corpo mesmo quando a vítima, mercê da ingestão em excesso de bebidas alcoólicas, não se encontra em condições de sentir qualquer dor), ou de uma eventual incapacidade para o trabalho (o legislador penal não exige um número mínimo de dias de doença ou de impossibilidade para o trabalho, cf. LEAL-HENRIQUES / SIMAS SANTOS 136). Não relevam para aqui os meios empregues pelo agressor, ou a duração da agressão, se bem que, como é evidente, todas estas circunstâncias sejam de ter em conta pelo juiz, nos termos do art. 71°, para determinação da medida da pena ". Por outro lado deverá igualmente ter-se presente o Assento do STJ de 91.12.18 DR, I Série-A, de 8 de Fevereiro de 1992, nos termos do qual se estabeleceu que "Integra o crime do artº 142º do Código Penal, a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho". …”; - acórdão da RC de 23-03-2011, relatado por Abílio Ramalho, in www.gde.mj.pt, proc. 759/09.0PAOVR.C1, cujo sumário citamos: “Comete o crime de ofensa à integridade física simples aquele que, intencionalmente e sem que nada lho legitimasse, agarra e aperta o braço da ofendida, com força e pressão adequada ao seu arrastamento para fora do gabinete onde se encontrava.”; - acórdão da RC de 02-11-2011, relatado por Brízida Martins, in www.gde.mj.pt, proc. 215/10.3GBSRT.C1, cujo sumário citamos: “1.- Não é necessário que haja uma lesão na saúde do ofendido para que se atinja o conceito de ofensa corporal. 2.- Pratica o crime de ofensa à integridade física simples aquele que voluntária e conscientemente agarra os pulsos da ofendida de forma a evitar que a mesma colocasse os pertences deste fora de casa, causando-lhe dores.”; - acórdão da RC de 07-03-2012, relatado por Alice Santos, in JusNet 1855/2012, do qual citamos: “…O facto de não haver lesões não significa que o crime não se consumou. O arguido ao empurrar o ofendido, provocou-lhe com toda a certeza dor, mau estar e no caso vertente, desequilíbrio. …”; - acórdão da RE de 10-04-2012, relatado por Martinho Cardoso, in www.gde.mj.pt, proc. 1130/04.5TASTB.E2, do qual citamos: “…Por ofensa no corpo deve entender-se toda a perturbação ilícita da integridade corporal morfológica ou do funcionamento normal do organismo ou das suas funções psíquicas, todo o mau trato através do qual a vítima é prejudicada no seu bem-estar físico de forma não insignificante, mesmo que não provoque qualquer lesão corporal, dor ou sofrimento físico e independentemente da gravidade dos efeitos ou da sua extensão (cfr. Prof. Pinto da Costa, citado por Leal Henriques e Simas Santos, "Código Penal Anotado", 2.ª edição, 2.° vol. , pág. 134; Paula Ribeiro Faria, "Comentário Conimbricense ao Código Penal", Coimbra Editora, pág. 202 e segs). Tendo em conta o conceito ético-social de ofensa à integridade física, adoptado pelo nosso Código Penal, o tipo legal desenhado no art.º 143.°, do Código Penal, fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independentemente de provocar dor ou sofrimento ou lesão externa ou interna. Na esteira da jurisprudência que tem feito vencimento e não se vislumbrando argumentos para a repudiarmos, entendemos, salvo o devido respeito, que a actuação voluntária consistente em impor a outrem que permaneça de pé durante as refeições como castigo, mesmo que não deixe marcas ou consequências visíveis no corpo do ofendido, integra actualmente o cometimento do crime tipificado no art.º 143° do Código Penal. …”; - acórdão da RC de 12-04-2023, relatado por Alexandra Guiné, no proc., 1352/21.4PBFIG.C1, in CJ, II/2023, de cujo sumário citamos: “... II - Não pode considerar-se manifestamente insignificante a narrativa constante da acusação segundo a qual a arguida, dolosamente, "por trás, e num gesto brusco pegou" a ofendida "pelo ombro esquerdo e puxou-a, deu-lhe um forte abanão, causando-lhe desconforto físico". ...”; - acórdão da RL de 21-01-2025, relatado por Alda Casimiro, nom proc. 1393/23.7PDAMD.L1-5, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “... De facto, a acção de empurrar preenche o crime de ofensas à integridade física. No sentido de que para o preenchimento do crime de ofensas à integridade física apenas se exige a existência de uma ofensa no corpo, como um empurrão, e não, cumulativamente, a existência de ofensa à saúde, constituindo ofensa toda a acção que prejudique o bem estar físico da vítima, até independentemente de provocar ou não dor, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9.05.2012 (pesquisado em www.dgsi.pt); e o Acórdão do mesmo Tribunal de 7.03.2012 (pesquisado no mesmo sítio), onde se pode ler que “não é necessário que haja uma lesão na saúde do ofendido para que se atinja o conceito de ofensa corporal (…) Pratica o crime de ofensa à integridade física aquele que, voluntária e conscientemente desfere um empurrão com ambas as mãos no peito do ofendido, desequilibrando-o, ainda que não lhe cause qualquer lesão”. Também em sentido próximo pode ver-se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/92, de 18 de Dezembro de 1991, publicado no Diário da República, Série I-A, de 8.02.1992 (e citado na decisão recorrida) onde se estipula que “integra o crime do art.º 142º do Cód. Penal a agressão voluntária e consciente, cometida à bofetada, sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor ou incapacidade para o trabalho”. E, no caso, nem sequer estamos perante um empurrão ligeiro. Pelo contrário, foi um empurrão que provocou o desequilíbrio do recorrente e, por isso, necessariamente desferido com força, constituindo uma agressão do ponto de vista ético-social, um gesto molestador, um constrangimento físico com capacidade para integrar o conceito de ofensas à integridade física. Por outro lado, ao invés do alegado, não podemos considerar “normal” e no âmbito da “luta do homem pela sua liberdade”, que um arguido decida ofender o corpo de um Agente da PSP que, devidamente uniformizado e no exercício das suas funções, está a deter um suspeito da prática de um crime. Desta forma podemos concluir, tal como o Tribunal a quo, que o recorrente cometeu, em autoria material, um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º, nº 1, do Cód. Penal ...”. No mesmo sentido, cf. Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2ª Reimpressão, 2009, pág. 197, e Simas Santos e Marcelo Ribeiro, in “Medida Concreta da Pena”, Vislis: “A doutrina (cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 255) mostra-se de acordo com a ideia de que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, e a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”. [20] A este respeito, porque sintetiza e expõe de forma exemplar a doutrina e a jurisprudência dominantes quanto à determinação das medidas das penas, citamos o Ac. do STJ de 09/12/1998, relatado por Leonardo Dias, in BMJ 482/77: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa – a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos. A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção. Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração. [Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias – que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, a própria Lei Fundamental – propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43º, 1983, pag. 15) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou de pura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum.] [21] Nomeadamente, como se afirma do STJ de 02/10/1997, relatado por José Abranches Martins, in Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ, Ano 1997, Tomo III, p. 183 e ss., “A amplitude estabelecida neste preceito (art.º 47º/2 do CP) quanto ao quantitativo diário da multa visa «eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver», como diz Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 10ª ed., 226. De todo o modo, como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, «sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade», como se afirma no Ac. Da RC de 13.7.956, in CJ, XX, 4, 48. Porém, por outro lado, na fixação da pena de multa, o tribunal não deverá deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar.”. Ou no acórdão da RC de 05/04/2000, relatado por Almeida Ribeiro, in Colectânea de Jurisprudência, Ano 2000, Tomo II, p. 60 e ss., “Tudo porque é indispensável que a aplicação da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o “Ersatz” de uma dispensa ou isenção de pena que se não teve a coragem de proferir, impondo-se, pelo contrário, que a aplicação da multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.”. |