Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | HELENA LAMAS | ||
Descritores: | VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONVOLAÇÃO PARA CRIME DE AMEAÇA SUBTRAÇÃO DE MENOR PRINCÍPIO DO ACUSATÓRIO | ||
Data do Acordão: | 05/22/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VISEU (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE VISEU – J1) | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 152º, 153º E 249º, N.º 1, AL. C), DO CÓDIGO PENAL; 358º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
Sumário: | I. Inexistindo alteração da factualidade apurada, conclui-se ter o arguido tido oportunidade de se defender de todos os factos dados como provados que levaram à sua condenação pela prática de um crime menos grave que o crime de violência doméstica de que se encontrava acusado.
II. Quando o regime de visitas ao menor se encontra estabelecido pelo tribunal, não é necessária a interpelação judicial ou policial para concluir pelo seu incumprimento, exigindo ainda o preenchimento do crime de subtração de menor que o incumprimento seja qualificado ou reiterado. | ||
Decisão Texto Integral: | *
Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra: I. RELATÓRIO 1.1. A decisão No Processo Comum Singular nº 2125/19.... do Juízo Local Criminal de Viseu, foi submetido a julgamento o arguido AA, divorciado, nascido em ../../1984, filho de BB e de CC, natural de ..., portador do CC n.º ..., residente na Rua ..., ..., ... ..., ..., tendo sido 1) Absolvido do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do Código Penal; 2) Declarado extinto o procedimento criminal relativamente a dois crimes de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, n.º1, do Código Penal (em que se convolou o crime imputado na acusação), por falta de legitimidade do Ministério Público para a prossecução penal; 3) Condenado o arguido pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153º, n.º1 e 155º, n.º1 al.a), do Código Penal (em que se convolou o crime que lhe vinha imputado na acusação pública), na pena de 8 meses de prisão; 4) Condenado o arguido pela prática de um crime de subtração de menor, previsto e punido pelo artigo 249º, n.º1, al.c), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; 5) Em cúmulo jurídico, condenado o arguido na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; 6) Suspensa a execução da referida pena de prisão pelo período de 2 anos, suspensão subordinada à obrigação de o arguido cumprir escrupulosamente o regime de visitas estipulado, bem como a regime de prova, mediante plano a elaborar pela DGRSP, que deverá contemplar a estruturação do quotidiano e a submissão a acompanhamento psicoterapêutico individualizado, com incidência em estratégias de resolução de conflitos, designadamente no contexto do exercício das responsabilidades parentais; 7) Condenado o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s (artigos 344º, n.º2, al. c) e 513º do Código de Processo Penal, e artigos 3º e 8º, n.º5, do Regulamento das Custas Processuais, e tabela III anexa ao mesmo) e nos demais encargos do processo.
1.2.O recurso 1.2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
1. Não tendo contra o arguido sido proferida qualquer acusação pela prática do crime de ameaça agravada, jamais poderia o mesmo (apenas na prolação da sentença) ter sido condenado por tal ilícito criminal, porquanto, desde logo, não pode em tempo defender-se, tendo-lhe sido postergado o exercício do legal e admissível contraditório na sua plenitude.
2. Tal acarreta NULIDADE do actual procedimento, nulidade essa que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
3. Não pode o Tribunal Tribunal [na sentença], condenar o arguido por crime diverso do que lhe fora imputado na acusação, sem que para tal, tenha sequer procedido a qualquer alteração da qualificação jurídica..
4. A acusação, proferida pelo MP, assume um papel fundamental ou decisivo no processo penal, pois esta fixa o objeto do processo e repercute-se na validade de atos processuais posteriores, sob pena de eventual nulidade desses atos, NULIDADE essa que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
5. Assim, deverá o arguido ser absolvido da prática do crime de ameaça agravada, porquanto, tal crime não lhe foi imputado, e por conseguinte, jamais poderá ser condenado.
6. Não pode o arguido conformar-se com a decisão proferida, por injusta e desmedidamente ilegal
7. Não oblitera o recorrente que, conforme prescrito no artigo 127º do Código de Processo Penal, na valoração da prova produzida rege o princípio da livre apreciação.
8. Contudo, “ (...) e como uniformemente expendem os autores, livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
9. Compulsando a decisão “sub judice” não se depreende cabalmente qual o facto ou factos concretos e directamente conhecidos que estiveram na génese dos factos desconhecidos e, por isso, não é totalmente possível aferirmos qual o raciocínio, qual o critério que o tribunal “a quo” adoptou na extracção da ilação.
10. Não é qualquer recusa, atraso ou dificuldade na entrega do menor, em incumprimento do estabelecido em sede de responsabilidades parentais, que pode justificar a responsabilização penal do arguido.
11. Devem ser considerados como não provados os factos 13., 14., 15., 16., 23.,26., 27. e 28 da sentença
12. Atrasos nas entregas não podem ser confundidos com subtração de menor.
(…) 27. O Tribunal ignora também o isolamento profilático covid-19 que esteve na génese da não entrega do menor em algumas das situações elencadas. Não se podia sequer sair de casa, logo, não poderia ser o arguido condenado pelo crime de substração de menor quando, durante o período de pandemia covid-19, quem estivesse em contacto com infetado (como surgiu na escola do DD) teria de ficar em isolamento?
28. não há qualquer pratica reiterada no tempo nem injustificada por parte do arguido.
29. no crime de substração de menor, a recusa, tal como o atraso e a criação de dificuldades, só têm relevância típica quando consubstanciarem uma conduta repetida, ou seja, reiterada no tempo e injustificada.
30. Ora, tendo actualmente a criança 14 anos de idade, foram seis as vezes que o Tribunal realça em situações de atrasos na entrega do menor.
31. À data dos factos com 12 anos de idade, as seis(6) situações de atrasos nas entregas, significa afinal, uma média de 1 atraso a cada dois anos de idade da criança. Ou seja um atraso a cada 730 dias.
32. A prova produzida, assente essencialmente na versão da testemunha EE e que em Tribunal afirma ter recebido a explicação do arguido, a explicação do menor e tendo dado conhecimento das razões à sua irmã/ofendida/mãe do menor, jamais poderia o tribunal considerar injustificado os atrasos e/ou as não entregas da criança.
33. O Tribunal faz, salvo o devido respeito por melhor e douta opinião, um raciocínio ilógico, irracional ou absurdo. 34. Só num juízo meramente desfavorável ao arguido o Tribunal condena o arguido e fundamenta a sua (errónea) decisão.
35. jamais deveria o arguido ser condenado (sequer acusado) pelo crime de subtração de menor, previsto e punido pelo artigo 249.º, n.1, c) do Código Penal.
36. Destarte, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, a decisão “sub judice” é nula e de nenhum efeito, por violação do disposto no nº 2 do artigo 374º, no artigo 97º, ambos do CPP, e no artigo 205º da Constituição da República.
37. Nulidade que expressamente se arguí para todos os legais e devidos efeitos.
38. Não obstante a referida arguição, reitera-se que não fora produzida qualquer prova sobre os apontados aspectos e, por isso, impugna-se aquela decisão de forma veemente, porquanto tem-se presente que “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.” (nº 1 do art. 355º do CPP - nossos grifos)
39. Deve por isso, ser ao arguido absolvido dos crimes que lhe são imputados.
(…) (…)
1.2.5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do C.P.P., apenas a assistente se pronunciou . Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.
II. OBJECTO DO RECURSO De acordo com o disposto no artigo 412º do C.P.P. e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. 1ª série-A de 28/12/95, o objecto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respectiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso. Ou seja, só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões do seu recurso é que o tribunal de recurso tem de apreciar : se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o tribunal superior só conhecerá das que constam das conclusões – é o que sucede, no caso presente, com o erro notório na apreciação da prova e com a insuficiência para a decisão da matéria provada . De igual modo, quando o recorrente apresenta nas conclusões questões que não tratou de modo nenhum na motivação, também o tribunal de recurso as não pode conhecer: as conclusões não devem trazer nada de novo, devem constituir um resumo dos fundamentos da motivação. Assim, examinadas as conclusões deste recurso, são as seguintes as questões a conhecer : - Nulidade da sentença por violação da estrutura acusatória do processo; - Nulidade da sentença por falta de fundamentação; - Erro de julgamento; - Verificação do crime de subtracção de menor; - Opção pela pena de multa.
III. FUNDAMENTAÇÃO Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido na primeira instância (transcrição) : - Factos Provados: Observado o formalismo legal, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento e, discutida a causa, emergiram provados os seguintes factos: 1. O arguido e a ofendida FF contraíram matrimónio em 21/02/2009 e residiram juntos pelo menos desde fevereiro de 2009 até janeiro de 2010. 2. Do casamento entre ambos resultou o nascimento de DD, a 17/06/2009. 3. Acontece que, pelo menos desde março de 2010, a relação entre o arguido e a ofendida passou a ser pautada, designadamente, por discussões e agressões verbais, iniciadas e perpetradas por aquele, na sequência do que o mesmo foi condenado, por sentença proferida no proc. n.º 432/10...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transitada em julgado a 23/12/2011, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo art. 152.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, do Código Penal, na pena de prisão de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa por idêntico período de tempo. 4. Entretanto, por sentença proferida no âmbito do proc. n.º 30/11...., que correu termos no então ... Juízo do Tribunal Judicial de ..., transitada em julgado a 06/07/2011, o casamento entre o arguido e a ofendida foi dissolvido, tendo sido decretado o seu divórcio. 5. Após a dissolução do casamento entre o arguido e a ofendida, ambos celebraram um acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais relativas ao menor DD, homologado por sentença proferida a 31/01/2011, no âmbito do proc. n.º 44/11...., que correu termos no então ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu. 6. Contudo, tal acordo sofreu diversas alterações desde a data referida em 5. até à data dos factos infra descritos. Com efeito, 7. O arguido e a ofendida celebraram um novo acordo de Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais relativas ao menor supra mencionado, homologado por sentença proferida a 31/10/2013 no âmbito do Apenso B do proc. n.º 44/11...., que então correu termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, tendo ficado estipulado, designadamente, o seguinte: “1.º) O menor ficará a residir com a mãe, a qual exercerá as responsabilidades parentais da vida do quotidiano, nos termos em que atualmente acontece, ou seja, com a colaboração dos avós maternos; 2.º) As responsabilidades parentais de particular importância serão exercidas conjuntamente por pai e mãe (viagens ao estrangeiro, opções religiosas, opções escolares, operações e tratamentos médicos não urgentes, atividades extracurriculares, etc.); 3.º) Até outubro de 2014 o pai poderá ir buscar o seu filho e estar com ele, no segundo fim-de-semana em cada mês, devendo pagara o efeito ir buscá-lo ao infantário/escola que frequenta, no fim das atividades de sexta-feira, devendo entrega-lo no domingo em casa dos avós maternos entre as 18 e as 19 horas; 4.º) Até outubro de 2014, para além do referido na cláusula anterior, o pai poderá no 4.º fim-de-semana em cada mês, estar com o seu filho devendo para o efeito ir busca-lo a casa dos avós maternos entre as 09 e as 10 horas de sábado e entrega-lo no mesmo dia entre as 19 e 20 horas. No domingo desse mesmo fim-de-semana irá busca-lo e entrega-lo no mesmo horário do dia anterior; […] 8.º) Após outubro de 2014, o pai poderá ter consigo o seu filho na pausa escolar de Verão durante 15 dias seguidos, devendo avisar a mãe com a antecedência de 90 dias dos períodos que escolher; 9.º) O pai poderá estar com o seu filho durante metade das pausas escolares da Páscoa e do Natal, sendo que nos anos ímpares esse período englobará o dia de natal e véspera desse dia e o dia de Páscoa, e nos anos pares acontecerá o inverso; […] 16.º) Pai e mãe obrigam-se a criar uma conta de email especificamente para trocar correspondência eletrónica quanto aos assuntos da vida do filho. Em dez dias comunicarão um ao outro os mails que criaram (através dos seus mandatários)” [destacados nossos]. 8. Posteriormente, o arguido e a ofendida voltaram a celebrar um acordo quanto à Regulação e Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais, o qual foi homologado por sentença proferida a 10/04/2014, no Apenso E do proc. n.º 44/11...., que correu termos no então ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, tendo ficado estipulado, para além do mais, o seguinte: “2.º) Sem prejuízo de outras eventuais sanções pelo não cumprimento dos horários para a entrega e recolha do menor, os progenitores desde já fixam que cada atraso superior a 1 hora será sancionado com uma multa de 50,00€ por cada hora; 3.º) Os atrasos superiores a uma hora, só serão considerados justificados mediante comprovativo documental do facto que os determinou.” […] 5.º) Qualquer impedimento dos progenitores relativamente ao cumprimento dos horários, que seja do seu conhecimento antecipado, deverá ser comunicado ao outro com a antecedência mínima de 24 horas”. [destacados nossos] 9. Após, novamente por acordo celebrado entre o arguido e a ofendida no Apenso G do proc. n.º 44/11...., que correu termos no então ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, homologado por sentença ali proferida a 02/10/2015, ficou estipulado, especialmente, o seguinte: “1.º O pai obriga-se a cumprir, escrupulosamente, o regime de visitas, anteriormente acordado [….]” [destacados nossos]. 10. Ulteriormente, por novo acordo celebrado entre o arguido e a ofendida no Apenso E do proc. n.º 44/11...., que correu termos no então ... Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, homologado por sentença ali proferida a 12/02/2015, ficou estipulado, entre o mais, o seguinte: “3 – O pai obriga-se a cumprir escrupulosamente o que está determinado em termos de regime de visitas ao menor, obrigando-se a comunicar à progenitora, por email, qualquer motivo que o impeça de cumprir o horário estipulado, fazendo tal comunicação logo que tenha conhecimento do motivo impeditivo; […] 6 – O pai poderá visitar o menor no infantário/instituição escolar frequentado pelo menor, observando, para tal, as regras de funcionamento e horários estipulados pelo próprio estabelecimento em causa. 7 – Todas as entregas do menor, em relação às quais se encontra previsto como local de entrega a casa da progenitora ou dos avós maternos, passarão a ser efetuadas dentro do posto da PSP .... 8 – O menor passará um fim-de-semana de quinze em quinze dias na companhia do pai, nos mesmos termos e horários anteriormente estipulados, com início nos dias 20 a 23 de fevereiro, indo o pai busca-lo à sexta-feira no fim das atividades escolares e indo levá-lo à segunda-feira, à escola, nos horários anteriormente determinados”. [destacados nossos] 11. Mais recentemente, por acordo celebrado entre o arguido e a ofendida/vítima e mediante sentença homologatória proferida a 18/10/2019, no âmbito do Apenso L do proc. n.º 44/11...., que correu termos no Juiz ... do Juízo de Família e Menores de Viseu, ficou estipulado, nomeadamente, o seguinte: “1.ª) Para efeitos de comunicação, entre si, relativamente às questões de particular importância para a vida do filho, os progenitores obrigam-se a utilizar os seguintes endereços eletrónicos: - da mãe: ..........@..... - do pai: ..........@..... 2.ª) As mensagens trocadas entre os pais, através dos endereços eletrónicos mencionados na cláusula anterior, podem ser encaminhadas ao outro progenitor através das respetivas Mandatárias/Patronas, sendo os endereços de origem e destino os atrás mencionados. 3.ª) Qualquer alteração dos endereços eletrónicos acima identificados será de imediato comunicada ao outro progenitor através de correio eletrónico ou registado. 4.º) O pai poderá visitar e estar na companhia do filho, sem necessidade de prévio aviso à progenitora da criança, na instituição escolar frequentada pelo filho, mediante observância dos horários e regras de funcionamento dessa instituição e nos tempos que para tanto forem definidos por essa instituição. […] 9.ª) Os pais da criança obrigam-se a não criar conflitos juntos das instituições frequentadas pelo filho.” [destacados nossos] 12. Em data que não foi possível apurar, mas anterior a 01/02/2021 e em circunstâncias não concretamente apuradas, o arguido e a ofendida/vítima acordaram que a entrega do menor DD, por parte daquele, passasse, pelo menos temporariamente, a ser realizada na esquadra da PSP diretamente aos avós maternos e/ou tio materno do menor, respetivamente, GG, HH e EE; ou na residência destes, à data sita na Praça ..., ..., .... 13. Não obstante o supra acordado e também judicialmente homologado, relativamente ao regime de convívios e respetivos horários de entrega do menor DD, por parte do arguido, este último, em data não concretamente apurada, mas anterior ou coincidente a 22/07/2019, delineou um plano, no sentido de não cumprir com o estipulado, designadamente não entregando o menor na hora, data e locais acordados. Assim, 14. No dia 22/07/2019 [autos principais], segunda-feira, o arguido não procedeu à entrega do menor no local descrito em 10., apenas o tendo feito no dia seguinte, a 23/07/2019, terça-feira, pelas 19:30h, sem ter apresentado qualquer justificação para apenas o ter entregue naquela data e hora. 15. No dia 05/08/2019, segunda-feira, o arguido não procedeu à entrega do menor no local descrito em 10., apenas o tendo feito no dia seguinte, a 06/08/2019, terça-feira, pelas 19:00h, sem ter apresentado qualquer justificação para apenas o ter entregue naquela data e hora, alegando, apenas, que tal deveu-se a um imprevisto. 16. No dia 19/08/2020 [Apenso B], quarta-feira, quinze dias depois do dia 04/08/2020, data em que o arguido iniciou o período de férias a que tinha direito com o menor, aquele não procedeu à entrega deste último no local descrito em 10., sem ter apresentado qualquer justificação para não o ter entregue naquela data e hora. 17. Por força deste comportamento, a ofendida/vítima, no dia 26/08/2020, pelas 22:00h, deslocou-se à residência do arguido, sita na Rua ..., ... e solicitou a intervenção da GNR ..., no sentido de a acompanharem e auxiliarem na entrega do menor. 18. Ali chegados, o arguido apercebeu-se da presença da ofendida e dos militares da GNR, após o que saiu para o exterior da sua residência, acompanhado do menor DD e disse à ofendida, na presença do aludido menor e dos militares da GNR, que o seu filho não podia ir. 19. De imediato, a ofendida questionou várias vezes o arguido acerca dos motivos pelos quais o menor não lhe podia ser entregue, tendo este retorquido que não podia dizer e que era melhor assim que na 2.ª feira ia [ou seja, dia 31/08/2020]. 20. Nessa sequência, o militar da GNR II questionou o menor sobre se o mesmo queria ir com a sua mãe ou ficar com o seu pai, tendo aquele respondido que na 2.ª feira iria para a casa da mãe. 21. Ato contínuo, o arguido aproximou-se da ofendida/vítima e, ainda na presença dos militares da GNR e do menor DD, proferiu e dirigiu àquela as seguintes expressões: “desanda daqui para fora, põe-te a andar e vê se devolves o telemóvel que roubaste, sua ladra” [referindo-se ao telemóvel que havia oferecido ao menor DD – cf. infra], após o que aquela e os militares da GNR abandonaram o local. 22. Ainda no mesmo dia 26/08/2021, pelas 22:24h, o arguido, de e para os endereços eletrónicos supra identificados, enviou um email, dirigido à ofendida, com o seguinte teor: “Depois do seu filme de tadinha e do circo que quis vir fazer para a minha porta usando recursos do estado e ocupando forças de segurança pelo seu circo, inútil, falso e injustificando, como demonstrado a si e aos agentes II e JJ, que se me negaram a dar o n.º de identificação, identificando-se apontando lanternas para os velcros amovíveis e dizendo para pedir informação ao posto do campo, aos lhe ser exigido identificação ou sequer bateram pala como se tivéssemos todos na mesma escola, foi com o rabinho entre as pernas temido no carro da GNR com os dois taxistas, recambiada a procedência com informação que aqui obteria se cumprisse o acordo e as suas responsabilidades como mãe. É vontade do DD ir dia 31, como o responsável irá ser informado. O seu assédio com os agentes de autoridade será alvo de processo contra si e contra os seus taxistas. Qualquer tentativa de assédio como a que fez hoje irá ser desprezada e irão ficar a porta a bradar aos céus. AA” 23. No dia 31/08/2020 [Apenso B], contrariamente ao que foi dito pelo arguido, o mesmo não procedeu à entrega do menor a EE, no local descrito em 12., concretamente, na residência deste. 24. Ao invés, no dia 31/08/2020, pelas 19:18h, o arguido, de e para os endereços eletrónicos acima referidos, enviou um email, dirigido à vitima/ofendida, com o seguinte teor: “Após a sua tentativa de assédio e de difamação na noite de 26/08/2020, com GNR ..., tentei contactar o seu irmão, pela hora de almoço, na sexta feira 28, a qual rejeitou a chamada e não devolveu. Tentei ligar durante o fim de semana, sem sucesso. Hoje de manhã tentei de novo e como não consegui enviei mensagem, para o entregar pelas 19:30 em casa do tio. Como não obtive resposta até agora, e é também vontade do DD, hoje passa a noite comigo e amanhã irei entrega-lo pelas 19:30, pois tenho mais que fazer do que ir passear para .... Agradeço que seja responsável e tenha vergonha na cara, pelo menos uma vez e encontre você, quem e onde recebe o DD, pois nem para isso presta. AA”. [destacados nossos] 25. Nessa sequência, o arguido apenas procedeu à entrega do menor no dia seguinte 01/09/2020, pelas 19:30h. 26. No dia 01/02/2021 [Apenso F], segunda-feira, o arguido não procedeu à entrega do menor a EE, na residência deste, somente o tendo feito no dia 08/02/2021, pelas 10:10h, na Esquadra da PSP ..., contrariamente ao que havia sido acordado e supra descrito, sem que tivesse apresentado qualquer justificação para o entregar naquela data, hora e local. 27. No dia 01/03/2021 [Apenso E], segunda-feira, o arguido não procedeu à entrega do menor ao seu avô materno, KK, na residência deste, pelas 08:00h, apenas o tendo feito no dia 03/03/2022, na Esquadra da PSP ..., sem que tivesse apresentado qualquer justificação para apenas o ter entregue nessa data, hora e local. 28. No dia 19/07/2021 [Apenso G], segunda-feira, arguido não procedeu à entrega do menor no local descrito em 10., sendo que, no dia 20/07/2021, de e para os endereços eletrónicos supra referidos, o mesmo enviou um email dirigido à ofendida/vítima que não faria tal entrega por motivos pessoais e que o faria no dia 23/07/2021, sexta-feira. 29. Porém, contrariamente ao dito pelo arguido, o mesmo não procedeu à entrega do menor no referido dia 23/07/2021, sem que tivesse apresentado qualquer justificação para apenas o ter entregue nessa data e hora. 30. Com efeito, o arguido apenas procedeu à entrega do menor no dia 06/08/2021, em hora que não foi possível apurar, sendo que nunca justificou a permanência do menor consigo durante tal lapso de tempo. 31. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 22/02/2020, o arguido ofereceu e entregou ao menor DD um telemóvel, ao qual se encontrava associado um n.º de cartão SIM que não possível apurar, designadamente para que o arguido pudesse efetuar chamadas telefónicas e conversar com o aludido menor. 32. Sucede que, no dia 22/02/2020, em hora que não foi possível apurar, mas situada no período do final da tarde, o arguido efetuou uma chamada telefónica para o telemóvel em supra descrito, dialogado com o menor e, no decurso da mesma, proferiu a seguinte expressão, dirigindo-se à ofendida/vítima: “merda de mãe”. 33. Nessa sequência, a ofendida/vítima aproximou-se do referido telemóvel e disse ao arguido “não fala assim para o meu filho, não tem autorização de ligar para o DD quando ele está em minha casa” tendo este, em tom de voz elevado e com foros de seriedade, retorquido “eu mato-te caralho”. 34. Ao proferir e dirigir as expressões supra descritas, sabia o arguido que as mesmas eram idóneas a ofender a honra e a consideração da ofendida, bem como a criar nesta última a convicção de que o arguido tinha intenção de atentar contra a sua integridade física e vida, como logrou. 35. Com todas as condutas supra descritas, o arguido representou, quis e logrou privar o menor de estar com a ofendida, fazendo com que o mesmo permanecesse consigo até uma data que lhe aprouvesse. 36. Sabia o arguido que, ao não proceder à entrega do menor DD nos dias, horas, locais e às pessoas supra referidos, não cumpria a obrigação que sobre si impedia por sentença judicial, sabendo que o menor residia com a ofendida/vítima e a quem cabia o exercício das responsabilidades parentais da vida corrente do aludido menor e que, ao atuar nesses termos, poria em causa o são desenvolvimento do mesmo menor e a relação afetiva deste com a sua mãe, mas não se absteve de atuar nos termos acima descritos. 37. Ao longo de todas as suas condutas, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei penal. Mais se provou que: 38. AA é o mais novo de três irmãos. Nasceu no seio de uma família residente em ..., na cidade de Lisboa, que sempre vivenciou condições socioeconómicas adequadas, até o pai falecer vítima de acidente vascular cerebral (AVC), tinha o arguido 6 anos. 39. O pai era militar da marinha e a mãe era doméstica, desenvolvendo igualmente atividade de encadernadora, o que permitia a obtenção dos rendimentos adequados à satisfação das necessidades da família. 40. Se até àquele que considera ter sido um trágico acontecimento para a família a vivência do arguido decorreu num ambiente equilibrado, a fase posterior é descrita como de “desagregação familiar”, tendo sido vítima de algum abandono por parte da progenitora. Por esta razão, passou a viver com uma tia paterna, solteira e professora do primeiro ciclo do ensino básico, a qual lhe passou a proporcionar o acompanhamento afetivo e educativo de que aquele necessitava, para além de condições materiais. 41. Atendendo ao clima de insegurança que caracterizava a zona onde viviam, a tia decidiu alterar a sua residência para ..., o que foi do acordo e da vontade do arguido, que já conhecia a zona dos períodos em que ali gozava férias, pelo que a sua integração não ofereceu dificuldades. 42. AA iniciou o percurso escolar na idade normal, frequentando e concluindo o 9º ano em Lisboa. Quando veio residir para ..., ingressou na Escola Profissional ..., ..., onde frequentou com aproveitamento o curso de contabilidade, o que lhe permitiu a equivalência ao 12.º ano. 43. Após a conclusão dos estudos, iniciou o percurso profissional, alternando períodos de atividade e de inatividade, em várias funções e alguns projetos em áreas ligadas agricultura. Em finais de 2018, o arguido ingressa na Câmara Municipal ... como trabalhador em regime de contrato por tempo indeterminado na categoria de Assistente Operacional. 44. AA conheceu a sua ex-mulher quando ambos frequentavam a Escola Profissional ..., iniciando a relação de namoro em 2005, vindo a casar em 2009. Entretanto, o relacionamento entrou em rutura, tendo o divórcio ocorrido em 2011. Desta relação, nasceu o único filho do casal, atualmente com 14 anos, cuja guarda terá sido alvo de alguma disputa entre os progenitores, após a rutura da relação. 45. Após um período em que o arguido residiu sozinho na habitação que havia sido a do casal, voltou para junto da tia até à data da morte desta, em finais de 2013, ano em que também a sua mãe faleceu, provocando-lhe todos estes acontecimentos instabilidade emocional. Desde essa altura, deixou de se relacionar com as irmãs, em resultado de questões relacionadas com a partilha dos bens que constituem a herança. 46. À data dos factos, AA, já divorciado, residia sozinho na morada que ainda mantém. É nesse espaço habitacional, uma moradia própria de construção antiga, localizada em meio rural, sem problemáticas sociais e criminais associadas, que o filho permanece consigo em cumprimento do regime de visitas estabelecido. 47. O arguido não mantém contactos com familiares e no meio de residência é descrito como vivendo nalgum isolamento social, pois não mantém hábitos de convívio, de um modo geral, com os outros residentes; contudo, não há sinais de rejeição face à sua presença. É do conhecimento dos mesmos a instabilidade laboral do arguido, sendo tal situação associada a características de alguma conflitualidade nos locais de trabalho por onde passou. 48. Em termos laborais, em sede de entrevista realizada em 19-06-2023, o arguido afirmou que se encontrava de baixa médica em resultado de um acidente em serviço, ocorrido há mais de quatro anos, sem vencimento, recebendo um subsídio no montante de cerca de 170€. Segundo dados disponibilizados pela entidade patronal, por deliberação da mesma, datada de 10 de janeiro de 2023, no âmbito de processo disciplinar, foi-lhe aplicada a sanção disciplinar de Despedimento Disciplinar, com efeitos a 3 de junho de 2023. O arguido descreve todo este período como tendo sido de conflito com o Município .... 39. Relativamente à sua subsistência, o arguido referiu que não tem condições físicas para trabalhar e que estava a receber o subsídio atrás mencionado e um cabaz de alimentos, registando uma situação de precariedade financeira que lhe tem provocado algumas situações de incumprimento como é o caso da pensão de alimentos devida ao filho, determinada no processo de regulação das responsabilidades parentais. 40. Quanto à ocupação dos tempos livres, considera ser uma pessoa reservada, que privilegia a permanência na habitação. Relativamente a consumos de substâncias aditivas, o arguido admite que já o fez; contudo, já há muito tempo que não tem acesso às mesmas, não consumindo bebidas alcoólicas em excesso. No meio de residência, dada a falta de interação com a generalidade dos restantes residentes, não há dados que permitam aferir da existência de problemática aditiva. 50. O arguido foi condenado: - Por sentença de 23.11.2011, transitada em julgado em 23.12.2011, pela prática, em 2010, de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por igual período, a qual foi extinta em 28.08.2014 (processo 432/10...., do Juízo Local Criminal de Viseu J...); - Por sentença de 30.09.2013, transitada em julgado em 07.07.2014, pela prática, em 07.06.2011, de um crime de difamação agravada, na pena de 300 dias de multa à taxa diária de € 5,00, a qual foi extinta por prescrição em 04.05.2021 (processo 1460/11...., do Juízo Local Criminal ...).
* (…)
IV. APRECIAÇÃO DO RECURSO
4.1. Nulidade da sentença por violação da estrutura acusatória do processo: O recorrente começa por alegar que a sentença está ferida de nulidade, uma vez que estava acusado da prática de um crime de violência doméstica agravado (e um crime de subtracção de menor), e acabou por ser condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, sem que o tribunal tenha procedido a qualquer alteração da qualificação jurídica. O nosso direito processual penal tem uma estrutura acusatória, a qual resulta da Constituição da República Portuguesa que, no seu artigo 32º, nº 5 estipula : «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório». Conforme explica Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, volume I, Editorial Verbo 1996, p. 54, «O processo de tipo acusatório caracteriza-se, pois, essencialmente, por ser uma disputa entre duas partes, uma espécie de duelo judiciário entre a acusação e a defesa, disciplinado por um terceiro, o juiz ou tribunal, que, ocupando uma situação de supremacia e de independência relativamente ao acusador e ao acusado, não pode promover o processo…, nem condenar para além da acusação …». Uma das manifestações do princípio do acusatório consta do artigo 358º do C.P.P. quando estipula que, no caso de o tribunal de julgamento proceder à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, o juiz comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo necessário para a preparação da defesa. Trata-se de um poder-dever do tribunal e não uma mera faculdade discricionária, pois o tribunal está autonomamente vinculado aos princípios da descoberta da verdade e da efectivação da justiça relativamente aos factos sujeitos a julgamento – cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Volume 1, Coimbra, 1974, p. 72. Esta comunicação deve ser realizada entre o final da produção de prova, que antecede as alegações finais, e a publicação da sentença, dado que é com esta que se encerra a audiência, assim se permitindo que o arguido tenha a oportunidade de se defender plenamente da alteração da qualificação jurídica que irá ser considerada na sentença (ver, a propósito, os Acórdãos do S.T.J. de 16/6/2005, processo 05P1576, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira; e da Relação de Guimarães de 17/5/2010, processo 1379/07.9pbmrg, relatado por Cruz Bucho, acessíveis in www.dgsi.pt). Em consonância com esse poder-dever do tribunal, temos que o artigo 379º, nº 1, al. b) do C.P.P. estipula que a sentença é nula quando «…condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358º e 359º». Por força do nº 3 do artigo 358º, caso o tribunal altere a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, tem de comunicar tal alteração ao arguido e conceder-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário parta a preparação da defesa . No caso em apreço, verificamos do dispositivo da decisão recorrida que o crime de violência doméstica que foi imputado ao recorrente na acusação proferida pelo Ministério Público – e de que foi absolvido –, foi convolado num crime de ameaça agravada. Por outro lado, compulsados os autos, verificamos que inexistiu qualquer despacho a comunicar ao arguido a mencionada alteração da qualificação jurídica dos factos . Porém, aquela alteração da qualificação ocorreu na medida em que o tribunal recorrido entendeu que os factos pelos quais o arguido vinha acusado e que resultaram, na sua grande maioria provados, não revestiam a gravidade suficiente para serem taxados de violência doméstica. Após referir as três situações apuradas, concluiu que «estas situações, vistas no seu conjunto, não assumem gravidade suficiente para se reconduzirem a um comportamento com dimensão manifestamente ofensiva da dignidade pessoal da ofendida e, portanto, violador do bem jurídico em causa. Pelo que se impõe a absolvição do arguido do crime de violência doméstica.». Aqui chegamos, impõe-se perguntar se há necessidade de cumprir o disposto no artigo 358º, nºs 1 e 3 do C.P.P., em situações, como a dos presentes autos, em que os factos descritos na acusação e os que resultaram provados são praticamente os mesmos, mas não integram o crime mais grave, e tão só um crime menos grave . É que, como bem se fez constar na decisão recorrida, « Objetivamente, podem ser diversas as condutas passíveis de integrar o crime em apreço [violência doméstica], sendo também diversos os crimes que concorrem com o que ora nos ocupa, designadamente, os crimes de ofensa à integridade física, injúria, ameaça ou violação, estando os mesmos numa relação de consunção por especialidade, sendo o crime de violência doméstica o tipo especial.». Vale isto por dizer que o crime de violência doméstica está numa relação de concurso aparente com os crimes, por exemplo, de ofensa à integridade física, de ameaça, de injúrias, de perseguição, etc, que o integram . Inexistindo alteração da factualidade apurada, pois na situação presente, provaram-se todos os factos descritos na acusação, excepto os referidos em a) e b) supra, o arguido não foi surpreendido com a convolação do crime de violência doméstica para o crime de ameaça agravada, na medida em que teve a oportunidade de se defender de todos os factos dados como provados e acaba por ser condenado pela prática de um crime menos grave – vejam-se as respectivas molduras penais ! Ora, dúvidas não temos de que a norma do artigo 358º do C.P.P. visa garantir o exercício do direito de defesa perante decisões supresa – cfr. o seu nº 1 . A este propósito veja-se o que consta do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2008, in D.R., 1ª Série, de 30/7/2008 : «Ao alargar o âmbito de aplicação do instituto à alteração da qualificação jurídica dos factos o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa ao arguido - n.º 1 do artigo 32.º (24) - , consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado (25). Assim e atenta a ratio do instituto, vem-se entendendo que só nos casos e situações em que as garantias de defesa do arguido - artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República - o exijam (possam estar em causa), está o tribunal obrigado a comunicar ao arguido a alteração da qualificação jurídica e a conceder-lhe prazo para preparação da defesa. Por isso, se considera que a alteração resultante da imputação de um crime simples ou «menos agravado», quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador ou agravador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou «menos agravado», ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto e normativos pelos quais vai ser julgado (26».). Assim sendo, no caso sob apreciação, tendo o arguido tido oportunidade de se pronunciar/defender de todos os factos que resultaram provados, por um lado, e dado que a alteração da qualificação jurídica operada não implicou qualquer surpresa para si, uma vez que o crime de ameaça agravado se contém no ilícito da violência doméstica, por outro, podemos concluir não ter existido qualquer prejuízo na sua defesa, pelo que não é necessária a comunicação do nº 1 do artigo 358º do C.P.P.. No sentido exposto, ver os Acórdãos da Relação do Porto de 14/3/2018, processo 563/16.9gaalb.P1, relatado por Élia São Pedro (e jurisprudência aí citada); da Relação de Guimarães de 25/9/2017, processo 505/15.9gaptl.G1, relatado por Armando Azevedo; da Relação de Guimarães de 2/11/2015, processo 77/14.0taavv.G1, relatado por Manuela Paupério; da Relação de Lisboa de 17/6/2015, processo 48/13.5pfpdl.L1-3, relatado por Maria da Graça dos Santos Silva; da Relação de Évora de 5/3/2013, processo 43/09.9gbrdd.E1, relatado por Sénio Alves, todos in www.dgsi.pt. Pelo exposto, não se verifica a invocada nulidade.
4.2. Nulidade da sentença por falta de fundamentação : O recorrente invoca a nulidade da sentença prevista nos artigos 374º, nº 2 e 379º, nº 1, al. a) do C.P.P., pois o tribunal omite qualquer pronúncia acerca da prova documental por si junta e não fundamentou a consideração que fez dos atrasos e/ou não entregas da criança como injustificados. Nos termos do nº 2 do artigo 374º do C.P.P., sob a epígrafe «Requisitos da sentença», «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.» A fundamentação da sentença é uma exigência constitucional do artigo 205º da CRP, que estabelece : «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». A necessidade de fundamentação das decisões judiciais destina-se a conferir força pública e inequívoca às mesmas e a permitir a sua impugnação (quando esta for susceptível de recurso). Como ensina o Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Editorial Verbo 1993, Volume II, p. 16-17), «A fundamentação dos actos decisórios tem finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autocontrolo». Ou, nas palavras de Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 4ª edição, Coimbra 1986, p. 589, «A exigência da motivação das sentenças exclui o carácter voluntarístico e subjectivo da actividade jurisdicional, possibilita o conhecimento da racionalidade e coerência da argumentação do juiz e permite às partes interessadas invocar perante as instâncias competentes os eventuais vícios e desvios dos juízes». Resulta da norma, acima transcrita, do código de processo penal, que da fundamentação consta, antes de mais, a indicação dos factos provados e não provados. Após esta enumeração, deve seguir-se a exposição, completa, mas concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Estes requisitos da fundamentação estão em consonância com o que prescreve o artigo 368º, nº 2, do mesmo diploma legal, que prevê : « Em seguida, se a apreciação do mérito não tiver ficado prejudicada, o presidente enumera discriminada e especificamente e submete a deliberação e votação os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para as questões de saber: a) Se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; b) Se o arguido praticou o crime ou nele participou; c) Se o arguido actuou com culpa; (…)». E também com o que dispõe o artigo 339º, nº 4 do CPP que estabelece que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação, os factos alegados pela defesa e os factos que resultarem da prova produzida em audiência, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368º e 369º, isto é, a questão da culpabilidade e a questão da determinação da sanção. Aqueles «motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de forma determinada os diversos meios de prova apresentados em audiência (Marques Ferreira, in Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1991, p. 229-230). O que se pretende é que, especialmente os destinatários das decisões judiciais, possam compreender com clareza o porquê da decisão à luz das regras da experiência comum pertinentes, bem como das normas lógicas e científicas, e não a explanação exaustiva do processo psicológico que conduziu à convicção. A fundamentação da matéria de facto, o exame crítico das provas, não exige que o juiz faça um resumo dos depoimentos prestados, uma assentada do que foi dito, ainda que de forma sintética. Como se escreveu no Acórdão da Relação de Évora de 19/12/2019, processo 10/18.1GBFTR.E1, relatado por João Amaro, in www.dgsi.pt : «O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que, em tal exame crítico, estejam exteriorizadas as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. O que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica (quer na enunciação das provas produzidas, quer no exame crítico das mesmas), é uma qualquer operação épica, em que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo. Também não se exige ao juiz que, de forma exaustiva e meramente descritiva, referencie e analise todas as declarações e todos os depoimentos, e, depois disso, vá ainda, facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância, explicar onde foi retirar a prova de cada um deles». Por sua vez, estabelece o artigo 379º do C.P.P., sob a epígrafe «Nulidade da sentença», que: «1 – É nula a sentença: Voltando a nossa atenção agora para o caso sob apreciação, não vislumbramos que a sentença recorrida padeça desta nulidade de falta de fundamentação, conforme se constata pela leitura da extensa «motivação da decisão de facto» supra transcrita . Mais, nem sequer é rigoroso que o tribunal não tenha feito qualquer pronúncia acerca dos documentos juntos pelo arguido . Na verdade, a fls. 954 dos autos o tribunal recorrido reporta-se aos documentos juntos pelo arguido a fls. 854 a 856e 859 a 912, referindo que «… o estado de saúde do arguido (acidente de trabalho do arguido em 31.05.219, estando ainda de baixa médica) e a sua condição financeira financeira – cfr. fls. 854 a 856 e 859 a 912 – não servem de justificação para os comportamentos apurados, pois que não é isso que determina que a entrega não possa ser feita num dia, mas já possa ser feita uns dias depois. O próprio arguido adiantou não ter comprovativos documentais dos motivos que invoca, referindo que as comunicações efetuadas se encontram documentadas no apenso K do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais – ora, consultado este apenso, apenas encontrámos os emails de 20 de julho de 2021, às 21h12 (onde se invocam “motivos pessoais” e a “vontade do menor”) e de 23 de julho de 2021, às 22h17 (“Irei levar o DD na 2ª feira”).». Por outro lado, não está obrigado o tribunal, na sua fundamentação de facto, a fazer referência a todos os meios de prova que tenham sido produzidos . Relativamente à invocada falta de fundamentação da injustificação dos atrasos e/ou não entregas da criança, também não assiste razão ao recorrente . O tribunal recorrido, como afirma a fls. 953 verso, ficou convicto «de que os evidenciados atrasos na entrega do menor não foram justificados pelo arguido», e afirma-o com base nas declarações da assistente e nos depoimentos das testemunhas EE, HH e GG, explicitando a respectiva razão de ciência e o porquê desse convencimento. E ainda adianta que as «justificações» avançadas pelo arguido em julgamento não valem como justificação em sentido próprio, explicando o seu raciocínio por referência a vários emails enviados pelo arguido, a um relatório elaborado pela Segurança Social, a um auto de notícia, às declarações da assistente e aos depoimentos de algumas testemunhas . Deste modo, não estamos perante a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, al. a) do C.P.P..
4.3. Erro de julgamento : O recorrente invoca o erro de julgamento da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 412º, nºs 3 e 4 do C.P.P., que dispõe : «3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: O recorrente, nas suas conclusões, indicou os factos que considera incorrectamente julgados. São eles, os pontos 13 a 16, 23, 26 a 28 dos factos provados. E inseriu as menções aludidas na alínea b) transcrita supra. Concretamente, referiu-se a passagens do depoimento da testemunha EE. A apreciação do tribunal, em face da impugnação da matéria de facto, pressupõe a análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP. É que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento, com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida, na forma como apreciou a prova. Neste sentido, ver acórdãos do S.T.J. de 18/1/2018 (processo n.º 563/14.3tabrg.S1, relatado pelo Conselheiro Maia Costa), de 17/3/2016 (processo n.º 849/12.1jacbr.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça), de 20/1/2010 (processo n.º 149/07.9jelsb.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar), de 14/3/2007 (processo n.º 07P21, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral) e de 23/5/2007 (processo n.º 07P1498, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar), in www.dgsi.pt. Ou, como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 28/1/2015 (processo 11/13.6pbcvl.C1, relatado por Vasques Osório, in www.dgsi.pt) «O julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal de 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. O recurso de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1ª instância pura e simplesmente não tivesse existido.». E é exactamente porque o recurso em que se impugna a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a corrigir, cirurgicamente, algum erro, é que o recorrente tem de expressamente indicar as «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida». Como se refere no Acórdão do S.T.J. de 27/4/2006, proferido no processo 06P120, relatado pelo Conselheiro João Bernardo, in www.dgsi.pt, «visou-se, manifestamente, evitar que o recorrente se limitasse a indicar vagamente a sua discordância no plano factual e a estribar-se probatoriamente em referências não situadas, porquanto, de outro modo, os recursos sobre a matéria de facto constituiriam um encargo tremendo sobre o tribunal de recurso, que teria praticamente em todos os casos de proceder a novo julgamento na sua totalidade. Terá, pois, de se ir para uma exigência rigorosa na aplicação destes preceitos». O erro de julgamento ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Aqui, o recurso visa reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância. O tribunal de recurso não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica dos meios de prova indicados, mas deve fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal recorrido. Assim, o Tribunal da Relação só pode/deve determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão. Mais, subscrevendo aqui o Acórdão da Relação de Guimarães de 23/3/2015 (processo 159/11.5paptl.G1, relatado por João Lee Ferreira, in www.dgsi.pt), «Importa lembrar uma vez mais que os motivos pelos quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem de um juízo de valoração realizado pelo juiz de primeira instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova confere ao julgador em primeira instância meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. Com efeito, na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados e as partes, antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias insusceptíveis de captação por um registo de áudio. Todos estes indicadores são importantes e podem ser reveladores do desconforto da mentira e da efabulação. Interessa ainda realçar que o tribunal de segunda instância não tem possibilidade de fazer as perguntas que entende deverem ser feitas, nem pela forma que considera adequada e processualmente válida. A função do julgador não consiste em encontrar a versão que recolhe maior número de testemunhos, mas, sempre entre os limites de racionalidade e da experiência comum, determinar como os factos se passaram: exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento da entidade a quem compete julgar depende de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante.». Os pontos de facto que o recorrente entende terem sido incorrectamente julgados têm a seguinte redacção : 13. Não obstante o supra acordado e também judicialmente homologado, relativamente ao regime de convívios e respetivos horários de entrega do menor DD, por parte do arguido, este último, em data não concretamente apurada, mas anterior ou coincidente a 22/07/2019, delineou um plano, no sentido de não cumprir com o estipulado, designadamente não entregando o menor na hora, data e locais acordados. Assim, 14. No dia 22/07/2019 [autos principais], segunda-feira, o arguido não procedeu à entrega do menor no local descrito em 10., apenas o tendo feito no dia seguinte, a 23/07/2019, terça-feira, pelas 19:30h, sem ter apresentado qualquer justificação para apenas o ter entregue naquela data e hora. 15. No dia 05/08/2019, segunda-feira, o arguido não procedeu à entrega do menor no local descrito em 10., apenas o tendo feito no dia seguinte, a 06/08/2019, terça-feira, pelas 19:00h, sem ter apresentado qualquer justificação para apenas o ter entregue naquela data e hora, alegando, apenas, que tal deveu-se a um imprevisto. 16. No dia 19/08/2020 [Apenso B], quarta-feira, quinze dias depois do dia 04/08/2020, data em que o arguido iniciou o período de férias a que tinha direito com o menor, aquele não procedeu à entrega deste último no local descrito em 10., sem ter apresentado qualquer justificação para não o ter entregue naquela data e hora. 23. No dia 31/08/2020 [Apenso B], contrariamente ao que foi dito pelo arguido, o mesmo não procedeu à entrega do menor a EE, no local descrito em 12., concretamente, na residência deste. 26. No dia 01/02/2021 [Apenso F], segunda-feira, o arguido não procedeu à entrega do menor a EE, na residência deste, somente o tendo feito no dia 08/02/2021, pelas 10:10h, na Esquadra da PSP ..., contrariamente ao que havia sido acordado e supra descrito, sem que tivesse apresentado qualquer justificação para o entregar naquela data, hora e local. 27. No dia 01/03/2021 [Apenso E], segunda-feira, o arguido não procedeu à entrega do menor ao seu avô materno, KK, na residência deste, pelas 08:00h, apenas o tendo feito no dia 03/03/2022, na Esquadra da PSP ..., sem que tivesse apresentado qualquer justificação para apenas o ter entregue nessa data, hora e local. 28. No dia 19/07/2021 [Apenso G], segunda-feira, arguido não procedeu à entrega do menor no local descrito em 10., sendo que, no dia 20/07/2021, de e para os endereços eletrónicos supra referidos, o mesmo enviou um email dirigido à ofendida/vítima que não faria tal entrega por motivos pessoais e que o faria no dia 23/07/2021, sexta-feira. Procedemos à audição integral do depoimento da testemunha EE e não vislumbramos como se pode afirmar que o mesmo impõe dar aquela factualidade como não provada . Começando pelos pontos 14, 15, 16 e 23, que se reportam a episódios ocorridos em 2/7/2019, em 5/8/2019, em 19/8/2020 e em 31/8/2020, temos que o que estava regulado em termos de local de entrega da criança era o posto da PSP ... – cfr. o ponto 10 dos factos provados -, razão pela qual o depoimento em questão sempre seria pouco (ou nada) esclarecedor. É certo que em data não apurada anterior a 1/2/2021, o arguido e a ofendida acordaram que a entrega do DD, por parte do primeiro, passasse a ser realizada, ou na esquadra da PSP, mas directamente aos avós maternos e/ou à testemunha EE, ou na residência destes que, à data, se situava na Praça ..., em ..., ... – cfr. o ponto 12 dos factos provados. Também é verdade que os episódios mencionados nos pontos 26 a 28 dos factos provados são posteriores a este acordo . Contudo, no episódio relatado no ponto 28, a entrega deveria ter sido efectuada no posto da PSP, e a testemunha não relatou (nem foi questionado acerca de) qualquer falha ou atraso na entrega do sobrinho à sua pessoa na esquadra da PSP. Depois, tendo a testemunha EE relatado uma situação em que o sobrinho não foi entregue em sua casa – que partilhava com o seu avô, KK, mencionado no ponto 27 – e quando o foi procurar a própria criança lhe disse que preferia ficar com o pai; ficamos convictos de que tal situação não é a descrita nos pontos 26 e 27 dos factos provados. Na realidade, na situação relatada pela testemunha, o DD acabou por ser entregue à mãe, ou naquele mesmo dia, ou no dia seguinte – cfr. o minuto 07:56 do seu depoimento. Ora, na situação mencionada no ponto 26 a criança apenas regressou sete dias depois e na ausência de entrega do dia 1/3/2021, a criança apenas dois dias depois foi entregue na PSP. Em suma, o depoimento da testemunha EE, nomeadamente as passagens indicadas pelo recorrente, não demonstra qualquer erro de julgamento quanto aos aludidos pontos dos factos provados. Na impugnação dessa mesma matéria de facto, o recorrente reporta-se a «… vários e inúmeros emails e informações constantes nos apensos do processo da regulação das responsabilidades parentais cujas Cópias referentes ao proc. n.º 44/11.... e respectivos apensos A-N (além do Apenso K) são prova documental dos presentes autos. São inúmeros e vários os emails e as informações do arguido relativas aos atrasos nas entregas do menor.». Porém, remete genericamente para determinada cópia extraída do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e respectivos anexos (em número de catorze !), sem indicar que documento concreto contraria especificamente cada ponto dado como provado, razão pela qual mantém-se intocada tal factualidade. Por último, o recorrente reporta-se às regras do COVID, argumentando que, durante o período de pandemia, quem estivesse em contacto com infectado teria de ficar duas semanas em casa, e tal aconteceu na escola do filho, pelo menos duas vezes em que esteve à sua guarda . Ora, os episódios mencionados nos pontos 14 e 15 são anteriores à pandemia; os episódios descritos nos pontos 16 e 23 coincidiram com férias escolares; e nos episódios relatados nos pontos 26 a 28 o arguido, ou não apresentou qualquer justificação (a que estava obrigado – cfr. o ponto 10 dos factos provados), ou invocou «motivos pessoais». Pelo exposto, improcede a invocada impugnação da matéria de facto.
4.4. Verificação do crime de subtracção de menor : O recorrente pugna pela sua absolvição do crime de subtracção de menor, por entender não ter havido qualquer prática reiterada no tempo, nem injustificada, da sua parte. Em face da improcedência da impugnação da matéria de facto, cai por terra o argumento de que a sua actuação não foi injustificada . Quanto aos elementos típicos do crime em questão, vemos que o artigo 249º do C.P. prevê : «1 - Quem: a) Subtrair menor; b) Por meio de violência ou de ameaça com mal importante determinar menor a fugir; ou c) De um modo repetido e injustificado, não cumprir o regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais, ao recusar, atrasar ou dificultar significativamente a sua entrega ou acolhimento; é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias. 2 - Nos casos previstos na alínea c) do n.º 1, a pena é especialmente atenuada quando a conduta do agente tiver sido condicionada pelo respeito pela vontade do menor com idade superior a 12 anos. 3 - O procedimento criminal depende de queixa.». Como salienta André Lamas Leite, «O crime de subtracção de menor - uma leitura do reformado Art. 249º do Código Penal», in Revista Julgar nº 7, p. 124, «…bem andou o legislador ao exigir um incumprimento qualificado, não se satisfazendo, desde logo do prisma quantitativo, com uma única hipótese de inadimplemento, mas sim, ao invés, exigindo que ele seja «repetido». Caberá à jurisprudência concretizar este conceito, atendendo não apenas a um puro critério numérico, mas ligando-o ao grau de violação do conteúdo da decisão reguladora do exercício das responsabilidades parentais». Na verdade, não se justifica a intervenção do direito penal em face de todo e qualquer incumprimento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais . O próprio Regime Jurídico do Processo Tutelar Cível (Lei 141/2015 de 8/9) consagrou mecanismos tendentes ao cumprimento coercivo daquele regime, leia-se, à entrega da criança, ou a condenação do remisso em multa e/ou em indemnização a favor da criança e/ou do progenitor afectado – cfr. o seu artigo 41º . Porém, acompanhamos Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5ª edição atualizada , UCE, p. 1013, quando afirma que «O crime tem lugar independentemente de qualquer interpelação judicial ou policial para o cumprimento, bastando que o regime para a convivência do menor (isto é, o regime de guarda e visitas) se encontre definitiva ou provisoriamente «estabelecido» pelo tribunal e seja do conhecimento do progenitor.». Porém, há situações de incumprimento em que a protecção dos direitos da criança e do jovem apenas com a criminalização da conduta é alcançada, sob pena de não passar de palavra vã o «superior interesse» daquela criança ou jovem concretos. Subscrevemos o que é afirmado por Damião da Cunha in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, volume I, 2ª edição, Gestlegal, p. 805 : «O fundamento para esta tipificação é o interesse (superior) do menor, em ver partilhadas as responsabilidades parentais ou então na vivência partilhada com ambos os progenitores. Em nosso entender, verdadeiramente é a imposição do respeito pelo superior interesse do menor em ver partilhadas, por forma estável e duradoura, as responsabilidade ou a convivência com os progenitores. Dado que o legislador exigiu um incumprimento qualificado, não se bastando com um comportamento isolado – cfr., a propósito o Acórdão da Relação do Porto de 25/3/2010, processo 1568/08.9pavng.P1, relatado por Joaquim Gomes, in www.dgsi.pt -, cumpre analisar o número de vezes em que ocorreu o incumprimento por parte do arguido e qual o grau de violação do conteúdo do regime de regulação das responsabilidades parentais atingido : O recorrente alega que foram seis as vezes em que ocorreram atrasos na entrega do filho, pelo que, tendo este à data da prática dos factos 12 anos de idade, tal implicou uma média de um atraso a cada dois anos da criança . Porém, este raciocínio está viciado, na medida em que os atrasos que resultaram provados, de facto em número de seis, tiveram lugar no período compreendido entre o dia 22/7/2019 e o dia 19/7/2021, isto é, num intervalo de dois anos. Depois, para além do número de incumprimentos, importa considerar que a actuação do arguido teve como consequência : - no episódio referido no ponto 14 dos factos provados, um dia de atraso na entrega à guardiã; - no episódio referido no ponto 15 dos factos provados, um dia de atraso na entrega à guardiã; - no episódio referido no ponto 16 dos factos provados, treze dias de atraso na entrega à guardiã; - no episódio referido no ponto 26 dos factos provados, sete dias de atraso na entrega à guardiã; - no episódio referido no ponto 27 dos factos provados, dois dias de atraso na entrega à guardiã; - no episódio referido no ponto 28 dos factos provados, dezoito dias de atraso na entrega à guardiã. Ou seja, estamos, nitidamente, perante um incumprimento repetido. Nas palavras do Acórdão do S.T.J. de 23/5/2012, processo 687/10.6taabf.S1, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt , «a lei penal não se pode satisfazer com uma qualquer forma ou modalidade de incumprimento; exige, por isso, logo pela descrição do tipo e como elemento da tipicidade, um incumprimento qualificado, não se satisfazendo, por uma projecção quantitativa, com uma única hipótese de incumprimento, mas sim, ao invés, exigindo que seja «repetido»… «repetido» e «injustificado» são expressões da realidade que apontam para projecções simultaneamente materiais e de valoração, como índices de gravidade e de insuportabilidade da rejeição ao cumprimento de deveres, que justificam a dimensão penal do não cumprimento do «regime estabelecido para a convivência do menor na regulação do exercício das responsabilidades parentais»; «recusar, atrasar ou dificultar significativamente» são acções que apenas podem assumir dimensão típica se constituírem comportamentos repetidos, isto é, reiterados e recorrentes, densificando quantitativamente, e pela quantidade e persistência, qualitativamente, a gravidade in se e as consequências do não cumprimento do regime estabelecido.». No caso em apreço, o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais foi prejudicado de forma significativa, nomeadamente : - Nas férias de verão de 2020, o arguido prolongou a estadia do filho na sua companhia, indevidamente, durante mais 13 dias. E re-afirmamos que o fez indevidamente pois, conforme consta dos pontos 18 e 19 dos factos provados, não havia qualquer justificação para o reter . Mais, é questionável se a opção do menor em ficar na companhia do pai, naquela ocasião, como consta do ponto 20 dos factos provados, foi tomada de forma livre, uma vez que foi verbalizada depois de ter assistido, várias vezes, o seu pai a afirmar que ele «não podia ir», simplesmente. Depois de prometer que a criança retornava à residência da progenitora no dia 31 de Agosto, o arguido voltou a incumprir, só o entregando no dia imediato. - Em Fevereiro de 2021, a criança ficou uma semana ausente da sua residência, sem motivo válido. - Nas férias de verão de 2021 o arguido prolongou a estadia do filho na sua companhia durante 18 dias, inexistindo razão para tal. Ou seja, no espaço de um ano (contando, portanto, também com o episódio relatado no ponto 27 dos factos provados), a violação do regime de convivência da criança com a progenitora residente estendeu-se por 40 dias, durante mais de um mês ! Em suma, não estamos em face de recusas ou atrasos de entrega ligeiros, de pouco relevo, esporádicos, pelo que improcede o recurso nesta parte, mantendo-se a condenação do arguido pela prática do crime p. e p. pelo artigo 249º, nº 1, al. c) do C.P..
Opção pela pena de multa: O recorrente entende que as penas que lhe foram concretamente aplicadas - 8 meses de prisão pelo crime de ameaça agravada, 1 ano de prisão pelo crime de subtracção de menor e, portanto, a pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, embora suspensa na sua execução - é excessiva, devendo ser aplicadas penas de multa, considerando que só tem averbadas duas condenações no seu CRC, as quais remontam aos anos de 2010 e 2011 e são por crimes de natureza diversa. Os crimes praticados pelo arguido p. e p. pelos artigos 155º, nº 1, al. a) e 249º, nº 1, al. c) do C.P., são ambos abstractamente puníveis com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. O artigo 70º do mesmo código consagra o princípio da preferência pela pena não privativa de liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, p. 331, refere que «O tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação» E mais à frente, a fls. 333, remata que a pena alternativa só não será aplicada «se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias». Também Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5ª edição actualizada, UCE, p. 400, ensina que, «a escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas (…). O tribunal deve, pois, ponderar, apenas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite (…). A articulação entre estas necessidades deve ser feita do seguinte modo: em princípio, o tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação da pena de prisão (…). Esta regra vale quer para a escolha entre penas alternativas quer para a escolha de penas substitutivas».». Assim, perante a previsão na lei de uma pena alternativa, o tribunal deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial. Voltando a nossa atenção para o caso em apreço, vemos que o tribunal recorrido optou pela pena de prisão baseando-se no seguinte : «De facto, para além de serem ponderosas as exigências de prevenção geral (considerando estar aqui em causa um conflito parental, com repercussões no crescimento e desenvolvimento de um menor), do ponto de vista das exigências de prevenção especial há que notar os antecedentes criminais do arguido (especialmente a condenação pela prática de um crime de violência doméstica na pessoa da mesma ofendida), em conjugação com a sua postura em audiência de discussão e julgamento (reveladora da ausência de ressonância crítica em relação aos factos, bem como de uma personalidade conflituosa), bem como a persistência do foco de conflito, relacionado com o exercício das responsabilidades parentais.». É verdade que os antecedentes criminais do arguido remontam aos anos de 2011 e 2013 (e não 2010 como alegou o recorrente). Contudo, há que não esquecer que pelo menos uma dessas condenações se reporta a um crime de violência doméstica e, de acordo com a sentença, na pessoa da mesma ofendida ! Ou seja, ao fim de dez anos, o arguido comete novos ilícitos contra pessoas que, uma foi e outra é, da sua família. Deste modo, aquela condenação, em pena de prisão suspensa na sua execução, não atingiu um dos fins das penas previsto no artigo 40º do C.P., qual seja, a reintegração do agente na sociedade, dado que o recorrente voltou a delinquir . Mas mais, além das exigências de prevenção geral, atenta a grande frequência deste tipo de comportamentos no nosso país em casos de desagregação conjugal, temos que, como realça a decisão recorrida, persistem focos de conflito em sede de exercício das responsabilidades parentais relativamente ao filho do arguido e da ofendida, o que, aliado à personalidade do arguido, faz elevar fortemente as exigências de prevenção especial. Em suma, bem andou o tribunal recorrido quando optou pela pena de prisão, o que mantemos.
V. DECISÃO Nestes termos e pelos fundamentos expostos: Julga-se totalmente improcedente o recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs (cfr. o artigo 513º do C.P.C. e artigo 8º do RCP e tabela III anexa).
Coimbra, 22 de Maio de 2024
____________________________________________ (Helena Lamas - relatora) ____________________________________________ (Fátima Sanches) ____________________________________________ (Maria José Guerra) |