Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4005/04,4TBLRA-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
PENHORA ANTERIOR EM PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL QUE INCIDE SOBRE IMÓVEL DESTINADO À HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE DO EXECUTADO
LEVANTAMENTO DA SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO COMUM
PENHORA ANTERIOR EM PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL QUE INCIDE SOBRE IMÓVEL NÃO DESTINADO À HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE DO EXECUTADO
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 52.º DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA
ARTIGOS 169.º; 219.º, 5 E 244.º, 2 DO CPPT
ARTIGOS 794.º, 1; 850.º, 2 E 871.º, DO CPC
Sumário:      I - Tendo sido suspensa, nos termos do disposto no art 794º/1 do CPC, a execução comum em que foi penhorado imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar e sobre a qual incide penhora com registo anterior realizada em execução fiscal e encontrando-se esta execução parada por a Autoridade Tributária não poder promover a venda deste imóvel, em virtude do impedimento legal constante do art 244º/2 do Código de Procedimento de Processo Tributário, impõe-se determinar o levantamento da sustação da execução comum, que deve prosseguir os seus termos, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos na execução comum.
     II – Não assim na execução cuja penhora não incida sobre imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar.
     III – Desde que a execução em que foi efectuada a penhora mais antiga, apesar de não estar em movimento, esteja em fase processual de onde a sua prossecução seja possível à luz da tramitação processual prevista, não deve ultrapassar-se a regra do art 871º do CPC reactivando-se tal execução, ainda que tal se traduza numa demora significativa na realização do crédito.
     IV – Assim tem sido, reiteradamente, decidido em situações em que a espera no andamento da execução fiscal se fique a dever à satisfação prestacional do crédito aí exequendo e que venha sendo realizada. 
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

     I - Na execução que   A... SARL move a   B... Lda, para pagamento de quantia certa, com o valor de € 1.426.743,99, foi penhorado o prédio em propriedade total sem andares nem divisões, susceptível de utilização independente,  afecto a armazéns e a actividade industrial,  com 2 pisos e  divisões,  sito na Rua ..., ... dos ..., ..., ....
     Por existir penhora prévia sobre esse imóvel a favor da Fazenda Nacional no âmbito de processo de execução fiscal, a presente execução foi sustada relativamente ao referido imóvel, tendo a aqui exequente reclamado créditos naquela execução.

     Veio a exequente dar noticia aos presentes autos de que contactado o Serviço de Finanças em causa de modo a aferir o estado da acima referida execução, o mesmo não deu qualquer perspectiva de promoção da venda do imóvel. Refere ainda a exequente ter interesse em recuperar o seu crédito, sob pena de se ver lesada em virtude da desvalorização do imóvel e não lograr o seu ressarcimento. Por isso, fazendo alusão a jurisprudência nesse sentido, requer que a venda tenha lugar nesta execução, ordenando-se o levantamento da suspensão, entendendo que a Fazenda Nacional  não está impedida  de reclamar aqui o seu crédito que será objecto de graduação.
     A executada opôs-se ao requerido, entendendo que a exequente deverá aguardar a prossecução dos autos de execução fiscal, que não se encontram sustados nem extintos, além de que não se está perante um imóvel destinado a habitação própria e permanente como sucedia na jurisprudência que a exequente referiu.

     Na sequência de despacho para o efeito, o Serviço de Finanças ... 2 concretizou a causa de suspensão do processo executivo em referência, referindo que «o processo executivo ...57, está suspenso nos termos do artigo 52.ª da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 169.º do Código do Procedimento e do processo Tributário (CPPT). O executado contestou a exigibilidade da cobrança da divida, para o efeito apresentou Oposição, processo n.º 161/14...., Tribunal Administrativo e Fiscal ..., a qual foi procedente. Inconformada com a decisão a Representação da Fazenda Pública apresentou Recurso Judicial o qual aguarda o correspondente acórdão. Mais informamos que, as penhoras que incidem sobre o prédio urbano descrito da CRP ... sob o número ...25 e registadas pelas AP. ...49 de 2014/07/11 e AP. ...86 de 2015/03/30, foram concretizadas previamente à prestação de garantia nos termos do dos artigos 169.º e 199.º do CPPT, para garantia de cobrança dos créditos do estado. As mesmas manter-se-ão ativas até à prolação dos efeitos da decisão transitada em julgado que advier e que ponha fim ao pleito».

                 Após o que, foi proferido o seguinte despacho:
                 «O crédito peticionado pelo aqui Exequente, em 15 de junho de 2004, goza de garantia de hipoteca sobre o prédio descrito sob o n.º ...96 da freguesia ..., ... CRP ....
                 Em 2021, no âmbito destes autos, foi concretizada a penhora sobre o mencionado prédio (Ap n.º ...87 de 2021/04/30).
                 Porém, em virtude de penhora prévia, concretizada pela AT em 2014 (Ap ...49 de 2014/07/11) e em 2015 (Ap ...86 de 2015/03/30), este credor apresentou reclamação de créditos, espontânea, no processo de execução fiscal ...57.
                 Através (além do mais) do oficio com referência 9074812 de 04 de outubro, veio a AT informar que esse processo de execução fiscal está suspenso nos termos do artigo 52.ª da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 169.º do Código do Procedimento e do processo Tributário(CPPT); que o executado contestou a exigibilidade da cobrança divida, para o efeito apresentou Oposição, processo n.º 161/14...., Tribunal Administrativo e Fiscal ..., a qual foi procedente; inconformada com a decisão a Representação da Fazenda Pública apresentou Recurso Judicial o qual aguarda o correspondente acórdão; informou ainda que as penhoras que incidem sobre o prédio urbano descrito da CRP ... sob o número ...25 e registadas pelas AP. ...49 de 2014/07/11 e AP. ...86 de 2015/03/30, foram concretizadas previamente à prestação de garantia nos termos do dos artigos 169.º e 199.º do CPPT, para garantia de cobrança dos créditos do estado, pelo que as mesmas manter-se-ão ativas até à prolação dos efeitos da decisão transitada em julgado que advier e que ponha fim ao pleito.
                 Desconhece-se quando será proferida decisão final.
                 O certo é que, o crédito do Exequente goza de garantia real de hipoteca sobre o prédio acima identificada e, diante do disposto no artigo 752.º do CPC, o credor encontra-se impossibilitado de ser ressarcido pelo produto de outros bens, enquanto não se concluir pela insuficiência dos bens dados em garantia.
                 Desta forma, deferindo ao requerido:
                  a. Determino o prosseguimento dos autos com venda do prédio descrito sob o n.º ...96 da freguesia ..., ... CRP ...;
                 b. Determino a citação dos credores públicos e registrais (com penhoras anteriores e, mesmo, caso haja, posteriores à concretizada nos autos), com a advertência que, caso não reclamem os seus créditos (no caso da AT, um crédito condicionado à decisão que vier a ser proferido em sede de recuso pelo Tribunal Administrativo e Fiscal), será determinado o cancelamento das respetivas penhoras, mesmo que anteriores à concretizada nos autos.»

                 II – Do assim decidido, recorreu a executada que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:
                 1. Reportam-se as presentes alegações ao recurso interposto pela aqui Recorrente do despacho proferido pelo Juízo de Execução ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, por via do qual, deferindo o requerido pelo Exequente (e recorrido) a. Determino o prosseguimento dos autos com venda do prédio descrito sob o n.º ...96 da freguesia ..., ... CRP ...; b. Determino a citação dos credores públicos e registrais (com penhoras anteriores e, mesmo, caso haja, posteriores à concretizada nos autos), com a advertência que, caso não reclamem os seus créditos (no caso da AT, um crédito condicionado à decisão que vier a ser proferido em sede de recuso pelo Tribunal Administrativo e Fiscal), será determinado o cancelamento das respetivas penhoras, mesmo que anteriores à concretizada nos autos.
                 2. O Douto Tribunal, na sequência de requerimento apresentado pelo Exequente em 04.04.2022 (Ref.ª 8590797) entendeu determinar o prosseguimento dos presentes autos de execução apesar dos mesmos se encontrarem sustados por existir penhora antecedente – em sede de execução fiscal.
                 3. A posição assumida pelo Tribunal viola manifestamente a Lei, concretamente o art.º 794.º do CPC, inexistindo qualquer fundamento legal, doutrinal e/ou jurisprudencial que legitima a posição que veio a ser adotada e da qual, nesta sede, se recorre.
                 4. Trata-se pois, conforme infra procuraremos demonstrar, de decisão nula, porque violadora da Lei e, nessa sequência, impondo-se seja proferido Acórdão que, revogando o Douto Despacho proferido, mantenha a sustação dos autos de execução até à extinção do processo de execução fiscal cuja penhora tem prioridade.
                 5. Em 04.04.2022 a exequente e recorrida vem apresentar requerimento (Ref.ª 8590797) cujo teor, por razões de economia processual se tem, nesta sede, por integralmente reproduzido, por via do qual (e em resumo) peticiona digne ordenar a prossecução da venda do imóvel penhorado nos presentes autos, uma vez que, que não deverá ser vedada à Exequente a possibilidade de ressarcir o valor em dívida através da presente acção executiva, determinando-se, em consequência, o levantamento da sustação.
                 6. Alega para o efeito que é credora hipotecária, mas que existe, sob o prédio hipotecado, penhora prévia a favor da Fazenda Nacional, na sequência da qual veio a ser sustada a presente execução relativamente ao imóvel, tendo, nessa sequência, a Exequente e Recorrida reclamado créditos na referida execução fiscal (execução fiscal n.º ...57 e apensos, que corre termos junto do Serviço de Finanças ... 2)
                 7. Faz alusão ao facto do Serviço de Finanças não comunicar qualquer perspetiva de promoção da venda do imóvel penhorado e, por esse facto, invocando Jurisprudência relacionada com o art.º 244.º do CPPT, peticiona o mencionado levantamento da sustação da execução.
                 8. Em 26.04.2022 (Ref.ª 8647693) a aqui Recorrente veio apresentar Requerimento por via do qual refere não ser a Jurisprudência invocada aplicável aos autos pois o imóvel penhorado não constitui a habitação do executado fiscal.
                  9. Ressalvou pois a inexistência que qualquer fundamento legal que legitimasse o requerido pela exequente e, por esse facto, peticionou a improcedência do por ela requerido.
                  10. Por despacho datado de 18.05.2022 (Ref.ª 100357882) foi o exequente e recorrido convidado a (…) a certificar nos autos que: - apresentou reclamação créditos no(s) processo(s) de execução fiscal; - a AT não irá promover o andamento da execução fiscal e respetivo fundamento.
                 11. Em resposta, a 01.06.2022 (Ref.ª 8763525) veio o Exequente e recorrido responder alegando, em suma, que a AT transmitiu que o processo se encontra ativo, porém suspenso por pendencia de contencioso, mantendo-se o interesse nas penhoras por parte daquele Serviço de Finanças.
                 12. Alegando que o Serviço de Finanças não dispõe de qualquer perspetiva temporal para colocação em venda do bem imóvel, reiterou o anterior pedido de prosseguimento dos autos com diligência de venda – nestes autos – do imóvel com penhora a favor da AT registada em primeiro lugar.
                 13. O aqui Recorrente, por requerimentos de 15.06.2022 (Ref.ª 8803568) e 12.07.2022 (Ref.ª 8882801) veio manter o já anteriormente vertido em 26.04.2022 quanto à ilegalidade de tal peticionado por violação do art.º 794.º do CPC.
                 14. Em 06.07.2022 (Ref.ª 100867379) foi proferido Despacho por via do qual se convidou a AT a vir aos autos a fim de “concretize a causa de suspensão do processo executivo ...57 pois a menção a “suspenso por pendência de contencioso” afigura-se-nos vaga.”
                 15. Já em 04.10.2022 (Ref.ª 9074812) a AT pronunciou-se dizendo: “Em resposta ao solicitado no v/ oficio anexo e acima identificado, informa-se que o processo executivo ...57, está suspenso nos termos do artigo 52.ª da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 169.º do Código do Procedimento e do processo Tributário (CPPT). O executado contestou a exigibilidade da cobrança divida, para o efeito apresentou Oposição, processo n.º 161/14...., Tribunal Administrativo e Fiscal ..., a qual foi procedente. Inconformada com a decisão a Representação da Fazenda Pública apresentou Recurso Judicial o qual aguarda o correspondente acórdão. Mais informamos que, as penhoras que incidem sobre o prédio urbano descrito da CRP ... sob o número ...25 e registadas pelas AP. ...49 de 2014/07/11 e AP. ...86 de 2015/03/30, foram concretizadas previamente à prestação de garantia nos termos do dos artigos 169.º e 199.º do CPPT, para garantia de cobrança dos créditos do estado,  As mesmas manter-se-ão ativas até à prolação dos efeitos da decisão transitada em julgado que advier e que ponha fim ao pleito.”
                 16. Na sequência da resposta apresentada pela AT veio a ser proferido o Despacho em crise, em 26.10.2022 (Ref.ª 101746554) É pois do Despacho proferido a 26.10.2022 (Ref.ª 101746554) que a aqui recorrente manifesta a sua discordância, sobretudo no que tange à decisão de determinar o prosseguimento dos autos com venda do prédio descrito sob o n.º ...96 da freguesia ..., ... CRP ... e, nessa sequência, a citação dos credores públicos e registrais (com penhoras anteriores e, mesmo, caso haja, posteriores à concretizada nos autos), com a advertência que, caso não reclamem os seus créditos (no caso da AT, um crédito condicionado à decisão que vier a ser proferido em sede de recurso pelo Tribunal Administrativo e Fiscal), será determinado o cancelamento das respetivas penhoras, mesmo que anteriores à concretizada nos autos.
                 17. O Despacho em crise viola a Lei e, por esse facto, é nulo e não poderá manter-se que nesta sede, por razões de economia processual, se tem por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
                 18. O n.º 1 do art.º 794.º do CPC, sob a epígrafe “Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens” dispõe que “1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.”
                  19. No caso vertente nos autos, encontram-se pendentes, porque tem penhora anterior registada, os autos de execução fiscal n.º ...57 e apensos, que se encontram ativos, ainda que sustados / suspensos a aguardar decisão a proferir pela TCASul.
                 20. O imóvel em causa não constitui sequer imóvel destinado a habitação. Como tal, não é destinado exclusivamente a habitação própria e permanente da executada e aqui recorrente, razão pela qual lhe é INAPLICÁVEL o art.º 244.º do CPPT (designadamente o n.º 2).
                 21. Não é pois válida – salvo melhor e Douta opinião, nenhuma da Jurisprudência e Doutrina invocada pela recorrida, designadamente nos seus requerimentos de 04.04.2022 e 29.06.2022 (Ref.ª 8844710) atendendo a que toda ela versa sobre a situação em que os autos de execução fiscal não poderão prosseguir por um impedimento legal – a circunstância do imóvel penhora constituir a habitação própria e permanente do executado.
                 22. O processo que pende com penhora registada em primeiro lugar – relativamente à penhora relativa aos presentes autos que somente (em processo de 2004) se concretizou em 2021/04/30 – mantém-se ativo e a AT manifestou o propósito no seu prosseguimento e na manutenção das garantias a ele associadas, simplesmente aguarda pela decisão a proferir no âmbito de processo judicial (a correr seus termos no TCASul) o que – parece-nos – é similar a muitos outros milhares de processos executivos – porventura pendentes neste Juízo de Execução – sem que se pratique qualquer violação legal, designadamente ignorar o vertido no n.º 1 do art.º 794.º do CPC.
                 23. O Douto Tribunal com o Despacho que proferiu viola, frontalmente, o vertido no n.º 1 do art.º 794.º do CPC e, por esse facto, é nulo, o que se impõe seja reconhecido.
                 24. Nestes termos deverá ser proferido Acórdão que, concedendo provimento ao presente Recurso, declare a nulidade do Despacho e, consequentemente, determine a sua revogação e substituição por outro que, julgando improcedente o requerido pelo recorrido e exequente mantenha a sustação dos presentes autos até à extinção dos autos fiscais ou até à venda do imóvel naqueles autos.
                 25. Ao agir da forma que actuou o Douto Tribunal viola o artigo 794.º n.º 1 do CPC.

                 A exequente apresentou contra-alegações, em que concluiu:
                 A. O Recorrente veio interpor recurso da douta decisão que determinou o prosseguimento da venda do prédio urbano descrito na CRP 2896 no âmbito da presente ação executiva, bem como a citação dos credores públicos e registrais.
                 B. Decorre do teor do artigo 794.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que: “(…) Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga. (…)”
                 C. Nestes termos, procurando recuperar o seu crédito, a aqui Recorrida indicou, nos presentes autos à penhora o prédio urbano supra identificado, a qual se encontra averbada sob a AP. ...87 de 2021/04/30.
                 D. Sucede que, por existir penhora prévia sobre esse imóvel a favor da Fazenda Nacional, veio a ser sustada a presente execução relativamente ao imóvel e, consequentemente, a Exequente reclamou créditos, de forma espontânea, na identificada execução fiscal.
                 E. Com efeito, a verdade é que apesar da letra do artigo 244.º do CPT vedar, à primeira vista, a venda do imóvel nos presentes autos e a penhora se encontrar sustada relativamente ao imóvel, a Recorrida tem interesse em recuperar o seu crédito, sob pena de se ver lesada em virtude da desvalorização do imóvel e não lograr o seu ressarcimento.
                 F. Mais, os autos evidenciam a realização de diligências no sentido de apurar em que estado de encontra aquela execução fiscal: porquanto, foi transmitido diretamente pelos serviços competentes para a execução fiscal que a venda do imóvel se encontra suspensa e a aguardar o trânsito em julgado da decisão a proferir no âmbito do processo n.º 161/14...., que corre termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal ..., sem qualquer previsão ou estimativa de colocação em venda do bem. Como é do conhecimento comum, não se perspetiva uma decisão a breve trecho, considerando a demora de tramitação dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
                  G. O que legitima o requerido pela credora reclamante quanto à venda do imóvel na presente execução, onde se poderá proceder à venda do bem penhorado. E legitima também a posição do Tribunal a quo na medida em que se os serviços competentes para a execução fiscal referem que não vão proceder à venda do bem penhorado, então o Tribunal da execução poderá concluir que não há pendência de outra execução.
                 H. Tal aplicação trará uma vantagem à AT (e nunca um prejuízo) na medida em que será paga pelo produto da venda do imóvel cuja venda se encontra suspensa atualmente no âmbito do processo de execução fiscal em curso.
                 I. Pois, da aplicação da lei nestes termos, decorre que a AT pode apresentar-se a reclamar créditos de impostos devidos e não pagos no âmbito de processos de execução comum. No concurso com os demais credores do devedor, a AT faz valer os privilégios creditórios, gerais ou especiais, que por lei lhe são reconhecidos, imediatamente após ser citada para aquele efeito.
                  J. Vejamos que, ao credor reclamante está vedada a possibilidade de prosseguir com a execução fiscal sustada, nomeadamente requerer o prosseguimento daquela execução para diligências de venda.
                 K. Pelo que, apenas lhe resta como alternativa, prosseguir a execução comum, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos, tal como decidiu o douto Tribunal a quo.
                 L. O que nos leva a perfilhar o que tem vindo a ser advogado em sede jurisprudencial, designadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo 2446/17.6T8PDL.L1-7 e no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo 2132/17.7T8VCTB.G1, disponíveis em www.dgsi.pt.
                 M. Nesse sentido, considera a aqui Recorrida que andou bem o Tribunal a quo ao decidir pelo prosseguimento dos autos com a venda do prédio penhorado (CRP 2896) e determinar a citação dos credores públicos e registrais.
                  N. Não carece, pois, nem de alteração nem de revogação o Despacho ora recorrido, devendo o mesmo manter-se nos exatos moldes em que foi proferido.

                  III – A factualidade a ter em consideração resulta do acima relatado.

                 IV – Confrontando as conclusões das alegações com a decisão recorrida, resulta constituir objecto do recurso saber se, tal como foi ordenado nessa decisão, a presente execução (comum) deve prosseguir com a citação da Fazenda Nacional para nela reclamar os seus créditos e com a subsequente venda do prédio nela  penhorado, pese embora este haja sido penhorado em 1º lugar na execução fiscal.

                 Como se sabe, a regra na pluralidade de execuções sobre os mesmos bens é a de que  - nº 1 do art 794º CPC - «pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga» .
                 Segundo observava Alberto dos Reis [1], «O que a lei não quer é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens forem penhorados em primeiro lugar».
                 O que bem se compreende, visto que do produto da venda do bem penhorado tem de ser dado pagamento aos créditos verificados, de acordo com a ordem da sua graduação, por vezes rateadamente, pelo que há que condensar num único processo as diligências relativas à reclamação e verificação de créditos, à venda do bem penhorado e aos pagamentos a efectuar, por forma a evitar actividades inúteis e incertezas para todos os intervenientes processuais [2].
                 Na verdade, e como o acentuava ainda Alberto dos Reis, «o preceito do art 871º não se inspira em razões de economia processual, visto que não se manda atender ao estado em que se encontram os processos; susta-se o processo em que a penhora se efectou em segundo lugar, ainda que a execução respectiva tenha começado primeiro e ainda que esteja mais adiantada do que aquela em que precedeu a penhora».
                 Na concreta situação dos autos, foi  penhorado em execução fiscal,  previamente em relação à presente execução, determinado  prédio  afecto a armazéns e a actividade industrial e, tendo sido esta execução sustada em função daquela penhora (com registo) anterior, nos termos do referido nº 1 do art 794º, a decisão recorrida veio a admitir, contrariamente ao disposto nesta norma, a prossecução destes autos com a citação da Fazenda Nacional  para a mesma neles  reclamar os seus créditos, prosseguindo depois e, naturalmente, com a venda do prédio.
                 Decisão esta que não apresenta nada de novo relativamente às inúmeras execuções em que se admitiu que tal sucedesse[3], com a diferença, que se tem por absolutamente significativa, de, nessas muitas execuções, estar em causa imóvel destinado a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar e se mostrar proibida na execução fiscal a venda do mesmo a requerimento da Fazenda Nacional, em função do disposto no art  244º/2 do CPPT, na redacção  que lhe foi dada pela L 13/2016 de 23/5.
                 Dispõe esta norma que «não há lugar à realização da venda do imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim».  
                 E dispõe o art 219º/5 do CPPT, também na redacção da referida Lei 13/2006, que «A penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no art 244º».
                 A jurisprudência em causa tem decidido, que «tendo sido suspensa, nos termos do disposto no art 794º/1 do CPC, a execução comum em que foi penhorado imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar e sobre a qual incide penhora com registo anterior realizada em execução fiscal e encontrando-se esta execução parada por a Autoridade Tributária não poder promover a venda deste imóvel, em virtude do impedimento legal constante do art 244º/2 do Código de Procedimento de Processo Tributário, impõe-se determinar o levantamento da sustação da execução comum, que deve prosseguir os seus termos, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos na execução comum» [4].
                 Para assim concluir, evidencia-se nessas decisões que «a ratio legis da norma do art 794º/1 CPC, tendo subjacentes razões de certeza jurídica e de protecção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, a possibilidade do dinamismo da execução em que primeiramente ocorreu a penhora sobre o mesmo bem e em que o credor deve fazer a reclamação do seu crédito», e que «não está nessa situação de dinamismo processual a execução fiscal em que a Autoridade Tributária está impedida, nos termos do disposto no art 244º/2 do Código de Procedimento de Processo Tributário, de promover a venda do imóvel penhorado por este constituir a habitação própria  e permanente do executado ou do seu agregado familiar».
                 Entendimento este necessário à satisfação dos interesses dos genéricos credores perante o referido impedimento do exequente – verdadeiro obstáculo legal - em fazer prosseguir a execução fiscal depois de penhorado o imóvel que constitua efectiva casa de morada do executado, tanto mais que esse impedimento não é oponível àqueles  credores. Como é referido no Ac R G 30/5/2019 [5]: «Sendo compreensível e aceitável que a tutela da habitação do executado possa ser feita por sacrifício do Estado, já não é aceitável que o possa ser a coberto dos demais credores».
                 Salientando-se a esse respeito que, «de outro modo, tal solução comportaria sérios problemas quer de índole constitucional  (designadamente, por referência aos princípios constitucionais da proporcionalidade – nº 2 do art 18º CRP- e do próprio acesso à justiça – art 20º CRP –) quer ao nível da própria legitimidade de o Estado dispor de direitos de que não é titular».
                 Sucede que numa situação desse tipo, a execução fica efectivamente parada, e tão mais indefinidamente, quanto se tem entendido, no âmbito da jurisprudência acima referida, que o CPTT não prevê o impulso da execução fiscal por parte dos credores reclamantes, nem mesmo ao abrigo do art 850º/2 CPC.
                 Nessa situação, a alternativa possível ao bloqueio dos interesses dos genéricos credores é, efectivamente, admitir-se o levantamento da sustação da  execução comum.
                 Ao contrário, situações compagináveis com a que ocorre nos presentes autos não implicam uma verdadeira paragem da execução fiscal mas antes um mero seu protelamento.
                  Na verdade, a execução em que foi efectuada a penhora mais antiga pode não estar em movimento mas «estar em fase processual de onde a sua prossecução seja possível, à luz da tramitação processual prevista»[6]. Estando a execução em que ocorreu a penhora mais antiga em posição de poder prosseguir, ainda que não imediatamente, e sobretudo quando esse compasso de espera não se fique a dever à inércia do exequente[7] , não se veem motivos que permitam a ultrapassagem da norma do nº 1 do art  794º. 
                 Assim tem sido decidido, senão uniformemente, reiteradamente [8], em situações em que a espera no andamento da execução fiscal se fique a dever  à satisfação prestacional do crédito aí exequendo e que venha sendo realizada. 
                 Como é referido no Ac R P  29/10/2012 [9], «o problema  é (tão-só) do tempo de satisfação do crédito». O credor na execução comum «é certamente afectado, atenta a vicissitude ocorrida, (n)o seu interesse na realização mais atempada do respectivo direito de crédito; mas não e excludente (ou intoleravelmente dificultada) essa realização».
                 Tanto mais que no pagamento em prestações se mantém a susceptibilidade de o processo de execução fiscal  vir a chegar à fase da venda, bastando, para que tal aconteça, que o programa prestacional seja inteiramente cumprido ou, mais rápido ainda, que deixe de o ser, posto que o não pagamento de uma das prestações tornará exigível a totalidade da dívida e o consequente prosseguimento da execução com a venda do bem penhorado, mantendo-se, consequentemente, as razões que ditam a aplicabilidade do nº 1 do artigo 794º do CPC à situação.
                Não pode, pois, aceitar-se o entendimento nas situações de concorrência entre execução comum e fiscal de que para que o artigo 871º do CPC produza efeito útil, é necessário que esta execução- em que foi primeiramente registada a penhora  - se encontre em  movimento e que, em qualquer caso em que o não esteja, a defesa dos credores genéricos implica a desaplicação do n.º 1 do art 794º do CPC, com o consequente levantamento da sustação da execução comum.
                 Ficaria sempre a dúvida relativamente ao tempo necessário de espera que viesse a permitir a reactivação da execução comum, perante o silêncio da lei a este respeito.  
                 Na concreta situação dos autos, verifica-se (facto 11) que a Autoridade Tributária transmitiu que o processo (de execução fiscal) se encontra ativo, porém suspenso por pendência de contencioso, mantendo-se o interesse nas penhoras por parte daquele Serviço de Finanças. Mais tarde, a mesma (facto 15), pronunciou-se, dizendo que o processo de execução fiscal em causa está suspenso nos termos do artigo 52.ª da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 169.º do Código do Procedimento e do processo Tributário (CPPT).
                 E explicou: «O executado contestou a exigibilidade da cobrança divida, para o efeito apresentou Oposição, processo n.º 161/14...., Tribunal Administrativo e Fiscal ..., a qual foi procedente. Inconformada com a decisão a Representação da Fazenda Pública apresentou Recurso Judicial o qual aguarda o correspondente acórdão. Mais informamos que, as penhoras que incidem sobre o prédio urbano descrito da CRP ... sob o número ...25 e registadas pelas AP. ...49 de 2014/07/11 e AP. ...86 de 2015/03/30, foram concretizadas previamente à prestação de garantia nos termos do dos artigos 169.º e 199.º do CPPT, para garantia de cobrança dos créditos do estado. As mesmas manter-se-ão ativas até à prolação dos efeitos da decisão transitada em julgado que advier e que ponha fim ao pleito».
                 Consequentemente, os autos de execução fiscal estão suspensos ate à decisão definitiva do Recurso Judicial da Fazenda Pública referente à procedência da oposição apresentada pelo executado.
                 Situação de espera similar à que ocorre em muitas outras execuções.
                 Veja-se ainda, que, mesmo que se adoptasse o entendimento atrás aventado  (na nota  6) -  segundo o qual, importa distinguir a causa da paragem da execução em que foi efectuada a primeira penhora, sendo que se tal causa radicar na inércia do próprio exequente não será de se aplicar a regra do art 871º do CPC, e caso a mesma tenha sido sustada, se justifica o levantamento da sustação, da situação em que a suspensão da execução é imposta por lei, caso em que não há fundamento para afastar o regime do art 871º do CPC-  sempre se haveria de concluir que nos presentes autos, porque não se verifica inércia do exequente na execução fiscal, seria de indeferir a reactivação da execução comum.

                 V - Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido, sendo indeferido o levantamento da suspensão na presente execução.

                 Custas pela apelante.

                                                           Coimbra, 30 de Maio de 2023

(Maria Teresa Albuquerque)

(Falcão de Magalhães)

(Pires Robalo)





               [1] - «Processo de Execução», vol II, 1985, p 28, em função do então art 871º paralelo ao acima referido 794º
       [2]-  Ac   R E 16/5/2019, Relatora, Graça Araújo
               [3] -   Acs. da Relação de Coimbra de 26.9.2017, proc. 1420/16.4T8VLS-B.C1, Rel. Fonte Ramos; da Rel. de Évora de 12.7.2018, proc. 893/12.9TBPTM.El, Rel. Maria João Sousa e Faro; da Rel. de Guimarães, de 17.01.2019, proc. 956/17.4T8GMR-C.G1, Rel. Alexandra Rolim Mendes; da Rel. de Lisboa de 07.02.2019, proc. 985/15.2T8AGH-A.L1-6, Rel. Carlos Marinho; Rel. de Évora, 30.5.2019, proc 402/18.6T8MMN.El, Rel. Tomé Ramião; Rel. de Guimarães, 30.5.2019, proc. 2677/10.0TBGMR.G1, Rel. Alcides Rodrigues (acima citado); Rel. de Lisboa, 12.9.2019, proc. 1183/18.9T8SNT.L1-2, Rel. Pedro Martins; Rel. de Lisboa, 22.10.2019, proc. 2270/07.4TBVFX-B.L1-7, Rel Luís Pires de Sousa (atrás citado); Rel. de Lisboa, 21.5.2020, proc. 19356/18.2T8SNT-B.L1-8, Rel. Carla Mendes e Rel. de Lisboa, 04.6.2020, proc. 13361/19.9T8SNT-A.L1-2, Rel. Nelson Borges Carneiro, todos publicados em www.dgsi.pt, acórdãos este mencionados no Ac STJ 2/6/2021 (Relator, Tibério Nunes da Siva), mas muitos outros poderiam ser mencionados.

               [4]- Ac STJ  23/1/2020, Relatora, Rosa Tching, Proc nº 1303/17.0T8AGD-B.P1.
               [5] - Relator, Alcides Rodrigues
               [6] -Ac STJ 9/6/2005, Relator, Araújo Barros 
               [7] -O Ac R C 5/4/2005 (Jorge Arcanjo) admite a reactivação da execução comum quando a execução fiscal se encontra parada por inércia do exequente, e entende que o pagamento prestacional não corresponde a esse tipo de situação, antes se trata de uma suspensão ditada por imperativos legais. Menciona como situações em que se desaplicou o art 871º por se entender ocorrer inércia do exequente, as implicadas nos processos do AC R P 21/7/83, CJ IV, 230; Ac R P 24/4/94, 20/2/95, 19/3/97 20,10/97 26/11/97 11/10/2004 e Ac R L 17/10/95.
               [8]-Ac. RL de 30/10/2006 nº 8559/2006-8; Ac R E 25/11/2021José Manuel Barata; Ac R C 18/3/2003, António Piçarra, Proc. 221/03; Ac R E 22/3/2018, Rui Machado Moura, Proc. 122/16.6T8CBA-A.E1; Ac R E 4/6/2020 (Cristina Dá Mesquita);  o já referido Ac R C 5/4/2005 (Jorge Arcanjo).
               Faça-se notar que este entendimento não se mostra efectivamente uniforme. De facto, na doutrina, Amâncio Ferreira, é de opinião que, «Encontrando-se a execução fiscal suspensa, na sequência da autorização para pagamento da dívida em prestações, deve a mesma prosseguir se o credor reclamante o solicitar em vista à satisfação do seu crédito, ante o estatuído no artigo 885º»(«Curso de Processo de Execução», 11ª edição, página 354)
                Já assim o não entende, Salvador da Costa («O concurso de credores», 4ª edição, página 305), referindo  «Tendo em conta a natureza da execução fiscal e o interesse específico que lhe está subjacente, propendemos a considerar que o disposto no artigo 885º, nº 1 [do CPC] não é aplicável à sua suspensão para pagamento da quantia exequenda em prestações que nela tenha sido decidida”; com a consequência de então o reclamante (exequente comum) ter de aguardar o termo da suspensão a que naquela (na fiscal) haja lugar».
               [9] - Relator, Luis Filipe Brites Lameiras