Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | FÁTIMA SANCHES | ||
| Descritores: | DESCRIÇÃO DA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE NA ACUSAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 04/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 2 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Legislação Nacional: | ART. 283º, N.º 3, DO CPP | ||
| Sumário: | A consciência por parte do agente da contrariedade da sua conduta ao ordenamento jurídico há de constar do libelo acusatório porquanto se trata de um elemento subjetivo do crime, dela dependendo a verificação e punibilidade do comportamento constante da norma incriminadora. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. RELATÓRIO 1. No processo comum singular, com o NUIPC4975/23.3T9CBR que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, no Juízo Local Criminal de Coimbra – J2, foi proferido despacho [referência 94557916] ao abrigo do disposto no artigo 311, nºs 1, 2 alínea a) e 3 alíneas b) e d) do Código de Processo Penal, nos termos do qual foi decidido rejeitar a acusação deduzida pelo Ministério Público contra a arguida AA, por manifestamente infundada.
2. Inconformado com a decisão, interpôs recurso o Ministério Público. O recorrente formulou as seguintes conclusões (transcrição): «1.º - Nos presentes autos, foi proferido o seguinte despacho: “Para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, deduziu o Ministério Público acusação contra a arguida AA, (…), imputando-lhe a prática autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86º, nº1, al. d) da Lei 5/2006, de 23/02, com referência à al. ab) do n.º 2 do art. 3.º do mesmo diploma legal. Dispõe o artigo 311º, n.º1, do Código deProcesso Penal que “Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”. O nº2, al a) do citado preceito legal estatui que “Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha nomeadamente no sentido: de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada”, entendendo-se como tal a acusação que, além do mais, “não contenha a narração dos factos” e “se os factos não constituírem crime” (cfr. nº 3, als. b) e d) do citado preceito legal). Dispõe por sua vez o art. 283º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal que a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (...)”. Como é sabido, vigora no nosso sistema o princípio do acusatório, que, na sua essência, significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Tal princípio implica que a acusação seja uma peça auto-suficiente, ou seja, que contenha a totalidade dos elementos que revelam “a existência de um crime” e identificam “os seus agentes e a responsabilidade deles”, na formulação do n.º 1 do artigo 262.º do Código de Processo Penal. Só assim se fixará, de forma definitiva e inequívoca, o objecto do processo (na sua dimensão objectiva e subjectiva) a que a actividade cognitória do tribunal irá estar vinculada em sede de julgamento, e se protegerão, concomitantemente, os direitos de defesa dos arguidos (vide Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I., págs.144/145). Por força de tal princípio, os elementos constitutivos do crime imputado têm de constar expressamente da acusação; caso contrário, tal peça não poderá deixar de ser rejeitada, à luz do preceituado nos artigos 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea b), e d), 285.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal. Sendo o nosso processo penal de estrutura basicamente acusatória, constitucionalmente imposta (art. 32º, nº 5, da CRP), impende sobre o acusador a narração total dos factos que imputa ao arguido; é ao acusador que incumbe a definição do objecto da acusação e do processo. E, a acusação deverá conter a narração de todos os factos que fundamentam a aplicação ao arguido da pena – art. 283 nº 3 al. b) do CPP. Como se expende no acórdão do TR de Coimbra de de 15 de Maio de 2019, in www.dgsi.pt,“os factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido são, como é evidente, os que preenchem o tipo, objectivo e subjectivo, do crime que na acusação lhe é imputado. O tipo objectivo define o objecto da acção ou da omissão e o tipo subjectivo define a relação particular do agente com essa acção ou omissão. Brevitatis causa e tendo por pano de fundo os princípios da legalidade e da tipicidade que, como é sabido, informam o nosso Direito Penal, diremos que só existe crime – entendido como a acção típica, ilícita, culposa e punível – quando os factos praticados pelo respectivo agente preenchem o ‘modelo’ fixado por lei anterior à sua prática. E pressupondo a aplicação da pena a culpa concreta do autor do facto, este só pode ser culpabilizado se a conduta praticada lhe puder ser imputada a título de dolo ou de negligência (art. 13º do C. Penal)”. No caso em apreço, é do seguinte teor a acusação pública: «1. No dia19/06/2023, pelas 01H00, no cruzamento entre a ... e a Avenida ..., em ..., a arguida tinha em sua posse uma faca de marca desconhecida, com o comprimento total de 22,5cm, sendo 12 cm de lâmina corto-perfurante. 2. A arguida conhecia bem as características do objecto que consigo trazia e estava ciente que o mesmo é susceptível de causar lesões ou até a morte a outrém. 3. A arguida não apresentou qualquer justificação para a detenção de tal objecto, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, bem sabendo que era proibida e punida por lei, não obstante quis detê-lo e utilizá-lo». O crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86º, nº1, al. d) da Lei 5/2006, de 23/02, com referência à al. ab) do n.º 2 do art. 3.º do mesmo diploma legal, é um crime doloso. Como se expende no citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Maio de 2019, in www.dgsi.pt, «O dolo, legalmente definido no art. 14º do C. Penal, consiste no conhecimento – elemento intelectual – e vontade – elemento volitivo – do agente em realizar o facto, com consciência da sua censurabilidade – consciência da ilicitude. O elemento intelectual implica a previsão ou representação pelo agente das circunstâncias do facto, portanto, o conhecimento dos elementos constitutivos do tipo objectivo, sejam descritivos sejam normativos. O elemento volitivo consiste na vontade do agente de realização do facto depois de ter previsto ou representado os elementos constitutivos do tipo objectivo – assim revelando a sua personalidade contrária ao direito, para uns, ou uma atitude contrária ou indiferente perante a proibição legal revelada no facto [elemento emocional do dolo], para outros. Assim, a acusação deve descrever, pela narração dos respectivos factos, todos os elementos em que se decompõe o dolo. Não existindo fórmulas sacramentais para a descrição destes elementos subjectivos, destes factos interiores da vida do agente do crime, eles são normalmente traduzidos, como se pode ler no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015, de 20 de Novembro de 2014 (DR-IA, nº 18, de 27 de Janeiro de 2015), como «fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas ascircunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).». Faltando todos ou algum dos elementos caracterizadores do dolo na narração da acusação, o conjunto dos factos nela descritos não constituirá crime e assim sendo, torna-a inviável e, consequentemente, manifestamente infundada”. Na fundamentação do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015, de 20 de Novembro de 2014 discorre-se: «… a acusação, enquanto delimitadora do objeto do processo, tem de conter os aspetos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa (…), englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de caráter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação do evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), atuando, assim, conscientemente contra o direito». Revertendo ao caso em apreço, vista a acusação, constata-se que na mesma falta a narração de factualidade suficiente reconduzível ao tipo subjetivo do ilícito imputado à arguida. Com efeito, a acusação contém a descrição dos factos integradores dos elementos objectivos do tipo legal de crime, dos que concernem ao elemento cognitivo do dolo do tipo, e a consciência da ilicitude, mas dela não consta facto algum referente ao elemento volitivo do dolo do tipo, quer dizer, quanto à vontade livre de realização das condutas objetivas. Isto é, que a arguida tivesse agido voluntariamente e livre no seu processo de decisão. A mesma é omissa quanto aos elementos subjetivos do crime na perspetiva da culpa, no caso da «culpa dolosa», normalmente traduzida na fórmula “agiu de forma livre, voluntária e conscientemente”. Efectivamente, nada se refere na acusação quanto à determinação livre da arguida pela prática do facto, podendo ela agir de modo diverso (afastamento das causas de exclusão da culpa – a arguida pôde determinar a sua acção), normalmente traduzida na fórmula “agiu de forma livre”. Não está descrita na acusação factualidade recondutível à “liberdade de decisão” da arguida, traduzida no poder ter agido de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico, denominado por Figueiredo Dias por “tipo-de-culpa dolosa” «como a expressão, documentada no ilícito-típico, de uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao dever-ser jurídico-penal» - (cfr. Direito Penal, 1975, Universidade de Coimbra, pág. 184/185), permitindo a sua presença afastar as causas de exclusão da culpabilidade, como circunstâncias (impeditivas da atribuição culposa ao seu autor de determinado ato considerado ilícito pela lei) que anulam o conhecimento ou a vontade do agente. Como se exara no acórdão do TR de Coimbra de 30.09.2009 (proc. n.º910/08.7TAVIS.C1), «num crime doloso … da acusação ou da pronúncia há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável) (…)». Não constam, pois da acusação todos os elementos em que se decompõe o dolo do agente. Ora, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015 fixou a seguinte jurisprudência: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, na representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358º do Código de Processo Penal”. Como consta no voto de vencido do Exmo. Conselheiro Santos Cabral, ao acórdão em referência, «(…) a presente fixação de jurisprudência conduz a que a deficiente, ou incompleta caracterização, do tipo subjectivo importa, necessariamente, em sede de julgamento, uma absolvição da prática do crime.». Temos, pois, que inexistindo na acusação uma completa referência quanto ao preenchimento, por parte da arguida, do elemento subjectivo do tipo legal de crime cuja prática lhe é imputada, e sendo a verificação desse elemento indispensável para que se afirme o cometimento desse crime, então, não pode deixar de concluir-se que os factos constantes da acusação, tal como aí se mostram descritos, e imputados à arguida, são insusceptíveis de constituir a prática do crime de detenção de arma proibida que lhé é imputada. Não podendo tal deficiente, ou incompleta caracterização, do tipo subjectivo ser integrada em julgamento por recurso ao mecanismo previsto no art. 358º do Código de Processo Penal, ante o disposto no art. 311º, n.º 3, al. d) do Código de Processo Penal, a acusação pública, assim votada ao incusso, tem de ser considerada manifestamente infundada, por os factos nela descritos não constituírem crime. Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 311º, nºs 1 e 2, als. a) e 3, als. b) e d) do Código de Processo Penal, rejeito a acusação pública por manifestamente infundada.”.
2.º - É deste despacho de rejeição da acusação que o Ministério Público ora recorre.
3.º - Conforme preceitua o art. 283.º, n.º 3, do CPP, “a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (...)”.
4.º - O crime pelo qual a arguida vem acusada tem a seguinte descrição típica, nos termos do art. 86º, nº1, al. d) da Lei 5/2006, de 23/02, com referência à al. ab) do n.º 2 do art. 3.º do mesmo diploma legal.: “Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar (…), usar ou trouxer consigo: (…) as armas brancas (…)”, “com afetação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou objeto de coleção, quando encontradas fora dos locais do seu normal emprego e os seus portadores não justifiquem a sua posse”.
5.º - Ora, na acusação, lê-se: “A arguida conhecia bem as características do objecto que consigo trazia e estava ciente que o mesmo é susceptível de causar lesões ou até a morte a outrem. A arguida não apresentou qualquer justificação para a detenção de tal objecto, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, bem sabendo que era proibida e punida por lei, não obstante quis detê-lo e utilizá-lo.”
6.º - Cremos que acusação contém descrição suficiente dos elementos do dolo sobre o tipo e do dolo da culpa, ao mencionar-se que: - a arguida conhecia bem as características daquele objecto e estava ciente da sua natureza, tendo-o injustificadamente em seu poder (dolo do tipo: conhecimento dos elementos típicos); - querendo detê-lo e utilizá-lo (elemento volitivo: livre vontade dirigida ao cometimento do crime); - não obstante a arguida saber ser tal conduta proibida e punida por lei (elemento descritivo da consciência da ilicitude). Face ao exposto, o despacho recorrido violou o disposto nos art. 124.º 283.º, n.º 3, al. B), 311.º e 312.º do CPP, devendo ser substituído por outro que admita a acusação e designe data para julgamento, seguindo-se os demais termos legais, assim se fazendo»
3. Ao recurso interposto pelo Ministério Público respondeu a Arguida, pugnando pela sua improcedência e sintetizando a sua posição nas seguintes conclusões (transcrição): «1. O presente recurso interposto do despacho proferido a 17.07.2024, ref. Citius 94557916, pelo qual se rejeitou a acusação pública por manifestamente infundada. 2. Alega o Recorrente que o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 124.º, 283.º, n.º3, al. b), 311.º e 312.º do CPP, devendo ser substituído por outro que admita a acusação pública seguindo-se os demais termos legais. 3. A acusação não descreve, com a clareza necessária, os elementos volitivos do dolo, isto é, “a livre vontade de agir”. A mera afirmação de que a arguida “quis detê-lo e utilizá-lo” não traduz, de forma inequívoca, a livre vontade e a liberdade de escolha que são exigidas para caracteriza o dolo. 4. A acusação não especifica a relação volitiva da arguida com o facto, ou seja, a sua decisão consciente e livre de agir da maneira como agiu. 5. É imperativo que a acusação descreva de forma explícita os elementos subjetivos do crime, incluindo a livre determinação do agente, a sua vontade consciente e a sua intenção em praticar o facto. 6. A acusação, a acusação limita-se a afirmar que a arguida “quis detê-lo e utilizá-lo”, sem indicar que ela tinha a liberdade de escolha e que agiu voluntariamente, sem qualquer constrangimento, conforme exigido para a caracterização do dolo. 7. A falta da descrição completa do dolo, especialmente no que respeita à liberdade de decisão do agente e à sua livre vontade de realizar o facto, impossibilita a configuração do crime como imputado na acusação. 8. Nestes termos, requer-se a manutenção do despacho de rejeição da acusação, por ser o mesmo justo e fundamentação, e a absolvição da arguida da imputação que lhe é dirigida. Nestes termos e com o douto suprimento de vossas excelências, deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido, com as legais consequências.»
4. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Senhora Procuradora-geral Adjunta, emitiu parecer, no sentido da procedência do recurso, posição que infra transcrevemos: «Por razões de economia processual damos aqui por reproduzidos os termos do despacho recorrido e do recurso, dispensando-se, por redundante e para maior concisão, a respetiva transcrição, sem prejuízo de pontuais referências. O artigo 311.º do C.P.P. dispõe o seguinte: “Saneamento do processo 1 - Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer. 2 - Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada; b) De não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.º 1 do artigo 284.º e do n.º 4 do artigo 285.º, respetivamente. 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) Quando não contenha a identificação do arguido; b) Quando não contenha a narração dos factos; c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou d) Se os factos não constituírem crime.” Afirma o despacho recorrido que a acusação não tem suficiente descrição de factos, por um lado, e que os factos descritos “não constituem crime”. Apesar de ser o primeiro a indicar que a descrição do dolo não tem que obedecer a “fórmulas consagradas”, o despacho recorrido cede ao espartilho dessa mesma fórmula, quantas vezes oca ou meramente conclusiva – quando na redação do texto da acusação importa, acima de tudo, imputar factos. Como se salienta em Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.11.2023 (proferido no Processo 1084/21.3PBCBR.C1; Relator Jorge Jacob): “No que especificamente concerne aos tipos de crime dolosos, que são aqueles que aqui importa analisar, o elemento subjectivo decompõe-se num elemento intelectual, que traduz a “representação pelo agente, no momento em que pratica a conduta, de todos os elementos ou circunstâncias constitutivas do tipo de ilícito objetivo” e num elemento volitivo, que pressupõe “que o agente dirija a sua vontade ou, pelo menos, se conforme com a realização do facto típico”. A prática dos tribunais vem sedimentando a utilização de algumas expressões padronizadas para caracterizar o elemento subjectivo. Alega a recorrente que inexiste qualquer obrigação de vinculação a fórmulas sacralizadas para exprimir esse elemento. Assim é, com efeito, pois o que releva é a referência clara e precisa a todos os elementos exigíveis, em termos tais que se possa afirmar a sua presença; afirmação que, se por um lado confirma aquela alegação da assistente, simultaneamente evidencia que a semântica (entendida como o ramo da linguística que estuda o significado das palavras) não é propriamente irrelevante no caso, como se verá, na medida em que sendo a linguagem escrita um jogo de «significâncias», haverá que ler nas palavras utilizadas no texto aquilo que elas efectivamente significam para que a dimensão jurídica do que começou por ser apenas vocabular se ofereça com transparência.” ~ Com relevância para a discussão que nos presentes autos se trava, veja-se também o Acórdão de 23.01.2023 do TRG (acessível em www.dgsi.pt), cujo sumário tem o seguinte teor: “I - No requerimento acusatório em questão, e no que ao elemento subjetivo concerne consta que o arguido “atuou da forma descrita, com o propósito de provocar medo e inquietação em A., desiderato que logrou alcançar. O arguido sabia que a sua conduta, além de censurável, era proibida e punida por lei.” II - Apesar da forma não tabelar de afirmar o dolo, pode constatar-se que se identificam nas expressões utilizadas a vontade e conhecimento da prática de um facto ilícito (elementos volitivo e intelectual) e, bem assim, a consciência da ilicitude (elemento emocional), o que basta para afirmar a existência de modo suficiente da totalidade dos elementos subjetivos do tipo de crime em causa. III - A imputada forma de atuação só poderia ter ocorrido livre e deliberadamente, como se extrai da narração vertida na acusação ao escrever-se que o arguido dirigiu as expressões ao assistente, embora por interposta pessoa, com o propósito, a intenção, a vontade, de provocar neste medo e inquietação, desiderato que alcançou, consciente de que ao assim proceder assumia uma conduta censurável, proibida (ilícita) e punida por lei (criminalmente punida).” Idêntica ponderação pode retirar-se do Ac. do TRL de 02.02.2023 (acessível em www.jurisprduência.pt) de cujo sumário se extraem os seguintes excertos: “I– A regra geral do nosso sistema penal assenta na punição das acções humanas típicas (elemento objectivo) e dolosas (elemento subjectivo), por serem estas que manifestam o desvalor jurídico mais grave e, simultaneamente, a culpa mais censurável. Esta culpa sob a forma dolosa (ou dolo do tipo ou dolo do facto) constitui o elemento subjectivo do tipo criminal e que consiste: no conhecimento e vontade de realização da acção típica criminal, aquando da prática/no momento da conduta do agente. II– (…) Este último requisito (subjectivo) pressupõe: conhecimento e vontade de realização da acção típica criminal, aquando da prática/no momento da conduta do agente. Isto é, decompõe-se em dois elementos: - O elemento cognitivo ou intelectual do dolo = diz respeito ao conhecimento pelo agente de todas as circunstâncias de facto e de direito constitutivas do respectivo tipo criminal. Isto é, o agente conheça os elementos descritivos (elementos apreensíveis pelos sentidos) e normativos (elementos cuja apreensão depende da pressuposição lógica de uma norma)que integram o respectivo tipo legal de crime respectivo tipo. E este conhecimento permite ao agente a orientação e decisão da sua consciência ética no sentido de preservar, ou não, o respectivo bem jurídico tutelado pelo respectivo tipo legal de crime; - O elemento volitivo do dolo = diz respeito à vontade do agente aquando da prática do facto. Isto é, pressupõe que o agente dirija a sua vontade à realização de um facto ilícito típico ou, pelo menos, se conforme com a realização de um facto ilícito típico. III– O processo especial abreviado foi criado pelo legislador com vista à simplificação e aceleração da tramitação do processo penal, sobretudo nas fases preliminares e, até, podendo a identificação do arguido e a narração dos factos da acusação ser efectuada, no todo ou em parte, por mera remissão para o auto de notícia. Bastando que contenha a narração concreta, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, isto é, dos factos constitutivos da prática do respectivo crime, previsto e punível por lei vigente aquando dos factos. Compulsado o teor integral da concreta acusação pública, a mesma contém todos os sobreditos elementos necessários e suficientes e, por isso, deve considerar-se manifestamente fundada. Pois, caso venha a provar-se, em sede de julgamento, toda essa factualidade, a mesma é suficiente para se considerarem preenchidos todos os sobreditos elementos constitutivos do tipo legal de crime de condução sem habilitação legal e da sua autoria por parte do arguido. Pois, naquelas descritas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o arguido agiu de forma consciente e voluntária, ao conduzir um veículo automóvel, na via pública, mesmo sabendo que não tinha carta de condução, que tal conduta era proibida por lei e mesmo assim fê-lo. Sendo esta sua actuação, para além de ilícita (porque contrária ao dever-ser jurídico-penal),também culposa/dolosa/merecedora de um juízo de censura (porque este arguido não agiu em conformidade com o dever ser jurídico, embora tivesse podido fazêlo, motivar-se por ele e realizá-lo. Isto é, embora tivesse podido e devido tê-lo feito, não o fez, assim optando por adoptar aquela conduta que sabia ser ilícita/contrária ao dever-ser jurídico). (…)” Retornando ao caso dos autos, ao afirmar-se, na acusação, que “A arguida conhecia bem as características do objecto que consigo trazia e estava ciente que o mesmo é susceptível de causar lesões ou até a morte a outrém. A arguida não apresentou qualquer justificação para a detenção de tal objecto, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, bem sabendo que era proibida e punida por lei, não obstante quis detê-lo e utilizá-lo” não há qualquer margem interpretativa, em língua portuguesa, para negar que está a ser imputada uma atuação livre. É esse, precisamente, que o significado de querer praticar a conduta, mesmo sabendo que é proibida e punida por lei. Quem pratica um ato, ciente de todas as circunstâncias objetivas típicas, querendo praticá-lo é porque está livre nessa atuação. Faz porque quer, e nisso se manifesta a liberdade do agente, que assim procede mesmo sabendo que a conduta é proibida e punida por lei. O direito de defesa da arguida está, pois, inteiramente garantido com o conhecimento desta imputação – que poderá querer refutar como entender, mas aí já se entrará no domínio da produção de prova. Assim, contrariamente ao pressuposto pelo despacho recorrido, não estamos no âmbito da aplicação do acórdão de fixação de jurisprudência 1/2015, publicado no DR, série I, de 27/01/2015 – pois, nesta situação, não se torna necessário aditar qualquer facto para que a descrição da acusação corresponda à prática de um crime e como tal possa ser contraditado e julgado.»
5. Não houve resposta ao aludido parecer.
6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º do Código de Processo Penal.
II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objeto do recurso. Segundo jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como seja a deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto resultantes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal[1], e a verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379º, n.º 2, e 410º, n.º 3, do mesmo código - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza os fundamentos de discordância com o decidido e resume as razões do pedido (artigo 412º, n.º 1, do referido diploma), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do conhecimento do mesmo pelo tribunal superior. No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo Recorrente, a única questão a decidir prende-se com saber se a situação processual configurada nos autos representa um caso de “acusação manifestamente infundada” e como tal merecedora de rejeição judicial.
2. Da decisão recorrida. O despacho proferido pelo Tribunal a quo, é do seguinte teor (transcrição): «Da rejeição da acusação pública Para julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, deduziu o Ministério Público acusação contra a arguida AA, filha de BB e de CC, nascida a ../../1982, natural de ..., residente na Rua ..., ... ..., imputando-lhe a prática autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86º, nº1, al. d) da Lei 5/2006, de 23/02, com referência à al. ab) do n.º 2 do art. 3.º do mesmo diploma legal. Dispõe o artigo 311º, n.º 1, do Código de Processo Penal que “Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo conhecer”. O nº 2, al a) do citado preceito legal estatui que “Se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha nomeadamente no sentido: de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada”, entendendo-se como tal a acusação que, além do mais, “não contenha a narração dos factos” e “se os factos não constituírem crime” (cfr. nº 3, als. b) e d) do citado preceito legal). Dispõe por sua vez o art. 283º, nº 3, al. b) do Código de Processo Penal que a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (...)”. Como é sabido, vigora no nosso sistema o princípio do acusatório, que, na sua essência, significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Tal princípio implica que a acusação seja uma peça auto-suficiente, ou seja, que contenha a totalidade dos elementos que revelam “a existência de um crime” e identificam “os seus agentes e a responsabilidade deles”, na formulação do n.º 1 do artigo 262.º do Código de Processo Penal. Só assim se fixará, de forma definitiva e inequívoca, o objecto do processo (na sua dimensão objectiva e subjectiva) a que a actividade cognitória do tribunal irá estar vinculada em sede de julgamento, e se protegerão, concomitantemente, os direitos de defesa dos arguidos (vide Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I., págs.144/145). Por força de tal princípio, os elementos constitutivos do crime imputado têm de constar expressamente da acusação; caso contrário, tal peça não poderá deixar de ser rejeitada, à luz do preceituado nos artigos 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea b), e d), 285.º, n.º 2, e 283.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal. Sendo o nosso processo penal de estrutura basicamente acusatória, constitucionalmente imposta (art. 32º, nº 5, da CRP), impende sobre o acusador a narração total dos factos que imputa ao arguido; é ao acusador que incumbe a definição do objecto da acusação e do processo. E, a acusação deverá conter a narração de todos os factos que fundamentam a aplicação ao arguido da pena – art. 283 nº 3 al. b) do CPP. Como se expende no acórdão do TR de Coimbra de de 15 de Maio de 2019, in www.dgsi.pt, “os factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido são, como é evidente, os que preenchem o tipo, objectivo e subjectivo, do crime que na acusação lhe é imputado. O tipo objectivo define o objecto da acção ou da omissão e o tipo subjectivo define a relação particular do agente com essa acção ou omissão. Brevitatis causa e tendo por pano de fundo os princípios da legalidade e da tipicidade que, como é sabido, informam o nosso Direito Penal, diremos que só existe crime – entendido como a acção típica, ilícita, culposa e punível – quando os factos praticados pelo respectivo agente preenchem o ‘modelo’ fixado por lei anterior à sua prática. E pressupondo a aplicação da pena a culpa concreta do autor do facto, este só pode ser culpabilizado se a conduta praticada lhe puder ser imputada a título de dolo ou de negligência (art. 13º do C. Penal)”. No caso em apreço, é do seguinte teor a acusação pública: «1. No dia19/06/2023, pelas 01H00, no cruzamento entre a ... e a Avenida ..., em ..., a arguida tinha em sua posse uma faca de marca desconhecida, com o comprimento total de 22,5cm, sendo 12 cm de lâmina corto-perfurante. 2. A arguida conhecia bem as características do objecto que consigo trazia e estava ciente que o mesmo é susceptível de causar lesões ou até a morte a outrém. 3. A arguida não apresentou qualquer justificação para a detenção de tal objecto, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, bem sabendo que era proibida e punida por lei, não obstante quis detê-lo e utilizá-lo». O crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86º, nº1, al. d) da Lei 5/2006, de 23/02, com referência à al. ab) do n.º 2 do art. 3.º do mesmo diploma legal, é um crime doloso. Como se expende no citado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Maio de 2019, in www.dgsi.pt, «O dolo, legalmente definido no art. 14º do C. Penal, consiste no conhecimento – elemento intelectual – e vontade – elemento volitivo – do agente em realizar o facto, com consciência da sua censurabilidade – consciência da ilicitude. O elemento intelectual implica a previsão ou representação pelo agente das circunstâncias do facto portanto, o conhecimento dos elementos constitutivos do tipo objectivo, sejam descritivos sejam normativos. O elemento volitivo consiste na vontade do agente de realização do facto depois de ter previsto ou representado os elementos constitutivos do tipo objectivo – assim revelando a sua personalidade contrária ao direito, para uns, ou uma atitude contrária ou indiferente perante a proibição legal revelada no facto [elemento emocional do dolo], para outros. Assim, a acusação deve descrever, pela narração dos respectivos factos, todos os elementos em que se decompõe o dolo. Não existindo fórmulas sacramentais para a descrição destes elementos subjectivos, destes factos interiores da vida do agente do crime, eles são normalmente traduzidos, como se pode ler no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015, de 20 de Novembro de 2014 (DR-IA, nº 18, de 27 de Janeiro de 2015), como «fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).». Faltando todos ou algum dos elementos caracterizadores do dolo na narração da acusação, o conjunto dos factos nela descritos não constituirá crime e assim sendo, torna-a inviável e, consequentemente, manifestamente infundada”. Na fundamentação do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015, de 20 de Novembro de 2014 discorre-se: «… a acusação, enquanto delimitadora do objeto do processo, tem de conter os aspetos que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa (…), englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de caráter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação do evento como consequência necessária (dolo necessário) ou a representação do evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), atuando, assim, conscientemente contra o direito». Revertendo ao caso em apreço, vista a acusação, constata-se que na mesma falta a narração de factualidade suficiente reconduzível ao tipo subjetivo do ilícito imputado à arguida. Com efeito, a acusação contém a descrição dos factos integradores dos elementos objectivos do tipo legal de crime, dos que concernem ao elemento cognitivo do dolo do tipo, e a consciência da ilicitude, mas dela não consta facto algum referente ao elemento volitivo do dolo do tipo, quer dizer, quanto à vontade livre de realização das condutas objetivas. Isto é, que a arguida tivesse agido voluntariamente e livre no seu processo de decisão. A mesma é omissa quanto aos elementos subjetivos do crime na perspetiva da culpa, no caso da «culpa dolosa», normalmente traduzida na fórmula “agiu de forma livre, voluntária e conscientemente”. Efectivamente, nada se refere na acusação quanto à determinação livre da arguida pela prática do facto, podendo ela agir de modo diverso (afastamento das causas de exclusão da culpa – a arguida pôde determinar a sua acção), normalmente traduzida na fórmula “agiu de forma livre”. Não está descrita na acusação factualidade recondutível à “liberdade de decisão” da arguida, traduzida no poder ter agido de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico, denominado por Figueiredo Dias por “tipo-de-culpa dolosa” «como a expressão, documentada no ilícito-típico, de uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao dever-ser jurídico-penal» - (cfr. Direito Penal, 1975, Universidade de Coimbra, pág. 184/185), permitindo a sua presença afastar as causas de exclusão da culpabilidade, como circunstâncias (impeditivas da atribuição culposa ao seu autor de determinado ato considerado ilícito pela lei) que anulam o conhecimento ou a vontade do agente. Como se exara no acórdão do TR de Coimbra de 30.09.2009 (proc. n.º 910/08.7TAVIS.C1), «num crime doloso … da acusação ou da pronúncia há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável) (…)». Não constam, pois da acusação todos os elementos em que se decompõe o dolo do agente. Ora, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015 fixou a seguinte jurisprudência: “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, na representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358º do Código de Processo Penal”. Como consta no voto de vencido do Exmo. Conselheiro Santos Cabral, ao acórdão em referência, «(…) a presente fixação de jurisprudência conduz a que a deficiente, ou incompleta caracterização, do tipo subjectivo importa, necessariamente, em sede de julgamento, uma absolvição da prática do crime.». Temos, pois, que inexistindo na acusação uma completa referência quanto ao preenchimento, por parte da arguida, do elemento subjectivo do tipo legal de crime cuja prática lhe é imputada, e sendo a verificação desse elemento indispensável para que se afirme o cometimento desse crime, então, não pode deixar de concluir-se que os factos constantes da acusação, tal como aí se mostram descritos, e imputados à arguida, são insusceptíveis de constituir a prática do crime de detenção de arma proibida que lhe é imputada. Não podendo tal deficiente, ou incompleta caracterização, do tipo subjectivo ser integrada em julgamento por recurso ao mecanismo previsto no art. 358º do Código de Processo Penal, ante o disposto no art. 311º, n.º 3, al. d) do Código de Processo Penal, a acusação pública, assim votada ao incusso, tem de ser considerada manifestamente infundada, por os factos nela descritos não constituírem crime. Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 311º, nºs 1 e 2, als. a) e 3, als. b) e d) do Código de Processo Penal, rejeito a acusação pública por manifestamente infundada.»
3. Apreciação do recurso. Cabe apreciar a questão colocada no recurso e que é a de saber se a acusação deduzida pelo Ministério Público contém factos suscetíveis de integrar o elemento subjetivo constitutivo do tipo lega de crime que imputa ao arguido – crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86º, nº1, al. d) da Lei 5/2006, de 23/02, com referência à al. ab) do n.º 2 do art. 3.º do mesmo diploma legal. Vejamos então se a situação configurada nos autos representa um caso de “acusação manifestamente infundada” e como tal merecedora de rejeição judicial. O artigo 311.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, estabelece que se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente pode despachar no sentido, designadamente, «a) De rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada». O n.º3, deste artigo, clarifica que «Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) Quando não contenha a identificação do arguido; b) Quando não contenha a narração dos factos; c) Se não identificar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou d) Se os factos não constituírem crime.» A Lei n.º 59/98, de 25 de agosto ao aditar o n.º3 ao artigo 311.º do Código de Processo Penal, prevendo de modo claro e taxativo as situações que podem levar à conclusão de se estar perante uma acusação manifestamente infundada, pressuposto da sua rejeição, limitou os poderes do juiz sobre a acusação, antes do julgamento. Excluída ficou assim a rejeição da acusação fundada em manifesta insuficiência de prova indiciária, tornando claro que o juiz de julgamento não pode fazer a apreciação crítica dos indícios probatórios colhidos no inquérito, determinando a caducidade da jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 4/93, de 17 de fevereiro.[2] De entre os casos expressamente previstos no citado nº3, em que, para os efeitos do nº2, a acusação se considera manifestamente infundada, interessa-nos, em particular, o que vem previsto na alínea d), que se verifica quando os factos descritos na acusação “não constituírem crime”[3]. A este propósito, refere Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, pág.790, que “O fundamento da inexistência de factos na acusação que constituam crime só pode ser aferido diante do texto da acusação, quando faltem os elementos típicos objectivos e subjectivos de qualquer ilícito criminal da lei penal portuguesa ou quando se trate de conduta penalmente irrelevante”. Como afirma Germano Marques da Silva, “A acusação, sendo formalmente a manifestação da pretensão de que o arguido seja submetido a julgamento pela prática de determinado crime e por ele condenado, constitui o pressuposto indispensável da fase de julgamento, por ela se definindo e fixando o seu objeto.”[4] É o que consagra o artigo 283º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal quando estabelece que a acusação contém, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada…”. Tal é decorrência do princípio do acusatório que garante ao arguido todas as possibilidades de defesa, em respeito pelo artigo 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa. O atual modelo, vigente desde o Código de Processo Penal de 1987, aprovado pelo Decreto-lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, estrutura-se no referido princípio do acusatório, embora mitigado com uma vertente investigatória, tendo, nessa parte, a respetiva autorização legislativa sido concedida com o sentido e extensão de estabelecimento da máxima acusatoriedade do processo penal, temperada com o princípio da investigação judicial.[5] O juiz de julgamento, como é dito no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29/04/2019[6], só está legitimado pelo aludido princípio do acusatório a rejeitar a acusação quando a realização de julgamento constitua “(…) uma mera inutilidade, pois que a acusação, por defeito da sua confeção, está ab initio votada ao insucesso. Por isso, em tais casos, entendeu o legislador não permitir a sujeição do arguido a julgamento, pelos incómodos que isso representaria, mas também por razões de economia processual.” No caso em análise questiona-se se a acusação contém a narração de todos os factos suscetíveis de preencher o elemento subjetivo do ilícito previsto e punido pelo artigo 86º nº1 alínea d) da Lei nº5/2006 de 23/02, com referência à alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º do mesmo diploma legal. Estabelece aquele artigo 86º nº1 alínea d) que: “1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, exportar, importar, transferir, guardar, reparar, desativar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação ou transferência, usar ou trouxer consigo: (…) d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo 3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico, armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias;”
Como é sabido, o ilícito em causa é doloso, o que significa que não preenche o elemento subjetivo do tipo a conduta negligente. Não obstante, admite-se o dolo em qualquer das suas formas – direto, necessário ou eventual. O dolo do tipo, traduzindo o conhecimento e vontade do agente de realização da ação típica, é integrado pelo elemento intelectual ou cognitivo e pelo elemento volitivo. O primeiro elemento inclui o conhecimento/previsão de verificação de todas as circunstâncias de facto, ou seja, dos elementos descritivos factuais do tipo, e das circunstâncias de direito, mais propriamente dos elementos normativos do tipo. O elemento volitivo traduz-se na vontade ou conformação de o agente, conhecedor daquele circunstancialismo fáctico-normativo, em executar o facto. Como menciona Teresa Pizarro Beleza, in “Direito Penal”, 2º Volume, aafdl, pp. 224 e 225, a consciência da ilicitude, que alguns autores (v.g., Figueiredo Dias[7]) relacionam ainda com um terceiro elemento do dolo, denominado «emocional» – coexistindo com os elementos intelectual e volitivo –, «é a consciência com que determinada pessoa age, de que os atos que pratica são ilícitos», i.e., dizemos nós, violam a lei de modo não justificado. Nessa decorrência, o tipo de culpa doloso só se mostrará preenchido quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal; tal não sucederá se o agente atuou na convicção errónea e não censurável de que o seu comportamento estava a coberto da verificação em concreto de uma causa de justificação ou de exclusão da culpa (ou dos seus limites). A sobredita posição doutrinária, que é de adotar, funda-se no princípio da culpa e correlativa distinção tradicional entre a punibilidade a título dolo e de negligência, daí ressumando que no dolo existe um conteúdo de culpa mais pesado e mais grave do que na negligência, pelo que naquela forma de culpa acresce um maior desvalor da culpa ao já de si superior desvalor do ilícito doloso. A doutrina tradicional prevalecente sustentou durante muito tempo que a punição do agente a título de dolo pressupunha, para além da verificação dos elementos intelectual e volitivo do dolo do tipo, que ele agiu sobrepondo conscientemente os seus interesses ao desvalor do ilícito, assim conexionando esta questão ao problema da consciência do ilícito; o agente teria de representar que o facto pretendido era proibido pelo Direito. Diferentemente, Figueiredo Dias [ibidem, pp. 529 e 530], ainda que concordando com a pertinência da observada exigência para a punibilidade de um elemento adicional, extra, ao tipo de dolo, o tal elemento emocional, defende que este elemento se reporta ainda e sempre ao tipo de culpa doloso. Posto isto, independentemente da opção que se assuma relativamente à integração do denominado elemento emocional do dolo no tipo de culpa doloso, que se nos afigura a mais correta, ou no tipo de ilícito, ao nível da consciência da ilicitude, urge concluir que a consciência por parte do agente da contrariedade da sua conduta ao ordenamento jurídico há de constar do libelo acusatório porquanto se trata de um elemento subjetivo do crime, dela dependendo a verificação e punibilidade do comportamento constante da norma incriminadora. Neste sentido, correspondente à jurisprudência largamente maioritária, vejam-se, a título exemplificativo, os seguintes arestos abaixo sumariados, disponíveis in www.dgsi.pt: - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.11.2017, proferido no processo nº 86/16.6GDGMR-B.G1, relatado pelo Exmo. Desembargador Armando Azevedo: «I) Tendo sido deduzida pelo assistente, como sucede no caso dos autos, acusação totalmente omissa quanto à actuação livre da arguida (isto é podia ela agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), se actuou conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e, finalmente, se sabia ser a sua conduta proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude), impõe-se concluir pela sua rejeição, por a mesma ser manifestamente infundada, nos termos do disposto no artº 311º, nº 2, al, a) e 3, als. b) e c), do CPP. II) Esta orientação tem vindo a ser seguida pela jurisprudência dos nossos tribunais, após o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 1/2015, da qual, aliás, só é admissível divergência se existir uma especial fundamentação, não bastando, como in casu a invocação de razões de discordância que não são novas, porquanto já foram rebatidos no referido aresto, correspondendo à posição que ficou vencida.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.09.2019, proferido no Processo nº 40/18.3GAMDB.G1, relatado pela Exma. Desembargadora Ausenda Gonçalves: «(…) II - Assim, deduzida acusação particular com a imputação ao arguido de um crime de difamação, deve considerar-se, como pressuposto fundamental do seu recebimento, que qualquer juízo de culpabilidade teria de vir a assentar na descrição nesse libelo, objectivamente inequívoca, de factos que pudessem vir a sustentar aquela incriminação: a imputação de factos susceptíveis, não apenas de serem reputados como ofensivos da honra e da consideração do assistente, mas, também, de factos que, preenchendo o elemento subjectivo do crime, permitissem assacar ao arguido a responsabilidade penal por tal ofensa. III - Ora, ao preenchimento deste elemento subjectivo exigir-se-ia o dolo (numa das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal), que se desdobra nos chamados elementos intelectual – representação, previsão ou consciência dos elementos do tipo de crime – e volitivo – vontade dirigida à realização daqueles elementos do tipo. Mas, aos elementos intelectual e volitivo, acresce um elemento emocional, que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude, i. é, uma qualquer atitude de contrariedade ou indiferença face ao dever- ser jurídico-penal. IV - A necessidade de alegação dessa atitude de contrariedade ou indiferença por parte do arguido seria imprescindível ao recebimento da acusação, como resulta da jurisprudência reiteradamente afirmada pelos Tribunais Superiores, a começar pelo Supremo, p. ex., no seu AUJ nº 1/2015 (de 20/11/2014 - DR I nº 18/2015, I, de 27/01/2015): «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal». - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.05.2019[8], proferido no Processo nº 267/16.2T9PMS.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Vasques Osório: «I – A acusação deve descrever, pela narração dos respectivos factos, todos os elementos em que se decompõe o dolo. II - O elemento intelectual implica a previsão ou representação pelo agente das circunstâncias do facto portanto, o conhecimento dos elementos constitutivos do tipo objectivo, sejam descritivos sejam normativos. O elemento volitivo consiste na vontade do agente de realização do facto depois de ter previsto ou representado os elementos constitutivos do tipo objectivo – assim revelando a sua personalidade contrária ao direito, para uns, ou uma atitude contrária ou indiferente perante a proibição legal revelada no facto [elemento emocional do dolo], para outros. III - A circunstância de o arguido saber que as expressões que proferiu ofendiam a honra e consideração do recorrente e não se absteve de as proferir, releva para o elemento intelectual do dolo. A circunstância de o arguido saber que essa conduta era punida por lei, releva para consciência da ilicitude. IV- Faltando todos ou algum dos elementos caracterizadores do dolo na narração da acusação, o conjunto dos factos nela descritos não constituirá crime e assim sendo, torna-a inviável e, consequentemente, manifestamente infundada.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.02.2022, proferido no Processo nº 93/20.4GAMDA.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Paulo Guerra: «I – Prescindir da alegação do elemento emocional do dolo eventual omissivo num RAI é despir de rigor uma peça processual fundamental no sentido da definição do âmbito e do objecto do processo a partir dela. II – É necessário, pois, que do texto de um Requerimento de Abertura da Instrução, após um arquivamento do MP, constem factos de onde se retire – de forma completa e não sincopada (com apelo a perigosas generalizações ou indesejáveis analogias ou presunções) - este dolo omissivo eventual, sem margem para dúvidas. III – É essencial que fique escrito no RAI que os eventuais agentes dos crimes em causa tinham consciência da ilicitude dos seus actos e do carácter proibido das suas condutas omissivas (descrevendo até o que lhes era suposto fazer para prevenir o resultado danoso letal ocorrido). IV – O RAI que não descreva aqueles elementos deve ser totalmente rejeitado, nos termos do artigo 287.º, n.º 3, do CPP, por inadmissibilidade da instrução.» - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.03.2023, proferido no Processo nº 915/21.2T9VFR.P1, relatado pela Exma. Desembargadora Paula Guerreiro: «I - A acusação deve conter a alegação positiva da consciência da ilicitude por parte do agente do crime de modo a que essa prova possa ser feita em audiência de julgamento. II - Dispensar tal alegação faria impender sobre a defesa o ónus de demonstrar a sua falta se estivermos perante um caso de erro, nos termos previstos nos artigos 16.º ou 17.º do Código Penal. III - Cabe à acusação fazer prova plena dos factos imputados ao acusado, para afastar a presunção de inocência consagrada no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição; a defesa em processo penal pode limitar-se a uma alegação singela de inocência e a acusação terá de demonstrar, para além de toda a dúvida razoável, que estão reunidas as condições para a condenação em cada caso concreto.» - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.03.2022, proferido no Processo nº 8467/19.7T9LSB.L1-9, relatado pela Exma. Desembargadora Maria do Rosário Martins: «I- É necessário (e quanto ao dolo) verter numa acusação uma exigência da actuação dolosa do agente na realização do facto típico, acrescendo, como elemento emocional, ao conhecimento e vontade de realizar o facto típico (elementos do dolo do tipo), traduzindo-se na indiferença ou oposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma (tipo de culpa doloso), e que terá constar da peça acusatória; II- Assim, a singela afirmação de que a arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal não é inócua e desnecessária, e não é protocolo ou fórmula pré-determinada acolhida pela prática judiciária, sem qualquer valor funcional. Contrariamente, a alegação da consciência da ilicitude, seja com a utilização daquela fórmula ou através da descrição mais objectiva desse facto da vida interior, corresponde à necessidade de descrever um dos elementos do tipo subjectivo, traduzido no dolo da culpa, o qual, segundo as modernas concepções dogmáticas da teoria do crime, constitui uma categoria autónoma, relativamente ao dolo do tipo, ao passo que na concepção tradicional não se distinguia entre os elementos do tipo subjectivo e os elementos do tipo de culpa; III- Ora quando a acusação particular deduzida pela assistente, por um lado, não contém a descrição dos factos integrantes da totalidade dos elementos subjectivos do tipo, necessária para a verificação dos crimes imputados à arguida e, por outro lado, tais elementos em falta não poderão vir a ser aditados em julgamento, a acusação particular deve ser considerada manifestamente infundada por os factos nela descritos não constituírem crime nos termos do disposto no artigo 311º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. d) do C.P.P., tendo-se aqui também em consideração o decidido no AUJ do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão n.º 1/2015 [in Diário da República, 1ª Série, n.º 18, de 27 de janeiro de 2015], o qual fixou jurisprudência no sentido de a falta de descrição na acusação dos elementos subjetivos do crime não poder ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.° do CPP.»
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.01.2023, proferido no Processo nº230/21.1PFLSB.L1-9, relatado pelo Exmo. Desembargador Bráulio Martins: “O dolo é o elemento subjetivo do tipo de crime que consiste no conhecimento (elemento intelectual) dos elementos objetivos desse tipo e na vontade (elemento volitivo) de praticar um certo ato ou de atingir um certo resultado - dolo corresponde, portanto, ao conhecimento e à vontade de praticar um certo ato que é tipificado na lei como crime. O elemento intelectual, ou seja, o conhecimento, desdobra-se em dois vetores, quais sejam, o descritivo e o normativo. Os elementos descritivos do facto típico correspondem a conceitos da linguagem comum, vulgar, como, por exemplo, pessoa para o crime de homicídio e coisa para os crimes de furto ou dano. Os elementos normativos do facto típico são aqueles que, constando do tipo, não são reconduzíveis à linguagem comum, consistindo em conceitos jurídicos derivados de regras legais, como, por exemplo, coisa alheia ou arma branca. Assim, em todos os tipos de dolo, é necessário, em primeiro lugar, representar um facto que preenche um tipo de crime. Representar é um vocábulo com imensos significados, mas o que para aqui importa é o de “trazer à memória”. Assim, representar é ter presente no intelecto, na memória, um determinado cenário (palavra também intimamente ligada à representação), por assim dizer, que corresponde a um (tipo de) crime previsto na lei. Só depois de realizar esta operação intelectual, racional, é possível então atuar com o intuito de levar a cabo a cena que se representou no intelecto.” (Sublinhados nossos)
Nesta questão, não podemos deixar de acompanhar de perto a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que marcou de forma indelével a controvérsia sobre os limites impostos ao juiz de julgamento pelo objeto do processo tal como é definido na acusação, com especial enfoque no preenchimento do elemento subjetivo do tipo – Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº1/2015[9] que fixou a seguinte jurisprudência uniformizadora: "A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e da vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal." Para se compreender, porém, o alcance de tal jurisprudência e das consequências que a mesma aportou ao nível da exigência no que toca à descrição factual suscetível de integrar o elemento subjetivo do tipo legal de crime que se imputa numa acusação, destacamos, os seguintes trechos constantes da fundamentação do mesmo aresto: “Analiticamente, o dolo desdobra-se, portanto, num elemento intelectual e num elemento volitivo ou emocional (para a doutrina tradicional, representada entre nós, principalmente por EDUARDO CORREIA), constituindo este elemento “emocional” um terceiro elemento (autónomo) para novas correntes da doutrina do crime, entre nós representadas por FIGUEIREDO DIAS. 10.2.1. O elemento intelectual implica, desde logo, o conhecimento (previsão ou representação), por parte do agente, das circunstâncias do facto, ou, por outras palavras, o conhecimento dos elementos materiais constitutivos do tipo objectivo do ilícito, incluindo as circunstâncias modificativas agravantes nos tipos qualificados ou agravados. Relativamente aos elementos não descritivos, mas normativos do tipo, como, por exemplo, o carácter “alheio” da conduta e “coisa móvel”, nos crimes patrimoniais, a qualidade de “funcionário”, nos crimes cometidos no exercício de funções públicas, a noção de “documento”, “documento autêntico”, “vale do correio”, “cheque”, “letra de câmbio”, nos crimes de falsificação, etc., exige-se que o agente tenha, não uma noção exacta, do ponto de vista da sua subsunção jurídica, mas um conhecimento da valoração desses elementos que, ao nível próprio das representações do agente, “corresponda no essencial à avaliação jurídica desses factos”, segundo a formulação de MEZGER, ou que tenha um conhecimento dos efeitos práticos usuais ligados aos elementos jurídicos empregados, na formulação de BELEZA DOS SANTOS (apud EDUARDO CORREIA, Direito Criminal, Livraria Almedina, Coimbra, 1968, T. 1.º, p. 374), ou ainda, no pensamento de FIGUEIREDO DIAS, aqui sintetizado, que a representação do agente, ao nível próprio das suas representações, corresponda, no essencial, ao conteúdo da valoração jurídica, «cumprindo assim a função de orientar o agente para a ilicitude do facto» (Direito Penal – Parte Geral, T. 1.º, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2007, pp. 352/353). Isto como regra geral, pois há outros casos de uso de expressões jurídicas mais elaboradas que imporão uma maior exigência de conhecimento, principalmente no direito penal secundário, e outros casos, um menor grau de exigência, em que o conhecimento exigível do agente se limita ao conhecimento dos pressupostos materiais, como nos casos em que a lei fala de “bons costumes”, “ilegitimidade”, “dever de garante”, etc. (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 354). Tudo isto pressupõe que o conhecimento exigível do agente envolva o conhecimento do sentido ou significado correspondente ao tipo de ilícito dos diversos elementos materiais e normativos que o compõem, pois os factos só relevam, como já visto, em função do seu significado jurídico-penal. 10.2.2. O outro elemento do dolo é o elemento volitivo. Consiste ele na vontade, por parte do agente, de realizar o facto típico, depois de ter representado (ou previsto) as circunstâncias ou elementos do tipo objectivo do ilícito. Segundo EDUARDO CORREIA, fiel à sua posição filosófica já explicitada (mundo dos factos naturalísticos, por um lado, e mundo dos valores, por outro) este elemento do dolo não se confunde com o aspecto psicológico, traduzido num simples acto de volição, ou seja, em o agente do facto, tendo representado todos os seus elementos, querer levá-lo avante. Essa relação psicológica entre o facto e o agente é facto “naturalístico”. O que caracteriza o dolo é a vontade do agente, assim manifestada, revelar a sua personalidade contrária ao direito, a sua determinação em sobrepor os seus próprios sentimentos e interesses aos valores tutelados pelo direito criminal. Daí que, para EDUARDO CORREIA, o dolo do tipo legal de crime contivesse já o chamado elemento emocional, traduzido na consciência, por parte do agente, de que realizava um tipo objectivo de ilícito e que tal supunha a sobreposição dos seus interesses egoístas aos valores tutelados pela lei. Já FIGUEIREDO DIAS distingue entre dolo do tipo (de ilícito) e o dolo enquanto pertencente ao tipo de culpa. Segundo a sua concepção, «o dolo não pode esgotar-se no tipo de ilícito (por consequência, não é igual ao dolo do tipo), mas exige do agente um qualquer momento emocional que se adiciona ao elemento intelectual e volitivo contidos no conhecimento e vontade de realização”; uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas», revelada pelo agente no facto e que justifica a punição a título de dolo. Esse elemento, porém, já não pertence ao tipo de ilícito, mas à culpa ou ao tipo de culpa. (Ob. cit., p. 350). 10.2.3. O dolo nem sempre reveste a modalidade de dolo directo ou intencional (quando o agente quer o facto criminoso), mas também outras modalidades, como o dolo necessário (quando o agente não quer o facto como alvo a que se dirigisse, mas prevê-o como consequência necessária da sua conduta) e dolo eventual (quando o agente prevê o facto como possível, conformando-se com o resultado), todas estas modalidades sendo enunciadas no art. 13.º do CP. Ora, a acusação tem de descrever os elementos em que se analisa o dolo, ou seja: o conhecimento (ou representação ou, ainda, consciência em sentido psicológico) de todas as circunstâncias do facto, de todos os elementos descritivos e normativos do tipo objectivo do ilícito; a intenção de realizar o facto, se se tratar de dolo directo, ou a previsão do resultado danoso ou da criação de perigo (nos crimes desta natureza) como consequência necessária da sua conduta (tratando-se de dolo necessário), ou ainda a previsão desse resultado ou da criação desse perigo como consequência possível da mesma conduta, conformando-se o agente com a realização do evento (se se tratar de dolo eventual). (Sublinhado nosso) A acrescer a esses elementos teríamos o tal elemento emocional, traduzido na atitude de indiferença, contrariedade ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma e fazendo parte, como vimos, do tipo de culpa doloso, na doutrina de FIGUEIREDO DIAS. Tudo isso, que tradicionalmente se engloba nos elementos subjectivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter actuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude). (…) a acusação, enquanto delimitadora do objecto do processo, tem de conter os aspectos que configuram os elementos subjectivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo, quer o dolo do tipo de culpa no sentido referido, englobando a consciência ética ou consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal, ou seja: a determinação livre do agente pela prática do facto, podendo ele agir de modo diverso; o conhecimento ou representação, de todas as circunstâncias do facto, tanto as de carácter descritivo, como as de cariz normativo e a vontade ou intenção de realizar a conduta típica, apesar de conhecer todas aquelas circunstâncias, ou, na falta de intenção, a representação desse evento como possível, conformando-se o agente com a sua produção (dolo eventual), atuando, assim, conscientemente contra o direito”. (sublinhado nosso) Cabe aferir, perante o teor da acusação, se a mesma descreve factos suficientes para se considerar estar preenchido o elemento subjetivo, isto é, o dolo sob qualquer das suas formas. A este nível, a acusação relata a seguinte factualidade: “2. A arguida conhecia bem as características do objecto que consigo trazia e estava ciente que o mesmo é susceptível de causar lesões ou até a morte a outrém. 3. A arguida não apresentou qualquer justificação para a detenção de tal objecto, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, bem sabendo que era proibida e punida por lei, não obstante quis detê-lo e utilizá-lo”. Pese embora se trate de um caso que consideramos de fronteira, não se ignorando as pertinentes considerações tecidas no douto parecer que transcrevemos[10], a verdade é que não se mostra descrita factualidade que permita preencher integralmente o elemento subjetivo nos termos exigentes impostos pelo aludido AUJ. Nesta parte, aderimos ao que consta da decisão recorrida, enfatizando o segmento que se transcreve: «Com efeito, a acusação contém a descrição dos factos integradores dos elementos objectivos do tipo legal de crime, dos que concernem ao elemento cognitivo do dolo do tipo, e a consciência da ilicitude, mas dela não consta facto algum referente ao elemento volitivo do dolo do tipo, quer dizer, quanto à vontade livre de realização das condutas objetivas. Isto é, que a arguida tivesse agido voluntariamente e livre no seu processo de decisão. A mesma é omissa quanto aos elementos subjetivos do crime na perspetiva da culpa, no caso da «culpa dolosa», normalmente traduzida na fórmula “agiu de forma livre, voluntária e conscientemente”. Efectivamente, nada se refere na acusação quanto à determinação livre da arguida pela prática do facto, podendo ela agir de modo diverso (afastamento das causas de exclusão da culpa – a arguida pôde determinar a sua acção), normalmente traduzida na fórmula “agiu de forma livre”. Não está descrita na acusação factualidade recondutível à “liberdade de decisão” da arguida, traduzida no poder ter agido de modo diverso, em conformidade com o direito ou o dever-ser jurídico, denominado por Figueiredo Dias por “tipo-de-culpa dolosa” «como a expressão, documentada no ilícito-típico, de uma atitude pessoal contrária ou indiferente ao dever-ser jurídico-penal» - (cfr. Direito Penal, 1975, Universidade de Coimbra, pág. 184/185), permitindo a sua presença afastar as causas de exclusão da culpabilidade, como circunstâncias (impeditivas da atribuição culposa ao seu autor de determinado ato considerado ilícito pela lei) que anulam o conhecimento ou a vontade do agente.» O elemento volitivo do dolo relaciona-se com a vontade de realizar um ilícito-típico, ou seja, após conhecer os elementos típicos do crime o agente toma voluntariamente a decisão de realizar o tipo de ilícito, por acção ou omissão. A nossa doutrina exige ainda do agente um momento emocional que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo, uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas ou sobreposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma, revelada pelo agente no facto e que justifica a punição a título de dolo. E de acordo com a jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº nº1/2015, tal menção não pode ser prescindida, sem que se considere que não se mostram narrados factos suscetíveis de preencher o dolo em todas as suas vertentes. Pese embora se seja tentado a considerar que o mesmo exige um procedimento excessivamente formalista, trata-se de fazer constar da acusação factos de onde se retire, de forma completa e expressa e não com recurso a generalizações, analogias ou presunções a presença do elemento subjetivo, sem margem para dúvidas. Não vislumbramos motivo para divergir da mencionada jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça e a argumentação recursória expendida pelo Ministério Público, nada traz de inovador face à matéria de direito que foi abundantemente apreciada naquela decisão do Colendo STJ. Destarte, mostrando-se insofismável que a acusação é omissa no que tange à alegação de factos tendentes a integrar o elemento emocional do dolo do tipo de culpa relativamente ao crime imputado à arguida, não podendo tal omissão ser suprida, em fase de julgamento, com recurso aos mecanismos previstos nos artigos 358º ou 359º do Código de Processo Penal, é de manter a douta decisão recorrida que rejeitou a acusação, pois que, a mesma enferma da nulidade, prevista no artigo 283º, nº 3 do Código de Processo Penal. Improcede o douto recurso do Ministério Público e confirma-se o despacho recorrido considerando-se que o mesmo não violou qualquer disposição legal, nomeadamente as mencionadas pelo Recorrente - artigos 124º, 283º nº3 alínea b), 311º e 312º do Código de Processo Penal.
III. DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao douto recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo a douta decisão recorrida.
Sem tributação, atenta a isenção legal de que beneficia o recorrente (artigo 522º, nº1, do Código de Processo penal e artigo 4º, nº1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais). (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários - artigo 94º, n.º 2, do CPP) Coimbra, 30-04-2025 Os Juízes Desembargadores Fátima Sanches (Relatora) Cândida Martinho (1ª Adjunta) Maria José Guerra (2º Adjunto) (Data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas) [1] Neste sentido, vd. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de dezembro de 1995, que fixou jurisprudência no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”. [2] In Diário da República, série I-A, de 26 de março de 1993. [4] In “Curso de Processo Penal”, III, 2ª Edição, Revista e atualizada, pág. 113. [5] Cf. artigo 2º, n.º 2, 4), da Lei n.º 43/86, de 26 de setembro. [6] Processo nº324/17.8GAMCD-A.G1, Juiz Desembargador relator, Armando Azevedo, disponível para consulta em www.dgsi.pt |