Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
898/22.1T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: EXECUÇÃO ESPECIAL POR ALIMENTOS
ALIMENTOS DEVIDOS APÓS A MAIORIDADE
EXIGIBILIDADE DAS PRESTAÇÕES VENCIDAS APÓS A MAIORIDADE
LEGITIMIDADE DO PROGENITOR COM QUE RESIDE O BENEFICIÁRIO DE ALIMENTOS PARA INSTAURAR A EXECUÇÃO POR ALIMENTOS
Data do Acordão: 09/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 205.º, 1 DA CRP
ARTIGO 41.º, DO RGPTC
ARTIGOS 193.º, 1; 200.º, 2; 577.º, E); 578.º; 607.º, 3 E 4 E 615.º, 1, DO CPC
ARTIGOS 303.º; 310.º, F); 318.º, B); 320.º, 1; 342.º, 2; 767.º, 1; 989.º, 1, 3 E 4; 1880.º; 1881.º, 2; 1905.º, 2 E 1906.º, 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I. Face à redação do n.º 3 do artigo 898.º, do Código Civil, deixou de merecer discussão a legitimidade do progenitor com quem o filho vive, fazendo face às despesas deste, de exigir do outro progenitor uma contribuição deste no pagamento dessas despesas.
II. Estando a contribuição de alimentos já fixada na menoridade da filha por decisão judicial e pretendendo-se a sua execução, relativamente a período que abrange, quer o tempo da menoridade, quer parte do tempo da maioridade, previsto no art.º 1905º, n.º 2, do C. Civil, a Exequente, na qualidade de progenitora, com quem vive a beneficiária dos alimentos, tem legitimidade para exigir ao Executado o seu pagamento.

III. Para que a obrigação de alimentos definida durante a menoridade dos filhos não subsista nos sete anos que se seguem após a obtenção da maioridade, competirá ao progenitor obrigado, em ação própria ou em defesa por exceção, a qual poderá ser deduzida em oposição de embargos a uma execução, como sucede no presente caso, demonstrar - art.º 342º, n.º 2, do C. Civil - que se verificou uma das situações extintivas do respetivo direito, previstas no art.º 1905º, n.º 2, do C. Civil, geradora da cessação daquela obrigação.

IV. A prescrição não começa, nem corre, entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas - art.º 318º, b), do C. Civil.

Decisão Texto Integral:

Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Pires Robalo

               Cristina Neves

          Embargante: AA

          Embargada: BB

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Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra


   Por apenso à execução especial por alimentos que a Exequente lhe moveu o Executado deduziu oposição mediante embargos, concluindo pela extinção da execução.
Como consta do relatório da sentença que aqui se recupera:
Alegou o embargante/executado, em síntese, que as prestações de alimentos exequendas não são devidas, porquanto:
- As prestações vencidas até ao dia 1 de Julho de 2016 se encontram prescritas por ter decorrido o prazo de 5 anos a que se refere a alínea f) do artigo 310.º do Código Civil;
- As prestações de alimentos vencidas a partir da Janeiro de 2019 não são exigíveis, visto que a filha da embargada/exequente atingiu a maioridade a 18/01/2019 e não se encontra a estudar e a completar a sua formação profissional e académica desde então;
- As prestações de alimentos foram sempre pagas, pontualmente, no início, pelo próprio embargante e, depois, quando o mesmo sentiu dificuldades económicas e a seu pedido, pela sua mãe, avó paterna da filha beneficiária daqueles, o que fez por entrega em numerário, por cheque, depósito em conta ou transferência bancária.


Regularmente notificada para contestar, a exequente/embargada contestou, pugnando, em síntese, pela:
- Improcedência da invocada prescrição do crédito de alimentos exequendo, visto que o prazo de prescrição apenas teve o seu termo inicial no dia em que a filha atingiu a maioridade, face ao disposto na alínea b) do artigo 318.º do Código Civil;
- Improcedência da invocada inexigibilidade da prestação de alimentos exequenda, porquanto o devedor embargante, tendo o ónus de promover a cessação de tal obrigação nos termos do n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil, não o fez, além de que as necessidades da filha à prestação de alimentos se mantêm e que a mesma apenas não prosseguiu com os estudos, não por sua vontade, mas por força dos condicionalismos da deficiência de que padece e, nesse sentido, não se tratou de uma interrupção voluntária do processo educativo e formativo da filha;
- Improcedência da invocada extinção dos créditos exequendos pelo respectivo pagamento, porquanto nunca o embargante diligenciou pela alteração do valor da prestação de alimentos fixada face às alegadas dificuldades económicas, assim como, em momento algum, se operou a uma qualquer modificação subjectiva da obrigação de prestar alimentos, pelo que os valores entregues pela avó paterna, em conformidade com o que a própria comunicou à embargada, visaram apoiar o sustento da neta, mas não em substituição do embargante.
Concluiu a embargada pela total improcedência da oposição à execução.

Veio a ser proferida sentença que julgou improcedentes os embargos.

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O Embargante interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) O apelante não pode deixar de sublinhar aqui a sua total inconformidade sobre a maneira como o Meritíssimo Juiz “a quo” apreendeu e fixou o registo da prova.
2) Na perspetiva do Recorrente a reapreciação/reponderação da matéria de facto impugnada conduzirá a diferente conclusão, pois determinaria a procedência dos embargos deduzidos pelo executado.
3) O Tribunal não se pronunciou quanto aos factos constantes dos meios probatórios carreados para os autos, mormente quanto aos pagamentos constantes da prova documental junta (documentos juntos sob o nº1 a 19).
4) A decisão recorrida enferma de nulidade, por deficiente enumeração dos factos provados e não provados.
5) O Tribunal «a quo» não se pronunciou sobre factos e documentos apresentados a juízo pelo recorrente, designadamente documentos que comprovam que mensalmente a sua mãe procedeu ao pagamento do valor da pensão de alimentos, valor que era creditado na conta aberta em nome da CC.
6) Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, condena à nulidade da sentença.
7) De facto, o Tribunal «a quo» ao indicar os factos não provados, por exclusão relativamente aos dados como provados, não permite certificar se os depósitos e transferências bancárias ordenadas para a conta da CC, foram, ou não, sujeitos a apreciação e deliberação ou não foram sequer valorados.
8) A sentença ora sob censura é nula por deficiente fundamentação quanto à matéria de facto e, por ausência de indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não permitindo aos sujeitos processuais compreender como é que a convicção do tribunal recorrido se encaminhou num sentido e não noutro.
9) O Tribunal julgou erroneamente os seguintes factos:
a)-facto 7. da decisão sobre os factos assentes: «avó paterna pediu à mãe para abrir uma conta bancária para a neta de modo a transferir “um dinheirinho sempre que puder”, o que começou a fazer a partir de 25/10/2013».
b) os factos insertos na decisão sobre factos não provados, particularmente
b.1. A filha da embargada e embargante não se encontra a estudar.
b.2. O valor fixado a título de pensão de alimentos, inicialmente, foi entregue à exequente/embargada pelo próprio embargante e pela sua mãe, avó paterna da CC.
b.3. Quando por dificuldades económicas deixou de poder entregar aquele valor, o embargante pediu à sua mãe que, em seu nome, procedesse àquelas entregas.
b.4. A mãe do embargante, em nome deste, entregou à embargada o valor acordado, até ao mês de Maio de 2022.
b.5. O que sempre fez por entrega em numerário, por cheque, depósito em conta ou transferência bancária.
b.6. A mãe do embargante, por vezes, falava com a exequente, informando-a que iria proceder ao pagamento da pensão de alimentos.
10) os factos constantes como não provados e identificados na conclusão 11, deveriam ter sido dados como provados.
11) As provas que impunham decisão de facto diversa são:
a) Documentos juntos com o requerimento com a refª 3077850, sob o nº1 a 19;
b)depoimento da testemunha DD, prestado na sessão de audiência de discussão e julgamento de 08-02-2023, gravado em sistema digital tendo começado pelas 39:02 e terminado pelas 01:29:30;
c)Declarações de parte BB, prestado na sessão de audiência de discussão e julgamento de 08-02-2023, gravado em sistema digital tendo começado pelas 02:52 e terminado pelas 36:20.
12) CC em 28/01/2019 perfez 18 anos e como tal atingiu a maioridade.
13) Nos termos do estatuído na alínea f) do art. 310º do C. Civil, prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas.
14) Uma vez que a CC completou 18 anos no dia 28/01/2019, o prazo de prescrição ocorreu em 28/01/2020.
15)Aquando da instauração dos autos executivos já se encontram prescritos os montantes peticionados.
16) O instituto da prescrição tem subjacente a necessidade social de certeza e segurança do direito, o interesse em que as situações jurídicas não permaneçam incertas indefinidamente, e assenta na inércia do titular do direito que, ao não o exercer dentro de certo lapso de tempo, faz presumir que a ele renuncia.
17) Tendo a CC atingida a maioridade, no caso em apreço, não pode a recorrida intervir, enquanto substituta processual, e em representação da sua filha, titular do direito de crédito a alimentos.
18) A embargada/ exequente deu entrada da execução após a maioridade da CC, pelo que, não atua enquanto representante legal.
19) A CC não se encontra a estudar nem a completar a formação profissional.
20) A pensão de alimentos fixada aquando da menoridade deixou de ter fundamentação legal e a ser exigível a obrigação de alimentos pelo progenitor, sempre a mesma deveria ser peticionada no âmbito de processo de maior acompanhado.
21) Não se verificam os pressupostos legais para a fixação de pensão, pois a CC é maior e a necessitar de pensão de alimentos, tal necessidade prende- se com a sua incapacidade e não pela necessidade de continuar a sua formação académica ou profissional.
22)Ao julgar de outro modo fez-se uma incorreta interpretação das normas de direito que decorrem dos art°s 298°, 306°, 310°, 311°, 1877°, 1880° do C. Civil.
Conclui pela procedência do recurso.

A Embargada apresentou resposta, defendendo a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, pugnando no mais pela confirmação da decisão.

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1. Do objeto do recurso
Nas suas alegações de recurso, o Recorrente afirma que o processo próprio para ser peticionado o pagamento das quantias em dívida a título de alimentos era o processo onde foi definido o acompanhamento de CC, a titular desse direito, pelo que, implicitamente, se suscita a nulidade de erro na forma do processo.
Essa nulidade deve ser apreciada no despacho saneador e não em momento posterior a este - art.º 200º, n.º 2 e 193º, n.º 1, do C. P. Civil -, pelo que não pode ser já apreciado este fundamento do recurso, uma vez que ele incide sobre a sentença final.
O recorrente pretende no recurso que interpôs a reapreciação da matéria de facto, defendendo que dos depoimentos que identifica deve a mesma ser modificada.
A Exequente na resposta que apresentou coloca em crise o cumprimento dos ónus que sobre tal questão impendem sobre o recorrente, pugnando pela rejeição do recurso quanto à aludida impugnação.
Da leitura do recurso interposto, e quanto ao cumprimento dos ónus a que alude o art.º 640º do C. P. Civil, pese embora a concretização deficitária dos excertos dos depoimentos e quase ausência de análise critica dos meios que justificam, na sua perspetiva, a alteração da decisão, ainda assim é percetível a pretensão formulada pelo que se entende conhecer da impugnação da matéria de facto.
Assim, tendo em consideração as conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida cumpre apreciar as seguintes questões:
- a sentença é nula por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto?
- a Exequente é parte ilegítima?
- deve ser alterado o facto provado n.º 7 e devem ser considerados provados os factos julgados não provados?
- as prestações alegadamente vencidas durante a maioridade são inexigíveis?
- o valor das prestações reclamadas foi parcialmente pago?
- as prestações vencidas até julho de 2016 estão prescritas?

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2. Da nulidade da sentença
O recorrente imputa à sentença proferida o vício da nulidade, alegando para tanto que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre factos e documentos apresentados a juízo pelo recorrente, designadamente documentos que comprovam que mensalmente a sua mãe procedeu ao pagamento do valor da pensão de alimentos, valor que era creditado na conta aberta em nome da CC, concluindo  que a sentença ora sob censura é nula por deficiente fundamentação quanto à matéria de facto e, por ausência de indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não permitindo aos sujeitos processuais compreender como é que a convicção do tribunal recorrido se encaminhou num sentido e não noutro.
As causas de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enumeradas no art.º 615º, n.º 1 do C. P. Civil.
A nulidade em causa verificar-se-á quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, encontrando-se a sua previsão em consonância com o disposto no art.º 205º, n.º 1, da Constituição que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei
A fundamentação da decisão é indispensável, nomeadamente, em caso de recurso para se saber em que se fundou.
A nulidade da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando do art.º 607º, n.º 3º do C. P. C. que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
Como é entendimento pacífico da doutrina, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art.º citado.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afeta o valor da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
A decisão relativa à matéria de facto não está abrangida pela nulidade invocada, pois a “decisão” cuja falta de fundamentação é tida em vista é a “decisão final” a que se refere a parte final do n.º 3 do art.º 607.º do CPC, ou a decisão contida na parte dispositiva da sentença, a que se refere o n.º 2 do art.º 635.º do CPC.
Fora do alcance da norma está a decisão relativa à matéria de facto, prevista no n.º 4 do art.º 607.º do CPC. Os vícios de tal decisão, quando consistirem na falta de fundamentação ou na fundamentação indevida (de que é exemplo a falta de exame crítico das provas, prescrito pelo n.º 4 do art.º 607.º do CPC), estão previstos na alínea d), do n.º 2 do art.º 662.º do CPC.
O remédio processual que a lei prescreve para tais vícios é o seguinte: se a falta de fundamentação ou fundamentação indevida disser respeito a algum facto essencial para o julgamento da causa, a Relação pode determinar, oficiosamente ou mediante requerimento da parte, a fundamentação da decisão, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.[1]
Alicerçando a Recorrente a nulidade que imputa à sentença na deficiente fundamentação de factos não se verifica a mesma.
A deficiente fundamentação da matéria de facto não integra a causa de nulidade prevista na alínea b) do referido preceito.
O Recorrente alega que a sentença recorrida não se pronunciou sobre factos e documentos apresentados a juízo pelo recorrente, designadamente documentos que comprovam que mensalmente a sua mãe procedeu ao pagamento do valor da pensão de alimentos, valor que era creditado na conta aberta em nome da CC, desconhecendo e os factos inculcados nos identificados documentos, foram analisados, valorados, considerados como relevantes ou irrelevantes para uma boa decisão da causa, uma vez que não é feita qualquer alusão a essa matéria.
Dispõe o art.º 607º, n.º 4, do C. P. Civil quanto à fundamentação da decisão da matéria de facto, que o juiz deve analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
Deve o juiz explicar, de forma compreensível, as razões pelas quais considerou provados determinados factos e não provados outros, sem que haja uma obrigatoriedade de redigir uma apreciação individualizada de cada facto e de cada meio de prova produzido.
Apesar de na fundamentação da decisão da matéria de facto, constante da sentença recorrida, não se explicitar uma justificação específica dirigida para a prova de cada um dos documentos em causa, ela resulta clara da fundamentação global efetuada, bem como os juízos subjacentes conducentes ao julgamento dos mesmos. Assim, consta da fundamentação efetuada:
Assim, nem a prova documental, nem a prova testemunhal atestaram qualquer entrega de dinheiro por parte do executado/embargante à exequente/embargada, seja a que título for; do referido acervo probatório também não resultou que as transferências realizadas pela avó paterna fossem no valor e nos termos definidos no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais referente à CC (o valor era definido pela própria avó e pago com uma periodicidade definida por esta e a despeito do teor do acordo); nada se concretizou quanto ao que sejam as reportadas dificuldades económicas do executado; do próprio testemunho da avó paterna se retira que em momento algum o aqui executado pediu àquela que realizasse quaisquer pagamentos à embargada em nome dele; nem tão pouco deste testemunho ou das declarações de parte da embargada se retirou que a avó paterna informava a mãe da CC que iria proceder ao pagamento da pensão alimentícia em substituição do pai da filha.
 A fundamentação em causa, ainda que não exaustiva, permite, com clareza mediana, perceber a valoração feita dos aludidos documentos.
Não resultando, assim, da globalidade da matéria de facto a necessidade do uso do dever contido no art.º 662º, n.º 2, d), do C. P. Civil, não há razão para a anulação da sentença.

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3. Da legitimidade processual da Embargada
Antes de avançar para a resolução das demais questões colocadas pelo recurso interposto e uma vez que no âmbito do mesmo o recorrente coloca em crise a legitimidade processual da Embargada para a execução, importa, como questão prévia, apreciar a mesma, uma vez que se trata de pressuposto do conhecimento oficioso -  art.º 577º, e) e 578º do C. P. Civil.
Nas alegações de recurso o Executado questiona a legitimidade da Exequente para interpor a execução embargada, dado que a filha de ambos já era maior à data da instauração deste processo executivo.
Estamos perante uma execução instaurada em 22.05.2022, na qual a Exequente peticiona o pagamento de todas as pensões vencidas desde a data em que a obrigação alimentar foi estabelecida por decisão judicial de 08.08.2008, ou seja, desde setembro de 2008 até maio de 2022, no valor total de € 22.553,64, a que acrescem de juros de mora no valor total de € 6.048,40.
CC nasceu em .../.../2001, sendo, portanto, já maior quando a sua mãe deduziu a execução embargada. No entanto, por sentença de 18.02.2021, transitada em julgado, foi decretado o acompanhamento de CC pela sua mãe, com representação geral da acompanhada, com efeitos a partir da data em que atingiu a maioridade.
A Exequente não propôs, porém, a presente execução, em representação da sua filha, mas sim em nome próprio.
Até à alteração da redação do s n.º 1, 3 e 4, do art.º 989º do C. P. Civil, pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, o regime dos alimentos a filho que, tendo atingido a maioridade, permanecia numa situação de dependência financeira, era ambíguo, proporcionando diferentes interpretações, não tendo a redação original do C. P. Civil de 2013 eliminado as dúvidas que já se colocavam na vigência do C. P. Civil de 1961 [2].
Com essa alteração passou a dispor o referido art.º 989º:
1 - Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos art.ºs 1880.º e 1905.º do C. Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.
2 - Tendo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso.
3 - O progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos pode exigir ao outro progenitor o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, nos termos dos números anteriores.
4 - O juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.
Face à redação do n.º 3 deste art.º, deixou de merecer discussão a legitimidade do progenitor com quem o filho vive, fazendo face às despesas deste, de exigir do outro progenitor uma contribuição deste no pagamento dessas despesas.
Era esse, aliás, um dos principais objetivos da alteração promovida, como se podia ler na exposição de motivos do Projeto Lei do Partido Socialista que esteve na origem desta reforma legislativa (Projeto Lei n.º 975/XII/4.ª):
“A alteração legislativa proposta vai ao encontro da solução acolhida em França, confrontada, exatamente, com a mesma situação, salvaguardando no âmbito do regime do acordo dos pais relativo a alimentos em caso de divórcio, separação ou anulação do casamento, a situação dos filhos maiores ou emancipados que continuam a prosseguir os seus estudos e formação profissional e, por outro lado, conferindo legitimidade processual ativa ao progenitor a quem cabe o encargo de pagar as principais despesas de filho maior para promover judicialmente a partilha dessas mesmas despesas com o outro progenitor”.
Estando a contribuição de alimentos já fixada na menoridade da filha por decisão judicial e pretendendo-se a sua execução, relativamente a período que abrange, quer o tempo da menoridade, quer parte do tempo da maioridade, previsto no art.º 1905º, n.º 2, do C. Civil, a Exequente tem legitimidade para exigir ao Executado o seu pagamento.

4. Os factos
O recorrente defende que o facto provado sob o n.º 17 e a totalidade dos elencados como não provados, devem, após reapreciação dos meios de prova que indica, ser modificados no sentido por si proposto. 
Para a alteração do facto provado sob o n.º 17 convoca o depoimento da testemunha DD conjugado com os documentos juntos sob o s números 1 a 19, pretendendo, se bem se entende a sua legação, que passe a constar que a avó paterna assumiu a obrigação de pagar a pensão devida pelo seu filho, pai da menor.
Da audição do das declarações prestadas pela Embargada resulta que a avó paterna, em determinada altura de 2023 e face ao incumprimento do seu filho, lhe disse que ia abrir uma conta em nome da neta para que quando pudesse depositar um dinheirinho. Segundo a declarante, a avó procedeu à abertura da conta e ia depositando na mesma alguns montantes, realidade de que a Embargada só se apercebeu quando consultou o saldo da conta, recorrendo a esses fundos quando tinha necessidade.
DD, avó paterna da filha da Embargada e Embargante, mãe deste e sogra daquele, nascida em 1942, disse que o seu filho sempre colaborou naquilo que podia para a educação da filha, até à data em que devido à crise teve que emigrar, o que aconteceu em 2012. Disse estar convencida que o filho pagava a pensão de alimentos devida, até que soube que tinha deixado de pagar e que não tinha possibilidades de o fazer, assumindo ela própria o pagamento devido pelo filho, facto do que deu conhecimento à Embargada, comprometendo-se a fazer o pagamento da pensão mensalmente. No aniversário da neta depositava mais do que o valor da pensão.
Estes dois depoimentos são concordantes quanto ao facto da testemunha DD proceder a depósitos na conta bancária da sua neta. No entanto, nada se apurou a que título é que os mesmos foram efetuados, nem o seu montante e periodicidade. Os documentos juntos pelo Embargante – cópias do registo dos movimentos efetuados pela testemunha da sua conta bancária – nada nos ajudam, pois são poucos os que desse acervo permitem identificar a titular dos alimentos como beneficiária dessa transferência e muito menos concluir que os mesmos correspondessem à pensão devida pelo Embargado.
Assim, mantém-se o facto 7 tal como julgado.

A impugnação dos factos julgados não provados – com exceção do n.º 1 -  teve por pressuposto a alteração do facto provado sob o n.º 7, o que não se verificou., inexistindo, assim, fundamento para a sua modificação.
Depois de ouvida a prova produzida, tendo sempre presente a especial condição de diferença da filha do Embargante e da Embargada, não podemos com a certeza mínima exigível para o efeito, assumir que a mesma não esteja a percorrer o seu processo de educação com as especificidades inerentes, porquanto frequenta uma instituição de ensino especial - Associação Educar, Reabilitar e Incluir Diferenças (ERID) - conforme resulta de todos os depoimentos prestados.
Assim, mantém-se o facto como não provado.
                                      

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Os factos provados são:
1. CC nasceu a .../.../2001, encontrando-se a paternidade da mesma registada a favor do embargante AA e a maternidade da mesma registada a favor da embargada BB.
2. A .../.../2008, no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 16998/2008, que correu termos na Conservatória do Registo Civil ..., em que foram requerentes os aqui embargante e embargada, foi proferida sentença por via da qual foram homologados os acordos de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à CC e à casa de morada de família e foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre os ali requeridos, com a dissolução do casamento.
3. Consta no acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à CC homologado:
«(…) EE e marido, AA, acordam em regular o exercício do poder paternal sobre a sua filha menor CC, nos termos seguintes:
I
A menor fica à guarda da mãe que exercerá o poder paternal.
(…)
VII
O pai prestará para alimentos da menor a importância de €125,00 (Cento e vinte e cinco euros) mensais, quantia essa que será depositada até ao dia 8 de cada mês, numa conta bancária a indicar pela mãe, para o efeito.
VIII
A prestação prevista no art.º anterior será actualizada anualmente, em conformidade e por aplicação do índice anual de inflação.
IX
As despesas com a educação e a saúde da menor, bem como todas aquelas que com estas directamente estejam relacionadas, serão suportadas por ambos os progenitores, em igual percentagem, sejam elas imprescindíveis, ou autorizadas por ambos e devidamente documentadas.
X
As quantias referentes à comparticipação nas despesas supra referidas, serão pagas ao progenitor que as suportar, na data em que forem entregues por este ao outro os respectivos documentos comprovativos. Todas as despesas, quando programadas ou previsíveis serão previamente suportadas por ambos os progenitores.
XI
Encontrando-se actualmente previsto a realização de tratamentos da menor cujos custos previsíveis ascendem a €4.500,00, nos meses de Junho, Julho e Agosto de 2008, o pai acrescerá ao montante da pensão de alimentos dos meses em causa, a importância de €750,00 (setecentos e cinquenta euros), quantia essa que será igualmente depositada até ao dia 8 de cada mês a que disser respeito. (…)».
4. A CC “(…) é acompanhada em consulta de Neurologia”, na Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, “(…) desde a data de 2 de Janeiro de 2002, por apresentar um diagnóstico de paralisia cerebral (forma tetraparética espástico-atáxica/discinética), como sequela de hipóxia neonatal grave. Associadamente, apresenta ainda um diagnóstico de epilepsia generalizada estrutural e sintomática.
Ao exame neurológico, a CC apresenta tetraparésia espástica assimétrica (predomínio direito), com hiperreflexia miotática generalizada e sinal de Babinski bilateral, associando uma escoliose importante (com gibosidade torácica direita e lombar esquerda), pé cavo bilateral e sialorreia. O controlo cefálico é difícil e precário, havendo uma postura preferencial com queda da cabeça. Apresenta ainda uma disfunção esfincteriana importante.
Neste momento, encontra-se medicada com Lamotrigina (na dose de 100 mg por dia), Baclofeno (75 mg por dia) e Oxibutinina (10 mg por dia), mantendo ainda um regime de administração periódica de toxina botulínica (por via parentérica), para controlo da espasticidade.
Esta é uma doença que condiciona incapacidade permanente, que obsta naturalmente à angariação de meios de subsistência pelo próprio. Mantém seguimento regular em consulta de Neurologia.”.
5. A CC é portadora de uma deficiência congénita motora, que, conforme o atestado médico de incapacidade multiuso subscrito pelo Dr. FF, lhe confere uma incapacidade permanente global avaliada em 95%.
6. Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes de Outubro de 2013, na sequência de uma visita à neta, a embargada desabafou com a avó paterna da CC, DD, sobre o desgaste físico, psicológico e económico causado pela situação de saúde da CC, queixando-se da falta de apoio por parte do embargante.
7. Neste contexto, a avó paterna pediu à mãe para abrir uma conta bancária para a neta de modo a transferir “um dinheirinho sempre que puder”, o que começou a fazer a partir de 25/10/2013.
8. Assim o transmitiu à embargada.

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5. A exigibilidade
O Recorrente alega que as prestações reclamadas a título de alimentos cujo vencimento teria ocorrido após a CC ter atingido a maioridade não são exigíveis, uma vez que não se verificou a necessidade de aquela completar a sua formação académica ou profissional nesse período.
O art.º 1880º do C. Civil dispõe que, se no momento em que atingir a maioridade o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação dos pais proverem ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação, acrescentando o art.º 1905.º, n.º 2, do mesmo diploma, após as alterações introduzidas pela já referida Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, que para efeitos do disposto no art.º 1880.º entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
Perante as divergências registadas na jurisprudência sobre a cessação da obrigação alimentícia dos progenitores, quando os filhos atingiam a maioridade, já acima referida, o legislador, em 2015, decidiu intervir, não só clarificando aspetos processuais, mas também clarificando a previsão substantiva.
Assim, tendo tomado em consideração, como consta da exposição de motivos do Projeto Lei n.º 975/XII/4.ª, que é hoje comum que, mesmo depois de perfazerem 18 anos, os filhos continuem a residir em casa do progenitor com quem viveram toda a sua infância e adolescência e que, na esmagadora maioria dos casos, é a mãe, determinou que, em regra, a obrigação alimentícia definida durante a menoridade dos filhos se mantém, mesmo após estes atingirem a maioridade, salvo se se provar a existência de uma das situações extintivas daquela obrigação previstas no art.º 1905º, n.º 2, do C. Civil [3]. Estabeleceu-se uma presunção legal de prolongamento da necessidade de alimentos, durante os primeiros sete anos da maioridade, a qual é ilidível mediante a prova pelo progenitor obrigado à prestação de alimentos de uma das situações previstas neste preceito.
Assim, para que a obrigação de alimentos definida durante a menoridade dos filhos não subsista nos sete anos que se seguem após a obtenção da maioridade, competirá ao progenitor obrigado, em ação própria ou em defesa por exceção, a qual poderá ser deduzida em oposição de embargos a uma execução, como sucede no presente caso, demonstrar - art.º 342º, n.º 2, do C. Civil - que se verificou uma das situações extintivas do respetivo direito, previstas no art.º 1905º, n.º 2, do C. Civil, geradora da cessação daquela obrigação.
O Recorrente não logrou provar qualquer uma dessas situações, designadamente a conclusão do processo de educação da menor CC durante a menoridade, pelo que as prestações reclamadas que se venceram após a CC ter atingido a maioridade são exigíveis, improcedendo este fundamento do recurso.

6. O pagamento
O Recorrente alega que parte do valor das prestações alimentícias reclamadas foram pagas pela avó paterna da CC, o que, a provar-se, extinguiria, na proporção do valor pago, a respetiva obrigação - art.º 767º, n.º 1, do C. Civil.
No entanto, face ao desfecho da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, conclui-se que essa prova não foi feita, pelo que, também improcede este fundamento do recurso.

7. A prescrição
O Recorrente na oposição à execução, alegou a prescrição das prestações que se venceram até 1 de julho de 2016 - quando CC ainda era menor -, por já terem decorrido mais de 5 anos quando foi citado para a presente execução, tendo-se em consideração a causa suspensiva da contagem deste prazo, prevista no art.º 320º, n.º 1, 2.ª parte, do C. Civil.
A sentença recorrida, porém, não considerou prescrito o direito a estas prestações.
O Recorrente, nas alegações de recurso, insiste na prescrição invocada nos embargos por ele deduzidos.
Efetivamente, as pensões alimentícias vencidas prescrevem no prazo de cinco anos - art.º 310º, f), do C. Civil - pelo que, já teria decorrido o prazo de prescrição das prestações vencidas até 1 de julho de 2016, quando o Recorrente foi citado para os termos desta execução.
No entanto, conforme a Exequente invocou na contestação aos embargos, há que ter em consideração que a prescrição não começa, nem corre, entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas - art.º 318º, b), do C. Civil.
Estamos perante uma causa subjetiva bilateral de suspensão dos prazos de prescrição, com fundamento nas relações interpessoais de confiança e proximidade entre credor e devedor. São múltiplas as razões que costumam ser apontadas [4] como justificativas do travão à contagem do prazo de prescrição dos direitos dos filhos menores que têm como contraparte obrigada a pessoa a quem pertence o exercício das responsabilidades parentais:
- por um lado, procura-se evitar que, com receio do decurso do prazo prescricional, ocorra uma litigiosidade desnecessária e indesejada que desencadeie ou agrave ruturas familiares;
- na perspetiva inversa, pretende-se que os filhos não prescindam dos seus direitos, em nome da salvaguarda da harmonia familiar;
- mas, sobretudo, é a consciência de uma situação de conflito de interesses na pessoa do progenitor-devedor, que justifica que não se permita que uma inação deste o possa beneficiar em prejuízo do filho-credor.
Como explica Pedro Pais de Vasconcelos [5], além da relação familiar intensíssima subjacente ao poder paternal ... há ainda uma relação de representação e de administração de bens que exige confiança e envolve conflito de interesses.
A circunstância do representante do menor se sentir tentado a sacrificar os interesses do representado em benefício dos seus, é suficiente para que o prazo de prescrição dos direitos do menor não possa correr durante a sua menoridade, apesar de, nesses casos, a defesa dos interesses do menor possa ser assumida por um curador especial, nos termos do art.º 1881º, n.º 2, do C. Civil, ou pelo Ministério Público - art.º 4.º, i), do Estatuto do Ministério Público e 23º do C. P. Civil).
Daí que o art.º 318º, b), do C. Civil, não tenha estabelecido que os prazos de prescrição não correm entre os progenitores e os filhos, mas sim entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas, mantendo a solução do art.º 551º, 2.º, do Código de Seabra, que, numa formulação mais genérica, suspendia a contagem dos prazos de prescrição entre tutelados e administrados e seus tutores e administradores [6]. O determinante da exclusão da prescrição nestas relações foram sempre os poderes de representação e administração do devedor relativamente ao credor que são inerentes ao exercício das responsabilidades parentais.
A circunstância do direito a alimentos dos filhos menores judicialmente fixado na sequência de divórcio dos progenitores poder ser exercido, em nome próprio, pelo Ministério Público ou pelo progenitor que não está obrigado à respetiva prestação - art.º 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível -, não obsta a que não lhe seja aplicável a suspensão do início ou da contagem do prazo de prescrição previsto no referido art.º 318º, b), do C. Civil, uma vez que o titular do direito a alimentos é o filho menor e não os seus substitutos [7]. Na verdade, estamos perante a possibilidade de ocorrer um fenómeno de substituição processual legal [8] do titular do direito a alimentos no seu exercício judicial, admitido pela ressalva contida no art.º 30º, n.º 3, do C. P. Civil. Embora se possa discutir se essa substituição é ou não representativa [9], em qualquer das hipóteses, não se exerce um direito do substituto, mas sim do substituído, não deixando de subsistir, apesar de atenuadas pela possibilidade de substituição processual, as razões pelas quais se entendeu que os prazos de prescrição dos direitos dos menores que têm como contraparte obrigada a pessoa a quem pertence o exercício das responsabilidades parentais não se contabilizam enquanto subsistir essa responsabilidade, uma vez que se mantém as preocupações de evitar que o risco de prescrição conduza a uma litigiosidade que prejudique as relações parentais ou que o direito a alimentos do menor não seja atempadamente exercido.
Na presente execução, pretende-se obter do pai de CC o pagamento de todas as pensões vencidas desde a data em que a obrigação alimentar foi estabelecida por decisão judicial de 08.08.2008 que homologou o acordo relativo às responsabilidades parentais, na sequência de divórcio.
Nesse acordo estabeleceu-se que a menor fica à guarda da mãe que exercerá o poder paternal.
O exercício exclusivo do poder paternal por apenas um dos progenitores, quando estes não tinham vida em comum, correspondia ao modelo que havia sido desenhado pela Reforma de 1977 do direito da família, tendo passado a constar do art.º 1906º, n.º 1, do C. Civil, na redação do Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro, que o poder paternal é exercido pelo progenitor a quem o filho foi confiado. Em 1995 e 1999, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 84/95, de 31 de agosto, e n.º 59/99, de 30 de junho, apesar de se passar a admitir a partilha do poder paternal, desde que obtido o acordo dos progenitores, manteve-se a regra de que o poder paternal era exercido apenas pelo progenitor que tivesse a guarda do menor - art.º 1906º, n.º 2, do C. Civil.
Mas, com a reforma operada pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, o modelo de exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores “com vidas separadas” alterou-se, passando a ser o exercício conjunto, embora mitigado, dessas responsabilidades pelos dois progenitores a regra. A possibilidade de ser atribuída exclusivamente a um dos progenitores o exercício dessas responsabilidades quando há dois titulares, relativamente às questões de particular importância para a vida do filho, incluindo os poderes de representação, passou a ser a exceção, apenas admitida por decisão fundamentada do tribunal quando a responsabilidade partilhada se revelar contrária aos interesses do menor - art.º 1906º, n.º 2, do C. Civil.
Daí que a atribuição da guarda exclusiva a um dos progenitores por decisões anteriores a esta alteração legislativa, como sucedeu neste caso, deixou de ter como consequência que o poder paternal fosse exercido apenas pelo progenitor a quem tinha sido atribuída a guarda do menor, sendo as responsabilidades parentais agora partilhadas pelos dois progenitores, passando aquela “guarda” apenas a determinar a residência habitual do menor [10].
Isto significa, no caso concreto, que o exercício das responsabilidades parentais até 30.11.2008 - data da entrada em vigor da Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro -, relativamente á CC, esteve atribuída exclusivamente à sua mãe, passando a ser exercida em conjunto pelos dois progenitores, nos termos da nova redação do art.º 1906º do C. Civil, após aquela data.
Assim, se, relativamente às prestações de alimentos a favor da CC, vencidas em Setembro, Outubro e Novembro de 2008, se chegou a iniciar a contagem do prazo de prescrição de 5 anos, uma vez que até essa altura o Recorrente não tinha o exercício do poder paternal, tendo essa contagem ficado suspensa apenas a partir de 30.11.2008, quanto às prestações que se venceram nos meses seguintes, não se chegou sequer a iniciar, na altura, a contagem desse prazo, uma vez que a partir daquela última data, o Recorrente passou a exercer conjuntamente com a mãe da CC, as responsabilidades parentais, nos termos do art.º 1906º do C. Civil, sendo, pois, aplicável a suspensão da prescrição prevista no art.º 318º, b), do C. Civil.
Deste modo, tendo os prazos de prescrição das respetivas prestações vencidas estado suspensos desde 30.11.2008 até à CC ter completado 18 anos, recomeçando só nessa data a sua contagem, nenhum deles se completou até à sua interrupção com a citação do Recorrente para os termos desta ação executiva - art.º 323º, n.º 1, do C. Civil -, pelo que não prescreveu o direito ao pagamento de qualquer uma das prestações alimentícias aqui reclamadas.
Por esta razão, improcede também este último fundamento do recurso.

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Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelo Executado, confirmando-se a sentença recorrida.

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Custas pelo Recorrente.

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                                                                              26.9.2023






[1] Acórdão deste Tribunal de 9.5.2017 relatado por Emídio Santos e acessível em www.dgsi.pt .
[2] Fazendo uma resenha das problemáticas existentes antes da alteração promovida pela Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, Daniela Pinheiro da Silva, Alimentos a Filho Maior. Natureza, Âmbito e Extensão das Normas Previstas no Art. 989.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil, Almedina, 2019, p.p. 23-32.
[3] Remédio Marques, C. Civil Anotado. Livro IV Direito da Família, Almedina, 2020, pág. 861, Maria Clara Sottomayor, C. Civil Anotado. Livro IV Direito da Família, Almedina, 2020, pág. 913-914, Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família, Almedina, 2020, pág. 506, e Fernanda Isabel Pereira, O Regime Legal dos Alimentos a Filhos Menores e Maiores ou Emancipados, em “Jornadas de Direito da Família. As Novas Leis: Desafios e Respostas”, E-Book do CEJ., pág. 78.
[4] Cfr. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª ed., Almedina, 2019, pág. 393, Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2014, pág. 207, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. V, 3.ª ed. Almedina, 2017, pág. 225, e C. Civil Comentado, vol. I, Almedina, 2020, pág. 903, Júlio Gomes, Comentário ao C. Civil. Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, pág. 767-768, Rita Canas da Silva, em Suspensão e Interrupção da Prescrição. Estudo Comparado dos direitos Português e Espanhol, em Themis, Ano X, n.º 18 (2010), pág. 174 -175, e no C. Civil Anotado, coord. por Ana Prata, vol. I, Almedina 2017, pág. pág. 389, e António Pais de Sousa e Carlos Matias, Da Incapacidade Jurídica dos Menores, Interditos e Inabilitados, 2.ª ed., Almedina, 1983, pág. 102,

[5] Ob e loc. cit.

[6] O que continua a ser previsto, com essa amplitude, no C. Civil atual, na alínea c) do mesmo artigo 318º.

[7] Assim decidiram os acórdãos:
 Do T. R. L.:
 de 18.06.2009, relatado por Fátima Galante
 de 4.10.2011, relatado por Rui Vouga
 de 7.7.2022, relatado por Teresa Pardal.
 Do T. R. C. de 07.09.2021 relatado por Vítor Amaral
 Do T. R. G de 28.01.2021 relatado por Eva Almeida
 de 20.1.2022, relatado por Jorge Santos, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

[8] Sobre a substituição processual, Paula Costa e Silva A Transmissão da Coisa ou Direito em Litígio/Contributo para o Estudo da Substituição Processual, Coimbra, 1992, pág. 133 e seg. e 303 e seg. Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, O Objeto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, 1995, pág. 51-55

[9] Divergindo de Remédio Marques, em Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) “Versus” o Dever de Assistência dos Pais para com os Filhos (Em Especial Filhos Menores), Coimbra Editora, 2000, pág. 298, entendemos que a substituição processual é total, uma vez que o progenitor substituto não é contitular do direito de alimentos, mas que é uma substituição não representativa, dado que o substituto tem um interesse indireto pessoal em agir, sendo ele que custeia as despesas com o sustento do menor.
[10] Maria Clara Sottomayor, O Interesse da Criança e a Guarda Partilhada nos Casos de Divórcio, “Edição Comemorativo do Cinquentenário do C. Civil”, Universidade Católica Editora, 2017, pág. 563.