Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
195/07.2GTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA
CONCURSO IDEAL EFECTIVO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 10/19/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 30º,Nº1, 40º;50º.71º.137º,Nº1,144º,148º DO C.PENAL
Sumário: I. Enquanto crime material ou de resultado, o tipo-de-ilícito do crime de homicídio negligente consiste em causar a morte a outra pessoa, sendo nesta medida necessário que ao desvalor da violação do dever objectivo de cuidado criador ou potenciador de um risco proibido - acto agressor - corresponda de forma directa e necessária o desvalor de resultado - a morte de outra pessoa.
II. Se o agente, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado, representar a realização de um facto que preenche a realização de um tipo legal de crime e, ainda assim, actuar sem se conformar com essa realização ou não chegar, sequer, a representar essa possibilidade, ele é de censurar tantas vezes quantas esse dever de cuidado produziu aquela.

III. É autor de 17 crimes de homicídio por negligência e 6 crimes contra a integridade física por negligência, o responsável pela conduta negligente que provocou aquele número de vítimas mortais e vítimas que sofreram lesões

IV. A suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição, não deixa de estar vinculada às finalidades que o artigo 40º do Código Penal estabelece como critério fundamental na aplicação das penas.

V. Pese embora as graves consequências do facto, satisfaz as finalidades da punição a suspensão da execução da pena (acompanhada de regime de prova) de quatro anos e seis meses de prisão, por igual período, aplicada pela prática de dezassete crimes de homicídio por negligência e seis crimes de ofensas à integridade física por negligência a condenada, delinquente primária, jovem mãe, professora do ensino secundário, social e profissionalmente integrada.

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.
No processo Comum singular n.º 195/07.2GTCBR, após acusação da primeira arguida e pronúncia de ambos, C  e F  melhor identificados nos autos, foram julgados em audiência publica tendo, a final o Tribunal deliberado:

1) - Absolver o arguido F da prática de: dezassete crimes de homicídio por negligência, p. e p, pelos artigos 137°, nº 1, e 30°, n.º 1, do C.Penal; três crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148°, n° 1, e 30°, nº 1, do Código Penal; três crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148°, n.os 1 e 3, por referência ao disposto no artigo 144°, alíneas b) e d), e 30°, n.º1, do Código Penal; das contra-ordenações p. e p. pelos artigos 13,°, n.º 1, e 39.°, n.ºs 1 e 2,  do  Código da Estrada.

2) – Absolver a arguida C  da prática  de: um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148°, n.os 1 e 3, por referência ao disposto no artigo 144°, alíneas b) e d), e 30°, n.º1, do C.Penal; das contra-ordenações p. e p. pelos artigos 27º, , n.ºs  1 e 2, a) e 38º, n.ºs  1 e 2, ambos do  C.Estrada.

3) – Condenar a arguida C  pela prática  de:  dezassete crimes de homicídio por negligência, p. e p, pelos artigos 137°, nº 1, e 30°, n.º 1, do C.Penal, na  pena de   5 meses  de prisão para  cada  um; quatro crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148°, n° 1, e 30°, nº 1, do C.Penal, na pena de 2 meses de prisão para  cada  um; dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148°, n.os 1 e 3, por referência ao disposto no artigo 144°, alínea b), e 30°, n.º1, do C.Penal, na pena de 3 meses de prisão para   cada  um. Condenar a  arguida  na  pena  única de  4 anos e  4 meses de prisão,  cuja  execução se  suspende,  por  igual período de  tempo, sob regime de prova.

4) Sancionar a arguida pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 38º, n.ºs 3 e 4, 146º, h) e 147º, todos do C. Estrada,  e 17º, n.º 2, do  Regime Geral das Contraordenações e Coimas, na   coima de €220, 00, e  na sanção acessória de  inibição de  conduzir, pelo período de 10 meses.

5) Condenar a arguida em taxa de justiça, que  se  fixa  em 8 Ucs., acrescidas de 1%, e nas custas, com procuradoria mínima.

Não se conformando com a decisão, vieram o Ministério Público, a arguida e o assistente J interpôr recursos da mesma para este Tribunal, concluindo nas suas motivações nos seguintes termos:

O Ministério Público:

1 - A arguida C  foi condenada pela prática de:

— Dezassete crimes de homicídio por negligência, p. e p. pelos art.°s 137°, n.° 1 e 30°, n.° 1 do CP numa pena de 5 meses de prisão por cada um desses crimes;

— Quatro crimes de ofensa à integridade fisica por negligência, p. e p. p. pelos art.°s 148°, n.° 1 e 30°, n.° 1 do CP, numa pena de 2 meses de prisão por cada um;

— Dois crimes de ofensa à integridade fisica por negligência p. e p. pelos art.°s 148°, n° 1 e 3, por referência ao disposto no art.° 144°, ai. b) e 30°, n.° 1 do CP, numa pena de 3 meses de prisão para cada um.

Em cúmulo jurídico foi condenado numa pena única de 4 anos e 4 meses de prisão, declarada suspensa na sua execução.

Foi ainda condenada na coima de 220,00 € e na pena acessória de inibição de conduzir pelos períodos de 10 meses.

2 — Todos os apontados crimes resultaram de um único acidente de viação que se traduziu num embate entre dois veículos e subsequente despiste, sendo certo que as vítimas eram todos passageiros do mesmo veículo.

3 - O tribunal considerou verificarem-se os pressupostos do concurso real de infracções, nos termos dos artigos 137° n.° 1, 148°, n.° 1 e 3 e 30°, n.° 1 todos do CP.

4 — A arguida ao agir da forma como consta da matéria provada, fé-lo de modo livre e voluntário, com a falta de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz nas circunstâncias concretas, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, sem representar como possível a ocorrência do resultado morte dos passageiros identificados de fis. 20.1 21.17 e as lesões fisicas em, pelo menos, os passageiros identificados de 21 . 1 e 21 .6, e, em consequência disso, a realização de tipo legal de crime.

5 Embora pudesse e devesse fazer tal representação como possível.

6 — Numa acção negligente como a que resulta da matéria provada só pode ser imputado à arguida o resultado da acção ou omissão desde que o mesmo resultado fosse previsível ao tempo da acção, isto é, se a arguida pudesse ter configurado em concreto a possibilidade da existência de várias vítimas.

7 — À luz das regras da experiência comum não se pode afirmar que a arguida soubesse ou tivesse obrigação de saber quantos ocupantes iam no veículo com o qual embateu, para além do condutor.

8 — Estamos perante uma única resolução e mesmo perante uma única acção por parte da arguida.

9 — Existe, por outra parte, uma única violação do dever de cuidado, consubstanciada na violação de normas estradais.

10 — Não é, assim, possível imputar à arguida mais do que um único juízo de censura, sem estarmos a fundamentar-nos em elementos aleatórios que têm a ver com um número incerto e desconhecido para aquela, de ocupantes do veículo no qual embate, durante a ultrapassagem.

11 — Não sendo possível essa imputação e, ocorrendo resultados diversos da acção ou omissão criminosa, a determinação concreta da pena será agravada pelas suas consequências de acordo com o disposto no art.° 710, n.° 2 ai. a)do CP.

12— Ao decidir como o fez o douto acórdão, violou, o tribunal o disposto nos artigos 300, 137°, 148° e 71°, n° 1 e 2 ai. a) do CP, na sua interpretação conjugada e ainda o disposto no art.° 127 do mesmo diploma legal.

13 - Devendo o tribunal considerar apenas a existência de um único crime de homicídio por negligência, agravado pelos resultados, deverá a arguida ser condenada numa pena de prisão que se aproxime do limite máximo da moldura penal aplicável, no mais se mantendo o doutamente decidido.

A arguida:

A) O relatório do IMTT não determina a causa do acidente alegadamente por falta de elementos, e, segundo o que foi referido pelos Srs Peritos em audiência, por não lhes ter sido pedida a averiguação da causa, enquanto o relatório da De… averigua e define tal causa, por tal lhe ter sido pedida, sendo por conseguinte complementar àquele

B) O Tribunal Recorrido, conjugando o depoimento da testemunha I com o depoimento do Sr Eng S  e do relatório por ele elaborado e junto aos autos, elementos que, aliados à reconstituição no local feita em sede de instrução, tinha que dar como provado que o pesado de passageiros invadiu a faixa esquerda de rodagem, no momento em que o ligeiro se encontrava a ultrapassá-lo, sendo tal invasão que determinou a arguida a desviar-se para a esquerda e a despistar-se, impondo- se outra resposta à dada no ponto 9 dos factos provados.

C) O Tribunal Recorrido podia e devia determinar nova reconstituição do acidente no local, colocando desta vez o veículo pesado a circular de trás para a frente nos 26,8 metros que antecederam o embate do ligeiro na cava da roda traseira, e a descrever as “várias trajectórias possíveis” referidas pelos Peritos, até ao ponto em que deixa a marca de arrastamento do pneu no asfalto, marca essa obliquada da esquerda para a direita.

C) A arguida não tem qualquer dúvida em afirmar que o veículo pesado invadiu a sua faixa de rodagem quando o ultrapassava, facto que percepcionou por visualização da lateral do autocarro muito próxima do seu veículo, e por ter a certeza absoluta de não ter desviado a sua trajectória até então.

D) A conclusão dos Peritos do IMTT é a de que o autocarro pode ter circulado na faixa de rodagem do lado esquerdo , como pode não ter circulado, não lhes sendo possível a análise desta questão por falta de elementos objectivos, enquanto o relatório do Sr Eng S consegue determinar este elemento importante, ou seja a causa do acidente em si, utilizando o mesmo software de simulação computacional.

E) Os relatórios são divergentes em vários pontos:

1° Os Srs Peritos, por falta de elementos objectivos, dizem não poder definir se o pesado invadiu ou não a faixa de rodagem esquerda, mas estranhamente já conseguem posicionar o ligeiro cinco metros atrás da perpendicular da traseira do autocarro quando inicia o despiste para a esquerda, o que, para conseguirem chegar a tal medida, tinham que posicionar o autocarro e o ligeiro a velocidades precisas e rigorosas sem margens de erro.

2° O Sr Eng S , em demonstração animada em computador, posiciona o inicio do desvio do ligeiro para a esquerda quando este está em paralelo com o autocarro, posicionando o ligeiro com 20 cm da frente em paralelo com o autocarro, afirmando categoricamente o mesmo que o momento da invasão da faixa esquerda pelo autocarro é coincidente com o inicio do despiste do ligeiro para o lado esquerdo da faixa de rodagem..

30 Refere o Sr Perito JC que não é possível dizer o que está por trás das marcas do veículo ligeiro antes do despiste, enquanto o Sr Eng S define o que está para trás através da curvatura da marca do pneu sobre a guia sonora.

F) Ambos os Peritos e o Eng S  coincidem num ponto, que é o autocarro estar a descrever uma trajectória para a direita quando sofreu oprimeiro embate, sendo uma verdade indesmentível é a de que, estando a descrever uma trajectória para a direita, vem necessariamente do lado esquerdo.

G) Em julgamento, quando foram inquiridos pela primeira vez os Peritos do IMTT, afirmaram que não definiram a distância da marca de travagem do pneu do autocarro quer no seu começo quer no seu fim, tendo a instâncias do Tribunal, entregue tais medições por fax, e, para espanto de todos, tais medidas que entregaram e nas quais se basearam para fazer a simulação computacional, estão completamente erradas, viciando assim o resultado da simulação computacional que apresentaram, enquanto as medidas trazidas ao Tribunal pelo Sr Eng S, obtidas por medição com fita métrica um dia e meio depois do acidente, são coincidentes com as da GNR tiradas no dia do acidente.

H) os Peritos do IMTT não foram ao local recolher informação, usando de uma forma distorcida as medidas que lhes foram indicadas pela GNR, pois, enquanto os Peritos indicam que a marca de travagem a sul da mesma dista 49 cm entre o eixo da marca e o eixo da linha axial descontínua, o Sr Engenheiro S  e a GNR indicam 30 cm entre tais eixos, e 12,5 cm entre as faces exteriores de tais marcas, admitindo o Sr Eng JC em julgamento que os pontos de referência estão afectados por erros de base, o que determina que a simulação computacional que apresentaram está viciada pelo erro e, como tal sem fidedignidade.

1) Os Srs Peritos do IMTT, segundo afirmaram no Tribunal, não trabalharam nunca na simulação computacional com a medida do topo norte da marca do rodado no asfalto, o que era elementar para definição da trajectória, acrescendo que a divergência de 30 cm do Eng S para 49 cm dos Peritos, no topo sul da marca entre o eixo desta e o eixo da linha axial descontínua, determina uma propagação do erro significativa para o fim da marca a norte.

J) Os Srs Peritos em sede de julgamento e em confronto com o Sr Eng S , informaram o Tribunal que trabalharam com o sistema de Estação Total para introdução das medidas em computador, e que este sistema é mais fiável do que o de fotogrametria utilizado pelo Eng S, que não corresponde à verdade porquanto, aquele sistema foi usado pelos peritos mais de um mês depois, quando no local já não haviam as marcas, utilizando uma remarcação da marca no local, usando pontos de referência indicados pela GNR.

K) Por sua vez, o sistema usado pelo Sr Eng S  foi o da fotogrametria, avalizado internacionalmente pelos mais avançados estudos de simulação computacional, baseado nas fotografias da marca tiradas um dia e meio depois do acidente, com a fita métrica sobre a mesma e sobre a linha axial descontínua.

L) os Srs Peritos tinham pressa em acabar o relatório, assim sacrificando a certeza e a fiabilidade por troca com a incerteza, facto que se alcança das perguntas feitas pelo Tribunal Recorrido ao Sr Eng JC no dia 27/11/2009 “Perante este auto de exame, há ou não discrepância nas medidas, e porquê a discrepância? “ tendo o Sr Perito respondido “Há de facto discrepância porque eu juntei um conjunto de medições feitas/baseadas numa quadricula”, voltando então a Sra Juiz Presidente e perguntar: Se se apercebeu da discrepância porquê mantê-la?” ao que o mesmo respondeu “Já estava feito o desenho e havia pressa em dispor do desenho rapidamente.... Eu peguei no desenho da GNR e coloquei-o no meu desenho”.

M) A Sra Juiz Presidente, dirigindo-se aos Peritos do IMTT pediu-lhes que justificassem na hora e no computador de que dispunham na sala de audiências, o resultado do relatório com as medidas, não tendo aqueles conseguido tais contas depois de muito tentarem, não justificando qualquer resultado, alegando dificuldades tais como não terem o programa adequado ( o meu computador não está a funcionar por causa do Windows 7) e outras, sendo que, se o tivessem feito com as medidas corrigidas, o resultado computacional seria substancialmente diferente e o autocarro acabaria posicionado na faixa esquerda no momento em que estava a ser ultrapassado pelo ligeiro.

N) A instâncias do Tribunal acerca das medidas da marca, o Sr Eng S respondeu desde o inicio com precisão, coincidindo as suas medições rigorosamente com as da GNR, enquanto os Srs Peritos foram estudar tais medidas, e após alguns dias responderam por fax, indicando medidas erradas, que se veio a constatar terem influenciado a sua simulação computacional para conclusões erradas.

O) Os Srs Peritos prevenindo a mais que evidente e demonstrada invasão da faixa esquerda por parte do autocarro, justificaram-na com as “oscilações laterais” que consideram normais chamando-lhe o Perito JD “o varrer da estrada”, o que constitui uma justificação desconexa pois ninguém sensato poderá acreditar ou aceitar que essas oscilações, sem ventos laterais, possam atingir 1,25 metros como referiu o Sr Perito JD, sendo mais consentânea a resposta do Sr Eng S. que afirma que tais oscilações são de poucos centímetros (20 no máximo), até porque são instantâneas e imediatamente corrigidas pelo motorista com toques de volante à esquerda e à direita.

P) Em julgamento, os Srs Peritos mais não fizeram do que tentar defender um relatório viciado por erros crassos de medição, mesmo com a evidência mais que provada em Instrução com a reconstituição do acidente, da invasão da faixa de esquerda por parte do autocarro 26,8 metros antes do ponto de embate, demonstração que feita pelo Sr Eng S em julgamento, isto apesar dos Srs Peritos terem tentado descredibilizar a empresa De.. Portugal quando a mesma é acreditada pela Dekra Alemã, autora do software de simulação computacional usado pelos Peritos.

Q) O Sr Eng S no estudo e na simulação computacional que fez utilizou a tecnologia mais avançada de que há conhecimento, que é a fotogrametria, e esta não é mais do que a utilização da fotografia dos dados no local do acidente que posteriormente são colocados à escala 2D e inseridos em computador.

R) O relatório do Sr Sargento SI, Instrutor do acidente, admite que o autocarro invadiu a faixa de rodagem esquerda em 5 cm, isto porque. tendo o autocarro 2,5 metros de largura como refere o mesmo relatório, e a faixa de rodagem 3,75 metros como refere o relatório do IMTT, facilmente se constata que invadiu a faixa de rodagem esquerda em 5 cm (2,5 metros (largura ao auto carro) + 1,30 metros (da direita do autocarro à berma do lado direito).

S) Prolongando para trás o movimento do autocarro é perfeitamente consentâneo o que referiu o Eng S  em julgamento de que o autocarro invadiu a faixa esquerda 40 a 50 cm, o que se determinaria numa reconstituição com o pesado a circular de trás para a frente, sendo esta circulação a fidedigna porque o raio traseiro do autocarro é mais pequeno que o dianteiro.

T) A invasão da faixa esquerda por parte do autocarro, para além de afirmada pelo Sr Eng S , é corroborada pelo depoimento da testemunha I, passageira do veículo ligeiro posicionada ao lado da condutora, gravado no dia 20/11/2009 pelas 17H08M38S, e segundo a qual “teve a sensação que o autocarro se estava a aproximar dela” (testemunha), acrescentando a instâncias da defesa da arguida que “ a C não fez qualquer desvio na trajectória que levava antes de tal aproximação do autocarro”.

U) Esta testemunha refere “o que me consigo lembrar, lembro-me de olhar para o meu lado direito e notar uma aproximação do autocarro... de seguida olho para a C e vejo-a a descontrolar-se com o carro”, acrescentando que “tenho a sensação de me ter encolhido por o autocarro se estar a aproximar de mim”

V) Mais referindo que “eu olhei para o lado e vi a aproximação do autocarro” e “quando confiamos em quem traz o carro não vamos preocupados” e ainda “conduzo para aí há 20 anos e a manobra de ultrapassa gem foi feita em segurança”.

X) Quanto ao facto da aproximação ter sido lateral a testemunha afirmou que “para vir o autocarro a aproximar-se nós íamos em paralelo é a minha percepção”. Mais afirmando a instâncias do Ilustre Mandatário dos Assistentes e à pergunta “tem a certeza que no momento do autocarro se aproximar já está ao vosso lado” a testemunha respondeu peremptoriamente e sem hesitações “já. .já”.

Z) E à pergunta se tem a certeza quando a colega vai a fazer os zigue-zagues já estão lado a lado, a testemunha respondeu “sim” contrariando uma pergunta anterior se a arguida não fez os zigue zagues 5 metros antes de chegar à traseira do autocarro.

AA) Por fim e á pergunta se notou que a C tivesse feito algum desvio na trajectória que levava antes da aproximação do autocarro, a testemunha respondeu que “não” mais referindo a instâncias da Sra Juiz que “a percepção que eu tenho é que vínhamos a direito e não me lembro de nenhuma guinadela” e ainda que “dá-me a sensação que vi a chapa do autocarro aquando da aproximação”.

AB) O depoimento desta testemunha tem que ser considerado e relevado, contrariamente ao que o tribunal Recorrido fez, desvalorizando-o sem qualquer fundamentação.

AC) Nas conclusões do relatório do IMTT pode ler-se que “a configuração da marca do pneu do veículo pesado no local em que foi embatido pelo ligeiro, regista que, nesse instante, o veículo circulava integralmente na via da direita, encostado à linha axial descontínua da faixa de rodagem, com uma trajectória direccionada para o lado direito da via. Prolongando a marca segundo uma trajectória suave “para trás no tempo” obtém-se um posicionamento do autocarro sobre a via da esquerda a cerca de 26,80 metros (menos de 1,1 segundo antes)”.

AD) Acrescentando tal conclusão que “é pois mais que provável que, durante a manobra de ultrapassagem (em sentido lato) do veículo ligeiro, o movimento do autocarro tivesse amedrontado a condutora do veículo ligeiro e induzido a escolha de uma trajectória progressivamente mais próxima do separador central, seja por efectiva invasão da via esquerda, seja por ocupação da fronteira entre vias”.

AE) Esta conclusão aparecendo no relatório para além dos que foi pedido aos Srs Peritos, traduz o sentimento de que, apesar de não terem aprofundado tal questão, estão conscientes de que foi a efectiva invasão da faixa esquerda pelo autocarro que ocasionou o guinar, ainda que não brusco, do ligeiro para o lado esquerdo e o subsequente despiste para o lado direito.

AF) Perante todo este cenário probatório, impunha-se que o Colectivo de Juizes tivesse apurado com segurança a causa de tal desvio do ligeiro para a esquerda, facto que o sr Juiz de Instrução sabiamente fez, e concluiu que foi a invasão da faixa esquerda por parte do autocarro, e a sensação que causou na arguida de que estava a ser abalroada lateralmente por ele.

AG) Posicionando o autocarro a circular 26,8 metros para trás do ponto de embate como o Sr Juiz de Instrução fez, foi verificado no local que a esquina da frente do lado direito do autocarro distava 1,51 metros da guia sonora do lado direito, pelo que, somando esta distância de 1,51 metros com a largura do autocarro que é 2,5 metros, obtemos um total de 4,01 metros, pelo que, tendo a largura da faixa de rodagem 3,75 metros, tivemos nesse trajecto de 26,8 metros o autocarro seguramente a circular na faixa de rodagem esquerda pelo menos 26 cm.

AH) Se o Tribunal efectivasse uma reconstituição do acidente em sede de julgamento, e colocasse o autocarro a circular de trás para a frente, pois foi esse o trajecto que ele fez, o Sr Eng S não tem qualquer dúvida em afirmar que tal invasão situar-se-ia entre os 40 e 50 cm.

AI) A perícia do IMTT enferma de vários erros:

a) o croqui junto em julgamento quanto às medições do rasto no pavimento está errado como todos os intervenientes do julgamento viram e constataram,

b) A simulação que fazem não apresenta os vestígios no local do acidente

c) No relatório é assumida a invasão mas foi desconsiderada porque não lhes terá sido pedida a averiguação da causa do “despiste” do ligeiro, o que constitui um manifesto erro,

d) Não foi feito o estudo dos momentos antes do embate,

e) Não é considerado o efeito aerodinâmico na aproximação do autocarro ao ligeiro,

f) A presença próxima de um veículo das dimensões do autocarro também não é considerado na desestabilização da condutora do autocarro.

AJ) No “confronto” em julgamento, o Sr Eng S  demonstrou em computador e no ecran da televisão das videoconferências a simulação computacional que fez, como a fez, e os elementos usados para as conclusões que retirou, enquanto os Srs Peritos não fizeram tal demonstração, limitando-se a fazer-lhe perguntas, não mostrando em computador a sua simulação com invocação de dificuldades pouco convincentes, pelo menos para a arguida que ficou com a sensação que se esquivaram a fazer tal demonstração.

AK) Uma outra divergência entre o Sr Eng S e os Srs peritos é de qual dos embates ocasionou o despiste do autocarro para fora da estrada, pois segundo o Sr Eng S santos foi o primeiro embate no rodado traseiro, enquanto os Srs peritos dizem ter sido o segundo no rodado dianteiro.

AL) A tese do Sr Eng S  é a de que logo após o primeiro embate as marcas do pneu interior do rodado traseiro esquerdo fazem um arqueamento perfeito em direcção a fora da estrada, o que é demonstrado pela fotografia colorida junta, e que, segundo pensa a arguida, consta do processo, da mesma se alcançando o rasto da marca do pneu traseiro esquerdo de fora do autocarro e logo ao lado se vê a marca da roda interior arqueada para o lado direito, tendo ficado tal marca do pneu interior pela pressão de peso que sobre ele se fez após o rebentamento do exterior.

AM) Contrariando o que esta fotografia demonstra claramente, o Tribunal recorrido deu como provado no ponto 16 que foi na sequência do segundo embate que o condutor do autocarro perdeu o controlo.

AN) Não pode ter sido nunca o embate na roda da frente do autocarro a provocar o despiste para fora da estrada, mas sim o primeiro embate na roda traseira associado à manobra correctiva da esquerda para a direita que o motorista do autocarro fazia com o volante, embora com tal embate a carroçaria tenha naturalmente adornado para a esquerda, mas só a carroçaria e já não o chassis do autocarro.

AO) O embate na roda da frente não muda a trajectória do autocarro, porque o sistema de direcção que equipa o autocarro não permite a viragem sem accionamento do volante pelo motorista.

AP) Basta analisar atentamente o relatório do IMTT, mais concretamente as páginas 526 e 527, das quais se extrai em “frame” retirada da simulação computacional, que logo após o 1° embate na roda traseira do autocarro, ele faz imediatamente o desvio para a direita, isto antes do 2° embate na roda Q7 dianteira.

AQ) O Tribunal recorrido considera na ai E) dos factos não provados que o condutor não do autocarro não se apercebeu que se encontrava a ser ultrapassado pelo ligeiro, quando tal facto foi de resto confessado pelo arguido F, pelo que, tal facto ao invés de ser julgado não provado, devia ser julgado provado pela confissão do arguido condutor do autocarro.

AR) O Tribunal Recorrido até ao ponto 23 elenca os factos provados e extraídos dos depoimentos das testemunhas, peritos e dos relatórios, sendo que relativamente aos factos alegados pela arguida aqui recorrente na contestação, decorre que o Tribunal julga provados os pontos 1 a 28.

AS) Os pontos 7, 10, 11 e 12 da alegada contestação da arguida recorrente estão em manifesta contradição com o ponto 9° dos julgados provados atrás, ou seja, o julgado provado nestes pontos 7,10,11 e 12 da contestação oferecida pela arguida determinam que o tribunal Recorrido não pudesse dar como provado que o veículo conduzido pela arguida tenha pisado a guia sonora do lado esquerdo por razões não concretamente apuradas.

AT) Por outro lado o ponto 22 extraído do relatório do IMTT de que “não foi possível concluir estarem os pneumáticos traseiros em estado impróprio para circulação” está em manifesta contradição com o ponto 25 extraído da contestação da arguida de que alguns dos pneumáticos do autocarro continham desgaste chegando mesmo ao aparecimento da tela.

AU) Também nos factos não provados, a matéria factual da ai C) está em manifesta contradição com o ponto 23 dos factos provados, porquanto enquanto no ponto 23 dos factos provados se diz que a arguida agiu com falta de cuidado a que estava obrigada ao agir da forma descrita nos pontos anteriores, na ai C) é referido que por não se ter desviado de forma segura do autocarro foi pisar as guias sonoras, deixando pressupor que teve que se desviar do autocarro, não o fazendo contudo em segurança.

AV) Do relatório da De… e do depoimento do Sr Eng S ressalta que o croqui foi correctamente elaborado à escala e a simulação computacional está rigorosamente de acordo com as marcas deixadas no local do acidente, apenas apresentando pequenos desvios na parte final aquando da saída da estrada, pelo facto de não ter tido acesso ao levantamento topográfico da GNR por falta de autorização do MP apesar de requerido, sendo que, esses pequenos desvios não têm qualquer influência no apuramento da causa do acidente.

AX) O relatório do IMTT baseou-se num croqui errado, a simulação não apresenta os vestígios do local do acidente, assume a invasão da faixa esquerda pelo autocarro mas considera que não teve influência no acidente, não apresenta estudos do antes do embate, não considera o efeito aerodinâmico na aproximação do autocarro ao ligeiro, não considera a influência do autocarro com as dimensões que tem na desestabilização do condutor, isto entre outros erros.

AZ) A fundamentação enferma de vários erros de apreciação:

1- refere o Tribunal Recorrido que “não pode contrariar o juízo pericial na base de uma argumentação puramente técnico jurídica” e ainda que “o julgador está amarrado ao juízo pericial”; A prova pericial não é nem nunca poderá ser soberana e absoluta.

2- Da conjugação dos depoimentos dos Srs Peritos, com o do Sr Eng S  e da testemunha I, importava que o Tribunal Recorrido fundamentasse as divergências, que são muitas e perfeitamente válidas, o que não fez devidamente.

3- No que concerne à apreciação critica do depoimento da arguida aqui recorrente, o Tribunal considera que a mesma não soube explicar como é que “o autocarro estava todo na faixa esquerda” quando efectuava a ultrapassagem, concluindo a arguida que o Tribunal não percebeu que quando disse que “o autocarro estava todo na faixa esquerda” se reportava à parte lateral esquerda em todo o comprimento e não à totalidade corpórea do autocarro.

4- Na apreciação critica do depoimento da testemunha I, o Tribunal recorrido interpreta erradamente o por ela deposto, na medida em que esta, sumariamente, referiu que percepcionou que o autocarro se aproximava do ligeiro onde era transportada, e que a arguida não desviou a trajectória antes de tal aproximação.

5- Note-se que esta testemunha fala sempre em aproximação do autocarro ao ligeiro, e nunca de aproximação do ligeiro ao autocarro, mais concretamente quando refere que, perante tal aproximação se encolheu, tendo o Tribunal entendido mal, que o “encolhimento” da testemunha ocorreu quando a arguida já mexia o volante de forma descontrolada.

6- A dado passo refere o Tribunal recorrido que o próprio Eng S  não concordou com a realização da reconstituição do acidente nos moldes em que o foi, quando não foi isso que a “testemunha” disse mas sim que a reconstituição mais fidedigna seria colocar o autocarro a circular de trás para a frente, acrescentando que nesse caso a invasão da faixa esquerda ainda seria maior.

AAA) O ponto seis da intitulada alteração não substancial dos factos apresentada em julgamento, constitui antes uma alteração substancial dos factos constantes da pronúncia, na medida em que tal ponto altera toda a factualidade do acidente, no que concerne à causa do mesmo, mormente do desvio da arguida para o lado esquerdo em plena ultrapassagem.

AAB) A alteração, que a arguida considera substancial, tem como consequência estar vedado ao Tribunal tomá-la em conta para efeito de condenação — art 359 n° 1 C.P.P.

AAC) Tendo a arguida indicado o mencionado Engenheiro como perito, e não vindo a ser determinada a sua audição enquanto tal, foi violado o disposto no art 154 n° i C.P.P.

AAC) A ser punida, a arguida deveria tê-lo sido apenas por um único crime de homicídio negligente

AAD) Após a entrada em vigor da Lei 77/2001 de 13/07 que deu nova redacção ao art 69 n° 1 ai a) C. Penal, deixou de ser aplicável a aplicação de sanção acessória de inibição de conduzir por crime cometido na condução automóvel com ou sem grave violação das regras estradais.

AAE) Tendo sido a arguida condenada pelos crimes de homicídio negligente e de ofensas à integridade física negligentes, e pela contraordenação do art 38 n°s 3 e 4 C. Estrada, é indubitável que aqueles foram cometidos no exercício da condução, e, sendo-o, não pode haver lugar à aplicação da sanção acessória.

AAF) A culpa na produção do acidente foi exclusiva do motorista do autocarro por invasão da faixa esquerda de rodagem por onde circulava o veículo da arguida na manobra de ultrapassagem que efectuava, impondo-se a absolvição da arguida.

AAG) A arguida considera incorrectamente julgado que não se tenha provado que o autocarro tenha invadido a faixa esquerda de rodagem quando ela efectuava a ultrapassagem e estava parcialmente em paralelo com aquele, determinando-a a, numa manobra instintiva/evasiva, e para evitar a colisão, guinar, ainda que não bruscamente, para o seu lado esquerdo, entrando em despiste, e guinando novamente para a direita à aproximação do separador metálico central, embatendo na cava da roda de trás esquerda do autocarro.

AAH) Considera ainda incorrectamente julgado que tenha sido o segundo embate na roda da frente que provocou o despiste do autocarro para fora da estrada

AAI) A impugnação da matéria factual que deveria ter sido dada por provada e não o foi funda-se no relatório da De…., no depoimento do Sr Eng S , no depoimento da testemunha I, da própria arguida e do co-arguido, todas gravadas no sistema áudio digital/informático em uso no Tribunal.

AAJ) O presente recurso funda-se no erro notório na apreciação da prova e contradição insanável na fundamentação — art 410 no 2 ais b) e c) C.P.P.

AAH) O Tribunal Recorrido violou, entre outros, o disposto nos arts 154 n° i, 359 n° 1, 374 n°2 C. P.P., 146 e 147 C. Estrada

TERMOS EM QUE,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, deve ser revogado o Acórdão Recorrido e substituído por outro que absolva a arguida dos crimes e da condenação na inibição de conduzir,

Ou, se assim não for doutamente entendido, deve ser anulado o julgamento e ordenada a remessa do processo a Instância para que, além da sanação das contradições, se faça o apuramento da causa do acidente e do desvio do veículo da arguida para a esquerda com subsequente despiste, com a reconstituição do mesmo e na presença dos Srs Peritos e do Sr Eng S, desta vez com o autocarro a circular de trás para a frente,

Ou ainda se assim não for entendido, deve a pena de prisão aplicada à arguida ser reduzida em função da repartição da culpa na produção do acidente, sempre ficando suspensa na sua execução por período a definir criteriosamente por V/s Exas.

O assistente:

1. Concorda-se com a condenação da Arguida, mas de todo não se concorda com a absolvição do Arguido, que, salvo melhor e mais sábia opinião, não pode resultar dos autos e do julgamento;

2. Considera-se incorrectamente julgado o ponto n.° 9 (dos factos resultantes da pronúncia e atenta a alteração não substancial dos factos), seguindo a numeração contida no Acórdão do Tribunal a quo. O motivo da discordância reside na alegada ausência de apuramento das circunstâncias que determinaram o referido pisar da guia sonora à esquerda e o posterior descontrolo da viatura ligeira;

3. Crê-se que há elementos suficientes para dar como provado que o despiste do ligeiro, conduzido pela Arguida, não ocorreu apenas por descuido, imperícia e negligência desta, deu-se, também, pela invasão da faixa de rodagem em que seguia pelo autocarro, conduzido pelo Arguido, em medida concretamente não apurada, mas que poderá chegar aos 50 centímetros (c/r. o que infra se diz relativamente à reconstituição do acidente e suas vicissitudes);

4. A Arguida afirma que, após iniciar a ultrapassagem, o autocarro entrou na faixa da esquerda, o que a levou a desviar-se progressivamente para a esquerda, já o Arguido nunca se apercebeu que estaria a ser ultrapassado, não sabe onde estava na via, afirmando estar a 40 - 50 centímetros, quando tal resulta impossível da prova produzida, não tem por hábito chegar-se à direita quando ultrapassado, afirmando mesmo que pode ir ao eixo da via, não olhando para os espelhos retrovisores quando ultrapassado;

5. Da postura do Arguido resulta uma indisfarçável incúria que, misturada com os relatos, muito embora contraditórios, de conversa e distracção ao volante do autocarro, deram origem a um exponencial perigo;

6. Foi executada uma perícia nos autos, realizada pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil e pelo Instituto Superior Técnico, tendo os peritos sido o Senhor Eng.° J C e o Senhor Professor J D;

7. Foi junto aos autos, pela Arguida, nos termos do artigo 165.°/3 do CPP, um parecer técnico sobre as circunstâncias do acidente, realizado pela empresa Dekra. O seu redactor foi o Senhor Eng.° S , que prestou depoimento como consultor técnico, nos termos do artigo 155.0 do CPP;

8. No relatório pericial concluiu-se haver trajectórias possíveis e capazes de produzir a referida marca no pavimento tanto à esquerda do eixo da via, como à sua direita, embora sempre muito perto daquele;

9. No parecer técnico concluiu-se que o autocarro teria de ter invadido a faixa da esquerda nos instantes anteriores ao embate;

10. O apuramento da distância da marca de bloqueio da roda traseira externa esquerda do pesado ao eixo da via assume importância decisiva para a valoração das conclusões do relatório pericial e do parecer técnico da De…;

11. As medidas avançadas pelos peritos, em julgamento, chocaram frontal e incompreensivelmente com as apuradas pela GNR no respectivo auto de exame directo ao local, de tal forma foram conflituantes que, onde a GNR, com fita métrica e no local, medira 30 centímetros entre eixos de marcas (ou seja, 10 centímetros entre extremidades), os peritos indicara, 49 centímetros;

12. Assim, uma vez que a marca, tal como a mediram os peritos se encontrava, entre 19 a 22 centímetros alheada, quer do parecer técnico da De.., quer do auto de exame directo ao local da GNR, foi requerida a comparência, na seguinte sessão de julgamento, quer dos dois peritos, quer do consultor técnico;

13. Os dois peritos e o consultor técnico prestaram depoimento em simultâneo, trocando impressões e respondendo às instâncias do Tribunal, Procurador do Ministério Público e mandatários dos Arguidos e Assistentes;

14. A surpresa que estava para chegar era que, apesar da competência da GNR a colher as medidas, que todos reconheceram, os Senhores peritos enganaram-se a inserir as medidas na sua, pretensamente rigorosa, demonstração por “estação total “;

15. Isto é, a mais antiga marca do autocarro na via, o principal indício que podia apontar para a circulação do autocarro à direita ou à esquerda da via, no momento do despiste do ligeiro, é mal inserido na peritagem que se acha junta ao processo;

16. A partir desta constatação o relatório pericial merece as maiores reservas, tendo de ser utilizado com a maior das parcimónias;

17. Só o Eng.° S, da De…, elaborou uma simulação do acidente com as distâncias certas, designadamente a marca de arrastamento do pneu exterior, traseiro, esquerdo do autocarro, tendo sido com os seus esclarecimentos que o Tribunal se apercebeu do erro dos peritos;

18. Contrariamente ao referido pelo Eng.° JC (LNEC), o referido erro propagado teve influência nas conclusões do relatório pericial;

19. Para o verificar basta atentar no ponto 11 da matéria de facto (factos provados contestação da Arguida C, pág. 23 do Acórdão recorrido), onde, por referência ao relatório pericial, se refere que seria necessário prolongar 26,8 metros para, em trajectória rectilínea, a marca de bloqueio da roda do pesado encontrar o eixo da via e transpô-lo para a esquerda;

20. Uma vez corrigido o erro, necessariamente aproximou-se tal marca do eixo da via. Pois estando aquela, em relação a este, com um ângulo de obliquidade de 50 da esquerda para a direita, a distância a percorrer é necessariamente menor, nunca os referidos 26,8 metros e 1,1 s (referidos nas conclusões do relatório pericial);

21. Expurgados os erros do relatório assentou-se que: 1. A marca do rodado do pesado distava 10 centímetros ao eixo da via; 2. A carroçaria do autocarro, imediatamente ao lado do rodado distava 4 centímetros do eixo da via; 3. A carroçaria do autocarro, no ponto esquerdo traseiro, atentos os 5° de obliquidade, estava, necessariamente, amenos distância do eixo da via que os referidos 4 centímetros; 4. O autocarro direccionava-se da esquerda para a direita, apresentando-se com uma obliquidade de 5° relativamente ao eixo da via, contrário à curva, que naquele ponto da auto-estrada se faz à esquerda; 5. A marca do rodado do autocarro, em toda a sua extensão, apresenta-se rectilíneamente delineada no pavimento; 6. O autocarro apenas teria de percorrer, para trás, 2,18 metros, em linha recta, a partir da marca de arrastamento do rodado, para que a sua traseira estivesse no lado esquerdo da via; 7. Esses 2,18 metros, atendendo à velocidade do autocarro de 26 metros/segundo, seriam percorridos em menos de 10 centésimos de segundo; 8. O condutor do autocarro, em momento algum antes do embate, se apercebeu estar a ser ultrapassado; 9. A condutora do veículo ligeiro afirma que se sentiu apertada pela trajectória do autocarro e que por isso perdeu o controlo da sua viatura;

22. Atentos os dados, a possibilidade do autocarro não vir da faixa da esquerda é apenas pura e exclusivamente académica;

23. Ao Tribunal a quo era exigível algo mais do que o recurso ao princípio in dubio pro reu, que se crê indevidamente aplicado à situação em apreço;

24. O Tribunal não se poderia ter atido à possibilidade que, de acordo com a experiência comum, é infinitesimal, do autocarro vir na faixa da direita no momento anterior àquele em que deixa a marca de rodado na via;

25. A vingar como o douto Acórdão recorrido concluiu, qualquer remota, embora matematicamente possível possibilidade, desde que resultante de um relatório pericial, vincularia o Tribunal a uma decisão favorável ao Arguido;

26. O Tribunal a quo, ao não ter considerado provado que o acidente se ficou a dever ao facto do Arguido ter conduzido o seu veículo com falta de atenção, cuidado e perícia, nomeadamente, não se apercebendo que se encontrava a ser ultrapassado pelo veículo ligeiro de passageiros e, não obstante dever circular junto à berma direita da via direita em que seguia, ao descrever a curva para a esquerda, invadiu parcialmente a via de trânsito da esquerda por onde seguia o veículo ligeiro de passageiros, levando a sua condutora a desviar-se para a esquerda e a pisar a guia sonora que delimita à esquerda essa mesma faixa de rodagem, incorreu num erro notório de apreciação de prova, que fundamenta o presente recurso nos termos do artigo 410.°/2 e) do CPP;

27. Erro notório de apreciação da prova em que incorreu, consequentemente, ao considerar que o acidente se deveu, apenas, ao facto da Arguida ter conduzido o seu veículo com falta de atenção, cuidado e perícia, nomeadamente, porque circulando a velocidade superior a 120 km/h na via de trânsito da esquerda, não se desviou de uma forma atempada, segura e cuidadosa do veículo que invadia a sua via de trânsito, quando tinha espaço para isso, e por, já em reacção à vibração e ruído resultantes do pisar da guia sonora que delimita à esquerda a faixa de rolamento da esquerda, ter accionado bruscamente o sistema de direcção para o lado direito;

28. Sendo que tais erros de apreciação da prova se ficaram, além do já referido, a dever a uma errada aplicação de várias normas relativas à prova, designadamente os artigos 127.°, 163.°, 165.°/3 e 155.° do CPP;

29. O Tribunal a quo poderia fundamentar uma divergência face ao constatado pelos peritos no relatório pericial com os elementos que dispunha nos autos;

30. Tendo o referido Eng. S  deposto de forma coerente, sufragando uma tese que até é coincidente com a da pronúncia, o Tribunal poderia, se assim o entendesse, divergir das conclusões a que chegaram os peritos nomeados no processo por mera adesão à tese daquele;

31. Mas acontece que o Tribunal nem necessitava de divergir do relatório pericial para concluir como o Recorrente sustenta. Isto com uma explicação relativamente simples: o relatório pericial nada conclui, nem sequer se compromete expressamente com probabilidades. Diz apenas que é possível haver uma trajectória em que o autocarro venha à direita da faixa de rodagem;

32. Em processo penal a regra é a de livre apreciação da prova, regra que comporta as suas excepções, entre as quais as conclusões da prova pericial. Mas, seguindo de perto Maia Gonçalves, estas excepções integram-se no princípio da prova legal ou tarifada, que é usualmente baseado na segurança e certeza das decisões, consagração de regras de experiência comum e facilidade e celeridade das decisões (cfr. Código de Processo Penal Anotado, 9. edição, pág. 323);

33. Não estando em causa um juízo técnico-cientifico com o sinal de certeza requerido, apenas se formulando possibilidades, ainda por cima visível e confessadamente remotas, inclusive de rigor duvidoso, a força vinculativa própria da chamada prova tarifada não é absoluta;

34. O mesmo é dizer que terá de se fazer intervir o princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127.° do CPP, afastando-se a aplicação do artigo 163.° do CPP. Ao não ter interpretado como referido, o douto Acórdão violou as duas referidas normas;

35. Sempre salvo melhor e mais sábia opinião, os dados assentes permitiam, à luz do princípio da livre apreciação da prova, uma resposta simples por parte do Tribunal. O autocarro, varrida a análise da prova de probabilidades académicas e infinitesimais, fazendo nela intervir o normal acontecer, diga-se, o bom senso, vinha, efectiva e inelutavelmente, da faixa de rodagem da esquerda;

36. Nem se diga, em favor da defesa do Arguido: ‘Que nõo há nenhum elemento neste processo que ponha o autocarro à esquerda da via.” Tal afirmação é óbvia, propositada e sabiamente capciosa, pois se não há nenhuma prova directa de tal direcção, existe, à saciedade, prova indirecta que o coloca o autocarro naquela faixa;

37. Os elementos assentes nos autos resumem a indecisão ao referido 0,1 segundo, 10 centésimos, nos quais, em linha recta, trajectória que, de resto, tem a marca de arrastamento, recuando 2,18 metros, a traseira do autocarro estaria na via da esquerda, isto quando se sabe que o condutor do autocarro nunca se apercebeu estar a ser ultrapassado e a condutora do veículo ligeiro afirmou, como ninguém negou, nem o relatório pericial, se ter amedrontado;

38. Salvo melhor opinião e com o devido respeito, que muito é, não é lógico nem compreensível que se diga que o autocarro não vinha da via da esquerda no momento em que se dá o primeiro embate;

39. A sustentar a tese do Recorrente existe, ainda, a reconstituição do acidente, diligência que foi ordenada, oficiosamente, em sede de instrução;

40. Esta diligência teve por base as medidas apuradas pelo LNEC e utilizadas no relatório pericial, designadamente no que se refere à posição da marca do rodado traseiro esquerdo;

41. Tendo-se, em sede de audiência de julgamento, como já se referiu, apurado que os peritos localizaram mal tal marca, há que concluir que a invasão da faixa da esquerda, apurada na reconstituição, pecou por defeito, pelo que é forçoso considerar que, realizada com as marcas reais deixadas no local, a reconstituição do acidente teria resultado numa invasão sempre superior aos referidos 20 centímetros;

42. O consultor técnico, Eng.° S , apurou uma invasão de 50 centímetros;

43. A interpretação conferida no Acórdão aos artigos 13.° e 39.° do Código da Estrada arrasa com todas as finalidades preventivas associadas à legislação estradal, devendo ser alterada de forma a condenar o Arguido. No fundo, para o Tribunal a quo só há sanção se o Arguido dificultar a ultrapassagem, só há sanção se o Arguido provocar o acidente;

44. Noutros termos, técnico-jurídicos, o Acórdão recorrido equipara, em violação das referidas normas, as contra-ordenações estradais a crimes de resultado, quando a sua construção é, em tudo, análoga à dos crimes de mera actividade, pelo que basta a mera execução do comportamento humano descrito no tipo para que se verifique o respectivo preenchimento;

45. Crê-se ainda que, sem prejuízo do que se disse supra relativamente à trajectória do autocarro no instante anterior ao embate, que bastava a provada distância de 4 centímetros do autocarro ao eixo da via para fundar uma condenação do Arguido;

46. O Arguido nunca se apercebeu que ia ser ultrapassado; não tendo ideia, real, de onde se encontrava na via no momento do embate; afirmando que não se chegava à direita quando era ultrapassado; não olhando, sequer, para o retrovisor quando era ultrapassado; acabando por ser embatido quando se encontrava a 4 centímetros do eixo da via e a mais de 1,2 metros da linha delimitadora da via, à sua direita;

47. Se a estes factores se acrescentar a circunstância do Arguido conduzir um veículo pesado de passageiros, lotado de pessoas idosas e durante a noite, verifica-se que o Arguido violou grosseiramente as regras de condução que lhe eram exigíveis, criando um perigo para os que transportava, podendo e devendo evitar tal perigo, especialmente tendo em conta ser um condutor profissional e preparado para o melhor desempenho, como, aliás, a defesa, doutamente, se bateu por firmar em julgamento;

48. O Arguido, absolvido como foi dos crimes pelos quais veio pronunciado, deveria ter sido condenado, no mínimo, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na sua forma negligente, nos termos do artigo 291 .°/1 a), /3 e /4 do CP. Ao não ter convolado o conteúdo da pronúncia de modo a condenar o Arguido pela prática do referido crime, o Acórdão recorrido violou o artigo 291.0 do CP;

49. Mas, crê-se que poderia o Arguido ter sido condenado pela totalidade dos crimes e contra-ordenações pelos quais veio pronunciado, apenas, pela apurada colocação a 4 centímetros do eixo da via quando é embatido, pois autocarro é embatido num local da via onde, em circunstância alguma, deveria circular;

50. O autocarro é um veículo de enorme porte, 10 metros de comprimento, 2,5 metros de largura, 4 metros de altura, circulando à noite, numa curva, muito perto do eixo da via ou, mesmo, para além dele, sendo, indiscutivelmente, um factor de amedrontamento dos outros veículos, designadamente da Arguida;

51. Pelo referido, independentemente de qualquer apurada trajectória traçada a partir da marca do rodado traseiro deixada no pavimento pelo autocarro, deveria o Arguido ter sido condenado, pois conduziu de forma contrária às regras de circulação, contribuindo decisivamente para a infeliz cadeia de acontecimentos que conduziu à improvável circunstância de um veículo com uma massa de cerca 1 tonelada ter projectado para fora da via um veículo com uma massa superior a 15 toneladas;

52. Ao não ter decidido como referido, o Acórdão recorrido violou o artigo 127.° do CP, incorrendo, também, em erro notório de apreciação de prova;

53. O Recorrente não se conforma com a espécie e medida da aplicada à Arguida, pretendendo que o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra a reaprecie e, em consonância, aplique pena mais severa do que aquela em que esta foi condenada na primeira Instância;

54. Ao aplicar a sanção que foi aplicada à Arguida, o Tribunal a quo violou os artigos 40.°/1, 50.°, 70.°, 71.°/l a) e 137.°, todos do CP;

55. Os acidentes de viação são um verdadeiro flagelo nacional, sendo, inclusivamente, a principal causa de morte entre os jovens; o presente caso teve elevada repercussão nos meios de informação, tendo a leitura de Acórdão sido, inclusivamente, transmitida pelas várias televisões e rádios presentes; as exigências de prevenção geral são, pelo referido, incomensuravelmente elevadas;

56. As consequências dos factos são, também elas, inegavelmente grotescas, sendo o acidente em apreço nos presentes autos, indubitavelmente, o mais grave acidente de viação ocorrido na história das estradas nacionais, uma vez que o acidente da Ponte de Entre-os-Rios não foi, rigorosamente, um acidente de viação;

57. Nenhum dos Arguidos pode, salvo melhor opinião, ser condenado a pouco mais de 4 anos de pena suspensa; independentemente das necessidades de prevenção especial, que se reconhecem serem baixas, embora mais significativas no caso do Arguido, as necessidades de prevenção geral são de tal maneira elevadas que não se compadecem com uma pena suspensa; pelo que deverá ser aplicada pena detentiva, ainda que de curta duração, a ambos os Arguidos. Só assim, salvo melhor e mais sábia opinião, se acautelando as finalidades de prevenção geral.

Em respostas autónomas aos recursos interpostos pronunciaram-se a arguida  C em relação aos recurso do assistente e do MP, este último em relação ao recurso da arguida C e em relação ao recurso do Assistente e ainda em contra alegações em relação aos recurso interpostos pelo MP, pela arguida e pelo assistente o arguido F concluindo pela manutenção da decisão de primeira instância.

O Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto nesta Relação propugna igualmente pela manutenção da decisão da relação da primeira instância devendo ser negada procedência a todos os recursos.

                                                           *

II. FUNDAMENTAÇÂO

Face ao teor das conclusões formuladas pelos recorrentes expostas nos seus recursos, as questões a decidir sustentam-se:

Recurso do MP: existência de um único crime de homicídio por negligência.

Recurso da arguida: i) matéria de facto incorrectamente julgada; ii) contradição entre factos provados; iii) alteração substancial dos factos; iv) inquirição de perito como testemunha; v) existência de um único crime de homicídio por negligência; vi) sanção acessória

Recurso do assistente: (i) impugnação da matéria de facto através do alegado o erro de julgamento sobre factos (ponto 9); ii) erro notório na apreciação da prova; (iii) valor da prova pericial; (iv) absolvição de contraordenações; v) crime de condenação de condução perigosa de veículo rodoviária; vi) violação do artigo 127º do CPP; vii) pena aplicada à arguida.

                                                           *

            Matéria de facto provada, motivação da matéria de facto decisão e fundamentação da pena (tendo em conta os recursos interpostos):
Da Pronúncia (integrada pela alteração não substancial oportunamente  comunicada aos arguidos):

1)

No dia 5 de Novembro de 2007, segundos antes das 19h14 minutos, o arguido F conduzia o veículo pesado de passageiros MAN HOCLA, com a matrícula…-QX, de cor branca,  comprimento total de 9, 600 metros, largura total de 2, 50 metros, comprimento  entre  eixos  de  4, 70 metros,  e distâncias do  eixo traseiro à retaguarda  de 2, 82 metros, do  eixo dianteiro à  frente de 1, 875 metros e  dos  eixos traseiro e  dianteiro à  carroçaria lateral de 6 centímetros, propriedade da Câmara Municipal de…., na faixa de rodagem da direita da A-23, no sentido Sul-Norte.

2)

No referido  veículo pesado  de passageiros, eram transportados trinta e seis passageiros, nos seguintes  termos:

1 - CA, sentada  no lugar   n.º 1;

2 - MA, sentada no lugar n.º 2;

3 -JM, sentado no lugar n.º 3;

4 - MF, sentada no lugar n.º 4;

5 – MC  sentada no lugar n.º 5;

6 – I sentada no lugar  n.º 6;

7 - FE, sentada no lugar  n.º 7; 

8 - CC, sentada no lugar  n.º 8; 

9 - O, sentada no lugar  n.º 9; 

10 - OM, sentada no lugar  n.º 10; 

11 - L, sentada no lugar  n.º 11; 

12 - JR, sentado no lugar  n.º 12; 

13- MN sentada no lugar  n.º 13; 

14 - MAN, sentado no lugar  n.º 14; 

15 - MD, sentada no lugar  n.º 15; 

16 - MI, sentada no lugar  n.º 16; 

17 - ER sentada no lugar  n.º 17; 

18 - JV sentado no lugar  n.º 18; 

19 - DG, sentada no lugar  n.º 21; 

20 - MB, sentada no lugar  n.º 22; 

21 - AME, sentada no lugar  n.º 23;

22 - CL, sentada no lugar  n.º 24; 

23 - JO sentado no lugar  n.º 25; 

24 - LF, sentada no lugar  n.º 26; 

25 - IlD, sentada no lugar 33 ou 34;

26 - AR, sentado  no lugar  33 ou  34;

27 - MJG, sentado em lugar desconhecido

28 - MGS, sentado 

29 - MAR, sentada  no lugar  n.º 28;

30 - EUS, sentada  no lugar  n.º 29;

31 - MAM, sentado no lugar  n.º 35; 

32 - RM, sentada no lugar  n.º 36; 

33 - ILR sentada no lugar  n.º 37; 

34 - MMS, sentada no lugar  n.º 38; 

35 - MFS, sentada no lugar  n.º 39; 

36 - MMP, sentada em lugar desconhecido .

3)

Na mesma ocasião e na mesma faixa de  rodagem, sem que  aí e então, pelo menos,  até   às 19h14m, desse  dia, se registasse qualquer  outro  movimento de trânsito, circulava à retaguarda da referida viatura, o veículo ligeiro de passageiros FORD FIESTA, com a matrícula …-BT, propriedade da arguida C , que o conduzia, não provido de sistema de ABS, controlo de tracção e controlo de estabilidade  com a largura  total de 1, 606 metros, comprimento  total de 3, 741metros, distância  entre eixos de  2, 446 metros, distância   entre o  eixo  dianteiro e a  frente de 0, 681 metros, distância do  eixo traseiro à retaguarda de 0, 616 metros, onde eram transportados três passageiros:

1 - JOC, sentado no banco de trás, do  lado  direito;

2 - MSD, sentada no banco de trás, do lado esquerdo; 

3 IMS, sentado no banco da frente, do lado direito, a par  da condutora.

4)

Era de noite, o tempo estava bom, o piso estava seco e em bom estado de conservação.

5)

A faixa de rodagem no sentido Sul-Norte da A 23 tem 7,50 metros de largura e é constituída por duas vias de circulação, com 3,75 metros cada uma, pela berma esquerda com a largura aproximada de 0,90 metros e pela berma direita com 3 metros de largura, sendo marginadas por guardas  de  segurança  metálicas.

6)

Ao Km 77,200 da A 23, a faixa de rodagem descreve uma curva para a esquerda, com  900  metros  de  raio   e 476. 48 de desenvolvimento  do   arco  circular,  com uma sobrelevação de 7%.

7)

Em perfil longitudinal, entre os Kms. 76, 650 e  77, 566.5, desenha-se  uma   curva  de  concordância  vertical  côncava  com raio de  5500m. e 479, 05m. de desenvolvimento, que se  sucede  a um declive  de  -3.710% e  antecede um  aclive  de  +5.00%. O declive anterior  à  curva tem 20.95metros de desenvolvimento; o  aclive posterior  tem 84.71 metros de desenvolvimento. Esta curva de concordância  tem início ao  Km. 77+087.5, cerca de  90 metros antes  do início  do arco  circular da curva, e  fim  ao  Km. 77+566.5, cerca de  92 metros  antes  do  fim do  arco  circular da  curva  em planta, permitindo, nas referidas circunstâncias de  tempo, fazendo  uso do  sistema de  iluminação, visibilidade  numa extensão  superior  a 50 metros.

8)

A certa altura, antes do Km 77,200 da A 23, a arguida C iniciou a manobra de ultrapassagem ao veículo pesado de passageiros conduzido pelo arguido F, passando a circular, a uma velocidade aproximada de 124 km/h. + 10Km/h, na  faixa da esquerda, atento o sentido  Abrantes - Castelo Branco.

9)

Então, por razões concretamente não apuradas, o veículo conduzido pela arguida, a cerca de 5 metros (em linha  recta) antes de atingir a parte traseira  do  pesado de passageiros, numa altura  em que o limite do painel direito daquele veículo estava  a uma distância de 2,26 metros  do eixo da faixa de rodagem, atento o   referido sentido de trânsito, pisou, com os pneumáticos  do  lado esquerdo, a guia sonora esquerda, delimitadora  da  faixa de  rodagem  correspondente   face à  berma  respectiva, e, actuando  sobre  a direcção, guinou para  a direita, com desaceleração, entrando em despiste lateral, e deixou marcas de pneumático no pavimento, sobre a   referida  guia  sonora -  numa  extensão de   15 metros, com  forma  arqueada - e a  faixa de  rodagem da   esquerda, com configuração oblíqua e extensão  de  2/3  metros, até  próximo da linha descontínua separadora das duas faixas de rodagem.

10)

A partir daí, o veículo ligeiro foi embater, ao  Km. 77, 200, com o respectivo canto frontal direito no painel lateral traseiro por detrás do rodado traseiro esquerdo e no rodado traseiro esquerdo exterior, do veículo pesado de passageiros, numa  altura em que  a linha  axial exterior esquerda deste rodado se situava  a  10  cms. da  linha axial  direita  do  eixo da  faixa de  rodagem, na  faixa de  rodagem da  direita, atento  o  dito  sentido, e o posicionamento  do mesmo pesado, em  marcha,  assumia  uma inclinação  de cerca de  5%, para a  direita, deixando  uma  marca de bloqueio  da  roda  exterior  do lado  esquerdo com um  comprimento aproximado de  2, 5 metros.

11)

No momento deste embate, o veículo pesado de passageiros circulava a uma velocidade de 94 km/h. + 3Km/h.

12)

Em consequência   deste  embate, foram  atingidos os painéis  lateral traseiro  por  detrás  do rodado traseiro  esquerdo  e lateral esquerdo ligeiramente à frente do rodado traseiro, deslocou-se o eixo traseiro e rebentou o pneumático traseiro esquerdo exterior, ficando com um rasgo longitudinal que  atravessa  toda a espessura  da  borracha, na  banda lateral exterior  do pneu, junto  ao rebordo interior, com  um comprimento de  9 cms., tudo do veículo pesado.

13)

Após, de forma oblíqua, o veículo ligeiro, designadamente  com o seu pneu dianteiro do  lado  direito e guarda  lamas,  friccionou ao longo do painel lateral esquerdo do veículo pesado, até  à  porta  da  bagageira desse   lado (inclusive), circulando este  último na faixa de rodagem da  direita, atento  o referido sentido de trânsito.

14)

e, continuando  ambos  os  veículos em  circulação, sendo o pesado  na  faixa da  direita, no dito sentido de trânsito,  o  ligeiro  afastou-se dele, no sentido  da  faixa de  rodagem da esquerda.

15)

Sempre em circulação, a viatura ligeira  aproximou-se, de  novo,  do  painel lateral  esquerdo  do  veículo pesado de passageiros,   e  embateu no rodado dianteiro e no painel imediatamente à frente entre a porta do condutor e a roda frontal esquerdo, tudo do  eixo  frontal esquerdo deste  último, sem, porém, provocar  danos  na  banda  lateral  exterior do pneumático  frontal esquerdo quando o mesmo  se  encontrava  mais   próximo  da   berma direita  que nos momentos  assentes de  10) a 14).

16)

Na sequência deste segundo embate, o condutor do veículo pesado de passageiros perdeu o controlo de tal veículo e, depois de transpor a berma direita, atento o  respectivo sentido de trânsito, embateu nas guardas de segurança e galgou-as.

17)

De seguida, o veículo pesado de passageiros desceu ao longo do talude ali existente, com uma altura de 13, 72 metros e pronunciada inclinação, seguido de uma valeta em cimento e terreno, embatendo, primeiro, com o painel lateral direito, no talude e, depois, na referida valeta de pé de talude.

18)

De imediato, o veículo pesado de passageiros embateu, com o pilar traseiro esquerdo de apoio do tejadilho no solo e capotou, incidindo tal capotamento sobre a respectiva parte traseira.

19)

De seguida, o mesmo veículo pesado de passageiros embateu, com o painel lateral esquerdo, no solo, acabando por ficar imobilizado sobre as respectivas rodas num terreno contíguo à referida valeta.

20)

Em consequência do acidente descrito, advieram para os passageiros do veículo pesado de passageiros as seguintes sequelas:

20.1. A ofendida MC sofreu as lesões descritas a fls. 35- 42 e descritas e examinadas e no relatório de autópsia de fls. 2 a 8 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas meningo-encefálicas e torácicas ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.2. A ofendida ER sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 10 a 16 e 18 a 20 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões craneo-encefálicas e raquiomeningo medulares ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.3. O ofendido AR sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 22 a 29 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas tóraco-abdominais e raqui-meningo- medulares, cervico-dorsais ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.4. A ofendida MI sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 30 a 37 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, torácicas e dos membros ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.5. A ofendida MJ sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 38 a 46 do Apenso 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas meningo-encefálicas, tóracoabdominais e dos membros inferiores ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.6. A ofendida RM sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 47 a 54 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas crânio-meningoencefálicas e torácicas ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.7. O ofendido MAM sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 55 a 63 do Apenso I , cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, do pescoço e torácicas ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.8. A ofendida EUS sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 64 a 72 do Apenso I cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, raquimeningo-medulares dorsais, tóraco-abdominais e dos membros superiores ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.9. A ofendida MB sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 73 a 80 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas raqui-meningo-medularescervico- dorsais e tóraco­abdominais ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.10. A ofendida MGS sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 81 a 89 do Apenso 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas crânio-rneningoencefálicas, tóraco-abdomino-pélvicas ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.11. A ofendida MJG sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 90 a 98 do Apenso 1, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas tóraco-abdominopélvicas crânio-meningo-encefálicas, raqui-meningo-medulares dorsais e meningo- encefálicas ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.12. A ofendida MFS sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 99 a 107 do Apenso I cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas crânio-meníngeas, raqui-meningo medulares dorsais, tóraco-abdominais e do membro inferior esquerdo ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.13. A ofendida MM P sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 108 a 116 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas meningo-encefálicas, torácicas e raqui-meningo-medulares cervicais e dorsais ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.14. A ofendida I sofreu as lesões descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 117 a 125 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas raqui-meningomedulares-cervico-dorsais ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.15. A ofendida AME sofreu as lesões descritas a fls. 142-144 e descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 129 a 135 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente, reproduzido, designadamente graves lesões traumáticas pélvicas que provocaram hemorragia interna ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.16. O ofendido JM sofreu as lesões descritas e examinadas a fls. 155-157 e no relatório de autópsia de fls. 142 a 146 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente as lesões traumáticas encéfalo- vasculares e torácicas ali descritas, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

20.17. O ofendido JO sofreu as lesões descritas a fls. 219-275 e descritas e examinadas no relatório de autópsia de fls. 148 a 156 do Apenso I, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente os traumatismos craneo encefálico e toracoabdominal ali descritos, que foram causa directa, adequada e necessária da sua morte;

21)

Também em consequência do acidente descrito, advieram para, pelo menos, alguns dos passageiros sobreviventes do veículo pesado de passageiros as seguintes sequelas:

21.1. A ofendida CL sofreu as lesões descritas e examinadas nos elementos clínicos de fls. 232 a 246 do Apenso II e perícias de avaliação do dano corporal de fls. 24 a 26 e 227 a 230 do Apenso II, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente traumatismo torácico, com fractura  dos  4º, 5º, 6º e 7º arcos  costais posteriores  à  esquerda, com aspectos de  contusão  do parênquima  pulmonar  adjacente e coexistindo derrame pleural homolateral de  moderado  volume, com  conteúdo  hemático, de  que  resultou cicatriz de ferida inciso-contusa na hemiface esquerda da face com 5 cm de comprimento, curvilínea de concavidade superior, iniciando-se junto à asa do nariz e prolongando-se em direcção ao pavilhão auricular esquerdo e, ao nível do tórax fractura de vários arcos costais do lado esquerdo, lesões que determinaram para a sua cura um período de 84 dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional;

21.2. O fendido JV sofreu as lesões descritas e examinadas nos elementos clínicos de fls. 31 a 38 do Apenso II e perícia de avaliação do dano corporal de fls. 28 a 30 do Apenso II, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que resultou, ao nível do tórax, fractura consolidada da 10a costela e, ao nível do membro superior esquerdo, fractura consolidada do 40 metacárpico, lesões que determinaram para a sua cura um período de 21 dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional;

21.3. A ofendida O as lesões descritas e examinadas nos elementos clínicos de fls. 167 a 171 do Apenso II e perícia de avaliação do dano corporal de fls. 163 a 165 do Apenso II, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que  resultou cicatriz vertical com 3 cm de comprimento na região lateral abdominal do lado esquerdo e, ao nível do membro inferior direito, sulco na raiz da coxa direita com 10 cm de comprimento e 3 cm de largura, lesões que determinaram para a sua cura um período de 21 dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional;

21.4. A ofendida DG sofreu as lesões descritas e examinadas nos elementos clínicos de fls. 80 a 84, 197 a 200 e 255-260 do Apenso II e perícias de avaliação do dano corporal de fls. 77 a 79, 193 a 195 e 252 a 254 do Apenso II, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente traumatismo  da  coluna   dorso lombar, fractura  em cunha, do  corpo de  D11 instável com  colapso parcial  do corpo  vertebral e afundamento  das plataformas somáticas superior  e inferior, mas sem  diminuição do  diâmetro antero posterior do  canal raquidiano ou recuo  do  muro posterior, de que  resultou, ao nível da ráquis, sequela de fractura D II, rigidez do ombro esquerdo, cicatriz com 1 cm de comprimento no punho, cicatriz circular com 4 cm de diâmetro na região anterior do joelho e cicatriz de ferida inciso contusa na face anterior da perna medindo 2 cm de comprimento, lesões que determinaram para a sua cura um período de 253 dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional. Foi  submetida  a cirurgia para  reforço do  corpo  vertebral, com  cimento  ósseo, a 05.03.2008;

21.5. A ofendida LF sofreu as lesões descritas e examinadas nos elementos clínicos de fls. 212-225 do Apenso II e perícia de avaliação do dano corporal de fls. 207 a 210 do Apenso II, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente politraumatismo ao nível da  2ª  à  7ª costelas, fractura  da  omoplata  direita   e  fractura  da  bacia – ramo isquiopúblico, de que  resultou cicatriz de ferida inciso contusa na região temporal direita medindo 4,5 cm de comprimento, sequelas de fractura do ombro direito e de alguns arcos costais do lado esquerdo, sequelas de fractura da bacia, lesões que determinaram para a sua cura um período de 122 dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional. Esteve  internada  no  HAL pelo menos  um  mês, a seguir  ao  acidente  e depois  passou para  o  Hospital da Santa  Casa  da  Misericórdia de   Idanha  a Nova. Em Março de  2008, ainda  carecia   de   3ª pessoa  para  a execução  dos  actos  normais  do  dia a  dia;

21.6. O ofendido JR sofreu as lesões descritas e examinadas nos elementos clínicos de fls. 177-191 do Apenso II e perícia de avaliação do dano corporal de fls. 173 a 176 do Apenso II, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, de que  resultou cicatriz de ferida inciso contusa na região frontal do lado direito com 4,5 cm de comprimento, dor sobre a articulação acrómio clavicular esquerda, lesões que determinaram para a sua cura um período de 60 dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional.

22)

À  data  do descrito acidente, ambos os   veículos  tinham as respectivas  inspecções  em dia, com o resultado de aprovado;  nas  mesmas  circunstâncias de  tempo, todos os pneus do veículo ligeiro  apresentavam as  bandas  de  rolamento  sem quaisquer  vestígios  de desgaste  que  os  considerasse  impróprios  para  circulação, designadamente a  existência  de sulcos com profundidade  inferior  a 1, 6 mm.; ainda  ao  nível do  ligeiro,  nas  ditas  circunstâncias, inexistiam  indícios de fractura  por  fadiga ou por aplicação de  carga  de  impacto nos  elementos  correspondentes  aos   sistemas  de direcção, suspensão e transmissão; relativamente  ao veículo pesado, da análise  aos  pneumáticos traseiros  esquerdos e direitos, exteriores  e  interiores,  não foi possível concluir  encontrarem-se em estado impróprio para  circulação; ainda  ao  nível do pesado, nas  ditas  circunstâncias, existiam, em diversos  cintos de  segurança,  abraçadeiras  em plástico para  suster  o travão desse mesmo  cinto, e  o assento   dos   bancos  tinha, conceptualmente,  uma  deficiente ligação com a  respectiva estrutura, separando-se com facilidade, sob efeito de  solicitações verticais e horizontais.

23)

Ao  agir  da  forma  descrita,  a  arguida  fê-lo  de modo livre e  Cnas  circunstâncias concretas, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, sem representar  como possível – mas podendo e devendo fazê-lo - a ocorrência   do  resultado morte  dos  passageiros   identificados  de  20.1 a 20.17 e as lesões   físicas  em, pelo menos,  os passageiros  identificados  de 21.1 a 21.6, e, em consequência disso, a realização de tipo legal de crime.


*
Da  contestação da arguida C (além  dos  já  provados  ao  nível da pronúncia):

1 - No seu veículo seguiam como passageiros três colegas professores.

2 - Depois do seu veículo se imobilizar, todos subiram o talude até à estrada, tendo o seu colega JOC telefonado para pedir socorro.

3 - Seguidamente apareceu um veículo e mais tarde a Brigada de Trânsito e os bombeiros.

4 - Posteriormente, foi assistida no Hospital de Castelo Branco para onde foi transportada de ambulância.

5 - Já neste Hospital foi-lhe efectuado o teste de alcoolemia e de despiste de psicotrópicos, tendo acusado  uma taxa de 0,00 g/I no primeiro e negativo no segundo.

6 - O condutor do veículo pesado, tendo ficado sinistrado no acidente, foi conduzido também ao Hospital de Castelo Branco e aí não lhe foi  efectuado  teste  para  detecção  de  substâncias psicotrópicas.

7 - O relatório  da  De… Portugal junto aos autos pela arguida com o requerimento de instrução, conclui que "o inicio do acidente ocorreu com o despiste do veículo ligeiro devido à invasão parcial da fila de trânsito correspondente ao veículo ligeiro por parte do autocarro".

8 - Nas suas conclusões, o relatório do IMTT no que concerne à invasão da faixa de rodagem esquerda por parte do autocarro refere que "apesar das diligências efectuadas e da análise do vasto conjunto de indícios disponíveis, não foi possível identificar um cenário único de acidente cientificamente fundamentado para a totalidade do mesmo, mais especificamente quanto às circunstâncias que originaram o despiste do veículo ligeiro".

9 - Acrescenta tal relatório que "duas questões relevantes e complementares, ficaram sem resposta cabal por falta de elementos" que são se o veículo pesado invadiu fisicamente a via esquerda durante a manobra de ultrapassagem do ligeiro a este, e porque invadiu o ligeiro a zona da berma esquerda.

10 - O referido relatório da DE… afirma categoricamente que, partindo da marca de bloqueio oblíquo da esquerda para a direita do autocarro no momento e após a primeira colisão, claramente se conclui que o autocarro circulou parcialmente na faixa de rodagem esquerda, e direccionava-se para a direita aquando de tal colisão, sendo tal invasão da faixa de rodagem esquerda por parte do autocarro que provocou o despiste da arguida para a esquerda, e constituindo a referida invasão a causa do acidente.

11 - O relatório do LENEC/IMTT afirma, a determinado passo, que "a configuração da marca do pneu do veículo pesado no local em que foi embatido pelo ligeiro, regista que, nesse instante, o veiculo circulava integralmente na via da direita, encostado à linha axial descontínua da faixa de rodagem, com uma trajectória direccionada para o lado direito da via”, bem como que, prolongando a marca segundo uma trajectória suave "para trás no tempo", obtém-se um posicionamento do autocarro sobre a via da esquerda a cerca de 26,80 metros (menos de 1,1 segundo antes)".

12 - E  continua  o mesmo relatório que "é pois mais que provável que, durante a manobra de ultrapassagem (em sentido lato) do veículo ligeiro o movimento do autocarro tivesse amedrontado a condutora do veículo ligeiro e induzido a escolha de uma trajectória progressivamente mais próxima do separador central, seja por efectiva invasão da via esquerda, seja por ocupação da fronteira entre vias".

13 - No dia e hora do acidente, não havia vento, encontrando-se o tempo seco.

14 - Refere o relatório do IMTT que "sob condições de baixo volume de tráfego, numa curva de raio pequeno e grande sobrelevação, é mais provável que o ápice da oscilação de trajectória seja para o seu intradorso (interior da curva)"

15 - Mais referindo que "esta tendência é maior se a velocidade de circulação do veículo for inferior à velocidade de hands-of".

16 - Pode também ler-se no relatório do IMTT que "no que respeita à trajectória seguida pelo veículo pesado de passageiros, a inclinação do rasto relativamente ao eixo da via evidencia que, no momento de esvaziamento do pneumático, este veículo estaria a fazer uma manobra correctiva, mediante ligeira viragem à direita".

17 - A fls 474 verso do mesmo relatório do  IMTT, referindo-se à figura 5, diz-se que é uma marca de pneu e escarificação do pavimento provocado pela roda dianteira direita.

18 - No  mesmo relatório, a fls. 473 verso, refere-se que as marcas das linhas c1 e d 1 correspondem aos instantes imediatamente anteriores à colisão.

19 - Alguns dos cintos de segurança do autocarro, no momento do   descrito acidente, utilizavam braçadeiras de plástico para suster o seu travão.

20 - Noutros lugares do autocarro, os cintos esgotaram o seu curso útil.

21 - O único cinto de segurança com três pontos que era o do condutor do autocarro, entrou em deformação plástica com posterior rotura do material.

22 - Considera o relatório do IMTT que a projecção do motorista do autocarro com um cinto de três pontos constitui uma "falha grave e inadmissível de segurança do sistema de retenção do condutor”.

23 - Pode ainda ler-se do relatório do IMTT que "o assento dos bancos tinha, conceptualmente, uma deficiente ligação com a respectiva estrutura, separando-se com facilidade sob o efeito de oscilações verticais e horizontais. Esta disposição construtiva, para simplificar as operações de manutenção e limpeza, facilitou o desprendimento dos assentos de alguns bancos, limitando o correcto funcionamento dos respectivos cintos de segurança".

24 - A passageira CP, que se posicionava no banco nº 1, foi projectada para o exterior do autocarro por força do desalojamento do banco do seu local de fixação.

25 - Alguns dos pneumáticos do autocarro continham desgaste, mormente o traseiro esquerdo interior encontrava-se sem sulcos e com um desgaste mais acentuado ainda, chegando mesmo ao aparecimento da tela.

26 - As guardas da estrada, do lado direito, atento o sentido Abrantes -Castelo não eram duplas em altura, não contendo níveis de contenção para veículos pesados.

27 - Após o embate do veículo conduzido pela arguida C no rodado traseiro do lado esquerdo do autocarro, provocou-se um desvio deste para a esquerda (rotação anti-horária).

28 - A arguida é considerada uma condutora cuidadosa diligente e respeitadora dos limites de velocidade e das regras estradais.
Da contestação do arguido F (além  dos  já  provados  ao  nível da pronúncia):

 1) O arguido conduz veículos de passageiros desde 2001 e, ao serviço da  Câmara Municipal de Castelo Branco, já  fez  várias  viagens conduzindo  veículo pesado de passageiros.

2) O arguido é considerado um condutor cumpridor das regras estradais, uma pessoa  honesta, educada, correcta  e  respeitadora  das regras   sociais.

3) O arguido, até 22.02.2008, não tinha qualquer infracção registada no seu Registo Individual de condutor.

4) O arguido é trabalhador na Câmara Municipal de Castelo Branco, tem dois filhos, é casado e vive com a esposa.

5) Foi concedido ao arguido o Benefício do Apoio Judiciário na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos deste processo.

*
Outros  Factos:
Não são conhecidos  aos  arguidos  antecedentes  criminais.

Até 22.02.2008, a arguida C não tinha qualquer infracção registada no seu Registo Individual de condutor.

Quanto ao  arguido F:

F Serra nasceu em Capinha - Fundão, integrando um núcleo familiar de modesta condição sócio-económica. Os pais eram trabalhadores rurais, tendo o pai falecido quando o arguido contava 15 anos de idade. A mãe faleceu há cerca de 3 anos. O arguido teve três irmãos, dois já falecidos.

O arguido frequentou a escolaridade tendo completado apenas a 4ª classe.

Aos 12 anos de idade, teve um acidente - uma queda de um tractor - que o obrigou a submeter-se a vários períodos de internamento hospitalar, situação que acabou por motivar o abandono da sua vida escolar.

F passou então a colaborar com os pais nas responsabilidades rurais e nas actividades relacionadas com a pastorícia, às quais, aliás, já se vinha dedicando de uma forma regular em períodos pós escolares, sendo a sua ocupação nos tempos livres.

Aos 22 anos de idade, contraiu matrimónio e o casal teve um filho e uma filha, actualmente já maiores e ambos com autonomia económica.

O casal inicialmente fixou residência em casa da mãe do arguido, no Ladoeiro e algum tempo depois mudou-se para Castelo Branco, onde reside.

Nesta cidade, o arguido passou a trabalhar como manobrador/operador de máquinas.

Desde 1983, exerce funções na Câmara Municipal de Castelo Branco, inicialmente como condutor de máquinas pesadas e de veículos especiais e nos últimos anos com as funções de motorista de veículos pesados e de veículos de transporte de crianças.

O seu modo de vida tem sido pautado pelo cumprimento das normas sociais vigentes, sendo bem referenciado na comunidade de residência.

O arguido reside com a esposa e a filha. O filho reside no Fundão, por motivos profissionais, vindo passar os fins - de -semana em família.

A esposa, actualmente com 48 anos de idade, trabalha como operária fabril numa empresa com sede na zona industrial de Castelo Branco. A filha, com 26 anos, trabalha na área da restauração em Póvoa de Rio de Moinhos.

O agregado familiar mantém um relacionamento com grande vinculação afectiva.

F reside em casa própria que foi adquirida à Câmara Municipal de Castelo Branco. Trata-se de um apartamento inserido num bairro de habitação social, composto por três quartos, sala, cozinha e duas casas de banho, dotado das necessárias infra-estruturas de habitabilidade.

A situação económica da família, com o vencimento mensal do arguido no valor aproximado de € 720,00 e o da esposa de cerca de € 450,00, apresenta-se como estável. A despesa mais significativa é a referente à amortização do empréstimo de aquisição da casa onde habitam, no montante de € 248,00.

O arguido apresenta um modo de vida pacato em que os seus tempos livres são ocupados com actividades relacionadas com a agricultura de subsistência, que vai praticando em conjugação de esforços com a esposa numa pequena quinta.

Em contexto laboral passou após o acidente a exercer funções nos estaleiros da Câmara Municipal de Castelo Branco, onde é visto como uma pessoa ordeira, cumpridora das suas responsabilidades e bem integrada social e profissionalmente.

F mostra-se emocionalmente muito afectado com o presente processo. No seu comportamento são visíveis sinais de ansiedade e apreensão em relação ao desenrolar das diligências processuais e também em relação a eventuais consequências que o possam vir a afectar.

Em termos familiares, a esposa mostra-se bastante ansiosa e perturbada com o envolvimento do marido no presente processo. Manifesta-lhe o seu apoio e solidariedade, posição que também foi assumida pela filha.

Em termos profissionais o arguido, após o acidente, abandonou o exercício das funções que desempenhava como motorista e foi colocado nos estaleiros da Câmara Municipal, localizados na zona industrial desta cidade, onde colabora em actividades administrativas no referido espaço.
 - Quanto  à  arguida C:

C  é oriunda da zona centro do pais, tendo aí decorrido o seu processo de desenvolvimento e de organização da sua própria vida, quando constituiu o seu núcleo familiar próprio.

C tem manifestado um modo de funcionamento ajustado, em termos pessoais familiares e sociais É filha única de um casal com vida organizada em Belmonte, o pai comerciante de calçado e a mãe operária de confecções, tendo a arguida sido sempre uma filha que beneficiou e beneficia do afecto e total disponibilidade por parte dos pais.

O seu percurso escolar decorreu em Belmonte, tendo prosseguido os estudos superiores em Viseu, no Instituto Piaget, onde completou a licenciatura em Matemática e Ciências.

Após dois anos sem colocação, iniciou, em 2001, a actividade de docência na Escola Básica em Silvares. Refere como gratificante o seu percurso laboral, apesar da itinerância a que tem estado sujeita, mudando anualmente de escola e mantendo a situação de contratada, o que não lhe permitiu ainda a desejada estabilidade de vida.

Aufere  em  torno de  €1000, 00 mensais.

Casou aos trinta e um anos, organizando vida em Belmonte, onde o casal adquiriu habitação, com recurso a empréstimo bancário, assumindo um compromisso de pagamento de mensalidade no valor aproximado de €400,00. Em virtude das suas deslocações no âmbito do desenvolvimento da actividade profissional e das dificuldades do marido em conseguir localmente um emprego mais remunerado do que o vencimento mínimo nacional, apesar de ter vinculo efectivo, os rendimentos do casal não são suficientes, sendo os pais da arguida a apoiar nas despesas, quer com a alimentação, quer tomando conta do neto de três anos de idade

Por causa da sua profissão, a arguida desloca-se diariamente de carro quase sempre com colegas, cabendo-lhe conduzir o seu automóvel de forma alternada. De referir que se habilitou com carta de condução aos dezoito anos, conduzindo desde então, sem nunca ter sofrido acidentes de viação ou cometido infracções ao código de estrada É referenciada na comunidade como cidadã responsável, respeitadora das normas estabelecidas, ponderada, cuidadosa e condutora segura

Bem integrada nas varias escolas por onde tem passado, bem como na comunidade da residência, a arguida é referenciada, em geral, por padrões de comportamento normativos.

A arguida é caracterizada pelos pais como uma boa filha que sempre se comportou segundo as expectativas por eles criadas, tendo manifestado capacidades e qualidades que os gratificam como pais aceitando e compreendendo as regras e os valores que lhe transmitiram Atingiu os objectivos educativos relativamente ao projecto de vida por eles estruturado, conseguindo uma licenciatura, constituindo o seu núcleo familiar próprio, assumindo as responsabilidades inerentes aos compromissos que foi estabelecendo ao longo do seu percurso de vida

Dos contactos efectuados, constatámos que C é referenciada pelos colegas de escola como uma professora competente, interessada pelos alunos, estabelecendo com facilidade relacionamentos interpessoais adequados, no desempenho do seu papel de educadora Trata-se de uma pessoa alegre, divertida e muito disponível, naturalmente simpática para todos com quem convive.

As relações familiares e de vizinhança caracterizam-se pelo bom entendimento constatando-se por parte da comunidade, a existência de uma boa imagem social da arguida

O presente processo alterou necessariamente o quotidiano de C que manifestou alterações ao nível da sua própria saúde mental, com diagnóstico médico de stress pós-traumático Sujeita a tratamento do foro da psiquiatria, durante cerca de um ano, esteve medicada e em sessões de psicoterapia. Esta situação e as suas consequências relativamente a tragédia ocorrida com o acidente, trouxeram-lhe grande prejuízo pessoal e familiar, recorrendo ao apoio dos pais para o desenrolar do seu quotidiano e sobretudo nos cuidados a prestar ao filho bebé, na altura com nove meses.

No corrente ano lectivo, ficou colocada na Escola de Sernide, pertencente ao Agrupamento de Escolas Ferrer Correia, de Miranda do Corvo. Devido à distância da residência habitual. Mantém-se durante a semana junto da escola, passando os fins-de-semana em Belmonte, com o marido, filho e com os pais, te4ndo  entretanto, após  o  acidente, deixado de   conduzir  veículo  automóvel. A actividade que desenvolve com gosto e sentido de responsabilidade, parece ter vindo a contribuir, de forma positiva e gradual, para a recuperação do seu equilibro.

*
Factos não provados:
Da  Pronúncia (além  das  formulações conclusivas  e  dos  factos que  estão   directamente  em contradição  com os provados):

A)

Antes de  chegarem  à curva descrita  em  6), da matéria assente ao  nível da  pronúncia,  os referidos  veículo  ligeiro e pesado  sempre circularam na  via da   direita,  da A-23.

B)

Quando a arguida C já se encontrava a circular na via de trânsito da esquerda, o arguido F, ao descrever a curva para a esquerda que a estrada fazia, foi-se aproximando do eixo da via que separava as duas vias de trânsito, invadindo parcialmente a via de trânsito da esquerda, já ocupada pelo veículo ligeiro de

passageiros, em medida não concretamente apurada mas que terá oscilado até aos 20 cm..

C)

Então, a arguida não se desviou do  veículo  pesado de uma forma atempada, segura e cuidadosa e, por  causa disso, foi pisar as guias de segurança que delimitavam a via de trânsito da esquerda da berma do lado esquerdo.

D)

Acto contínuo, como reacção a tal condução e no sentido de se afastar da berma esquerda que entretanto tinha invadido e de se esquivar ao perigo da proximidade das guardas de segurança, a arguida guinou bruscamente o veículo ligeiro de passageiros para a direita.

E)

O acidente ficou a dever-se ao facto de o arguido F ter conduzido o seu veículo com falta de atenção, cuidado e perícia, nomeadamente, não se apercebeu que se encontrava a ser ultrapassado pelo veículo ligeiro de passageiros e, não obstante dever circular junto à berma direita da via direita em que seguia, ao descrever a curva para a esquerda, invadiu parcialmente a via de trânsito da esquerda por onde seguia o veículo ligeiro de passageiros, levando a sua condutora a desviar-se para a esquerda e a pisar a guia sonora que delimita à esquerda essa mesma faixa de rodagem.

F)

O arguido F provocou a colisão entre os dois veículos, o que podia e devia ter evitado.


*
Da  Contestação  da  arguida  C (além  das  formulações conclusivas  e  dos  factos que  estão   directamente  em contradição  com os provados e os não provados no âmbito da  pronúncia):

A) - Os pneus da frente do veículo pesado  eram de rasto de tracção quando deveriam ser de rasto de direcção, o que permitiria melhor estabilidade direccional do veículo.

B) - O desgaste do pneu da frente teve origem numa deficiente afinação de geometria da suspensão aliada a uma insuficiente pressão com que o veículo circulava.

C) - Já muito mais tarde, e depois de ser identificada pelos Srs Agentes da Brigada da Trânsito como condutora do veículo ligeiro, foi mandada, juntamente com os seus colegas, para a área de serviço ali próxima, tendo-se para ali deslocado no veículo do seu marido que entretanto ali chegara depois de lhe ter telefonado.

D) Posteriormente, porque sentia dores, a arguida C foi assistida no Hospital de Castelo Branco.

E) No  HAL, apesar de  o  arguido   F se encontrar presente, não lhe foi efectuado teste de alcoolemia.

F) No dia do acidente, o arguido F não tomou as refeições na presença de nenhum passageiro, tendo-as antes tomado sozinho.

G) Foi a invasão da faixa de rodagem esquerda por parte do veículo pesado que provocou e causou o despiste do ligeiro e o consequente embate lateral, tendo sido essa invasão a causa directa necessária e única do acidente.

*
Da  Contestação  do arguido F  (além  das  formulações conclusivas  e  dos  factos que  estão   directamente  em contradição  com os provados e os  não provados no  âmbito da  pronúncia):

A) O arguido tem recebido boas avaliações como motorista ao longo dos anos e elogios dos utentes dos serviços que, como motorista, tem realizado ao serviço da Câmara Municipal de Castelo Branco, em que como condutor de autocarros já efectuou muitíssimas viagens com diferentes itinerários.

B) Nunca recebeu qualquer reparo pela sua condução ou conduta no desempenho das suas funções como motorista, sendo as suas qualidades como motorista também reconhecidas pelos superiores hierárquico e colegas de trabalho.

C) O arguido não tem quaisquer conflitos ou litígios com quem quer seja.

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Provas que serviram para formar a convicção do tribunal:

Uma questão  que, desde  já,  importa  clarificar, atine  ao valor   probatório dos variados  meios de prova produzidos  nos  autos, reportando-nos, em particular, ao confronto  entre os  pareceres apresentados  a pedido  das companhias  seguradoras  dos  dois  veículos envolvidos no acidente – da  De…  Portugal, a pedido da  Z.., SA, e  da SGS Portugal, a pedido  da A.., SA., versus  o relatório pericial  da  autoria dos  Srs. Srs.  Engenheiros  J (engenheiro  mecânico e professor  universitário no  Instituto  Superior Técnico) e J C (engenheiro  civil  e  investigador  especializado em  segurança  rodoviária), que  prestaram  juramento, na qualidade de  peritos, perante autoridade  judiciária, no  âmbito do inquérito (cfr.  fls.  130 e 213, nos termos  dos arts. 91º e 156º, do C.P. Penal), enquanto colaboradores do LENEC/IMTT.

Registo  preliminar para o  facto de cada um dos referidos pareceres ser favorável  à seguradora  que  os   encomendou.

Ora, a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (cfr. o art.º 151º, do citado  diploma). Assim, perícia é a actividade de percepção ou apreciação dos factos probandos efectuada por pessoas dotadas de especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos[1].

No nosso ordenamento legislativo, a perícia é um meio de prova como indiscutivelmente resulta da sua inserção sistemática no título II do Livro III do Código Processo Penal. Apesar de o intérprete não estar necessariamente vinculado às classificações legislativas, não vemos como perante este diploma se possa entender de modo diverso.
A finalidade da perícia é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível pela autoridade judiciária, quer em sede de inquérito – para v.g. acusar ou não –, quer em sede de instrução – v.g. para pronunciar ou não – quer em sede de julgamento – v.g. para condenar ou absolver –. O perito é um auxiliar do juiz, pois as provas periciais produzidas em qualquer fase processual, incluindo as do inquérito, poderão sempre ser tomadas em conta, quer na instrução quer no julgamento, art.º 356º n.º 1 al. a) a contrario do Código Processo Penal.

O art.º 163º do Código de Processo Penal estatui: «1 – O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.

2- Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência».

O tribunal para não acatar o juízo técnico-científico,  teria de ou partir duma base factual diversa daquela em que se baseou o perito, ou renovar a perícia [ordenando uma segunda perícia] por outro perito e este divergisse do juízo pericial anterior.

O que o tribunal não pode fazer é contrariar o juízo pericial na base duma argumentação puramente técnico/jurídica.

Como refere GERMANO MARQUES DA SILVA[2], só na base de argumentos da mesma natureza, ou seja, só na base doutros argumentos periciais poderia o tribunal divergir do juízo técnico/pericial. O julgador só poderia arredar a conclusão inscrita no parecer técnico com fundamento noutra crítica material da mesma natureza, sob pena de violação da regra da prova tarifada constante do art.º 163º do CProc.Penal, ou seja, uma «lex artis», o que configura erro notório na apreciação da prova [art.º 410º/2 alínea c), ibidem].

O mesmo é dizer que o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o art.º 163 do Código Processo Penal consagra, de acordo com entendimento unânime, uma restrição ao princípio da livre convicção probatória, consagrado no art.º 127º, ibidem: o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação[3].

Não é, porém, que se deva considerar que  o juízo técnico, científico ou artístico tem um valor probatório pleno, ou presuntivamente pleno, ligado a uma presunção natural, que pode ceder perante contraprova[4], mas antes e, tão-só, que a valoração diversa dos argumentos invocados pelos peritos e que são fundamento do juízo pericial é bastante para que o relatório pericial não se imponha ao julgador[5].

Assim sendo, os peritos são auxiliares do julgador, formulando um parecer sobre o valor ou significado dos meios de prova que examinaram, não podendo substituir-se-lhe na apreciação da prova, intervindo na prova real, que não julgam[6].

É, portanto, imprescindível produzir e examinar criticamente as demais provas carreadas pelas partes, em apreciação na audiência de discussão e julgamento, com subordinação ao princípio do contraditório[7].

Porém, concluindo-se  pela  coincidência dos dados de  facto  em que os peritos  sustentaram  o juízo pericial  com os  apurados   em  audiência de  julgamento  ou válidos  para  efeitos de decisão, terá o  juiz  que   fundamentar  a divergência.

Posto isto, vejamos – por referência aos factos provados  e não provados –  a convicção  do julgador.

Vejamos, agora, as declarações dos  arguidos.

A  arguida C afirmou  ter dado início  à  manobra de ultrapassagem a uma distância  segura do pesado de passageiros, a uma  velocidade de  cerca de  120 Kms./h, tendo   guinado para a  esquerda, quando o autocarro  invadiu, na  sua  totalidade, a  faixa da esquerda.

Confrontada com a questão de  saber como é que o   pesado – que, ao  ser iniciada a manobra de ultrapassem -  se encontrava  na  totalidade,  dentro da  faixa da  direita, de repente e sem que  sequer   o ligeiro  ainda estivesse  a par  daquele,  como que   «salta» para  a  faixa  contrária -, não  soube explicar, apenas constatar.

Não obstante voltarmos a este ponto, quanto  a não termos  apurado a causa   da deslocação  do ligeiro  para a banda  sonora  do lado  esquerdo,   foi também a mesma  arguida a  dar-lhe azo, atento o incompreensível da  sua posição, quanto  à  invasão completa  da   faixa esquerda, pelo  autocarro, ainda que haja  afirmado  ter  sido  em resultado  do susto que  tal  invasão lhe  infligiu  que passou a  circular  nessa banda.

Por outro lado, a mesma  arguida  não se  recorda  sequer  de  ter ouvido  o  barulho   produzido pelo atrito  dos pneus   na  dita  banda sonora, nem, tampouco, qualquer  comentário, no interior  do   veículo,  por susto.

O  arguido F recordava-se  de ter   visto o  clarão produzido pelos  faróis de um  veículo ligeiro que  se aproximava e, de repente, sentiu a pancada   na  roda traseira  esquerda.

Entre esses dois momentos, não invadiu a faixa da esquerda o  autocarro que  conduzia, tendo  circulado   a cerca de  50  cms.  do  eixo das  duas  faixas de  rodagem.

Por força  do referido embate,  guinou para a esquerda, por  forma a  contrariar  o sentido  do   autocarro, ao  levar a  pancada para  a direita, não tendo  accionado  qualquer  sistema de travagem, porque   vinha  em  «boa  velocidade». Já   o mesmo  se  não passou, a seguir  à segunda pancada, por  força da qual  não  conseguiu   segurar o  autocarro.  Entre ambas, sentiu fricção na parte  lateral esquerda  do  veículo por  si  conduzido, que  parou, entretanto, sentido  depois   a  segunda  pancada.

Não  se  apercebeu  das manobras dadas  por provadas, relativas  à  condução do ligeiro, até  à primeira  pancada, face  à  rapidez  da situação, ao  facto de    não   haver  movimento  na   autoestrada, no sentido  por  si  tomado e, por princípio, reduzir   o mais possível   o desvio   do olhar, em  condução, para o espelho retrovisor, por  forma  a não   oscilar  na  condução, mais  que o normal.

Agora, as  testemunhas:

Em primeiro lugar,  os ocupantes do  veículo ligeiro de passageiros:

I, ocupante   do lugar  dianteiro  direito: A  arguida C iniciou  a  ultrapassagem ao  pesado  com  antecedência  de metros, não contabilizados, passando a  circular  na  via da esquerda, atento o  mesmo sentido de ambos.

Não  se  apercebeu  de qualquer barulho produzido pelo ligeiro  ao passar pela s  guias  sonoras do lado  esquerdo.

Porém, de repente, do seu lado direito, apercebeu-se  estar  próximo o  pesado, desconhecendo   se   o  ligeiro  estava a circular (em parte ou no  todo)  na  referida  faixa da  esquerda ou se   já  tinha   havido  qualquer  estrondo  antes. Ficou  então  com  a impressão  de que   os  dois   veículos  estavam a  circular  de  forma paralela  um  ao  outro, percepcionando que, nesse momento,  tinha  ao  seu lado   direito sensivelmente o meio  do autocarro.

A sua  reacção  foi  olhar  para  a arguida C  e aperceber-se  que  a mesma mexia  no  volante de  forma  descontrolada, a – supõe – tentar   controlar o  carro,  e encolher-se a testemunha  no banco em que estava sentava, sentindo  de seguida toque entre ambos os veículos.

- MS ocupante do lugar traseiro do lado esquerdo do ligeiro de passageiros: A  arguida C iniciou  a  ultrapassagem ao  pesado  com  antecedência  de metros, não contabilizados, passando a  circular  na  via da esquerda, atento o  mesmo sentido de ambos.

Recorda-se de ter ouvido barulho, embora  desconheça se   o  era de passagem do ligeiro pelas  bandas  sonoras ou qualquer  outro.

Mais ficou  com a  ideia  de que ambos os veículos, a determinada   altura -  não  sabe  se  antes ou depois de ouvir o  barulho -,  andaram  a  par, embora  também  não  recorde   que  parte   dos   mesmos  estavam  nessa   posição.

 - JC, ocupante do banco traseiro do lado direito do ligeiro: A  arguida    C  iniciou a  ultrapassagem do pesado, passando a  circular  na  via  da esquerda.

Quanto  se  encontrava  a meio da  ultrapassagem, verificou  uma  aproximação  entre os  veículos, não secundada  no interior  do   Ford com  expressão    verbal de  susto. Logo a seguir à dita aproximação, verificou-se o embate, desconhecendo  se   antes   havia   o ligeiro passado pelas  bandas sonoras,  se e por   quem se registou aproximação  ao  eixo da  via.

A  sua  única reacção após o embate   foi baixar-se, apercebendo-se   que    de  seguida  o ligeiro  saiu da   faixa de rodagem.

Os  ocupantes sobreviventes do veículo pesado de passageiros:

JV (assistente), sentado atrás  dos lugares   13 e  14,  na  fileira  do lado do  condutor e do  corredor: reputou de   «boa»  a condução do motorista do autocarro durante a viagem. Só sentiu  pancada e fricção no autocarro, sem saber  de que  lado.

lL(assistente), sentada do lado da  janela, antes da porta da  entrada ao  fundo  do  corredor, na  fileira do lado direito: Afirmou sentir  que o  autocarro estava  a balançar durante  a  viagem e que  ia  para o meio  da  estrada, ainda que, nos momentos antecedentes do acidente,  não  viesse a reparar, por  se  encontrar  a ler  uns  versos. Esta testemunha ainda enfatizou que o arguido F olhava  para trás  no  decurso da  condução, pelo menos até Abrantes, pois, depois de  pararem   na estação de serviço, não mais  reparou no mesmo.

CC (assistente), sentada do  lado  da  janela,  no   segundo  banco , do lado   direito: Ressaltou que o  arguido   olhava  para  trás, em particular para  as  pessoas  sentadas  nos  primeiros  lugares da frente, com  quem conversava. Sucede que, no  momento   do acidente e desde   algum  tempo  antes adormeceu, acordando  com os  gritos no interior  do autocarro. Estranhamente, esta  testemunha, ao mesmo tempo  que  enfatizou   ser para  si  a conversa  mantida    entre o   motorista e  as  pessoas da frente  motivo de preocupação,  afirma que adormeceu.

Referiu ainda, sem o saber concretizar, que o  autocarro  vinha mais  para o  centro da faixa de  rodagem.

CL (testemunha), sentada no lugar  24, do  lado  do  corredor,  na  fileira  atrás do condutor: Afirmou  ter  sido uma  viagem tranquila, tendo sentido, a determinada  altura,  embate atrás, no  autocarro (mais  forte), e outra  batida mais  à frente, no mesmo,  mais  fraca. Salientou também que foi reparando no afastamento  do  autocarro relativamente  à  guia  do lado direito, durante a  viagem, mas sem o  concretizar. De qualquer modo,  no momento   dos embates  e  imediatamente  antes deles, em nada reparou.

Esta testemunha apresentou queixa e sofreu lesões físicas na  sequência do acidente, que  lhe  demandaram 84  dias de  doença, com incapacidade  para o trabalho.

O (testemunha) sentada do  lado  da  janela, no  3º  banco, na  fileira atrás do condutor: Qualificou de  normal a  condução efectuada pelo  arguido ao  longo de  toda a  viagem. No momento do acidente e imediatamente antes  dele, vinha a rezar o terço, tendo  sentido  a primeira  pancada, atrás, no  autocarro.

Esta testemunha apresentou  queixa e sofreu  lesões físicas  na  sequência do acidente, que  lhe  demandaram 84  dias de  doença, com incapacidade  para o trabalho.

DG (testemunha), sentada do  lado  da  janela, na  fileira  atrás  do condutor, sensivelmente  a meio  do  autocarro: Afirmou que   «quando o  ligeiro  bateu, o  carro já  vinha em desequilíbrio», sendo  que, por    vezes,  o  condutor   se   virava para  trás  e falava  com as pessoas que   vinham  nas  primeiras   fileiras.

Questionada para  descrever  o   apontado desequilíbrio, não  o logrou  fazer.

Confrontada  com  as declarações prestadas em sede de  inquérito,  perante  o  órgão de polícia criminal – verificados os  pressupostos legais  previstos  no art. 356º, do  C.P.Penal -, onde não se reportou a qualquer   «desiquilíbrio» de condução,  manteve  as prestadas  em audiência, sem, contudo,  concretizar  a dita expressão.

De qualquer modo, esta testemunha, nos  momentos imediatamente   antecedentes  ao  acidente não   afirmou, sequer,  ter   visto o  motorista a virar o olhar  para  o lado.

De  resto, apenas se  recorda de ter   ouvido  dois  embates.

Esta testemunha apresentou  queixa e sofreu  lesões físicas  na  sequência do acidente, que  lhe  demandaram 253  dias de  doença, com incapacidade  para o trabalho.

L (testemunha), sentada do  lado  do  corredor, na  fileira da  direita, no  3º banco: Afirmou  ter   achado «mal» muita  conversa, a pontos de  vir sempre aflita. De qualquer  modo,  não  se  apercebeu  que  o  autocarro  desviasse a   sua  rota  por  causa de tais  olhadelas, designadamente que  tal tivesse acontecido nos momentos  imediatamente   antecedentes  do   primeiro  embate, sendo que desmaiou com  tal colisão.

Rematando, exclamou espontaneamente: “Não posso estar a  incriminar  ninguém”.

Esta testemunha apresentou  queixa e sofreu lesões físicas  na  sequência do acidente, que  lhe  demandaram 122  dias de  doença, com incapacidade  geral.

JR (testemunha), sentada do  lado da  janela, na  fileira direita, no  3º banco: Qualificou  a viagem de  brilhante  até  ao momento  em que  se «meteu  uma  conversa cerrada», dando-lhe  inclusive vontade de intervir. Mas não o fez, não  esclarecendo, sequer,  porque  optou pela   inacção.

Quanto à posição de condução do autocarro, foi capaz de afirmar que  olhava  pela   janela  e   via  este  veículo  a pelo menos 0, 5 metros  da   linha  direita  delimitadora da  berma e, de  repente,  passou  para   1, 5 metros  relativamente  a essa mesma  linha, não  obstante,  afirmar  que   o  autocarro guinou para  a  direita. Confrontado  com  a  aparente contradição, não a soube  clarificar.

Esta testemunha apresentou  queixa e sofreu  lesões físicas  na  sequência do acidente, que  lhe  demandaram 60  dias de  doença, com incapacidade  para o trabalho.

MA (testemunha), sentada  no primeiro  lugar da frente,  do lado  do  corredor, na  fileira  atrás  do  condutor: Afirmou que não notou que, em momento  algum,  o   motorista  do autocarro  virasse a  cabeça para  trás,  apenas  sucedendo  que o  ocupante  do primeiro lugar,  do  lado  direito,  interpelava, por  vezes,  esse motorista, mantendo-se  alguma  conversa  sem   reflexo na  condução, pois  que  se apercebia da estrada  em toda a sua  amplitude  frontal, sem  que, em momento  algum da   condução, particularmente   na  zona  do  acidente,  o  veículo pesado  tivesse  transposto a linha  longitudinal  descontínua, separadora  das duas faixas de rodagem.

Sentiu   as pancadas  junto aos  eixos laterais  esquerdos  e  a fricção no painel   lateral   esquerdo, bem como   as tentativas do  condutor  em desviar a trajectória  do  pesado  da  direita  para a esquerda, após  o primeiro embate,  nitidamente para  contrariar  a pressão  a  que  fora  sujeito com  aquele. Esta testemunha  afirmou estar  habilitada a  conduzir  veículos ligeiros, pelo   que não se nos  afigura  estranho  que  a mesma tivesse  consciência  desta  última  afirmação.

Esta  testemunha  não  apresentou queixa, apesar de também ter ficado   ferida  na sequência do referido acidente.

MAN (testemunha), sentada do lado do corredor, na  fileira atrás do condutor: Apercebeu-se, pelo estrondo,  dos   dois  embates, sendo  que,  com um deles,  o  autocarro estremeceu  todo. No local em que   ia sentado – sensivelmente a meio  do  autocarro –, não  conseguia  ver  a estrada  com nitidez,  nem o próprio  condutor, mesmo  através  do  espelho  retrovisor interior.

Quanto à  condução, qualificou-a de  «normal».

Esta  testemunha  não apresentou  queixa, apesar de também ter ficado   ferida  na sequência do referido acidente.

FE (testemunha), sentada no lugar  7, do lado  do corredor, na   fileira  da  direita: Apercebeu-se, pelo estrondo,  dos   dois  embates, sendo o  primeiro  atrás , do lado esquerdo,  e o  segundo  para   lá  do meio  do  autocarro, no painel  lateral esquerdo.

Na  altura, ia   com  os olhos fechados.

Apesar de esta  testemunha estar sentada  precisamente  atrás  do  Sr. Silvestre – o  referido, por algumas  testemunhas,  interlocutor  da  conversa  mantida com e  pelo arguido -, não se  apercebeu de  qualquer  conversa.

Esta  testemunha  não apresentou  queixa, apesar de também ter ficado   ferida  na sequência do referido acidente.

MCP (testemunha), sentada do lado do corredor,  no  4º  lugar, na  fileira da  direita: Começou por qualificar a  viagem de formidável, assim como  o comportamento  do  motorista.

Não vinha a olhar para a estrada.

Apercebeu-se de duas pancadas, sendo uma delas na parte traseira  do  autocarro.

Fez questão de  deixar vincado que já  viajou  duas  vezes   em autocarro  conduzido pelo  arguido F, além  da  do  dia  do  sinistro,  tendo confiança na sua  condução, voltando  a  fazê-lo  logo que   surja oportunidade.

Esta testemunha não apresentou queixa, apesar de também ter ficado   ferida  na sequência do referido acidente.

I (testemunha), sentada do lado do corredor, no  2º  lugar, na  fileira atrás do condutor: Começou  por qualificar a   viagem  de atribulada para si, porque  o  condutor  ia  sempre a falar, em  particular  com o Sr. Silvestre e a D. Albertina. Acrescentou que  a condução  era desatenta, a pontos  de  ter  hesitado em   ficar  na  Nazaré. Ao mesmo tempo, referiu  não olhar para  a estrada.

Apercebeu-se, pelo estrondo,  dos   dois  embates.

De qualquer  modo,  não  concretizou quaisquer  reflexos  na  condução  do   veículo pesado, designada e  principalmente  nos momentos temporalmente próximos da  zona do acidente.

Esta  testemunha  não apresentou  queixa, apesar de também ter ficado   ferida  na sequência do referido acidente.

OM (testemunha), sentada na 3ª  fileira  atrás  do  condutor, do lado do corredor, na  fileira atrás do condutor: A  viagem para  si   foi calma  e a condução do  motorista  apodou-a de   boa, sem  «guinadas». Não se  apercebeu de  conversa mantida  com ou pelo  condutor.

Apercebeu-se, pelo estrondo, de  embate, não identificando o   sítio.

Esta  testemunha  não apresentou  queixa, apesar de também ter ficado   ferida  na sequência do referido acidente.

CA (testemunha), sentada do lado da janela, no  1º lugar  atrás  do condutor: A  viagem  recorda-a como  boa e  destaca   que o    motorista  não  era  conversador. No máximo, por  duas  ou três  vezes,  respondeu  ou  falou  algo.

Ainda  que não   fosse  com o  olhar   fixo  na estrada e  na  sua  lateral,  foi-se apercebendo que o traço descontínuo separador   das  duas faixas no mesmo sentido estava  à  esquerda  do  autocarro.

Até ao primeiro  embate,  não sentiu  qualquer  desvio  da   trajectória   do autocarro para  a direita, naturalmente, qualquer  desvio  significativo, pois  não  ia  com o  olhar fixo no  volante.

Sentiu que  a  1ª  pancada   foi  mais  forte  que a  segunda e que  entretanto  o   ligeiro  tocava  no pesado,   friccionando  ao longo  do painel  esquerdo.

Esta  testemunha  não apresentou  queixa, apesar de também ter ficado   ferida  na sequência do referido acidente.

MC (testemunha), sentada do lado da janela, no  2º lugar  atrás  do condutor: A testemunha  ia  ao lado da testemunha Ilda Tavares  e  esta, a  determinada  altura, comentou consigo que  havia  falatório, envolvendo o  condutor,  à frente. Estranhamente,  esta  testemunha  nada   ouviu.

Apercebeu-se  das duas pancadas, sendo   a segunda mais  à frente  que  a primeira. Notou  que   o  autocarro circulava  na  sua  faixa de  rodagem (da  direita), não tendo sentido qualquer mudança da trajectória  imediatamente antes do embate, embora  -  como  é  natural -  não  estivesse  a sincronizar  os  movimentos  do   volante.

Esta  testemunha  não apresentou  queixa, apesar de também ter ficado   ferida  na sequência do referido acidente.

MN (testemunha), sentada do lado da janela, no lugar 11, atrás  do condutor: A testemunha estava  a  dormitar  aquando  do  primeiro embate e apercebeu-se  do segundo embate.

Esta  testemunha  não apresentou  queixa, apesar de também ter ficado   ferida  na sequência do referido acidente.

L F (testemunha), sentada no  1º  lugar  atrás  da  porta  traseira  da fileira da  direita, do lado da janela: A testemunha, apesar de  não ter  apresentado  queixa, mostrou-se  muito ressentida, designadamente  com o  condutor  do  autocarro, exclamando: “O  motorista, em vez de  conduzir,  ia  a virar-se  para trás”.

Estranha-se que esta  testemunha, tão  distante  que  estava  do   motorista - mais  baixo, face  ao degrau descendente da  cabine do guiador -, através do espelho retrovisor  interior, tenha  visto o arguido, como  afirmou,  quando  a testemunha  MAN, que   seguia  no  banco  n.º 12, do  lado  do  corredor (logo, muito mais  próximo  do condutor), afirmou  expressamente  que   não conseguia  ver   esse mesmo  condutor, nem através do  espelho retrovisor.

Não obstante  a não apresentação de queixa, segundo a mesma afirmou, em  consequência  deste  acidente, faleceu o seu marido – José Francisco – e  a referida  testemunha sofreu  diversos traumatismos e partiu o pé, ainda   hoje   notório.

De qualquer  modo,   referiu não se recordar  de  guinadas  na  condução e,  nos momentos  temporalmente   antecedentes  do   1º  embate,  que   tenha   havido  invasão  da  faixa de  rodagem da  esquerda, atento o sentido  sul-norte da  A23.

MF (testemunha), sentada do lado da janela, no  1º lugar, na  fileira da  direita: A testemunha  ia  ao lado  do Sr. Silvestre,  falecido  no  acidente. Não tem memória  da  viagem  da  Nazaré  para  Castelo  Branco.

Esta  testemunha  não apresentou  queixa, apesar de também ter ficado   ferida  na sequência do referido acidente.

Em resumo, as testemunhas  ouvidas,  na  sua  generalidade, apenas souberam situar  o lado   dos  veículos  atingido,  a  aproximação  em  condução, o   galgamento  das   barreiras metálicas  e o capotamento  do autocarro.

Quanto  a  causas,  nada  sabiam. Mesmo   as testemunhas, de  entre   os  ocupantes do   autocarro,  que invocaram distracção  do   condutor,  além da   inverosimilhança  do afirmado,  face   à  posição ocupada  nos  lugares sentados e ao facto  de  outros  passageiros, ao lado  daqueles, de  nada se terem apercebido, acabaram por  reconhecer  não ter  memória  desse  estado de distracção  imediatamente  antes   do acidente ou de condução  fora  do  rumo  que  até  então  seguia o  mesmo  autocarro.

Posta  esta  prova   constituenda e além da  mesma:

 - Ponto  1), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: fls.  872 e 873. Relativamente   às medidas  de  9, 600m., 2, 50m. e 2, 82m., tivemos  em  conta  fls.   872,  naquelas  divergente de  fls. 873, assim rectificando o teor  da alteração  não  substancial  oportunamente  comunicada  aos  arguidos. Refere-se  ainda que  a medida de   6  cms.  foi  calculada  pelo  Sr. Perito  Eng.  JC,  em  audiência   de  julgamento, com  base    em  fls. 873[8]

- Ponto  2), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: fls. 6 do Apenso IV.

- Ponto  3), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: fls. 881 e 882.

- Ponto 4), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: declarações  dos arguidos.

- Pontos 5), 6) e 7), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: relatório   subscrito pelo   (então)   Primeiro Sargento JM Destacamento de Trânsito, a fls.  1280-1281, bem como fls. 55 v. e relatório  pericial,  em particular fls. 477 a 480.

- Ponto  8), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: o  início  da manobra de ultrapassagem  foi  reconhecido pela  própria arguida. Por seu lado, quanto à velocidade,  a  mesma  arguida    limitou-se  a  referir  ter  a sensação de que  circularia a cerca de  120 Kms./h.

O  relatório pericial de  fls.  470 e ss., quanto a este  item,   aferiu  a  velocidade consignada  no ponto em apreço, precisamente  antes  de  desaceleração  subsequente ao pisar das  guias  sonoras  e  início  do  despiste lateral, fase  em que passou para 114 + 6/Kms./h. (cfr. fls. 573-576).

Além  do já referido, não poderemos  considerar   abalada a  conclusão   pericial a este  respeito, por  atenção ao relatório da DE… Portugal, pois que    aqui  se  não    considerou – sendo  essencial  fazê-lo, como  explicado pelos  Srs.  Engs.  J C e  Prof. JD -  o   movimento  do ligeiro  após  o  primeiro  embate.  Eis a razão das diferenças alcançadas quanto  ao  factor  velocidade – 106+5Kms/h -, a que   também  não será  alheio o  facto  de   o  comprimento e  a largura  do modelo  usado  na  simulação  computacional  divergirem  do  real  (assente  em  1) – cfr-   fls.  1907, do  relatório da  DE... Aliás, a   este  respeito, diga-se  que foi o próprio  Sr. Eng. S Santos  a reconhecer que  não  dispunham  da  dimensão real  da  carroçaria  do   pesado.

- Pontos 9) e 10), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: relatório pericial, nessa  parte  corroborado pelo relatório apresentado  pela SGS, e, quanto  às  medidas das marcas,  também pelo relatório  da GRT5/DT55 e da DE... Portugal. Em particular, no concernente aos  10  cms., regista-se  divergência   face  ao  relatório pericial, a qual, porém,  como    se  veio a concluir da  sessão de  audiência de julgamento de  27.11.2009,  não    se  mostra  abalado, no seu  juízo pericial  de  indemonstração da  inevitabilidade  de  invasão  da   faixa de  rodagem da esquerda, por  parte  do autocarro,  a cerca de   5  metros atrás  do referido Km. 77, 200, prolongando o ângulo de 5% da  marca rodoviária deixada  pelo referido pneumático deste  veículo.

Quanto a ter  sido   embate  oblíquo,  todos  os relatórios  juntos aos   autos -  os  pareceres  da  SGS  e  da DE.. o  relatório pericial  -  foram  unânimes (ainda  que o parecer  da  DE..tenha  consignado a  determinada  altura  tratar-se de  embate  lateral), uma vez que o retrovisor  direito  do ligeiro permaneceu  intacto.

Como se demonstrou das experiências/simulações  computacionais  construídas pelos Srs.  Peritos  e, da parte  da  DE…Portugal, pelo  Sr. Eng. S ,  basta  mudar  o  raio  com que se põe a virar  a  direcção do autocarro  para, mesmo  na  simulação  da DE….g.,  de   438 metros (o  considerado  nesse  relatório) para  1000metros – note-se  que a  sugestão  foi  absolutamente aleatória, da parte   do  tribunal -, para o  autocarro  ser  colocado a  circular  encostado  à  linha  contínua  delimitadora  da    faixa da  esquerda  face  à  berma. Argumentou, então,  o  Sr. Eng. S   (engenheiro  mecânico e   docente  no Instituto Politécnico de Leiria) que,  com  esse raio,  não poderia  o  autocarro   chegar  à  dita marca  rodoviária. Contra-argumentou o Prof. J D (professor  auxiliar no Instituto Superior Técnico, em Lisboa) que  é precisamente   por  se  desconhecer  qual   o raio  de  viragem  da direcção  que  o arguido  deu  ao  volante  que  não pode  afirmar-se   categoricamente  que  o  único  cenário antecipatório do primeiro  embate   foi  o  de  invasão, 5 metros  atrás,  da   faixa da esquerda, ainda que  o mesmo  se  assuma  com  foros de probabilidade.

E  refere-se  5 metros atrás,  em  função  do  refazer  das  contas, por  parte do  Sr. Professor, atendendo  à  alteração  da distância  entre   a marca  e o eixo  das duas faixas de rodagem, sendo o resultado  apurado  em   audiência.

Na sequência de tal reconhecimento de  lapso da  medida   tida em conta,  os Srs. Peritos, porém,  não tiveram  dúvidas na afirmação  de que, rectilineamente,  o  autocarro  teria  que estará  entrar  na  faixa da esquerda  não   a  28, 6 metros, para  trás,  mas  a  5 metros, nesse sentido, ponto é  que  o   referido  veículo  tivesse necessariamente  que  ter  feito  essa  trajectória, quando o   perfil  curvilíneo  da estrada   até levaria  a considerar  mais   plausível  uma   condução com  inclinação  acompanhada  da necessária correcção da trajectória, atenta a dimensão  do  veículo  em  causa.

De qualquer forma, com pertinência, foram então os Srs. Peritos  confrontados   com  a questão de  saber  se, sendo  verdade – porque escrito no relatório pericial – que, em 1 segundo,  à  velocidade a  que seguia  o  autocarro, o   mesmo percorria  cerca de   20 metros, então  em   um  décimo de  segundo percorreria  2 metros e sendo também  certo que  um  veículo daquele  envergadura precisa, no mínimo, de  dois  décimos de segundo para    alterar a  sua  trajectória,  seria  inevitável  que, perante   uma  distância    de  2, 82metros, medida  do  eixo traseiro   à retaguarda  do  autocarro,  sobrando    2, 18 metros,  tal  veículo  tivesse  que ter  estado  na   faixa da esquerda.

Ambos os  Srs. peritos   foram unânimes  na  resposta e na explicação -  não  necessariamente e não  se pode  confundir alteração de trajectória  e  ajustamentos ou correcções de trajectória, a que  se procede  naturalmente, sem  quase nos apercebermos, sobretudo num  veículo pesado de passageiros. Tudo depende  da trajectória  que  seguia  o  autocarro momentos  antes  do  1º  embate, sendo que  não  se  pode  concluir  que a posição de  condução no momento do dito embate  tenha  sido  reacção a qualquer  estímulo, designadamente   a aproximação  do ligeiro de passageiros.

E  ainda  se  refira, no esforço  de ponderar  todas as variantes  probatórias, por  forma  a concluir  se  são  ou não   as mais  válidas, em confronto  com   as conclusões periciais  ou  cenários de  pré  e pós  colisão, que  estaríamos  caídos  na  ditadura    do  software computacional se  nos tivéssemos  que  render  a resultados  de  programações cujas  variáveis  são manipuladas  por  forma  a justificar  um determinado resultado. Exemplo  disso, além do   já referido,  resulta  do  confronto  entre   o ponto de máxima  invasão   a que  chegou  a  simulação  computacional produzida pela DE...Portugal – 50  cms. – e os  20  cms.  a que   se  chegou  na reconstituição  judicial  do  facto, em sede de instrução. Ou seja,  a diferença  é  de  30  cms..

Nos termos  do  art.  150º, n.º 1, do C.P.Penal, “quando  houver  necessidade de determinar  se  um facto poderia  ter  ocorrido de certa  forma, é  admissível a sua  reconstituição. Esta consiste  na reprodução, tão  fiel  quanto possível,  das  condições  em que se  afirma ou  se  supõe  ter  ocorrido o  facto e na  repetição do   modo da sua   realização”.

Porém, como  sublinhou o Sr. Eng. J  C, Investigador   do LENEC e  especialista  em  segurança  rodoviária,  são  duas as  reservas que    coloca   à   fidelidade  da reconstituição do  facto ordenada  judicialmente  nos autos, relativamente ao  acontecer historicamente  datado:

1)  Não se  sabe  se  a trajectória  do   pesado,  décimos de segundo antes do  1º  embate,  foi rectilínea;

2) Foi pedido ao  manobrador  da  viatura  usada   nessa  reconstituição  que  desse  uma  certa  inclinação  à  direcção, o que condiciona naturalmente o resultado.

Acrescente-se  que  o próprio  Sr. Eng.  S ,  responsável   pelo  relatório  da  DE.. não concordou  com a realização  da   reconstituição do  facto, nos moldes em que o  foi, por  considerar   que  o  autocarro usado  no meio de obtenção de prova  deveria ter  recuado mais  para  trás,  pois   só assim  se   poderia   ver demonstrada a  sua  conclusão  10 (cfr.  fls.  1933): “Fazendo o prolongamento  destas   marcas (mencionada s no ponto  9), verifica-se que  o início  de descontrolo  do veículo ligeiro  é  coincidente com o ponto  de invasão  de  fila de trânsito  mais  abrangente  por  parte do  autocarro”. Compreende-se esta  posição, na medida  em que   só assim se poderia   afirmar  que   o comportamento  da  condutora do ligeiro   foi condicionado  pelo comportamento  do  pesado;  tese  esta  por   si  sustentada  nesse  relatório  e que  interessa   à  companhia de seguros que o encomendou.

Por outro lado ainda,  sem  repetir  a questão   da  velocidade, o certo é  que confirmou  o  Sr. Eng. S  ser  relevante a discrepância  de  velocidade   real  acima ( abaixo  a questão  não  se  coloca, porque o relatório pericial  aponta para  valores   superiores) da margem de  variação por  si  considerada    na  simulação, sendo certo também ser   imprescindível   conjugar a  velocidade de ambos os  veículos, para  além  da necessidade de valorizar  todo o percurso  do  ligeiro   até   à  valeta, após o  talude. Ora, por  este   factor – velocidade -, tendo  nós  encontrado  falhas  no apuramento levado a cabo pela  DE,  o resultado   simulatório tem, necessariamente,  que  sair  viciado.

Eis porque  o mesmo  Sr. Engenheiro  entra  em contradição  com o    próprio relatório por  si  apresentado,  ao  afirmar  que  a  consideração  apenas até  ao primeiro  embate  resultou de   solicitação expressa   da   seguradora   que  lho  encomendou, quando no   relatório da  sua   autoria  apresenta  a simulação  como  se  tal  correspondesse à realidade do  acontecer  histórico, sem qualquer condicionamento por  banda  do  seu mandante.

Ora, tal desatendimento levou a que não  se    considerasse  o  percurso real  dos  veículos, a fricção   subjacente  ao   primeiro  embate, o  afastamento  e  embate no rodado  dianteiro esquerdo, sendo que   foi  da conjugação  de tudo  isto   que   derivou  o   descontrolo  do  pesado de passageiros, como  o próprio condutor  afirmou, a maioria das testemunhas  que seguiam como passageiros  do  autocarro e  apenas poderia  ser   à  fase   da  fricção dos   dois  painéis ( do pesado e do ligeiro) que a testemunha  Il  (ocupante  no lugar  da  frente, lado  direito,  do ligeiro) se  referia, ao  mencionar   que   iam  ambos  de  forma  paralela  em  circulação.

Naturalmente, por força desta supressão de  acontecimentos,  como     é  visível de  fls. 1930 (última   fotografia)  a  1932,  a descida  dos  veículos, transpondo  as  guardas  metálicas  para   o  talude  e  valeta  deu-se  metros  antes   do   local  apurado  no relatório pericial.

Mais  se  refira que  o contra-argumento, usado  pelo  Ilustre  Mandatário do  assistente J V, de que não requereu a  realização de uma segunda perícia porque  - a ser  deferida -, consubstanciaria  mais  um estudo, com  conclusões diversas,  não pode  compreender-se, face   ao  aplauso  que  dirige  ao  relatório   da  DE..antes podendo  ser a  oportunidade  para,  com  o  valor de prova pericial, ver demonstrada  a factualidade  por  aquele relatório  transmitida e que  não  dispõe  de  tal  valor.  

Logo,  não obstante  a arguida  C   haver  afirmado -  tendo  sido a  única -, face  às  dúvidas  levantadas pelo relatório pericial, perante as incongruências das próprias declarações  daquela e  do estudo  computacional  que  veicula  a  sua posição nestes autos, não poderíamos dar por  assente a invasão  da  faixa da esquerda pelo  autocarro, nos  décimos de segundo anteriores  ao 1º embate.

- Ponto 11), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: mais  uma vez, o relatório pericial, não obstante  no relatório  do  Sr.  (então) Primeiro Sargento) J,  por  análise   do  tacógrafo, se apontar  para uma velocidade de  93 Kms./h + 1, 1% de  variação admissível. A  preferência deve-se à circunstância de, no referido relatório, se  haver entendido  que  a margem  de variação  admissível  poderia ser  superior, sendo  que  estamos perante   peritos na matéria.

- Pontos 12) a 15), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: o relatório pericial  confirma-o, no que o parecer da SGS Portugal  não  diverge, à  excepção  do parecer da DE. que  não   autonomizou   este  segundo  embate, como  tal, antes se  limitando  a firmar  que o  ligeiro “ainda  voltou a tocar  no veículo pesado, mas  sempre  com impactos ligeiros” (cfr.  fls.  1918), contrariamente  ao que    até sentiu  a maioria  dos  ocupantes  do  autocarro, incluindo o  próprio  motorista. Remetemos para  o  já escrito.

- Pontos 16) a 19), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: o relatório pericial  confirma-o, no que o relatório da SGS Portugal  não  diverge,  tudo  também  confirmado pelo   relatório  do   Sr.   (então)  Primeiro  Sargento  J

Atendemos   também ao relatório de exame pericial da Polícia Judiciária de fls. 1252-1259, bem como  o croquis de fls. 884 e 885 e na reportagem fotográfica de fls. 886 a 894, ambos da autoria do NIC da GNR-BT.

- Ponto 20), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia:  Valorámos os assentos de óbito  de  fls. 87, 88-89, 90-91, 94, 95, 96, 97-98, 99-100, 101-102, 105-106, 107-108, 109-110, 111-112, 113-114 e 1309,  bem   como  os  relatórios de  autópsia  citados  na matéria  assente.

- Ponto 21), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia:  Valorámos os exames  clínicos  e  perícias de avaliação do  dano  corporal citadas  na matéria  assente.

Em particular, no que  concerne ao  ofendido João  dos   Reis Maroco,  não consignamos expressamente, como consequência  do  acidente,  o    resultado  do exame de    fls.   191, do  apenso II, nem que, por  causa  do mesmo,  tenha  o dito ofendido  deixado de   conduzir e lavrar, porquanto, a fls.  175,  escreve-se nesses termos  em reprodução do  afirmado  pelo examinando.

Por outro lado, no que concerne  à  ofendida  DG, não  se  consegue   extrair  de  fls.  255, do  apenso II, que a mesma tenha estado em risco de  vida.

- Ponto 22), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia:  Diferentemente do escrito  na  decisão de  pronuncia – aliás, em parte  contraditório com  certas  deficiências dadas  por assentes  ao  nível da contestação da  arguida C -, concretizando, atendemos aos  elementos  documentais    de fls.  22, 463 e 464.

- Ponto 23), da matéria assente  ao  nível da   pronúncia: 
A liberdade  e  voluntariedade  da  sua  conduta não  suscitam  dúvidas -  em momento  algum se reportou a  qualquer  coacção.
Quanto  ao  mais, o elemento  subjectivo de  actuação da  arguida resultou  da matéria de facto assente, inferindo-se  da mesma.
Resulta  do  que   acima  se deixou  vertido  não se poder sustentar objectiva  e subjectivamente  a responsabilidade   do   pesado de passageiros  na  eclosão  do  presente acidente, com base  nas   dúvidas  suscitadas  pelo  dito relatório  pericial.

A  considerar-se  diferentemente, decidindo contra o arguido F,  na sequência  do já  escrito, configurar-se-ia a violação do   princípio in dubio pro reo. Com efeito, tal ocorre quando da matéria de facto resulta que o «Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e, apesar disso, escolheu a tese desfavorável ao arguido»[9].

Como se refere no Ac. RPt. de 28-01-2009[10], certo é que a convicção do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto a provar.

É legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º do Código de Processo Penal) e o artigo 349.º do Código Civil prescreve que as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, sendo as presunções judiciais admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do Código Civil).

Depois, as presunções simples ou naturais (as aqui em causa) são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto conhecido para um facto desconhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.

“As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto”[11].

A prova indiciária é uma prova indirecta, de suma importância no processo penal, pois são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa. Da prova indiciária induz-se, por meio de raciocínio alicerçado em regras de experiência comum ou da ciência ou da técnica, o facto probando. A prova deste reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova. É do facto indiciante que se infere um facto conclusivo quanto ao facto probando, juridicamente relevante no processo.

Não se pode ignorar, porém, que o recurso a este tipo de prova consente erros, na medida em que a convicção terá que se obter através de conclusões baseadas em raciocínios e não directamente verificadas e, por outro lado, um indício revela, com tanto mais segurança o facto probando, quanto menos consinta a ilação de factos diferentes. Ou seja, quando um facto não possa ser atribuído senão a uma causa – facto indiciante –, o indício diz-se necessário e o seu valor probatório aproxima-se do da prova directa. Quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova de um facto que constitui uma destas causas prováveis é também somente um indício provável ou possível. Para dar consistência à prova será necessário afastar toda a espécie de condicionamento possível do facto probando menos uma. A prova só se obterá, assim, excluindo hipóteses eventuais divergentes, conciliáveis com a existência do facto indiciante.

Ora, o princípio in dubio pro reo, enquanto expressão, ao nível da apreciação da prova do princípio político-jurídico da presunção de inocência, traduz-se, precisamente, na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido – a dúvida resolve-se a favor do arguido.

Tal princípio[12], como regra de decisão da prova, é solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa:

- Necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável;

- A inadmissibilidade da pena de suspeição;

- A opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável.

- A possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo;

- A consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes;

- A convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.

Daí que, o princípio in dubio pro reo, deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.

Partindo de tais considerações, entendendo-se não ter sido produzida prova indiciária (sendo certo que a prova directa se encontra totalmente arredada) necessária ou suficientemente consistente, coerente e sólida de forma a poder o Tribunal, com recurso às ditas presunções naturais, concluir pela culpabilidade do arguido, arredando as dúvidas existente sobre a mesma, pairando uma séria incerteza quanto à sua participação/autoria dos factos. Tal estado de incerteza terá de ser valorado a favor do arguido, com aplicação do princípio in dubio pro reo[13].

Ora, sendo possível prefigurar vários cenários quanto ao comportamento  do  arguido  F,  optar por  um deles, mantendo-se as  dúvidas,  consubstanciaria  inevitavelmente  violação  do referido  princípio.

Factualidade  não provada  ao  nível  da  decisão de  pronúncia:

- Ponto A): 

Este  trecho  da decisão de pronúncia, ao  não  circunscrever  no tempo,  o  «antes» corre o risco de  se  tornar  equívoco, tanto mais  que  a concreta  posição  dos  veículos, antes do  início  da  manobra de  ultrapassagem,  já  estava  clara na matéria assente atrás.

- Ponto B): 

Já nos pronunciámos a este  respeito,  fundando o  nosso  juízo  no princípio  «in dúbio  pro  reo».

- Ponto C): 

A não prova respeita  exclusivamente à adjectivante – necessariamente  conclusiva - do pisar  das  guias de segurança -, pois  que, quanto a esse pisar,  a matéria  assente  revela-o.

- Ponto D): 

Como resulta  da  convicção  relativa  à  matéria  assente, não  se logrou  apurar  a causa  do  concreto  comportamento estradal  da  arguida, para  o  que  remetemos.

- Pontos E) e F): 

Já nos pronunciámos a este  respeito,  fundando o  nosso  juízo  no princípio  «in dúbio  pro  reo», para  que  também remetemos.

A  demais  matéria  não  expressamente consignada está  em directa  contradição  com   a considerada provada, pelo  que  não  se  impõe  repeti-la.

O mesmo se diga  em  relação às adjectivações, porque conclusivas.

Da  contestação da arguida C:

- Pontos 1) e 5): 

A  arguida  referiu-o,  no que foi suportada  também pelo  depoimento  dos  Srs.  ocupantes   do veículo ligeiro, à excepção   da submissão  ao  exame  de  alcoolemia,  frisada  pela  arguida e documentada  nos  autos.

- Ponto 6): 

A este  respeito, quanto à não efectuação  de qualquer  exame    à presença de  substâncias psicotrópicas, o próprio  arguido F  o   salientou, tendo  sido  confirmado pelas testemunhas (agora   Sargento Ajudante) Js (apesar do afirmado  no  relatório  por   si   subscrito, já  aludido), MG e NB, ambos  cabos  da  GNR (DT de Castelo Branco).

Esclarecendo   e   fazendo  já  referência  ao   facto  não  provado, relativo  à realização  do teste de  alcoolemia,  sendo  certo  que foi  documentada , pelo  referido  Sr. Sargento Ajudante, a não  realização  de tal teste, elucidou a testemunha  que se apercebeu do lapso  mais tarde, após   ter  entregue  o relatório  já  referenciado  para  ser  junto  a este  processo, ao   ter    sido  confrontado    pelo Sr.  Cabo  N B com tal  realização, tendo sido o próprio a fazê-lo.

A  explicação  dada  não  merece  qualquer  desconfiança  da  nossa parte, pois  que lapsos  acontecem, sendo  certo que,  num   sinistro destas  dimensões,  intervieram,  ao  nível  do  órgão de polícia  criminal,  pelo menos, estes  três  militares,  com  divisão de tarefas. A este respeito,  aliás e  bem se percebe,   atenta  a especialização  de   conhecimentos   e experiência  profissional  do  Sr. Sargento  Ajudante  J,  não  foi  ao  mesmo   que incumbiu  a realização de tal teste.

Ora, a testemunha Cabo NB, antecipando  o  seu  turno,  foi encarregue  pela testemunha  Cabo  MG para  se deslocar ao HAL a  fim de  realizar  os testes  legais  à  presença de  aditivos ilícitos  no  corpo  dos  arguidos. Então, procedeu  em conformidade,  afirmando ter  efectuado   o teste qualitativo  aos  arguidos, não  havendo  necessidade  de proceder ao teste  quantitativo, atento o resultado  daquele.

Por  fim, diga-se que a não realização  do  teste  de   detecção de substâncias  psicotrópicas  ao  arguido  se  deveu  ao  facto  de  já  lhe  ter  sido administrada  morfina, atentos os  padecimentos  de que  era  portador em  virtude  do acidente.

Pontos 7-12, 14-18 e 22-23:

Porque  se trata  de  citações  de  relatórios, a  fonte  está identificada.

Ponto 13:

Foi  unânime  do depoimento e declarações de  todas as pessoas presentes  no local, nas  circunstâncias  temporais  do acidente.

Pontos 19-21 e 24-27:

É o  relatório  pericial  a referir-se  a esses dados.

Ponto 28:

Atendemos ao  depoimento  dos  ocupantes  do  veículo ligeiro, bem como  das  testemunhas abonatórias arroladas  por  si e  que   depuseram  em  audiência - CG, MGT , SC e  OA - , colegas  e  vizinhas de  localidade de residência  da  mesma  arguida.
No que  concerne  à matéria de facto  não provada, ao nível desta  contestação:
 - Ponto A):
Esta afirmação  foi produzida  no relatório  apresentado  pela DE Portugal,  sem sustento em qualquer  outro  meio de prova, sendo  certo  que  o relatório  pericial, diferentemente  de outras  situações de  deficiência, verificadas  ao  nível do  autocarro,  não  se  lhe referiu. De  notar, também,  que, confrontada  a ficha  técnica  do  veículo  em questão (cfr.  fls. 872-873) o mesmo daí  não resulta.
- Ponto B):
Esta afirmação também foi produzida  no relatório  apresentado  pela DE Portugal, sem sustento em qualquer meio de prova, designadamente o  relatório pericial.
Acresce que  este  veículo  tinha as inspecções  em  dia, como  resulta de   fls. 464.
- Pontos C), D) e F):
Não  foi produzida  prova   especifica, sendo  que, relativamente  a D),  as ditas  dores não  foram mencionadas.
- Ponto E):
Remetemos para  as  considerações  já  tecidas.
Esta afirmação  foi produzida  no relatório  apresentado  pela DEKRA Portugal,  sem sustento em q
- Ponto G):
Remetemos para  a  convicção probatória  expressa a respeito  da matéria  da  pronúncia.

Da  contestação do arguido F:

- Pontos 1) e 2): 
As testemunhas AMR JFC eferiram-no, do que  nos convenceram, atenta a  sua  razão de  ciência.

- Ponto 3): 
Valorámos  o  RIC  de  fls.  1158, aliás  condizente  com o  da  arguida.

- Ponto 4): 
Atendemos  às declarações  do arguido,  complementadas  pelo  relatório social  junto aos  autos, a fls. 3159-3162.

- Ponto 5): 
A prova consta a fls. 2980-2984.
No que  concerne  à matéria de facto  não provada, ao nível desta  contestação:
 - Pontos A) a C):
Não  foi  produzida  prova  específica a este  respeito, além  do   carácter  conclusivo (exclusivamente adjectivante) de  parte  das  afirmações  produzidas.
O  demais  não  consignado   partilha desse  carácter   conclusivo.
Outros  factos:
A  ausência de antecedentes criminais  é o  que  provam  os  CRC’s  juntos aos  autos (cfr.  fls. 3131 e 3132).
O mais suportou-se  nas  declarações dos  arguidos   e nos relatórios sociais respectivos, já referenciados e constantes de fls.3159 a 3168.
                               (…)
Feito desta forma o enquadramento jurídico-penal, importa agora determinar qual a natureza e medida da sanção a aplicar à arguida.

Nos termos do artigo 70.º do Código Penal, quando os factos são punidos, em abstracto, com pena de prisão ou pena não privativa da liberdade, deve-se dar preferência a esta última, desde  que realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, finalidades estas de protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade, em caso algum podendo ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º/1 e 2 do Código Penal).

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, prevenção geral positiva ou de reintegração, é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e, última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal.

Na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71.º, n.º1 do C. Penal, que é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do n.º 2, da mesma norma legal.
Dispõe o art. 40º, n.º 1, do CP, que, “a aplicação de penas (...) visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
Por outro lado, estatui o art. 70º, do mesmo diploma,  que, “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá  preferência à segunda, sempre que esta realizar  de forma adequada  e suficiente as finalidades da punição”.
Ou seja, “a escolha da pena, (...), depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial”[14], devendo dar-se prioridade à aplicação da pena não privativa de liberdade, quando aplicável em alternativa a pena de prisão, se aquela realizar, de forma adequada e suficiente, as exigências de prevenção.

As exigências de prevenção geral fazem-se sentir no caso vertente, considerando as trágicas consequências dos  acidentes,  decorrentes,  na  maioria  dos  casos,  das  falhas  na execução  das manobras estradais.

Em termos de prevenção especial, temos  que  a  arguida   não possui antecedentes criminais, nem contra ordenacionais estradais, encontrando-se integrada  e   sofredora  com  o  sinistro  em que  se   viu  envolvida, com as  consequências  com que  nos debatemos.

Assim, atento o peso das  razões de prevenção geral, nos termos do art. 70º, do C.Penal, este Tribunal não poderá dar preferência à pena não privativa da liberdade.

Passemos, agora, à determinação da medida da pena.

Na determinação da medida concreta da pena há que atender ao critério geral previsto no art. 71º do C. P. - culpa do agente e exigências de prevenção de futuros crimes .

A favor da arguida, a integração   familiar, social e profissional de que   goza, a ausência de quaisquer  antecedentes  e o   sofrimento   que   para  si tem decorrido  da  situação  ora  em apreciação .

Contra si, as  muito  fortes  razões de prevenção geral de integração,  qual  necessidade de  manter a  confiança  da  comunidade  nas  normas  jurídicas  violadas.
A ilicitude, entendida esta como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo  bens jurídico-criminais, é elevada, em função  do bem jurídico tutelado – a vida humana como um valor  fundamental nas sociedades civilizadas, cuja tutela  tem consagração constitucional, apesar  da envolvente   subjectiva  ser  a mais  ténue  de  entre  as valorizadas  na  nossa ordem jurídico-penal.
Ora, tal circunstância, por si só, justifica a costumada severidade dos tribunais  chamados a julgar tal matéria  como meio dissuasor  e preventivo de condutas  negligentemente criminosas, sendo “imperiosa a necessidade de por um travão   eficaz à criminalidade estradal”[15].

Eis porque se  nos  afiguram adequadas as seguintes penas principais:

 -5 meses de  prisão para  cada  um  dos  crimes  de  homicídio negligente (17), p. e p. pelo art. 137º, do C.Penal;

 - 3 meses de prisão  para  os crimes de  ofensa  à  integridade  física   por  negligência (2), p. e p. pelo art. 148º, n.os  1 e 3,  por  referência  ao  art. 144º, b), ambos do  C.Penal,  relativamente   às lesadas  DG e  L;

 - 2 meses de prisão  para os  crimes de ofensa  à  integridade  física   por  negligência (4), p. e p. pelo art. 148º, n.º 1, do  C.Penal,  relativamente aos restantes lesados.

Agora, a  pena  única do  concurso de crimes.
Atendendo aos  factos (graves, dentro da actuação   negligente) e  à  personalidade  da arguida (apesar da gravidade  dos  factos,  estamos em crer  ter  sido  um evento isolado na sua  vida, atenta  a   inexistência de outras  condenações e o  sofrimento  com que tem vivido a ocorrência  e as consequências  de que  curamos), condena-se   na pena  única  de   4 anos  e  4 meses de  prisão.
Dado este passo, impõe-se cogitar a possibilidade de aplicar uma pena de substituição – a suspensão da pena de prisão ora decretada.
A suspensão da execução da pena de prisão  encontra-se prevista  no art. 50º, do CP, sendo, no correspondente n.º 1, prescrito que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada (...) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura  e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
“A lei torna deste modo claro que, na formulação [do prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente], o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. (...) A finalidade político-criminal  que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no  futuro, da prática de novos crimes, (...), traduzida  na «prevenção da reincidência»”[16].
“Entretanto, impõe-se que a comunidade jurídica suporte a substituição da pena, (...). A sociedade tolera uma certa «perda» de efeito preventivo geral – isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição; mas nenhum ordenamento jurídico se pode permitir pôr-se a si mesmo em causa, sob pena de deixar de existir enquanto tal.
Em caso de absoluta incompatibilidade, as exigências (mínimas) de prevenção geral hão-de funcionar  como limite ao que, de uma perspectiva de prevenção especial, podia ser aconselhável.
O que se afirma, (...) é pois que a aplicação de uma pena de substituição é suficiente, não só para evitar que o agente reincida, como também para realizar o limiar mínimo   de prevenção geral de defesa  da ordem jurídica”[17]
Por fim, quanto à duração da considerada pena de substituição, dispõe  o n.º 5, do art. 50º, do CP, que “o período de suspensão  é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.
É sabido que a jurisprudência tem entendido que nos homicídios estradais se deve aplicar, em regra, pena de prisão efectiva, por força das exigências  de prevenção geral.

Discorda-se da rigidez subjacente a tal entendimento que olvida o facto de as necessidades  de prevenção geral  não poderem justificar que se exceda, em caso algum, a medida da culpa concreta. Com efeito, estão aqui em causa, a perda de duas vidas humanas, o que agrava a ilicitude na determinação da pena concreta.

As exigências de prevenção geral assumem bastante relevo considerando o gravíssimo índice de sinistralidade estradal, resultado, na sua grande parte, do desrespeito pelas normas de cuidado jurídico socialmente impostas.

É que, sendo a circulação rodoviária uma actividade considerada como objectivamente perigosa, recai sobre cada um de nós a exigibilidade de um específico dever de prudência no sentido de serem adoptados os deveres de cuidado que sejam adequados a evitar certos resultados.

No que respeita à prevenção especial, não se vislumbram necessidades de socialização, por tudo quanto  fica  dito.

Eis  porque  se  suspende  a  execução  da    pena de  prisão aplicada, por período igual ao da  sua duração, condicionada a regime de prova, nos termos  dos  arts.  53º  e  54º, ambos do C.Penal.

*
Tendo em conta as questões supra elencadas que serão objecto de apreciação nos vários recursos, porque algumas são sobreponíveis, inicia-se a apreciação das questões que envolvem o recurso interposto pela arguida C, seguindo-se a matéria do recurso do assistente e finalmente as questões suscitadas pelo recurso interposto pelo Ministério Público.

                                                           *

A. Recurso da arguida C.

Como se referiu são vários os pontos em apreciação suscitados nas conclusões da recorrente: i) matéria de facto incorrectamente julgada; ii) contradição entre factos provados; iii) alteração substancial dos factos; iv) inquirição de perito como testemunha; v) existência de um único crime de homicídio por negligência; vi) sanção acessória.

i) Matéria de facto incorrectamente julgada [conclusões A) a AR)]

Decorre do disposto no art. 428.º, n.º 1, do CPP que as Relações conhecem de facto e de direito, sendo que, segundo o art. 431.º “sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”

O recurso sobre a matéria de facto, garantia que resulta directamente do âmbito do princípio constitucional do direito ao recurso, assumindo-se como uma fortíssima garantia de defesa, não consubstancia, em momento alguma um novo julgamento.

O que se trata, com o julgamento do recurso sobre a matéria de facto, é despistar e sanar os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso – vejam-se os Ac. do STJ de 16.6.2005, Recurso n.º 1577/05), e de 22. 6. 2006 do mesmo Tribunal.

Assente este princípio fundamental, a dimensão normativa estabelecida no CPP relativa ao recurso sobre a matéria de facto, assume duas dimensões:

a) a possibilidade de recurso que resulta da restrita aplicação estabelecida no artigo 410º nº 2 referente à correcção dos vícios aí referenciados por simples referência ao texto da decisão recorrida;

b) a que resulta da ampla possibilidade concedida à impugnação da matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido que se alude no artigo 412º nº 3.

                                                           *

No que respeita ao conhecimento do recurso sustentado nos vícios a que se refere o artigo 410º nº 2, é jurisprudência pacífica a praticamente uniforme que aqueles vícios, em todas as suas alíneas (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) têm que resultar da própria decisão/sentença, como documento único, embora essa conjugação possa ser referente às regras da experiência (cf. Ac. STJ 17 de Março de 2004).

Assim a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, a que se alude no artigo 410º n.º 2 alínea b), e o erro notório na apreciação da prova, consubstanciam, respectivamente, a inexistência de factos provados suficientes, a incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório da apreciação da prova efectuada pelo Tribunal.

Tudo isto, repete-se, desde que resulte do próprio texto da sentença, por si só ou conjugada com as regras da experiência.

Recorde-se que estes vícios, podendo e devendo ser alegados, são no entanto de conhecimento oficioso.

                                                           *

Todo o campo de possibilidade de recurso em matéria de facto que se não limita aos vícios do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal ou seja, que saiem fora desta previsão balizadora (na expressão utilizada no Ac da RC de 3.2.2010, relator Gomes de Sousa) constituem a segunda dimensão do recurso sobre a matéria de facto. Estão neste âmbito todos os casos de erro, não notório, na apreciação da prova de que o tribunal de recurso se aperceba na reanálise dos pontos de facto apreciados e permitidos pelo recurso em matéria de facto. Igualmente estão em causa os in erros de julgamento, nos quais se incluem os erros na apreciação das declarações orais prestadas em audiência e devidamente documentadas e a não ponderação ou errada ponderação de qualquer prova que, não sendo notórios, impõem uma diversa ponderação. Assim como o uso inadequado de presunções naturais, conhecimentos científicos, regras de experiência comum ou simples lógica.

                                                           *

No que respeita ao recurso sobre a matéria de facto resultante de erros de julgamento, por invocação de prova produzida e erroneamente apreciada pelo tribunal recorrido, a que se alude no artigo 412º nº 3, impõe-se ao recorrente o cumprimento do ónus de impugnação especificada contido nos números 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal.  

Nesse sentido o artigo 412º, nº 4 do Código de Processo Penal refere que “as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. Ou seja, nestes casos ao recorrente é exigida a i) indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal); ii)- A indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (al. b) do nº 3 do artigo 412º do Código de Processo Penal; iii) A indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364 (nº 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal).

Ao estabelecer que o recorrente tem que indicar as provas que impõem uma diversa apreciação da matéria de facto o legislador quer sublinhar que «o recurso não é um novo julgamento, [mas] sim um mero instrumento processual de correcção de concretos vícios praticados e que resultem de forma clara e evidente da prova indicada. É que houve um julgamento em 1ª instância. E do que aqui se trata é de remediar o que de errado ocorreu em 1ª instância. O recurso como remédio jurídico (conforme se refere no Ac. RC de 3.2.2010, relator Gomes de Sousa).

Ou seja, o que se quer sublinhar é que esta identificação das provas que impõem uma diversa apreciação diz-nos que não está em causa uma divergência entre o modo como se decidiu e o modo como o recorrente pretende ver decidida a questão.

Está em causa um erro na prova que sustenta os factos, cometido pelo Tribunal, que não levou em consideração essas provas (que têm que ser identificadas) que impõem uma diversa apreciação da que foi efectuada pelo Tribunal.

As afirmações efectuadas têm por objecto dilucidar o que está em causa nos presentes recursos face às conclusões apresentadas pelos recorrentes, nomeadamente na dimensão onde nos encontramos que trata do recurso da arguida.

Ora na primeira dimensão do recurso a arguida, alegando matéria de facto incorrectamente julgada não indica quais os pontos em que sustenta essa sua incorrecção de julgamento, embora se intua que esses pontos têm a ver com o ponto 9) dos factos provados, dado que os factos que constam naquele ponto tratam da matéria essencial em questão a que a recorrente faz referência.

O que a recorrente faz, de uma forma insistente, é apenas e só uma construção argumentativa própria sustentada numa diversa valoração de documentação junta (os relatórios) e dos depoimentos dos vários peritos e de algumas testemunhas, perante dois relatórios apresentados e sobre os quais o tribunal tomou posição na sentença, de forma fundamentada.

Não identificando nem os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem as concretas provas que impõem decisão diversa nem as provas que devem ser renovada, importa desde já referir que o conhecimento do recurso, nesta dimensão está apenas circunscrito à diversa valoração das provas produzidas efectuada pelo recorrente em relação à valoração das mesmas provas efectuada pelo Tribunal. E é nesse sentido que se conhece o recurso, nesta dimensão.

O Tribunal fundou a sua decisão num conjunto probatório amplo, sustentado pela prova decorrente das declarações da arguida, condutora do veículo, do arguido, condutor do pesado de passageiros, do depoimento das testemunhas que identifica e que presenciaram os factos, visto que circulavam no veículo que a arguida conduzia e também no veículo pesado de passageiros que pretendia ultrapassar, quer pelos documentos juntos e, ainda, pela prova pericial junta, relativa à reconstituição técnico-científica do acidente.

Uma questão prévia importa, no entanto, salientar antes de analisar as questões suscitadas pela recorrente.

Está em causa, nestes autos, um acção típica decorrente de um acidente de viação eventualmente causado pela conduta negligente da arguida, após uma colisão com um veículo de passageiros cuja consequência foi a morte de dezoito cidadãos.

Acção típica que por regra envolve uma dinâmica especifica, cuja prova não é fácil nem imediatamente percepcionada (não existem registos vídeo do acidente).

 A apreciação da prova é, nestes casos, efectuada (e foi assim efectuada) de uma forma global, analisando todas as provas disponíveis que o Tribunal entenda justificadamente valorar e não apenas numa dimensão parcelar da prova sustentada numa ou noutra prova sem que a mesma seja conjugada com as demais provas.

Estamos no âmbito de prova com alguma complexidade e dificuldade de ser concretizada de modo peremptório, tanto no âmbito da prova por declarações, como na prova pericial e de todos os meios de que se estes de socorrem para extrair conclusões.

Sublinhe-se que em regra nestes casos (e no caso em apreciação isso também ocorreu) não há uma prova directa clara e uniforme sobre o desenrolar do acidente e do modo como se desenrolou (não há registos vídeo nem testemunhas presenciais que tenham estado «fora» dos veículos intervenientes que tivessem visto todo o «filme» do acidente).

Os eventos estradais são dinâmicos, envolvendo vários actores que têm em regra percepções diferentes sobre o que presenciaram e sobretudo o que retêm na memória é quase sempre muito selectivo em função de circunstâncias muito individualizadas e decorrentes do estatuto que assumem no evento (vítimas, familiares ou amigos das vítimas, pessoas que anteriormente estiveram envolvidas em acidentes de viação, etc.).

 Daí que todos os meios probatórios (válidos) que possam ser utilizados e que vão além das contingências referidas são absolutamente fundamentais para permitir uma melhor compreensão do modo como aconteceram os factos.

E nessa perspectiva estão os meios científicos actualmente disponíveis que permitem efectuar simulações de acidentes em meio digital (computorizado) ajudando à compreensão do modo causal do evento, suprindo-se as dificuldades que outra prova, nomeadamente a declarativa, não permite colmatar (o caso tipíco da velocidade que se faz imprimir a um veículo num determinado momento é nesta matéria exemplar, quando não há registo por tacógrafo).

No caso sub judice importa constatar que o Tribunal no seu caminho para a prova e descoberta da verdade socorreu-se de todos os cuidados que a determinação da causa de um acidente com a complexidade do que está em causa nos autos exigia. Sobretudo quando dois cidadãos estavam pronunciados como autores de crimes de homicídio por negligência como resultado do acidente.

Sintetizando as razões em que o Tribunal funda a sua decisão (de condenação da arguida condutora do veículo ligeiro) e que levaram à decisão de dar como provado os factos 9 e 10 (Então, por  razões concretamente não apuradas, o  veículo conduzido pela  arguida,  a cerca de   5 metros (em linha  recta) antes de atingir a parte traseira  do  pesado de passageiros, numa altura  em que o limite do painel direito daquele veículo estava  a uma distância de 2,26 metros  do eixo da faixa de rodagem, atento o   referido sentido de trânsito, pisou, com os pneumáticos  do  lado esquerdo, a guia sonora  esquerda, delimitadora  da  faixa de  rodagem  correspondente   face à  berma  respectiva, e, actuando  sobre  a direcção, guinou para  a direita, com desaceleração, entrando em despiste lateral, e deixou marcas de pneumático no pavimento, sobre a   referida  guia  sonora -  numa  extensão de   15 metros, com  forma  arqueada - e a  faixa de  rodagem da   esquerda, com configuração oblíqua e extensão  de  2/3  metros, até  próximo da linha descontínua separadora das duas faixas de rodagem. A  partir  daí, o  veículo ligeiro foi  embater, ao  Km. 77, 200, com o respectivo canto frontal direito no painel lateral traseiro por detrás do rodado traseiro esquerdo e no rodado traseiro esquerdo exterior, do veículo pesado de passageiros, numa  altura em que  a linha   axial exterior esquerda deste rodado se situava  a  10  cms. da  linha axial  direita  do  eixo da  faixa de  rodagem, na  faixa de  rodagem da  direita, atento  o  dito  sentido, e o posicionamento  do mesmo pesado, em  marcha,  assumia  uma inclinação  de cerca de  5%, para a  direita, deixando  uma  marca de bloqueio  da  roda  exterior  do lado  esquerdo com um  comprimento aproximado de  2, 5 metros) temos o seguinte conjunto de razões probatórias: depoimento da arguida, depoimento das testemunhas que circulavam na sua viatura e depoimento das testemunhas que circulavam no autocarro; relatórios do IMM e da DEKRA (e documentos elaborados pela GNR onde se sustentaram); esclarecimentos dos peritos e testemunhas.

Sobre cada um destes meios de prova sublinhe-se o que diz a sentença:

a) depoimento da arguida C: afirmou  ter dado início  à  manobra de ultrapassagem a uma distância  segura do pesado de passageiros, a uma  velocidade de  cerca de  120 Kms./h, tendo   guinado para a  esquerda, quando o autocarro  invadiu, na  sua  totalidade, a  faixa da esquerda.Confrontada com a questão de  saber como é que o   pesado – que, ao  ser iniciada a manobra de ultrapassem -  se encontrava  na  totalidade,  dentro da  faixa da  direita, de repente e sem que  sequer   o ligeiro  ainda estivesse  a par  daquele,  como que   «salta» para  a  faixa  contrária -, não  soube explicar, apenas constatar. Não obstante voltarmos a este ponto, quanto  a não termos  apurado a causa   da deslocação  do ligeiro  para a banda  sonora  do lado  esquerdo,   foi também a mesma  arguida a  dar-lhe azo, atento o incompreensível da  sua posição, quanto  à  invasão completa  da   faixa esquerda, pelo  autocarro, ainda que haja  afirmado  ter  sido  em resultado  do susto que  tal  invasão lhe  infligiu  que passou a  circular  nessa banda.Por outro lado, a mesma  arguida  não se  recorda  sequer  de  ter ouvido  o  barulho   produzido pelo atrito  dos pneus   na  dita  banda sonora, nem, tampouco, qualquer  comentário, no interior  do   veículo,  por susto(…)

b) depoimentos dos passageiros que circulavam no veículo da arguida, IMS ocupante   do lugar  dianteiro  direito: (…) apercebeu-se  estar  próximo o  pesado, desconhecendo   se   o  ligeiro  estava a circular (em parte ou no  todo)  na  referida  faixa da  esquerda ou se   já  tinha   havido  qualquer  estrondo  antes. Ficou  então  com  a impressão  de que   os  dois   veículos  estavam a  circular  de  forma paralela  um  ao  outro, percepcionando que, nesse momento,  tinha  ao  seu lado   direito sensivelmente o meio  do autocarro. A sua  reacção  foi  olhar  para  a arguida C  e aperceber-se  que  a mesma mexia  no  volante de  forma  descontrolada, a – supõe – tentar   controlar o  carro,  e encolher-se a testemunha  no banco em que estava sentava, sentindo  de seguida toque entre ambos os veículos;- MSD, ocupante do lugar traseiro do lado esquerdo do ligeiro de passageiros(…)ficou  com a  ideia  de que  ambos os veículos, a determinada   altura -  não  sabe  se  antes ou depois de ouvir o  barulho -,  andaram  a  par, embora  também  não  recorde   que  parte   dos   mesmos   estavam  nessa   posição; J C, ocupante do banco traseiro do lado direito do ligeiro: (…)Quanto  se  encontrava  a meio da  ultrapassagem, verificou  uma  aproximação  entre os  veículos, não secundada  no interior  do   Ford  com  expressão    verbal de  susto. Logo a seguir à  dita  aproximação,  verificou-se o  embate, desconhecendo  se   antes   havia   o ligeiro passado pelas  bandas sonoras,  se e por   quem se registou aproximação  ao  eixo da  via.

c) das testemunhas que iam no autocarro: as testemunhas  ouvidas,  na  sua  generalidade, apenas souberam situar  o lado   dos  veículos  atingido,  a  aproximação  em  condução, o   galgamento  das   barreiras metálicas  e o capotamento  do autocarro. Quanto  a  causas,  nada  sabiam

d) relatório pericial, nessa  parte  corroborado pelo relatório apresentado  pela SGS, e, quanto  às  medidas das marcas,  também pelo relatório  da GRT5/DT55 e da DE… Portugal.

Em relação a este último importa atentar especificamente no que é dito pelo Tribunal. 

Assim, aí se diz que «Em particular, no concernente aos 10  cms., regista-se  divergência   face  ao  relatório pericial, a qual, porém,  como    se  veio a concluir da  sessão de  audiência de julgamento de  27.11.2009,  não    se  mostra  abalado, no seu  juízo pericial  de  indemonstração da  inevitabilidade  de  invasão  da   faixa de  rodagem da esquerda, por  parte  do autocarro,  a cerca de   5  metros atrás  do referido Km. 77, 200, prolongando o  ângulo  de  5% da  marca   rodoviária  deixada  pelo referido pneumático deste  veículo. Quanto a ter  sido   embate  oblíquo,  todos  os relatórios  juntos aos   autos -  os  pareceres  da  SGS  e  da DE e o  relatório pericial  -  foram  unânimes (ainda  que o parecer  da  DE   tenha  consignado a  determinada  altura  tratar-se de  embate  lateral), uma vez que o retrovisor  direito  do ligeiro permaneceu  intacto.

Como se demonstrou das experiências/simulações  computacionais  construídas pelos Srs.  Peritos  e, da parte  da  DE. Portugal, pelo  Sr. Eng. S ,  basta  mudar  o  raio  com que se põe a virar  a  direcção do autocarro  para, mesmo  na  simulação  da DE, v.g.,  de   438 metros (o  considerado  nesse  relatório) para  1000metros – note-se  que a  sugestão  foi  absolutamente aleatória, da parte   do  tribunal -, para o  autocarro  ser  colocado a  circular  encostado  à  linha  contínua  delimitadora  da    faixa da  esquerda  face  à  berma. Argumentou, então,  o  Sr. Eng. S   (engenheiro  mecânico e   docente  no Instituto Politécnico de Leiria) que,  com  esse raio,  não poderia  o  autocarro   chegar  à  dita marca  rodoviária. Contra-argumentou o Prof. JD (professor  auxiliar no Instituto Superior Técnico, em Lisboa) que  é precisamente   por  se  desconhecer  qual   o raio  de  viragem  da direcção  que  o arguido  deu  ao  volante  que  não pode  afirmar-se   categoricamente  que  o  único  cenário antecipatório do primeiro  embate   foi  o  de  invasão, 5 metros  atrás,  da   faixa da esquerda, ainda que  o mesmo  se  assuma  com  foros de probabilidade.

E  refere-se  5 metros atrás,  em  função  do  refazer  das  contas, por  parte do  Sr. Professor, atendendo   à  alteração  da distância  entre   a marca  e o eixo  das duas faixas de rodagem, sendo o resultado  apurado  em   audiência.

Na sequência de  tal reconhecimento  de  lapso da  medida   tida em conta,  os Srs. Peritos, porém,  não tiveram  dúvidas na   afirmação  de que, rectilineamente,  o  autocarro  teria  que estará  entrar  na  faixa da esquerda  não   a  28, 6 metros, para  trás,  mas  a  5 metros, nesse sentido, ponto é  que  o   referido  veículo  tivesse necessariamente  que  ter  feito  essa  trajectória, quando o   perfil  curvilíneo  da estrada   até levaria  a considerar  mais   plausível  uma   condução com  inclinação  acompanhada  da necessária   correcção da  trajectória, atenta a dimensão  do  veículo  em  causa.

De qualquer  forma, com pertinência, foram  então os Srs. Peritos  confrontados   com  a questão de  saber  se, sendo  verdade – porque escrito no relatório pericial – que, em 1 segundo,  à  velocidade a  que seguia  o  autocarro, o   mesmo percorria  cerca de   20 metros, então  em   um  décimo de  segundo percorreria  2 metros e sendo também  certo que  um  veículo daquele  envergadura precisa, no mínimo, de  dois  décimos de segundo para    alterar a  sua  trajectória,  seria  inevitável  que, perante   uma  distância de  2, 82metros, medida  do  eixo traseiro   à retaguarda  do  autocarro,  sobrando  2, 18 metros,  tal  veículo  tivesse  que ter  estado  na   faixa da esquerda.

Ambos os Srs. peritos foram unânimes na resposta e na explicação -  não  necessariamente e não  se pode  confundir alteração de trajectória  e  ajustamentos ou correcções de trajectória, a que  se procede  naturalmente, sem  quase nos   apercebermos, sobretudo num  veículo pesado de passageiros. Tudo depende  da trajectória  que  seguia  o  autocarro momentos  antes  do  1º  embate, sendo que  não  se  pode  concluir  que a posição de  condução no momento do dito embate  tenha sido  reacção a qualquer  estímulo, designadamente  a aproximação  do ligeiro de passageiros.

E  ainda  se  refira, no esforço  de ponderar  todas as variantes  probatórias, por  forma  a concluir se  são  ou não   as mais  válidas, em confronto  com   as conclusões periciais  ou  cenários de  pré  e pós  colisão, que  estaríamos  caídos  na  ditadura    do software computacional se nos tivéssemos que render a resultados de  programações cujas variáveis são manipuladas por forma  a justificar  um determinado resultado. Exemplo disso, além do já referido, resulta  do  confronto  entre o ponto de máxima  invasão a que  chegou  a  simulação computacional produzida pela DE Portugal – 50  cms. – e os  20  cms.  a que   se  chegou  na reconstituição  judicial  do  facto, em sede de instrução. Ou seja, a diferença  é  de 30  cms.

(…)Por  outro lado  ainda,  sem  repetir  a questão  da  velocidade, o certo é  que confirmou  o  Sr. Eng. S  ser  relevante a discrepância  de  velocidade   real  acima ( abaixo  a questão  não  se  coloca, porque o relatório pericial  aponta para  valores   superiores) da margem de  variação por  si  considerada    na  simulação, sendo certo também ser imprescindível   conjugar a  velocidade de ambos os  veículos, para  além  da necessidade de valorizar  todo o percurso  do  ligeiro até   à  valeta, após o  talude. Ora, por este  factor – velocidade -, tendo  nós  encontrado  falhas  no apuramento  levado a cabo pela  DE...,  o resultado   simulatório tem, necessariamente,  que  sair  viciado.

Eis porque  o mesmo  Sr. Engenheiro  entra  em contradição  com o    próprio relatório por  si  apresentado,  ao  afirmar  que  a  consideração  apenas até  ao primeiro  embate  resultou de   solicitação expressa   da   seguradora   que  lho  encomendou, quando no   relatório da  sua   autoria  apresenta  a simulação  como  se  tal  correspondesse à realidade do  acontecer  histórico, sem qualquer condicionamento por  banda  do  seu mandante.

Ora, tal desatendimento levou a  que  não  se    considerasse  o  percurso real  dos  veículos, a fricção   subjacente   ao   primeiro  embate, o  afastamento  e  embate no rodado  dianteiro esquerdo, sendo que   foi  da conjugação  de tudo  isto   que   derivou  o   descontrolo  do  pesado de passageiros, como  o próprio condutor  afirmou, a maioria das testemunhas  que seguiam como passageiros  do  autocarro e  apenas poderia  ser   à  fase   da  fricção dos   dois  painéis ( do pesado e do ligeiro) que a testemunha  Ilda  (ocupante  no lugar  da  frente, lado  direito,  do ligeiro) se  referia, ao  mencionar   que   iam  ambos  de  forma  paralela  em  circulação.

Naturalmente, por  força desta supressão de    acontecimentos,  como     é  visível de  fls. 1930 (última   fotografia)  a  1932,  a descida  dos  veículos, transpondo  as  guardas  metálicas  para   o  talude  e  valeta  deu-se  metros  antes   do   local  apurado  no relatório pericial.

Mais  se  refira que  o contra-argumento, usado  pelo  Ilustre  Mandatário do  assistente JV, de que não requereu a  realização de uma segunda perícia porque  - a ser  deferida -, consubstanciaria  mais  um estudo, com  conclusões diversas,  não pode  compreender-se, face   ao  aplauso  que  dirige  ao  relatório   da  DE…, antes podendo  ser a  oportunidade  para,  com  o  valor de prova pericial, ver demonstrada  a factualidade  por  aquele relatório  transmitida e que  não  dispõe  de  tal  valor.  

Logo,  não obstante  a arguida  C o   haver  afirmado -  tendo  sido a  única -, face  às  dúvidas  levantadas pelo relatório pericial, perante as incongruências das próprias declarações  daquela e  do estudo  computacional  que  veicula  a  sua posição nestes autos, não poderíamos dar por  assente a invasão  da  faixa da esquerda pelo  autocarro, nos  décimos de segundo anteriores  ao 1º embate.

Da análise da fundamentação efectuada pelo Tribunal a primeira observação a retirar é que a sua conclusão sobre a imputação da causa do evento ao comportamento da arguida decorre de todo o conjunto de prova referido e não apenas de uma só prova.

Uma segunda observação é que as declarações da arguida (que, independentemente da sua posição processual, não deixam de ser muito relevantes dado que ela era um «espectador privilegiado», embora condicionado pela sua posição processual) foram levadas em conta pelo Tribunal, dir-se-ia, quase integralmente.

De igual forma o Tribunal valorou os depoimentos de testemunhas que circulavam na viatura da arguida e que pela sua posição certamente estavam em condições de puder esclarecer o Tribunal. E este soube destrinçar naqueles depoimento o que entendeu por relevante, sem ser absolutamente cego às suas condicionantes subjectivas. Daí que o depoimento da testemunha Ilda Santos não tenha sido desvalorizado sem qualquer fundamentação, como pretende o recorrente, mas valorado juntamente com os outros depoimentos. Recorde-se que o Tribunal refere expressamente que a referida testemunha «não se apercebeu de qualquer barulho produzido pelo ligeiro ao passar pelas guias sonoras do lado esquerdo» (que, em princípio deveria ter ouvido) e «de repente do seu lado direito apercebeu-se estar próximo o pesado, desconhecendo se o ligeiro estava a circular (em parte ou em todo) na referida faixa da esquerda ou se já tinha havido qualquer estrondo antes».

Quanto às restantes testemunhas que circulavam no veículo os seus depoimento também foram valorados na dimensão já referida. Já quanto às restantes testemunhas que circulavam no autocarro, é certo que o Tribunal, para esta parte da determinação dos factos não relevou os referidos depoimentos e justificou porque não o fez.

Uma segunda observação é que o Tribunal não valorou automaticamente os relatórios periciais juntos (dois) e ouviu e ponderou as explicações dadas em audiência pelos peritos e as suas razões para as afirmações /conclusões sobre o modo como as circunstâncias ocorreram. Neste particular é de realçar as dúvidas pertinentes postas pelo Tribunal quer aos peritos que elaboraram o relatório do IMTT quer ao relatório da DE… e que fundadamente evidenciou na sua extensa argumentação, exactamente para que não ficassem duvidas sobre a razão da sua opção e não sobre qualquer escolha arbitrária ou não justificada que a sustentasse.

Aliás a metodologia que o tribunal referiu no ínicio da sua sentença sobre a prova pericial onde refere (e bem ) que «concluindo-se  pela  coincidência dos dados de  facto  em que os peritos  sustentaram  o juízo pericial  com os  apurados   em  audiência de  julgamento  ou válidos  para  efeitos de decisão, terá o  juiz  que   fundamentar  a divergência» foi efectivamente levada a termo, na justificação concreta do caso, conforme já referimos.

Ora nesse sentido e para além de todas as considerações expressas na sentença sobre a discussão tida na audiência entre os peritos e o tribunal de forma a este ser totalmente esclarecido para a sua decisão, há que sublinhar e realçar que sobre a questão essencial em apreço (qual dos condutores deu causa ao acidente) o tribunal releva que «foi da conjugação de tudo isto que derivou o descontrolo do pesado de passageiros» [querendo referir-se, com «tudo isto» à fricção subjacente ao primeiro embate entre o veículo conduzido pela arguida e o autocarro, o afastamento e embate no rodado dianteiro esquerdo]. Ou seja o Tribunal ponderou todas as provas e concluiu a sua valoração no sentido de imputar à arguida e à condução que fez imprimir ao seu veículo a causa primeira do que ocorreu.  

Não se vislumbra, assim, qualquer vício que mostre qualquer erro de julgamento da matéria de facto, tendo em conta o artigo 412º n.º 3 do CPP, nomeadamente nos pontos impugnados pelo recorrente.

ii) Contradição entre factos provados [conclusões AS) a AU)]

Numa segunda dimensão do recurso a recorrente invoca a contradição entre os factos provados (Os pontos 7, 10, 11 e 12 da alegada contestação da arguida recorrente estão em manifesta contradição com o ponto 9° dos julgados provados atrás. Por outro lado o ponto 22 extraído do relatório do IMTT de que “não foi possível concluir estarem os pneumáticos traseiros em estado impróprio para circulação” está em manifesta contradição com o ponto 25 extraído da contestação da arguida de que alguns dos pneumáticos do autocarro continham desgaste chegando mesmo ao aparecimento da tela. Também nos factos não provados, a matéria factual da ai C) está em manifesta contradição com o ponto 23 dos factos provados, porquanto enquanto no ponto 23 dos factos provados se diz que a arguida agiu com falta de cuidado a que estava obrigada ao agir da forma descrita nos pontos anteriores, na ai C) é referido que por não se ter desviado de forma segura do autocarro foi pisar as guias sonoras, deixando pressupor que teve que se desviar do autocarro, não o fazendo contudo em segurança)

São três pontos que importa atentar.

Quanto aos pontos 7, 10, 11 e 12 da alegada contestação da arguida recorrente estão em manifesta contradição com o ponto 9° dos julgados provados atrás, ou seja, o julgado provado nestes pontos 7,10,11 e 12 da contestação oferecida pela arguida determinam que o tribunal Recorrido não pudesse dar como provado que o veículo conduzido pela arguida tenha pisado a guia sonora do lado esquerdo por razões não concretamente apuradas.

Sobre esta questão importa referir que o que se dá como provado referente aos pontos 7, 10, 11 e 12 da contestação da arguida, é apenas o que se diz nos relatórios da DE… Portugal e no relatório do LENEC/IMTT (sublinhado nosso). E isso são factos. Não que isso seja a realidade. Mas tais factos são as afirmações que estão contidas nos relatórios e não os factos que estão provados no ponto 9). Estes decorrem, como se viu da fundamentação expressa pelo Tribunal que levou em causa um conjunto probatório múltiplo. Não há qualquer contradição entre o que é dito nos relatórios (que em várias partes não são coincidentes) e o facto provado em 9).

Num segundo tópico diz a recorrente que o ponto 22 extraído do relatório do IMTT de que “não foi possível concluir estarem os pneumáticos traseiros em estado impróprio para circulação” está em manifesta contradição com o ponto 25 extraído da contestação da arguida de que alguns dos pneumáticos do autocarro continham desgaste chegando mesmo ao aparecimento da tela.

Também aqui apenas se revela uma aparente contradição que aliás o tribunal, sustentado nos relatórios juntos, esclarece na sentença (fls. 3342).

Está efectivamente provado que alguns dos pneumáticos do autocarro continham desgaste chegando mesmo ao aparecimento da tela. Mas, sublinha-se, alguns e não todos. Já no ponto 22 o que se diz é que não foi possível concluir estarem os pneumáticos traseiros em estado impróprio para circulação.

Ora quer do relatório elaborado pela GNR e da documentação fotográfica que aí consta quer do relatório elaborado pelos peritos do LENEC/IMTT é muito clara a identificação dos pneus com desgaste - pneus traseiros esquerdo interior e exterior [cf.  documento 103 do apenso IV (GNR) e fls 59 a 63 do relatório do LNEC (apenso III)].

Se é certo que o Tribunal deveria ter sido mais preciso no ponto 22 ao identificar concretamente quais os pneus com desgaste (e poderia tê-lo feito) o certo é que face à dinâmica do acidente e às conclusões unânimes sobre o facto de essa circunstância dos pneus com desgaste não terem tido qualquer influência no evento, leva a que não possa evidenciar-se nesta parte qualquer contradição insanável no sentido de inquinar patologicamente o processo, nomeadamente a influência dessa precisão da identificação dos dois pneus na ocorrência dos factos.

No terceiro e último tópico refere a recorrente que a matéria factual da alínea C) está em manifesta contradição com o ponto 23 dos factos provados, porquanto enquanto no ponto 23 dos factos provados se diz que a arguida agiu com falta de cuidado a que estava obrigada ao agir da forma descrita nos pontos anteriores, na alínea C) é referido que por não se ter desviado de forma segura do autocarro foi pisar as guias sonoras, deixando pressupor que teve que se desviar do autocarro, não o fazendo contudo em segurança).

Uma leitura cuidada dos dois factos em causa, sendo o primeiro um facto provado relativo ao tipo de culpa « Ao  agir  da  forma  descrita,  a  arguida  fê-lo  de modo livre e  voluntário, com a falta de  cuidado a   que estava  obrigada  e  de que  era  capaz  nas  circunstâncias concretas, segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais, sem representar  como possível – mas podendo e devendo fazê-lo - a ocorrência   do  resultado morte  dos  passageiros   identificados  de  20.1 a 20.17 e as lesões   físicas  em, pelo menos,  os passageiros  identificados  de 21.1 a 21.6, e, em consequência disso, a realização de tipo legal de crime» e o segundo um facto não provado também relativo à culpa, mas mais preciso, «Então, a arguida não se desviou do  veículo  pesado de uma forma atempada, segura e cuidadosa e, por  causa disso, foi pisar as guias de segurança que delimitavam a via de trânsito da esquerda da berma do lado esquerdo, só aparentemente estão em contradição na medida em que o segundo é mais restritivo do que o primeiro.

  O facto de não se ter dado como provado de uma forma precisa aquela dimensão do evento, não quer dizer que o facto provado, mais amplo e genérico, que imputa à arguida uma conduta negligente em relação à sua condução identificada noutros factos, não configura uma contradição insanável.

Daí que soçobre, nesta parte o recurso.

Importa apenas para explicitação da decisão referir que a recorrente estende-se nas conclusões AV a AZ num conjunto desconexo de afirmações que nada têm que ver com contradições sobre a matéria da «contradição entre factos provados» que intitula como segunda questão e que consubstanciam o vício do artigo 410º alínea b) do CPP. Daí que sobre essas considerações nada há a decidir, porque nada concluem sobre o vício assinalado.

iii) Alteração substancial dos factos

Suscita a recorrente nas suas conclusões o facto de no ponto seis da intitulada alteração não substancial dos factos apresentada em julgamento, constituir antes uma alteração substancial dos factos constantes da pronúncia, na medida em que tal ponto altera toda a factualidade do acidente, no que concerne à causa do mesmo, mormente do desvio da arguida para o lado esquerdo em plena ultrapassagem. Tal alteração que a arguida considera substancial, tem como consequência estar vedado ao Tribunal tomá-la em conta para efeito de condenação.

Sobre esta questão vejamos os factos.

Na audiência de julgamento ocorrida em 4.12.2990. o Tribunal proferiu o seguinte despacho: «da prova produzida em audiência de julgamento, até ao momento, e não havendo outra prova a produzir, da que foi indicada, e não se mostrando necessário ordenar oficiosamente a produção de qualquer outra, além e diferentemente do que consta na decisão de pronúncia, resultaram ainda os seguintes factos: [identificados na acta e na sentença]

Nos termos do artigo 358º n.º 1 do C.P. Penal, por se tratar de alterações não substanciais da factualidade descrita na dita decisão, dá-se a palavra aos Ils mandatários dos arguidos, para querendo, requererem o prazo estritamente necessário para a preparação da defesa».

Na acta da audiência consta imediatamente a seguir ao referido despacho que «foi concedida a palavra ao Il mandatário do arguido, que no seu uso disse: prescindo do referido prazo. De seguida foi concedida a palavra ao Il Mandatário da arguida que no seu uso disse: prescindo do referido prazo».

Sublinhe-se que nessa data foram proferidas as alegações e designado o dia 9 de Dezembro de 2009 para leitura do acórdão.

Importa antes de mais sintetizar o regime normativo das alteração de factos em processo penal, mecanismo fundamental quer no apuramento da verdade material como finalidade do processo penal, quer como inequívoca garantia de defesa do arguido perante um processo penal leal, justo e democrático.

Assim esta matéria encontra-se regulada nos artigos 303º, 358.º e 359.º do Código de Processo Penal (CPP), que distinguem entre “alteração substancial” e “alteração não substancial” dos factos descritos na acusação ou pronúncia, fazendo, assim, apelo à definição constante do artigo 1.º, alínea f), do CPP, segundo a qual se considera alteração substancial dos factos “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis."

O artigo 359.º determina que uma alteração da factualidade descrita na acusação (a alteração substancial) não pode ser tomada em conta pelo tribunal, para efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância (n.º1). Tratando-se de novos factos autonomizáveis em relação ao objecto do processo, a comunicação da alteração ao Ministério Público vale como denúncia (n.º2). Ressalva-se a  possibilidade de acordo entre o Ministério Público, arguido e o assistente na continuação do julgamento se o conhecimento dos factos novos não acarretar a incompetência do tribunal (n.º3), concedendo-se então ao arguido, sob reque­rimento, um prazo para preparação da defesa não superior a dez dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário (n.º 4). Se a alteração dos factos for simples ou não substancial, isto é, tal que não deter­mine uma alteração do objecto do processo, então o tribunal pode investigar e integrar no processo factos que não constem da acusação e que tenham relevo para a decisão do pro­cesso.

A lei exige apenas, como condição de admissibilidade, que ao arguido seja comunicada, oficiosamente ou a requerimento, a alteração e que se lhe conceda, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa (artigo 358.º, n.º 1), ressalvando, porém, o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa (n.º2).

O n.º3 do artigo 424º do CPP estabelece que sempre que se verifique uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias.

A condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos naqueles artigos 358º e 359º, acarreta a nulidade da sentença (artigo 379º, n.º1, al. a) do CPP).

No caso sub judice importa antes de mais verificar que o que ocorreu na audiência de 4.12.2009 foi uma elencagem de factos não constantes na pronúncia dos arguidos relativos à imputação de 17 crimes de homicídio por negligência p.p. pelo artigo 137º n.º 1 e 30º n.º 1, três crimes de ofensa à integridade física por negligência p.p. pelo artigo 148º n.º 1 e 30º n.º 1 e três crimes de ofensa à integridade física por negligência p.p. pelos artigos 148º n.º n.º 1 e 3, por referência ao disposto no artigo 144º alíneas b) e d9 e 30º nº 1, relativos ao desenrolar da dinâmica do um evento estradal em causa.

O tribunal imputou apenas à arguida (e não ao arguido) um conjunto de factos que não constavam na pronuncia nos termos precisos agora identificados, mas que se inseriam ainda no âmbito dos factos pelos quais a arguida estava, juntamente com o arguido F Serra, pronunciada.

Trata-se, aliás, de factos que consubstanciam uma versão causal do acidente referente apenas à imputação causal do desenrolar do evento ao veículo conduzido pela arguida.

A factualidade consubstanciadora da natureza e tipo de crimes imputados é, no entanto, a mesma sendo igualmente a qualificação jurídica dos crimes também a que constava já na pronúncia.

Não se verificando, no caso, uma qualquer alteração da qualificação jurídica dos factos imputados, está em causa uma alteração factual da pronúncia envolvendo circunstâncias factuais novas que apenas explicitam o modo de actuação da arguida no desenrolar do evento, a questão está em saber se estamos no domínio de uma alteração substancial não substancial de factos e o que fazer em tal situação.

O C.P.P. de 1987 distingue, no âmbito da alteração dos factos, as situações em que a alteração é substancial daquelas em que não é substancial. O artigo 1º, nº 1, alínea f), define “alteração substancial dos factos” como aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

As disposições fundamentais a considerar, na fase do julgamento, no tocante a esta matéria, são os artigos 358º e 359.º.

Estatui o artigo 358.º, relativo à alteração não substancial de factos descritos na acusação ou na pronúncia: «1. Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente para a preparação da defesa. 2. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa. 3. O disposto no nº 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.»

De acordo com o S.T.J., em acórdão de 21 de Março de 2007 (processo 07P024, www.dgsi.pt): «Alteração substancial dos factos significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa. É este o sentido da definição constante do artigo 1º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal para “alteração substancial dos factos”, que se apresenta, assim, como um conceito normativamente formatado: “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”. A alteração substancial dos factos pressupõe, pois, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.»

Quando os factos novos não tenham como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, mas sejam relevantes para a decisão, a alteração deverá ser considerada não substancial e o seu conhecimento pressupõe, por isso, o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º, n.º1, do C.P.P.

Como se referiu, no caso o que aconteceu foi que o Tribunal, efectuou uma alteração factual da pronúncia envolvendo circunstâncias factuais novas que apenas explicitam o modo de actuação da arguida no desenrolar do evento. Trata-se, segundo a terminologia do TC, de «factos atinentes ao modo de execução do crime, que, embora decorrentes do meio de prova junto aos autos, para os quais a acusação ou a pronúncia expressamente remetiam, não se encontravam aí especificadamente enunciados, descritos ou discriminados – Ac. TC n.º 674/99, de 1999/Dez./15 [DR II 2000/Fev./25].

Pelo que parece claro que no caso estamos perante uma alteração não substancial dos factos. E nessa medida, a comunicação do tribunal, nos termos em que foi efectuada afigura-se absolutamente correcta.

Ora seguindo-se a tal comunicação efectuada pelo tribunal a possibilidade da arguida (e também do arguido) puderem exercer o seu direito de defesa, como está bem demonstrado nos autos, então todo o procedimento efectuado foi adequado não existindo qualquer patologia que permita questionar a legalidade do processado. Aliás a arguida não recorreu qualquer prazo nem em momento algum questionou a decisão.

Daí que a arguição de nulidade, por violação do artigo 359º n.º 1 do CPP não tenha nenhum fundamento.

Assim, nesta parte vai indeferido o recurso.

iv) Inquirição de perito como testemunha;

Suscita a recorrente numa outra dimensão do recurso, na sua conclusão AAC) a questão da audição, em audiência de julgamento, da testemunha Eng.S, sendo que foi indicada como perito. Segundo o recorrente, não vindo a ser determinada a sua audição enquanto tal, foi violado o disposto no art 154 n° i C.P.P.

Como se sabe, no domínio dos meios de prova, o CPP estabelece a distinção clara entre o que é um perito (153º), uma testemunha (128º) e um consultor técnico (155º).

A testemunha é inquirida sobre factos de que possua conhecimento directo e que constitua objecto de prova sendo o seu depoimento sujeito a prestação de juramento.

O perito intervém no processo penal quando se torna necessário a percepção  ou a apreciação de factos  que exijam especiais conhecimentos  técnicos, científicos ou artístico, devendo ser nomeado pelo Tribunal e prestando um compromisso perante  a autoridade judiciária sobre o exercício das suas funções. Podem ser-lhe exigidos esclarecimentos pelos vários sujeitos processuais em qualquer altura do processo.

O consultor técnico, que não é necessariamente um perito, acompanha o MP, o arguido, o assistente ou a parte civil na realização das perícias, não intervindo como sujeito processual com estatuto próprio.

Ora no caso do cidadão em causa, Eng. S , foi o mesmo arrolado na contestação efectuada pela arguida para ser ouvido como perito. Tal contestação, em globo, foi admitida, «bem como a prova indicada», conforme despacho de fls. 2991. Curiosamente, por despacho de 24.09.2009 é rectificado o anterior despacho relativo à prova requerida pela arguida, em que a audição de um «Eng,. P C» (admitido como testemunha, juntamente com a testemunha S ) fosse rectificada para prestar esclarecimentos como perito (fls. 3005). Em audiência de julgamento, o cidadão S  foi ouvido na sessão de 20.11.2009, como «perito na qualidade de testemunha», sendo que prestou juramento legal (cf. 3186).

Sublinhe-se desde já que nem na data em que foi ouvido nem posteriormente pela ora recorrente nem por nenhum outro sujeito processual foi questionado o procedimento adoptado na inquirição do cidadão como testemunha.

Ora desde já se diga que independentemente dos conhecimentos da pessoa em causa, o certo é que ela foi arrolada como testemunha e ouvida como tal, pese embora o «epíteto» que consta na acta de «perito na qualidade de testemunha». Audição aliás que foi coonestada pela arguida e nunca foi posta em causa.

Daí que não tendo a testemunha em causa sido em momento algum nomeado como perito por qualquer autoridade judiciária nos autos não poderia ser ouvido como tal.

Questão diferente é a valorização das suas declarações como testemunha, provavelmente com conhecimentos especificamente sedimentados sobre as matérias em que depôs, e que o tribunal certamente valorou livremente, como aliás decorre da sentença, levando em consideração esses conhecimentos.

Valoração diferenciada que não pode só por si atribuir-lhe directamente um estatuto processual que nunca teve.

Em síntese, não foi violada qualquer norma sobre a matéria, carecendo, por isso, de razão a recorrente. 

v) Existência de um único crime de homicídio por negligência.

Sobre esta dimensão do recurso, conclui a recorrente que a ser punida, a arguida deveria tê-lo sido apenas por um único crime de homicídio negligente.

A questão suscitada pela recorrente, de que a actuação negligente no exercício da condução da qual resulta a morte de várias pessoas configura um único crime e não uma pluralidade de infracções (tantas como o número de vítimas) foi, num passado recente, mais do que actualmente, objecto de alguma divergência dogmática e mesmo jurisprudencial.

Tratando-se de matéria inequivocamente explicitada na sentença (e muito bem explicada, diga-se) sintetiza-se apenas o que aí é referido.

 De um lado, aqueles que consideram, «estarmos perante um único crime de homicídio culposo, de resultado múltiplo, que, não tendo sido previstos os resultados típicos, não é possível formular mais que um juízo de censura por cada comportamento negligente, pelo que a pluralidade de eventos típicos não corresponde pluralidade de infracções, independentemente de, no plano naturalístico, lhe corresponder apenas uma acção ou omissão, isto é, de estarmos perante um concurso ideal. Não é, por isso, razoável desdobrar o juízo de censura, em que se analisa a culpa, tantas vezes quantos os bens jurídicos violados, visto que não houve outras tantas resoluções tomadas pelo arguido ou que se poderia esperar que ele tomasse. Entender de outro modo seria deixar entregue a intenção normativa consubstanciada no ilícito-típico à aleatoriedade do acontecer natural, dependendo no fundo do elemento fortuito de no local se encontrarem uma ou mais pessoas (vejam-se, neste sentido o Ac. da  RP, de  29.05.2002, relator COSTA  MORTÁGUA, in www.dgsi.pt.

 De outro lado, a maioria da jurisprudência, sustenta que o resultado verificado (morte e ofensas corporais, danos…) é o que se pretende evitar com as normas infringidas em causa, ou seja os artigos 137.º e 148.º, do CP. O art. 30.º, n.º 1, do C.Penal não faz qualquer distinção entre dolo e negligência, nem entre negligência consciente e inconsciente, para decidir do concurso de crimes, preceito este que teve por fonte principal o art. 33.º do Projecto de Parte Geral do Código Penal de 1963, que acolheu a solução de EDUARDO CORREIA sobre a unidade e pluralidade de infracções. De acordo com este autor a teoria naturalística, segundo a qual a unidade da conduta é o índice da unidade do crime, não é de acolher, pois conduziria a decidir o número de crimes pelo número de acções, conduzindo a soluções inaceitáveis em casos de concurso ideal quando, com uma só acção, se viola uma pluralidade de normas (concurso ideal heterogéneo), ou várias vezes a mesma norma (concurso ideal homogéneo). Segundo  EDUARDO CORREIA (Direito Criminal, Vol. II, pág. 200.), «se acção tem uma estrutura não naturalística, mas valorativa (é a negação de valores ou interesses pelo homem), há-de ser o número de acções assim entendidas que há-de determinar a unidade ou pluralidade de infracções. Ou por outras palavras: o número de infracções determinar-se-á pelo número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa actividade. Pelo que se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só actividade, isto é, de estarmos perante um concurso ideal. Inversamente, se um só valor é negado, só um crime existirá, já que a específica negação de valor que no crime se surpreende reúne em uma só actividade todos os elementos que o constituem. Pluralidade de crimes significa, assim, pluralidade de valores jurídicos negados». Outro  argumento  (de ordem  literal)  alicerça-se no art. 30.º, do C.Penal, que  trata da mesma forma os casos de concurso real e de concurso ideal de infracções, independentemente da natureza  dolosa ou  negligente do comportamento relevante ou, dentro deste  último,  da  consciência  ou  inconsciência  da actuação. Do texto do art. 15º, do C.Penal, extrai-se que a negligência consiste na omissão de um dever de cuidado, adequado a evitar a realização de um tipo legal de crime, que se traduz num dever de previsão ou de justa previsão daquela realização, e que o agente (segundo as circunstâncias concretas do caso e as suas capacidades pessoais) podia ter cumprido. O que se pune na negligência não é a vontade do resultado que, por definição falta, mas sim o resultado ou lesão do bem ou bens jurídicos violados com a conduta negligente.O mesmo é  dizer  que, actuando com  negligência, se pune o agente  por não ter querido, em face do conhecimento de que certos resultados são puníveis, preparar-se para, perante de certa conduta perigosa, os representar justamente (negligência consciente) ou mesmo para os representar (negligência inconsciente) (cf. Eduardo Correia, A teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, Coimbra, Ed. de 1983, pág. 109.

Em texto especificamente orientada para o tratamento da questão, PEDRO CAEIRO e CLÁUDIA SANTOS (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, Fascículo 1.º, pág.133 e seguintes) sustentam que a qualificação do resultado nos crimes negligentes não é uma condição objectiva de punibilidade; que o art. 30.º, n.º 1 do Código Penal, ao contrário do Código Penal alemão, não faz distinção na punição entre concurso real e concurso ideal homogéneo e heterogéneo; e que o princípio da culpa não afasta a pluralidade de infracções, pois se o agente devia prever a produção das consequências do seu acto, esse dever tanto se verifica em relação a uma violação como a várias (no mesmo sentido, REIS BRAVO, "Negligência, unidade de conduta e pluralidade de eventos", Revista do Ministério Público, n.° 71, 3° semestre de 1997, p. 97). Na Jurisprudência, vejam-se, os Ac. RP, de 5/1/2000 (BMJ n.º 493, pág. 416) e de 24/11/2004 (C.J., ano XXIX, 5.º, pág. 213); Ac. RC, de 29/3/2000 (C.J., ano XXV, 2.º, pág. 48), 23/11/2005, proferido no Proc. n.º 2398/05, acessível in www.dgsi.pt ; Ac. RE, de 24/6/2003 (C.J., n.º 167, pág. 267); Ac. RL, de 14/9/2007, proferido no Proc. n.º 2274/2007-5 e 16/5/2007, proferido no Proc. n.º 0645774, acessíveis in www.dgsi.pt e Ac. STJ, de 22/11/2007, proferido no Proc. n.º 05P3638, acessível in www.dgsi.pt . Também, os Acs. da . RP 24.11.2004, da RC, de 04.06.2008, de 23.11.2005, e da RP, de 15.04.2009 e de 16.05.2007, (com votos de  vencido), da RL, de  14.09.2007, e o Ac. da RG de 19.10.2009, todos  in www.dgsi.pt.

Enquanto crime material ou de resultado, o tipo-de-ilícito do crime de homicídio negligente consiste em causar a morte a outra pessoa, sendo nesta medida necessário que ao desvalor da violação do dever objectivo de cuidado criador ou potenciador de um risco proibido - acto agressor - corresponda de forma directa e necessária o desvalor de resultado - a morte de outra pessoa.

A produção do resultado típico é, por isso, elemento do tipo, sendo absolutamente relevante para o seu preenchimento.

Por outro lado, e já ao nível da culpa, a punição a título de negligência impõe que seja possível dirigir ao agente um juízo de censura ético jurídico por não ter actuado com a diligência necessária e devida. Contudo, se for possível concluir que o agente estava em condições e tinha capacidade para prever e evitar uma pluralidade de resultados, terá de se censurar a sua conduta por negligência tantas vezes quantas as lesões jurídicas causadas.

Ou seja, o juízo de censura nos crimes negligentes assenta na possibilidade de ter previsto e evitado o/s resultado/s, de tal forma que se efectivamente tivesse previsto o/s resultado/s seria punido já não a título de negligência inconsciente mas antes de negligência consciente ou de dolo eventual, consoante a sua atitude de conformação perante a realização da consequência da sua conduta.

Por último, cumpre evidenciar que ainda que a acção seja única, a morte de várias pessoas corresponderá a um concurso ideal homogéneo e, necessariamente, a uma pluralidade criminal, tal como decorre do disposto no art. 30°, n.º1, do C. Penal, norma que equipara o concurso ideal ao concurso real. Não é o facto de estar em causa a violação plúrima de bens jurídicos da mesma natureza que afasta o concurso efectivo de vários crimes de homicídio negligente.

Se o agente, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado, representar a realização de um facto que preenche a realização de um tipo legal de crime e, ainda assim, actuar sem se conformar com essa realização ou não chegar, sequer, a representar essa possibilidade, ele é de censurar tantas vezes quantas esse dever de cuidado produziu aquela.

Em síntese é absolutamente acertada a decisão da primeira instância que entendeu a conduta da arguida como autora de 17 crimes de negligência, tantos quantos as vítimas mortais que provocou a sua conduta negligente, assim como na conduta respeitante aos 6 crimes contra a integridade física que cometeu.  

vi) Sanção acessória [conclusões AAD) e AAE)]

A recorrente vem invocar que após a entrada em vigor da Lei 77/2001 de 13/07 que deu nova redacção ao art 69 n° 1 ai a) C. Penal, deixou de ser aplicável a aplicação de sanção acessória de inibição de conduzir por crime cometido na condução automóvel com ou sem grave violação das regras estradais.Tendo sido a arguida condenada pelos crimes de homicídio negligente e de ofensas à integridade física negligentes, e pela contraordenação do art 38 n°s 3 e 4 C. Estrada, é indubitável que aqueles foram cometidos no exercício da condução, e, sendo-o, não pode haver lugar à aplicação da sanção acessória.

A arguida foi condenada, para além da autoria dos crimes de homicídio negligente e ofensas à integridade física por negligência, pela prática de uma contraordenação p. e p. pelos artigos 38º, n.ºs 3 e 4, 146º, h) e 147º, todos do C. Estrada,  e 17º, n.º 2, do  Regime Geral das Contraordenações e Coimas, na   coima de €220, 00, e  na sanção acessória de  inibição de  conduzir, pelo período de 10 meses.

O equívoco do recorrente decorre do não entendimento da condenação em que foi sujeita a arguida, nesta parte.

Recorde-se que a arguida foi acusada, pronunciada e condenada por factos que, para além das condutas criminosas já apreciadas, configuravam uma contra-ordenação muito grave nomeadamente a prevista no artigo 38º n.º 3 e 4 do CE [«o condutor deve retomar a direita logo que conclua a manobra e o possa fazer sem perigo» (quando efectua uma manobra de ultrapassagem)], por referência aos artigos 145º n.º 1 alínea f) e 146º h) [a infracção ocorreu numa auto-estrada]. Tal infracção é punida com coima a que acresce a sanção acessória, nos termos do artigo 147º do CE.

Ou seja, conforme se diz no Ac. da Relação de Coimbra de 10-2-2010, Uma coisa é a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69º do CP. Outra bem diversa é a sanção acessória de inibição de conduzir (artigo 147º do CE), sendo destinada a sancionar, acessoriamente, a prática de contra-ordenações graves e muito graves, sendo mais uma medida de segurança administrativa.

É certo que após a entrada em vigor da Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, e como decorre da redacção dada à alínea a), do n.º 1, do art. 69°, do Código Penal, deixou de ser aplicável a pena acessória de proibição de conduzir por crime cometido no exercício da condução de veículo com motor com grave violação das regras de trânsito rodoviário. Por isso, no caso de crime cometido no exercício da condução de veículo automóvel, designadamente de homicídio por negligência, aquela sanção acessória só poderá ser aplicada caso o agente haja cometido, concomitantemente, o crime previsto no artigo 291º, do Código Penal (condução perigosa de veículo rodoviário) ou o crime previsto no artigo 292° (condução em estado de embriaguez) – v.g. Acórdão da Relação de Coimbra de 23/1/2002, CJ,I-43 -, o que não é o caso dos autos.

Na situação em apreciação, repete-se, a arguida foi acusada, pronunciada, julgada e condenada pela prática de uma autónoma contra-ordenação muito grave em relação aos factos criminosos pelos quais foi acusada, pronunciada e condenada.

E a tal condenação corresponde, para além da coima, a sanção da inibição de condução, com a duração mínima de dois meses e máxima de dois anos, visto que se trata de uma contraordenação muito grave (cf. artigo 147º n.º 2 do CE).

Daí que não assista razão à recorrente, também nesta parte do recurso.

                                                           *

Em síntese final sobre o recurso da arguida importa concluir pela sua total improcedência.

B. Recurso do assistente

As questões a apreciar, neste recurso, como se referiu, são: (i) impugnação da matéria de facto por erro de julgamento sobre factos (ponto 9); ii) erro notório na apreciação da prova; (iii) valor da prova pericial; (iv) absolvição de contraordenações; v) crime de condenação de condução perigosa de veículo rodoviária; vi) violação do artigo 127º do CPP; vii) pena aplicada à arguida.

(i) impugnação da matéria por erro de julgamento sobre factos (ponto 9).

Nesta primeira dimensão do recurso interposto pelo assistente, face ao teor das suas conclusões sobre esta questão (conclusões 1 a 25) há que sublinhar que está em causa, segundo o recorrente fundamentalmente a sua discordância quanto aos factos provados que imputaram o desencadear do acidente à arguida sendo que segundo a sua versão «há elementos suficientes para dar como provado que o despiste do ligeiro, conduzido pela Arguida, não ocorreu apenas por descuido, imperícia e negligência desta, deu-se, também, pela invasão da faixa de rodagem em que seguia pelo autocarro, conduzido pelo Arguido, em medida concretamente não apurada, mas que poderá chegar aos 50 centímetros».

Da análise da sua argumentação importa desde já verificar, no entanto, que o recorrente, para chegar a essa conclusão, não questiona a prova produzida nem se socorre de provas diversas daquelas que fundamentaram a decisão, valendo-se tão só duma interpretação divergente dos meios de prova utilizados pelo tribunal, maxime dos relatórios periciais apresentados e dos esclarecimentos efectuados pelos peritos e consultor técnico sobre a matéria.

Daí que como questão prévia ao conhecimento desta dimensão do recurso, e tendo em conta o que acima (no recurso da arguida) foi dito sobre o âmbito do recurso da matéria de facto, exactamente sobre a mesma questão, também aqui está em causa, apenas e só a diversa valoração das provas produzidas efectuada pelo recorrente em relação à valoração das mesmas provas efectuada pelo Tribunal. E é nesse sentido que se conhece o recurso, nesta dimensão.

Daí que apreciar-se-á o recurso do assistente, nesta parte, levando em consideração apenas a argumentação nova por si aduzida, em relação ao recurso da arguida, nesta parte já conhecido.

Sublinhe-se nesta parte tudo o que foi dito no ponto i) do recurso da arguida quanto à valoração global das provas que sustentaram a decisão (e que se não repete) e sobretudo o que foi dito sobre as perícias.

Assim sobre esta prova, insiste-se, o Tribunal não valorou automaticamente os relatórios periciais juntos (uma perícia e um parecer técnico) e ouviu e ponderou as explicações dadas em audiência pelos peritos e as suas razões para as afirmações /conclusões sobre o modo como as circunstâncias ocorreram.

Repete-se, igualmente, que as dúvidas postas pelo Tribunal quer aos peritos que elaboraram o relatório do IMTT quer ao relatório da DE… e que fundadamente evidenciou na sua extensa argumentação, foram absolutamente pertinentes e colocadas exactamente para que não ficassem duvidas sobre a razão da sua opção e não sobre qualquer escolha arbitrária ou não justificada que a sustentasse.

Ora o recorrente insiste nas reservas que se lhe colocam o relatório elaborado pelos peritos essencialmente pelos dados em que assentou, sobre um ponto especifico (a distância da marca do pneu do autocarro de passageiros) não corresponder à distância que foi determinada pela GNR quando elaborou o croquis e o seu relatório e sobre o qual se basearam as perícias. E a partir daí constrói uma hipótese de trajectória do veículo em causa que refere que «a possibilidade do autocarro não vir da faixa da esquerda é apenas pura e simplesmente académica», o que lavaria à conclusão de que teria sido o veículo pesado em causa a invadir a faixa de rodagem onde circulava a arguida.

Ora as questões suscitadas pelo recorrente a propósito da prova pericial e do que deveria ser a vinculação de um relatório pericial à decisão impõem que se teçam algumas considerações mais aprofundadas sobre a prova pericial, o juízo que sobre ela pode fazer-se e a sua vinculação.

Como meio de prova legalmente admissível no processo penal penal português, a prova pericial tem lugar quando a percepção ou a apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos e científicos, segundo o artigo 151º do CPP.

            O que está em causa, no meio de prova em causa, é a apreciação de determinada factualidade, através da emissão de um juizo valorativo sobre os factos, especialmente dotado por virtude dos específicos conhecimentos de quem sabe por ter conhecimentos credenciado sobre a matéria em causa.

O sistema de prova pericial estabelecido no CPP, não se sobrepondo totalmente ao sistema germânico ou italiano, encontra-se, conjuntamente com aqueles regimes processuais, inserido na grande «família» dos sistemas de «perícia oficial» claramente contraposto ao sistema pericial vigente no commom law, de perícias contraditórias, onde os peritos desempenham as suas funções sob a orientação de cada uma das partes do processo perante o tribunal.

 Não obstante, evidenciam-se algumas aproximações com o sistema de commom law, nomeadamente através do exercício do contraditório, que impõe uma maior credibilidade ao sistema de perícia oficial, tendo por base a finalidade principal do objecto da prova, ou seja a descoberta da verdade.

A contraditoriedade no sistema de prova pericial, tendo em conta a relevância que cada vez mais este tipo de prova assume na investigação criminal e consequentemente no âmbito da procura e determinação da verdade, é por isso um elemento fundamental para a credibilização e valorização da prova cientifica. Esse é aliás o caminho que vem sendo seguido no âmbito do TEDH (neste sentido veja Ann Jacobs, «L’Arrêt Cottin c. Belgique ou l’irrésistible marche vers l’expertise contradictoire en matiére penal», Revue Trimestrelle des Droits de l’Homme, 18éme Année, n.º 69, Janvier, 2007, p. 215).

A dimensão contraditória, no ordenamento processual penal português está presente em todo o procedimento normativo que leva à realização da perícia e sobretudo no âmbito da dimensão que o legislador quis atribuir ao valor da prova pericial.

Não só no âmbito da possibilidade de assistência à perícia (artigos 155º do CPP) como sobretudo a possibilidade de solicitar esclarecimentos à perícia efectuada (artigo 158º do CPP), a admissibilidade do contraditório mostra que o que se pretende é atribuir uma exigência de grande credibilidade à perícia, de modo a que o seu valor probatório assume aquele dimensão que o legislador quis concretizar: a vinculação da prova ao julgador, decorrente da subtracção do seu valor ao principio da livre apreciação da prova, dentro de determinados limites.

O valor atribuído à prova pericial não está, no entanto, imune às exigências de um processo democrático onde a livre apreciação da prova assente num efectivo contraditório assume um papel fundamental.

Como se sabe, presumindo-se que o juízo técnico cientifico inerente à prova pericial está subtraído à livre apreciação da prova, a divergência sobre aquele juízo deve ser fundamentada.

Resta acrescentar que o princípio do contraditório assume nesta dimensão da prova pericial um valor essencial, num tempo em que existindo uma enorme dimensão de métodos científicos há, simultaneamente uma cada vez maior abertura à chamada junk science. A necessidade de controlar quem são aqueles que emitem juízos científicos e qual a sua credenciação no meio cientifico é proporcional ao aumento da sua importância estatística. Daí a relevância do contraditório.

Como refere Roxin, «o tribunal não pode adoptar na sentença os resultados do perito sem os controlar» - cf. Derecho Procesal Penal, Ediciones del Puerto, Buenos Aires, p. 239.

Ou seja não se deve permitir que a ciência transite sem qualquer controlo cognitivo para o processo sendo que o exercício do contraditório assume-se como um dos caminhos (juntamente com a fundamentação divergente) para controlar essa transição.

Finalmente importa referir que o princípio do contraditório é um princípio básico do processo penal português, com consagração constitucional (art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa) e significa que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar. Neste sentido exige-se, de acordo com o artigo 327º n.º 2 do CPP, no que respeita à produção de provas, que toda a prova deve ser, por regra, produzida em audiência pública e segundo um procedimento adversarial (cf. neste sentido o Ac RC de 17.03.2009 in  www.dgsi.pt).

Das considerações que vêm sendo efectuadas e da sua relação com o que está em causa, retira-se que no caso o Tribunal no seu processo valorativo da prova pericial (e aqui a perícia é apenas o relatório elaborado pelo IMTT e IST) não foi efectivamente «surdo e cego» às questões que no domínio do exercício do contraditório foram suscitadas, com pertinência, pelo recorrente (os esclarecimentos prestados na audiência de julgamento assim o demonstram, como o demonstra o que é dito na sentença sobre a matéria).

Sublinhe-se, nesta parte que as reservas que o recorrente agora suscita sobre as medidas relativas à marca de bloqueio da roda traseira do veículo que constavam no relatório pericial foram, em audiência objecto de análise e mesmo apreciação critica por parte dos vários sujeitos processuais.

  Igualmente o Tribunal não omitiu a dimensão técnica e especializada do parecer elaborado pelo DE.., junto por um dos sujeitos processuais, ao abrigo do artigo 165º nº 3.

A fundamentação em que o Tribunal sustentou a sua decisão, em relação à valoração da prova pericial, está em absoluto acordo com o que vem sendo dito. Repete-se que se disse supra (no recurso da arguida): o tribunal sustentou a sua decisão na conjugação de vários meios de prova e não apenas na prova pericial (depoimento da arguida, depoimento das testemunhas que circulavam na sua viatura e depoimento das testemunhas que circulavam no autocarro; relatórios do IMM e da DE.. e documentos elaborados pela GNR onde se sustentaram; esclarecimentos dos peritos e testemunhas). Foi com base na análise crítica desta provas que chegou à conclusão sobre a matéria de facto provada.

A complexidade do caso levou o Tribunal a ponderar todo o conjunto probatório e não a seguir automaticamente uma qualquer dimensão tecnológica que no domínio virtual elaborou simulações do acidente.

Tais meios, sendo absolutamente legítimos, são no entanto auxiliares da compreensibilidade pelo Tribunal do modo como se desenrolam os fenómenos físicos.

Daí que se é certo que numa determinada simulação efectuada, a trajectória do veículo pesado de passageiros conduzida pelo arguido poderia ser diferente de uma outra isso só por si não pode ser suficiente para atribuir-lhe a causa de um determinado evento, quando existem outras provas valoradas pelo tribunal que não suportam essa simulação. E é isso que decorre da fundamentação da sentença e da prova em que se sustenta.

Sublinhe-se ainda que, o que pretende o recorrente é que, com base nessa sua construção sobre um determinado ponto da prova pericial seja possível o Tribunal condenar alguém, na medida em que seria daí que se concluiria que o arguido conduzia o seu veículo com falta de atenção, cuidado e perícia e invadiu a faixa de rodagem onde seguiria o veículo conduzido pela arguida.

Ora do conjunto de provas produzidas em que se sustenta a decisão não há qualquer outra prova que sustente essa pretensão do recorrente.

Aliás o Tribunal, na sua fundamentação, refere, contrariando a posição assumida pelo agora recorrente na altura, que, não obstante  a arguida  C o   haver  afirmado -  tendo  sido a  única -, face  às  dúvidas  levantadas pelo relatório pericial, perante as incongruências das próprias declarações  daquela e  do estudo  computacional  que  veicula  a  sua posição nestes autos, não poderíamos dar por  assente a invasão  da  faixa da esquerda pelo  autocarro, nos  décimos de segundo anteriores  ao 1º embate».

Daí que, em conclusão, não se verificam os vícios alegados pelo recorrente nesta parte do seu recurso.

ii) Erro notório na apreciação da prova (conclusões 26 a 28).

Sobre esta dimensão do recurso, o recorrente mais não faz do que repetir o que alegou nas conclusões anteriores, invocando nesta parte que verifica-se tal erro, dado que o Tribunal não deu como provado que o acidente se ficou a dever ao facto do Arguido ter conduzido o seu veículo com falta de atenção, cuidado e perícia, nomeadamente, não se apercebendo que se encontrava a ser ultrapassado pelo veículo ligeiro de passageiros e, não obstante dever circular junto à berma direita da via direita em que seguia, ao descrever a curva para a esquerda, invadiu parcialmente a via de trânsito da esquerda por onde seguia o veículo ligeiro de passageiros, levando a sua condutora a desviar-se para a esquerda e a pisar a guia sonora que delimita à esquerda essa mesma faixa de rodagem, (…) e ao considerar que o acidente se deveu, apenas, ao facto da Arguida ter conduzido o seu veículo com falta de atenção, cuidado e perícia, nomeadamente, porque circulando a velocidade superior a 120 km/h na via de trânsito da esquerda, não se desviou de uma forma atempada, segura e cuidadosa do veículo que invadia a sua via de trânsito, quando tinha espaço para isso, e por, já em reacção à vibração e ruído resultantes do pisar da guia sonora que delimita à esquerda a faixa de rolamento da esquerda, ter accionado bruscamente o sistema de direcção para o lado direito.

Ora toda a argumentação expressa pelo recorrente para fundar a alegação de tal erro sustenta-se na errada aplicação de várias normas relativas à prova, designadamente os artigos 127.°, 163.°, 165.°/3 e 155.° do CPP.

A argumentação apresentada pelo recorrente foi já dissecada no ponto anterior do recurso, nomeadamente a questão crucial da prova pericial e do seu valor, como elemento relevante na prova da factualidade em causa (a causa do acidente) face ao princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no artigo 127º. Nada mais invoca o recorrente que suporte alegação de tal «pretenso» erro.

Ora, da decisão sobre tais matérias decorre, agora em síntese e enfatizando o que foi expressamente referido, que não houve qualquer errada aplicação das normas relativas à prova pelo Tribunal e, por isso não se vislumbra qualquer erro notório na apreciação da prova quanto à questão invocada.

iii) Valor da prova pericial (conclusões 29 a 34).

Sobre esta questão, inserida ainda no âmbito da matéria relacionada com a perícia efectuada pelo IMTT/IST, o recorrente vem alegar e concluir que o Tribunal a quo poderia fundamentar uma divergência face ao constatado pelos peritos no relatório pericial com os elementos que dispunha nos autos(…). Não estando em causa um juízo técnico-cientifico com o sinal de certeza requerido, apenas se formulando possibilidades, ainda por cima visível e confessadamente remotas, inclusive de rigor duvidoso, a força vinculativa própria da chamada prova tarifada não é absoluta(…) o mesmo é dizer que terá de se fazer intervir o princípio da livre apreciação da prova inserto no artigo 127.° do CPP, afastando-se a aplicação do artigo 163.° do CPP. Ao não ter interpretado como referido, o douto Acórdão violou as duas referidas normas.

Só uma incompreensão da decisão permite efectuar as conclusões que sobre esta matéria são formuladas.

Assim, o Tribunal sustentou toda a sua deliberação probatória em obediência ao princípio da livre apreciação da prova e por isso valorou as provas já referidas (depoimento da arguida, depoimento das testemunhas que circulavam na sua viatura e depoimento das testemunhas que circulavam no autocarro; relatórios do IMM e da DE… e documentos elaborados pela GNR onde se sustentaram; esclarecimentos dos peritos e testemunhas ) e não apenas uma delas de forma absoluta.

De igual modo em lado algum da sua decisão o Tribunal assume acriticamente a questão da prova pericial.

É muito clara a sentença quando, sobre a questão do valor da prova pericial que utiliza, para além das referências teóricas que faz sobre a mesma, refere na fundamentação a propósito do facto 9 (o que é questionado pelo recorrente) que relatório pericial, nessa  parte  corroborado pelo relatório apresentado  pela SGS, e, quanto  às  medidas das marcas,  também pelo relatório  da GRT5/DT55 e da DE.. Portugal. Em particular, no concernente aos  10  cms., regista-se  divergência   face  ao  relatório pericial, a qual, porém,  como    se  veio a concluir da  sessão de  audiência de julgamento de  27.11.2009,  não    se  mostra  abalado, no seu  juízo pericial  de  indemonstração da  inevitabilidade  de  invasão  da   faixa de  rodagem da esquerda, por  parte  do autocarro,  a cerca de   5  metros atrás  do referido Km. 77, 200, prolongando o  ângulo  de  5% da  marca   rodoviária  deixada  pelo referido pneumático deste  veículo.

Daí que a pretensa violação de qualquer norma referente à valoração da prova pericial não tenha qualquer fundamento, resultando por isso improcedente esta dimensão do recurso.

iv) Crime de condenação de condução perigosa de veículo rodoviária.

Pretende o recorrente que o arguido F., absolvido como foi dos crimes pelos quais veio pronunciado, deveria ter sido condenado, no mínimo, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na sua forma negligente, nos termos do artigo 291 .°/1 a), /3 e /4 do CP.

Sobre a questão importa constar que face à matéria de facto provada (e não provada) de todo pode afirmar-se que possa imputar-se ao arguido em causa o referido crime. Sinteticamente (remetendo-se com mais exactidão para os factos provados supra referenciados) o que ficou provado é que no dia 5 de Novembro de 2007, segundos antes das 19h14 minutos, o arguido F conduzia o veículo pesado de passageiros MAN HOCLA, onde (…) eram transportados trinta e seis passageiros(…).Na mesma ocasião e na mesma faixa de  rodagem, sem que  aí e então, pelo menos,  até   às 19h14m, desse  dia, se registasse qualquer  outro  movimento de trânsito, circulava à retaguarda da referida viatura, o veículo ligeiro de passageiros FORD FIESTA, com a matrícula …-BT, propriedade da arguida C , que o conduzia(…) Era de noite, o tempo estava bom, o piso estava seco e em bom estado de conservação (…). A certa altura, antes do Km 77,200 da A 23, a arguida C  iniciou a manobra de ultrapassagem ao veículo pesado de passageiros (…) a uma velocidade aproximada de 124 km/h. + 10Km/h, na  faixa da esquerda, atento o sentido  Abrantes-Castelo Branco. Então, por  razões concretamente não apuradas, o  veículo conduzido pela  arguida,  a cerca de   5 metros (em linha  recta) antes de atingir a parte traseira  do  pesado de passageiros, numa altura  em que o limite do painel direito daquele veículo estava  a uma distância de 2,26 metros  do eixo da faixa de rodagem, atento o   referido sentido de trânsito, pisou, com os pneumáticos  do  lado esquerdo, a guia sonora  esquerda, delimitadora  da  faixa de  rodagem  correspondente   face à  berma  respectiva, e, actuando  sobre  a direcção, guinou para  a direita, com desaceleração, entrando em despiste lateral, e deixou marcas de pneumático no pavimento, sobre a   referida  guia  sonora -  numa  extensão de   15 metros, com  forma  arqueada - e a  faixa de  rodagem da   esquerda, com configuração oblíqua e extensão  de  2/3  metros, até  próximo da linha descontínua separadora das duas faixas de rodagem. A partir daí, o  veículo ligeiro foi  embater, ao  Km. 77, 200, com o respectivo canto frontal direito no painel lateral traseiro por detrás do rodado traseiro esquerdo e no rodado traseiro esquerdo exterior, do veículo pesado de passageiros, numa  altura em que  a linha   axial exterior esquerda deste rodado se situava  a  10  cms. da  linha axial  direita  do  eixo da  faixa de  rodagem, na  faixa de  rodagem da  direita, atento  o  dito  sentido, e o posicionamento  do mesmo pesado, em  marcha,  assumia  uma inclinação  de cerca de  5%, para a  direita, deixando  uma  marca de bloqueio  da  roda  exterior  do lado  esquerdo com um  comprimento aproximado de  2, 5 metros. No momento deste embate, o veículo pesado de passageiros circulava a uma velocidade de 94 km/h. + 3Km/h. Em consequência   deste embate, foram atingidos os painéis  lateral traseiro  por  detrás  do rodado traseiro  esquerdo  e lateral esquerdo ligeiramente à frente do rodado traseiro, deslocou-se o  eixo traseiro  e rebentou o pneumático traseiro esquerdo exterior, ficando  com  um rasgo  longitudinal que  atravessa  toda a espessura  da  borracha, na  banda lateral exterior  do pneu, junto  ao rebordo interior, com  um comprimento de  9 cms., tudo do veículo pesado. Após, de forma oblíqua, o veículo ligeiro, designadamente com o seu pneu dianteiro do lado direito e guarda lamas, friccionou ao longo do painel lateral esquerdo do veículo pesado, até  à  porta  da  bagageira desse   lado (inclusive), circulando este  último na faixa de rodagem da  direita, atento  o referido sentido de trânsito e, continuando  ambos  os  veículos em  circulação, sendo o pesado  na  faixa da  direita, no dito sentido de trânsito,  o  ligeiro  afastou-se dele, no sentido  da  faixa de  rodagem da esquerda. Sempre em circulação, a  viatura   ligeira  aproximou-se, de  novo,  do  painel lateral  esquerdo  do  veículo pesado de passageiros,   e  embateu no rodado dianteiro e no painel imediatamente à frente entre a porta do condutor e a roda frontal esquerdo, tudo do  eixo  frontal esquerdo deste  último, sem, porém, provocar  danos  na  banda  lateral  exterior do pneumático  frontal esquerdo quando o mesmo  se  encontrava  mais   próximo  da   berma direita  que nos momentos  assentes de  10) a 14).Na  sequência  deste   segundo  embate, o condutor do veículo pesado de passageiros perdeu o controlo de tal veículo e, depois de transpor a berma direita, atento o  respectivo sentido de trânsito, embateu nas guardas de segurança e galgou-as. De seguida, o veículo pesado de passageiros desceu ao longo do talude ali existente, com uma altura de 13, 72 metros e pronunciada inclinação, seguido de uma valeta  em cimento e terreno, embatendo, primeiro, com o painel lateral direito, no talude e, depois, na referida valeta de pé de talude. De imediato, o veículo pesado de passageiros embateu, com o pilar traseiro esquerdo de apoio do tejadilho no solo e capotou, incidindo tal capotamento sobre a respectiva parte traseira. De  seguida, o mesmo veículo pesado de passageiros embateu, com o painel lateral esquerdo, no solo, acabando por ficar imobilizado sobre as respectivas rodas num terreno contíguo à referida valeta.Em consequência do acidente descrito, advieram para os passageiros do veículo pesado de passageiros as seguintes sequelas(…).

Não há qualquer facto provado susceptível de enquadrar juridicamente a conduta do arguido como autor de qualquer infracção criminal, nomeadamente o crime de condução perigosa de veículo rodoviário.

Toda a construção que o recorrente faz sobre a matéria, nesta parte do seu recurso, decorre não da factualidade provada em audiência, mas da sua versão do acidente, que, conforme decidiu o Tribunal foi considerada não provada.

Daí que, sem mais, improcede nesta parte o recurso.

V. Absolvição de contraordenações (conclusões 49 a 51)

Sobre esta questão o recorrente refere que o arguido deveria ter sido condenado pela totalidade (…) das contra-ordenações pelos quais veio pronunciado, apenas, pela apurada colocação a 4 centímetros do eixo da via quando é embatido, pois autocarro é embatido num local da via onde, em circunstância alguma, deveria circular. O autocarro é um veículo de enorme porte, 10 metros de comprimento, 2,5 metros de largura, 4 metros de altura, circulando à noite, numa curva, muito perto do eixo da via ou, mesmo, para além dele, sendo, indiscutivelmente, um factor de amedrontamento dos outros veículos, designadamente da Arguida(…) o Arguido conduziu de forma contrária às regras de circulação, contribuindo decisivamente para a infeliz cadeia de acontecimentos que conduziu à improvável circunstância de um veículo com uma massa de cerca 1 tonelada ter projectado para fora da via um veículo com uma massa superior a 15 toneladas.

Sobre esta questão igualmente se remete para os factos provados e não provados fixados na sentença para, também aqui, não puder entender-se que se trata da versão do acidente que o recorrente prendia dar como provada e que, conforme decidiu o Tribunal, foi considerada não provada.

Daí que não existindo qualquer facto demonstrado na sentença que configure a prática de qualquer contraordenação pelo condutor do veículo pesado há apenas que confirmar, também nesta parte, a sentença, julgando improcedente esta dimensão do recurso.

 vi) Violação do artigo 127º do CPP.

Sustenta o requerente que o Tribunal, no seu processo decisório, violou o artigo 127º do CPP, essencialmente porque não deu como provados os factso que imputavam o arguido como responsável pela ocorrência do acidente.

Para além de tudo o que já se disse sobre a matéria, há que estabelecer definitivamente o que quer dizer aquele princípio e o que daí resulta para os autos.

O princípio da livre apreciação da prova assume-se como princípio estruturante do direito processual no continente europeu e, especificamente do direito processual penal português assumindo na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.

Historicamente justificado como um método de reacção contra as provas legais que provocavam no sistema de júri anglo-saxónico decisões injustas e mesmo aberrantes, o princípio da livre apreciação está vinculado ao princípio da descoberta da verdade material possibilitando ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das prova atendíveis que suportam a decisão. Trata-se de uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação. Ou seja, «o princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão», segundo refere Michelle Taruffo, in «Conocimiento cientifico y estándares de prueba judicial», Jueces para la Democracia, Información y debate, nº 52, Marzo, 2005, p. 67.

A esta discricionariedade vinculada contrapõe-se a exigência de uma segunda garantia de racionalidade que se concretiza na justificação ou fundamentação da livre escolha e valoração efectuada pelo juiz. Tudo isto para que se evite ou impeça qualquer possibilidade de arbítrio no domínio da valoração da prova decorrente de uma actuação dominada apenas pelas impressões ou afastada do sentido determinado de um conjunto de regras que devem condicionar a valoração. A fundamentação da decisão de facto cumpre precisamente a função de controlo daquela discricionariedade, obrigando o juiz a justificar as suas próprias escolhas. Daí que a «a liberdade de apreciação da prova deve ser uma liberdade controlada e controlável. Deve ser possível fazer compreender as decisões tomadas e toda a arbitrariedade deve ser eliminada»: cf. Peter Hünerfeld, «Le Droit Allemand», Revue international de droit penal, 63éme, année, 1992, p. 81

A identificação dos critérios utilizados para concretizar essa perspectiva racionalizada é por isso discutida no sentido de saber, por um lado, quais os critérios a que os juízes devem atender ao valorar discricionariamente as provas e, por outro lado, para estabelecer quando se atinge ou não se atinge a certeza da prova de um determinado facto.

As referências expressas pretendem tão só mostrar que, no caso, o Tribunal da primeira instância cumpriu todos os requisitos que identificam aquela decisão como não arbitrária e sobretudo como racionalizada na medida o Tribunal identificou os critérios que utilizou em todo o seu percurso analítico.

Daí que não há qualquer violação do princípio no modo como o Tribunal efectuou o seu processo decisório e valorativo da prova.

 vii) Pena aplicada à arguida.

O recorrente, quanto a esta parte da decisão, em síntese, discordadno o decidido, invoca ser de aplicar aos arguidos pena detentiva, ainda que de curta duração.

Importa desde já que face ao decidido quanto à responsabilidade do arguido nomeadamente a improcedência das razões aduzidas pelo recorrente apenas está em causa a decisão proferida quanto à arguida.

Sobre esta também decorre do recurso e das suas conclusões que não está em causa o montante das penas parcelares aplicadas à arguida pelos vários crimes pelos quais foi condenada nem sequer a pena concreta determinada o âmbito do cúmulo jurídico que o Tribunal decidiu (quatro anos e quatro meses de prisão, sujeita a regime de prova).

O que está em causa é apenas e só a suspensão da execução da pena aplicada e com a qual o recorrente não concorda. É pois este e só este o segmento da matéria que se irá discutir.

Entendeu o Tribunal da primeira instância que a pena de quatro anos e quatro meses de prisão que aplicou à arguida deve ser suspensa na sua execução.

Independentemente das bem fundadas considerações jurídicas que são referidas na sentença o que o Tribunal diz, é que «É sabido que a jurisprudência tem entendido que nos homicídios estradais se deve aplicar, em regra, pena de prisão efectiva, por força das exigências de prevenção geral. Discorda-se da rigidez subjacente a tal entendimento que olvida o facto de as necessidades de prevenção geral não poderem justificar que se exceda, em caso algum, a medida da culpa concreta. Com efeito, estão aqui em causa, a perda de duas [dezassete vidas e não duas como é referido, o que não é despiciendo) vidas humanas, o que agrava a ilicitude na determinação da pena concreta. As exigências de prevenção geral assumem bastante relevo considerando o gravíssimo índice de sinistralidade estradal, resultado, na sua grande parte, do desrespeito pelas normas de cuidado jurídico socialmente impostas. É que, sendo a circulação rodoviária uma actividade considerada como objectivamente perigosa, recai sobre cada um de nós a exigibilidade de um específico dever de prudência no sentido de serem adoptados os deveres de cuidado que sejam adequados a evitar certos resultados. No que respeita à prevenção especial, não se vislumbram necessidades de socialização, por  tudo quanto  fica  dito. Eis  porque  se  suspende  a  execução  da    pena de  prisão aplicada, por período igual ao da  sua duração, condicionada a regime de prova, nos termos  dos  arts.  53º  e  54º, ambos do C.Penal.»

«O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição» - artigo 50º n.º 1 do CP.

A suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição, não deixa de estar vinculada às finalidades que o artigo 40º do Código Penal estabelece como critério fundamental na aplicação das penas.

O que está em causa, na opção de aplicar uma pena de substituição é a protecção de bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (n.º 1 do art. 40º C.P.), sendo que a opção sobre a suspensão da execução da pena privativa de liberdades radica na concretização de um juízo de prognose efectuado no sentido de apurar se face ao circunstancialismo provado relativo à personalidade da arguida é possível evidenciar-se que as finalidades subjacentes à aplicação da pena não necessitam da efectivação da pena de prisão.

Ora no caso em apreço a arguida foi condenada na pena única de 4 anos e quatro meses de prisão pela prática de dezassete crimes de homícidio por negligência e seis crimes de ofensas à integridade física por negligência.

            Relativamente ao juízo de prognose que importa efectuar – e é só esse que neste momento importa fazer – há que ponderar toda a factualidade que envolve: (i) a personalidade da arguida; (ii) as condições da sua vida; (iii) a sua conduta anterior e posterior ao crime; (iv) às circunstâncias do crime.

Quanto à personalidade da arguida, da matéria de facto provada (para a qual se remete por muito exaustiva) decorre que esta em síntese é uma senhora ainda jovem, casada e mãe de um filho, socialmente integrada, professora do ensino secundário, sem quaisquer notas de associabilidade no seu percurso pessoal e na sua vida pessoal e profissional.

Relativamente às condições de vida a arguida, é manifesta a sua inserção social e profissional encontrando-se familiarmente estável e integrada.

Quanto à sua conduta anterior ao crime, decorre dos factos que nunca teve qualquer problema de natureza criminal

Quanto às circunstâncias do crime há que sublinhar duas questões essenciais, onde afinal pode residir algum dos equívocos que importa desfazer.

Não estando em causa duplicar os fundamentos que sustentaram a aplicação das penas concretas – e nesse sentido não fazendo sentido falar-se em dupla valoração das circunstâncias – o que é certo é que na concretização do juízo de prognose tem que ser ponderado e balanceado todo o circunstancialismo que envolve o tipo concreto de criminalidade em causa. A não ser assim o fragmento da prevenção geral subjacente à aplicação das penas estaria a ser liminarmente afastado no âmbito do juízo de prognose que sustenta a suspensão da execução da pena de prisão.

Assim há que sublinhar que a situação em causa nos autos envolve uma factualidade gravissíma resultante na morte de dezassete pessoas e em ferimentos noutras seis. Situação que decorreu de um acidente estradal que, também não se omite, continuam a assumir proporções graves em Portugal nomeadamente pelas suas consequências, tanto nos números de acidentes, como de feridos e mortos que deles decorrem. No caso, certamente que a conduta da arguida contribuiu em muito para essa estatística «negra» das mortes na estrada no ano de 2007.

A questão aparentemente simples mas complexa no seu entendimento, está pois em saber, se em função das circunstâncias gravíssimas do caso, já descritas, ainda assim, face à personalidade, condições de vida e conduta da arguida, a suspensão da execução da pena de prisão realiza de forma adequada as finalidades da punição. Por outras palavras, no caso concreto, fará algum sentido suspender a execução da pena de prisão à arguida, reconhecendo que a sua personalidade não demonstra qualquer juízo de prognose negativa num caminho ressocializador e, ao contrário, fará algum sentido determinar que a arguida cumpra uma pena de prisão?

Na dilucidação da questão importa porventura ir ao princípio das coisas e, concretamente à finalidade das penas. E aqui há que não embarcar no que Faria Costa chama de «navegar ao sabor dos ventos de uma razão débil» (cf. Linhas de Direito Penal e de Filosofia, Coimbra Editora, 2005, p. 208) e aceitar, sem mais, as posições do apelo à prevenção geral como razão primeira da finalidade das penas e, consequentemente tirar daí as ilações para aplicar nestes casos imediatamente a pena de prisão, como «exemplo» a seguir, o que alguma jurisprudência tem feito.

Atentando na finalidade das penas, e é isso que importa não esquecer, seguindo ainda Faria Costa, ob. cit. p. 214, de uma forma simples a pena justifica-se «a partir de uma ideia de meio para a realização de um fim – seja este a maximização da utilidade pública, seja o da neutralização dos riscos, seja o da reposição da validade contra fáctica da norma».

Ora no caso em apreço e que estamos a discutir, não se concretizam com a possível prisão efectiva da arguida nenhuma de tais finalidades.

No que respeita à neutralização dos riscos, a «pena» consubstanciada no espectro de ter causado a morte de dezassete pessoas causa à cidadã minimamente formada («responsável, respeitadora das normas estabelecidas, ponderada, cuidados a e condutora segura», segundo os factos provados) como é arguida, é mais do que suficiente para ser atingida.

Quanto à reposição da validade contrafáctica da norma não se vislumbra, dadas as circunstâncias em que ocorreram os factos e a personalidade da arguida, qualquer sentido aplicar a pena de prisão.

Finalmente a maximização da utilidade pública da pena não se consegue, no caso, pela prisão efectiva durante quatro anos e quatro meses de alguém com a personalidade da arguida (primária, social e familiarmente inserida, psicologicamente desvastada pelos factos em que participou - sujeita a tratamento do foro da psiquiatria, durante cerca de um ano, esteve medicada e em sessões de psicoterapia, referem os factos provados).

Ao mal do crime não pode corresponder um «mal da pena» para quem é seu destinatário. E no caso, a aplicação de uma pena de prisão efectiva, que em abstracto poderia parecer que maximizava a utilidade publica da pena no sentido de ser um «sinal» a futuros prevaricadores, seria sempre um «mal» para a arguida, que como se viu, apresenta condições que permitem prognosticar que não voltará a delinquir. E nessa medida a pena deixava de cumprir as suas próprias finalidades e de ser, em primeira linha, uma pena justa.

Daí que a suspensão da execução da pena aplicada na primeira instância, sujeita a regime de prova é suficiente, no caso da arguida, para fazer cumprir aqui a maximização da utilidade pública como finalidade que subjaz à pena.

 

B. Recurso do Ministério Público

O recurso do Ministério Público circunscreve-se à questão da qualificação jurídica da conduta da arguida no que respeita ao crime de homícidio por negligência, entendendo o recorrente que apenas se verifica a existência de um único crime. É isso que decorre da conclusão final do seu recurso quando refere expressamente que «devendo o tribunal considerar apenas a existência de um único crime de homicídio por negligência, agravado pelos resultados, deverá a arguida ser condenada numa pena de prisão que se aproxime do limite máximo da moldura penal aplicável, no mais se mantendo o doutamente decidido».

Porque a questão já foi decidida no recurso interposto pela arguida, obviamente que a decisão proferia por este Tribunal é, quanto, ao recurso do Ministério Público exactamente a mesma, porque não foram alegados quaisquer novos argumentos quanto à questão.

Assim exactamente pelos mesmos fundamentos referidos supra no ponto v) do recurso da arguida, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público.

DECISÂO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedentes os recursos interpostos, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.    

            Fixa-se a taxa de justiça devida pelos recorrentes arguida e assistente em 8 Ucs (Artº 87º nº 1 b) e 3 CCJ).

            Notifique.

            Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artigo  94º nº 2 CPP).

            Coimbra, 19 de Outubro de 2009

                                                           Mouraz Lopes

                                                           Félix de Almeida

 

 


[1] GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, II, 3ªed. pág. 197.
[2] Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, 1999, pp. 178/179.

[3] Também neste sentido, entre outros,  o Ac. da  RP, de  09.09.2009, relator Desembargador  ANTÓNIO GAMA, in www.dgsi.pt.
[4] LEAL HENRIQUES/SIMAS SANTOS, Código de Processo Penal Anotado, 1996, 1º, 642.
[5] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 153 e 154.
[6] Maia Gonçalves, Jornadas de Direito Processual Penal, 208.

[7] Como   se  conclui  no Ac. da RC, de  05.07.2006, relator Desembargador  HELDER ROQUE, in www.dgsi.pt.

[8] Nota-se, aqui, um lapso  na   comunicação de  alteração  não  substancial,   sendo  o mesmo manifesto  face  aos  esclarecimentos   do   Sr. Perito   Eng. JL.

[9] Cfr. o Ac. do STJ, de 27/5/1998, in BMJ nº 477, pp. 303-349.
[10] Proc. n.º 0846986, www.dgsi.pt.
[11]  CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, I, 333 e segs.
[12] Seguimos, de muito perto, a síntese conclusiva de CRISTINA LÍBANO MONTEIRO, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, pág. 165 e seguintes.
[13] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, pág. 213
[14] Ac. da RC, de 17 de Janeiro de 1996: CJ, XXI, tomo I, p. 38.
[15] Cfr. o Ac. do STJ, de 09.02.1983: proc. n.º 38853.
[16] Idem, ibidem, p. 343.
[17] ANABELA MIRANDA RODRIGUES, «A determinação da medida concreta da pena privativa de liberdade e a escolha da pena. Anotação ao acórdão do STJ, de 21.03.1990», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2, 1991, pp. 256-257.