Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
211/20.2T9ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL GAIO FERREIRA DE CASTRO
Descritores: OBJECTO DO PROCESSO
FACTOS RELEVANTES PARA A DECISÃO DA CAUSA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS
ACTO DE SUBTRACÇÃO
CRIME DE FURTO
FURTO DE ELECTRICIDADE
CRIME DE EXECUÇÃO PERMANENTE
ADULTERAÇÃO DO CONTADOR DE ENERGIA
Data do Acordão: 12/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 203.º, N.º 1, E 204.º, N.º 2, ALÍNEA A), DO CÓDIGO PENAL
ARTIGO 358.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - A alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não é de considerar substancial quando aqueles se integram na narrativa do facto histórico unitário, tendo com estes «uma relação de unidade sob o ponto de vista subjetivo, histórico, normativo, finalista, sociológico, médico, temporal, etc.», ainda que constituída por um complexo de actos, prolongado por um período temporal e/ou estendido por uma área espacial mais alargados, desde que se mantenha a identidade naturalística que constitui o objecto do processo sujeito a julgamento e por serem relevantes para a decisão o seu conhecimento pressupõe o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º, n.º 1, C.P.P.

II - Não há «alteração substancial de factos» nem «alteração não substancial de factos» quando o tribunal se limita a esclarecer, pormenorizar ou concretizar os factos que já constam da acusação.

III - Só mediante análise casuística, comparando a acusação/pronúncia e a sentença, se pode aferir da eventual relevância dos desvios operados nesta em relação à narrativa vertida naquelas e concluir, por um lado, se todos os factos aditados/alterados na sentença constituem, ou não, o desenvolvimento dos já sinalizados na acusação/pronúncia e, por outro, se o desvio detectado colide, ou não, de forma intolerável, com o exercício dos direitos da defesa.

IV - Se o tribunal se limitou a descrever a mesma realidade fáctica de forma diversa, mais pormenorizada e consentânea com o que resultou apurado, em nada alterando o núcleo essencial do objecto processual, a alteração da qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido não resulta da alteração de factos, mas antes da subsunção jurídico penal efectuada pelo tribunal a quo.

V - A lei penal consagra a teoria ampla de ablatio, que inclui não apenas a transferência física para o domínio fáctico de outrem, mas também a transferência simbólica, pois em alguns casos não há deslocação e nem mesmo apreensão física da coisa.

VI - Estando subjacente à definição da subtracção a finalidade de fazer entrar a coisa no domínio de facto do agente da infracção, são indiferentes as modalidades e os meios de execução da conduta, que podem ser variados, mais ou menos sofisticados ou engenhosos, como, por exemplo, captação de energia a montante do equipamento de medição ou controlo de potência ou consumo, a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal daquele tipo de equipamentos, bem como a alteração dos dispositivos de segurança dos equipamentos, levada a cabo, nomeadamente, através da quebra dos selos ou por violação dos fechos ou fechaduras.

VII - Segundo a doutrina e a jurisprudência maioritárias, a electricidade integra-se no conceito jurídico-penal de coisa móvel [alheia].

VIII - Pese embora o furtum rei seja de execução instantânea, o furto de electricidade que se prolonga no tempo assume a natureza de crime de execução permanente.

IX - Configura a prática de um crime de furto a apropriação de energia eléctrica, que foi consumida e não foi paga, à revelia, sem o conhecimento e contra a vontade da EDP, mediante a adulteração do contador de energia, com substituição de alguns dos seus componentes, fazendo com que o valor da corrente de entrada assumido pelo contador fosse inferior ao valor real de energia efectivamente consumida, levando a que fosse facturado e pago um valor inferior ao efectivamente consumido.

Decisão Texto Integral:

I. - RELATÓRIO

1. - O Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, nos termos do artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, dos arguidos AA … e BB …  factos suscetíveis de configurarem a prática, em coautoria, na forma consumada e em concurso efetivo, de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. a), bem como um crime de quebra de marcas e de selos, previsto e punível pelo artigo 356.º, todos do Código Penal.

2. - Realizou-se a audiência de julgamento, no Juízo Local Criminal de Alcobaça, tendo, no decurso da mesma, sido proferido o seguinte despacho:

«Da prova produzida em audiência de julgamento resulta susceptível de o Tribunal vir a considerar como provados factos distintos dos constantes da acusação e que consubstanciam uma alteração não substancial de factos nos termos do art.º 1º, al. f), a contrário, do Código de Processo Penal).

É assim susceptível de o Tribunal vir a considerar  provado:

1. Desde 2010 que a sociedade … é titular de contratos de fornecimento de energia eléctrica para o referido local, e nessa sequência, foi colocado um contador pela Demandante.

2. Em data concretamente não apurada mas seguramente antes de 18.09.2015, o arguido AA … elaborou um plano com vista a que parte do consumo de electricidade, por parte da sociedade comercial que geria, não fosse contabilizada pela demandante, de forma a não pagar o correspondente preço.

3. Assim, e na execução de tal plano, no dia 22.04.2015 ou no dia 18.09.2015, o arguido AA …, por si ou através de alguém a seu mando, abriu os selos que se encontravam colocados no contador, pelo fabricante do mesmo, e trocou as três resistências que se encontravam no circuito electrónico do equipamento.

4. Assim, em consequência da conduta do arguido AA …, o referido contador registou menos 27,63% da energia consumida, o que corresponde, no período que decorreu entre o dia 16.01.2016 e o dia 15.01.2019, ao consumo indevido de 467.979 KWH (sendo 244.982 de energia consumida, no valor de €26.827,14 e 222.997 de energia reativa, no valor de €10.637,65) perfazendo a quantia de € 37.464,79, e a quantia de € 7.011,25 referente à potência indevidamente tomada.

5. sem que tais valores fossem contabilizados e sem que o arguido AA …, enquanto representante da sociedade …, pagasse o respectivo preço.

6. O arguido AA … ao proceder da forma descrita, nomeadamente, operando ou mandando operar a referida inversão de resistências, agiu querendo que a energia eléctrica consumida na empresa … não fosse inteiramente contabilizada, obtendo assim um beneficio ilegítimo correspondente ao valor da energia não contabilizada, de € 44 476,04, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento da demandante, à qual seria pago o respectivo fornecimento de electricidade.

Por outro lado, entende-se que tal conduta é susceptivel de configurar não um crime de furto qualificado, p.p. nos art. 203.º nº 1 e 204.º nº 2 al. a) do código Penal mas sim um crime de burla qualificada, p.p. nos art. 217.º e 218.º nº 2 al. a) do código Penal.

Assim comunica-se à defesa, a presente alteração não substancial de factos e da qualificação júridica dos factos, nos termos d preceituado no artigo 358.º, n.º 1 e 3 do Código Processo Penal, para, querendo requerer o que tiver por conveniente.»

Dada a palavra ao Ilustre Mandatário dos arguidos, no uso da mesma disse nada ter a requerer.

3. - Foi proferida sentença, na qual decidiu o tribunal a quo:

«- Declarar prescrito o procedimento criminal quanto ao crime de  quebra de marcas e de selos, p.p. no art. 356.º do Código Penal;

- ABSOLVER o arguido BB … da prática, em co-autoria material de um crime de furto qualificado, p.p. nos art. 203.º nº 1 e 204.º nº 2 al. a) do código Penal;

- ABSOLVER o arguido AA … da prática, em co-autoria material de um crime de furto qualificado, p.p. nos art. 203.º nº 1 e 204.º nº 2 al. a) do código Penal e CONVOLANDO a imputação constante da acusação, em consonância com a alteração da qualificação jurídica efectuada:

- CONDENAR o arguido AA … pela prática, em autoria de um crime de burla qualificada, p.p. nos art. 217.º e 218.º nº 2 al. a) do código Penal na pena de 4 (quatro) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período, subordinada à obrigação de pagar à demandante a quantia de €44.476,04 (quarenta e quatro mil, quatrocentos e setenta e seis euros e quatro cêntimos), em quatro prestações anuais, iguais e sucessivas de  €11.119,01 (onze mil, cento e dezanove euros e um cêntimos), a primeira a ser paga no prazo de 1 (um) ano após transito em julgado da condenação e as outras no mesmo dia dos anos subsequentes.

- Determinar a recolha de amostra de ADN do arguido AA …e a sua inserção nas bases de dados de perfis de ADN, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2, 15.º, n.º 1, alínea e), e 18.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2008, de 12 de Fevereiro.

- JULGAR parcialmente o pedido de indemnização civil deduzido por E-REDES — Distribuição de Eletricidade, S.A. (anteriormente denominada EDP Distribuição — Energia, S.A.) e em consequência, CONDENAR  o demandado AA … a pagar à demandante o montante de €44.476,04 (quarenta e quatro mil, quatrocentos e setenta e seis cêntimos e quatro cêntimos), a que acrescem de juros de mora, computados à taxa legal para as operações civis, actualmente fixada em 4%, desde a data da notificação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado e absolvendo BB do pedido.

*

            4. - Inconformado, veio o arguido condenado, AA …, interpor recurso, apresentado a respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões e petitório [transcrição]:

«(…)

1.ª QUESTÃO Alteração substancial dos factos


b) O tribunal a quo, alterou a qualificação jurídica dos factos, posto que a acusação imputa ao arguido a prática em coautoria material de um crime de furto qualificado p.p., pelos artigos 203.º n.º 1 e 204.º n.º 2 al. a) do Código Penal, ao passo que


c) na sentença recorrida se julgou que a facticidade narrada se subsume não a este, mas ao crime de burla p.p. pelos artigos 217.º e 218.º n.º 2 al. a) do Cód. Penal, pelo qual, aliás, o arguido vem surpreendentemente condenado.


d) Cotejando um e outro não resta a menor dúvida que o crime pelo qual o arguido foi condenado representa uma séria agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

e) Basta ver que crime de burla é punido unicamente com pena de prisão ao passo que o de furto admite   pena de multa e aquele é punido com pena de prisão até 8 anos enquanto este é punido com pena  de prisão até 5 anos ou, como dito, pena de multa.

f) O crime de furto e o crime de burla qualificada representam realidades ou pedaços de vida bem distintas, e, portanto, a condenação do arguido pelo crime de burla, representa uma alteração essencial do sentido da ilicitude típica do comportamento do arguido e, por isso, constitui outrossim uma alteração substancial dos factos.


g) No próprio dia da leitura da sentença, que já vinha ditada, o tribunal a quo surpreendeu tudo e todos quando proferiu despacho constante na acta e mediante o qual comunicou a alteração da matéria de facto e da qualificação jurídica que qualificou como alteração não substancial quando, de facto, se trata de uma alteração substancial.

h) Ouvindo a gravação da sessão do dia 15.05.2024, o que se verifica é que otribunal nadacomunicou (compreenda-se: explicaraoarguidooque estava prestes a acontecer e questionar se concordava com o prosseguimento do julgamento), posto que se limitou a perguntar ao arguido se desejava acrescentar algo à sua defesa.


i) Insista-se: o que se alcança é que o arguido não foi informado pelo tribunal – e tem de o ser - que a convolação para o crime de burla implica uma séria agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.


j) O tribunal teria – e tem - de o informar que o crime de furto pelo qual está acusado era punível com pena de prisão até 5 anos ou de multa até 600 dias,ao passo que o crime de burla pelo qual iria, aliás, veio ser condenado é punível unicamente com pena de prisão com um mínimo de 2 anos e um máximo de 8 anos.


k) O que o tribunal a quo teria de fazer era perguntar se o arguido dava o seu acordo à continuação do julgamento face à alteração substancial dos factos, na medida em que, no juízo do tribunal a quo, se indiciava a prática do crime de burla que é punido de forma muito mais gravosa do que aquele pelo qual vinha acusado.


l) Tampouco foi explicado ao arguido que caso não desse o seu acordo à alteração dos factos e da qualificação jurídica (que o poderia fazer) o tribunal não o poderia ali julgar e condenar.


m) Porque estava presente, e cumprido que seja o dever do tribunal de o esclarecer das consequências e do direito de oposição, o acordo do arguido deve ser dado pessoal e expressamente.

n) E o silêncio do arguido não vale como acordo para continuação do julgamento quando o tribunal comunica ao arguido estar-se perante uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação quando, de facto, é substancial.

o) Além de alterar a qualificação jurídica para um crime mais grave, o tribunal a quo introduziu à acusação, que constitui o thema decidenduum, profundas, aliás, substanciais alterações à matéria de facto alterando em especial os pontos 1, 2, 3 e 4.

p) As alterações introduzidas pelo tribunal à acusação, alargou o campo cognitivo, pois para a acusação a atividade se terá desenvolvido entre 02 de abril de 2018 a 15 de Janeiro de 2019 ao passo que a sentença vem estender ou esticar esse período de 22.04.2015 ou no dia 18.09.2015 a 15.01.2019.

q) O que, está claro, representa um agravamento da posição do arguido que assim se vê confrontado em julgamento com uma realidade com que não contava dado se tratar de um quadro fático completamente distinto daquele com que havia organizado a sua defesa.

r) É inconstitucional, por violação do artigo 32.º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do art.º 359.º do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de, em situação em que o tribunal de julgamento comunica ao arguido estar-se perante uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, quando a situação é de alteração substancial da acusação, pode o silêncio do arguido ou a resposta “nada mais a declarar” ser havido como acordo com a continuação do julgamento. De todo o modo,


2.ª QUESTÃO Infração às regras da competência do tribunal


s) É insanável a nulidade decorrente da infração às regras de competência do tribunal – Art. 119.º al. b) e e) do CPP, sendo do conhecimento oficioso e a todo o tempo.

t) O tribunal a quo só podia prosseguir com a continuação do julgamento, como decorre do disposto o  artigo 358.º n.º 3 in fine do CPP “se estes não determinarem a incompetência do tribunal” e, no caso concreto, a competência para o julgamento do crime pelo qual o arguido foi condenado é do tribunal coletivo, conforme preceitua o artigo 14.º n.º 2 al. b) do CPP.


u) É inquestionável que o tribunal singular não tem competência para julgar o crime de burla, p. p. pelos artigos 217.º e 218.º n.º 2 al. a) do Cód. Penal, precisamente porque cominado com pena de prisão superior a 5 anos.



w) É inconstitucional, por violar o artigo 32.º n.º 9 da Constituição a norma extraída dos artigos 16.º e 358.º n.º 3 do CPP na interpretação de que a competência atribuída ao tribunal singular se estende à continuação do julgamento quando a alteração da qualificação jurídica implica o julgamento pelo tribunal coletivo.


3.ª QUESTÃO Violação do princípio da legalidade


z) Ao qualificar rectius convolar o crime de furto de que o arguido vinha acusado para o crime de  burla agravada, o tribunal a quo violou o princípio da legalidade plasmado no artigo 1.º n.º 1 do Código Penal com referência ao artigo 29.º n.º 1 da Constituição.


aa) A conduta imputada ao arguido foi ter alterado ou mandado alterar o funcionamento do contador de eletricidade de modo a não pagar a totalidade da energia elétrica que a empresa A..., da qual era administrador, consumia no desenvolvimento da sua atividade comercial.


bb) Na apropriação de energia elétrica não se verifica uma aprehensio rei em sentido estrito, enquanto apreensão material da coisa pelo agente, consumando-se, ao invés, pela disposição atual e imediata da coisa, que se concretiza na sua utilização e consumo sendo o furto um crime de realização livre.


cc) Aquele que porsi ou através de terceiromanipulaocontadorde modo a contar menos do que aquilo que efetivamente gasta, pratica um crime de furto, sendo desta forma tratado e qualificado na doutrina e jurisprudência dominante.

dd) É o próprio legislador quem hodiernamente classifica a infração sub judice, como Apropriação  indevida de energia, prevista e regulada no artigo 250 e segs. do Decreto-lei n.º 15/2022 de 14 de janeiro.

ee) É inconstitucional, por violar o artigo 29.º n.º 1 da Constituição a norma extraída do artigo  n.º n.º 1 conjugado com o artigo 218.º n.º 2 do Código Penal na interpretação de que a conduta de apropriação de energia elétrica é subsumível aocrime de burla e nãoaocrime de furto.


4.ª QUESTÃO Atipicidade da conduta para o crime de burla


ff) A conduta imputada ao arguido, mesmo com as alterações substanciais introduzidas é atípica para o cometimento do crime de burla.


gg) Na burla, enquanto crime de participação necessária, a astúcia tem de não só levar a vítima a representar realidade diversa daquela que efetivamente se verifica como e, cumulativamente, consequência do erro, tem o enganado de praticar actos de disposição patrimonial a favor do burlão ou de terceiros.


hh) Da factualidade assente não se vislumbra, por um lado, que factos astuciosos, como mentira qualificada, manha ou ardil (e a quem se dirigiu?) possa o arguido ter praticado, e, por outro lado, não consta quem é que foi ou possa ter sido enganado por uma concreta atuação burlona do arguido.


5.ª QUESTÃO A factualidade integra o crime de furto simples na forma continuada.


ll) O que a prova produzida nos autos nos diz é que, a ter havido crime, é o crime de furto simples p. p. no artigo 203.º n.º 1 do Código Penal, embora na forma continuada. Ora,


mm) Para que o arguido possa ser condenado por um crime de furto qualificado é necessário que da acusação constem factos que integram a previsão da respetiva circunstância qualificativa, mas também que dela resulte inequivocamente queo valor (circunstância qualificativa) do furto mais alto é superior a valor elevado.


pp) O tribunal a quo deu por assente que entre o período de 16.01.2016 a 15.01.2019 (36 meses) o valor total da energia alegadamente subtraída ou furtada ascendeu a 44476,04€. Mas,


qq) O tribunal a quo não atendeu ao teor dos documentos 1215 a 1219 do processo digital do qual resulta apodítico que o cálculo do valor da coisa subtraída foi apurado mensalmente – e não poderia ser de outra forma – mais resultando que o valor mais alto diz respeito ao período de 02.04.2018 a 15.05.2018 no total de 1299, 51€.


rr) Considerando que no ano de 2018 a UC estava fixada em 102,00€, fácil é de compreender que aquele valor é bastante inferior aos 5100,00€ previstos no artigo 202.º al. a) ex vi artigo 204.º n.º 1 al. a), ambos do Código Penal. Ainda,

ss) O tribunal a quo não reteve a alegação/confissão da queixosa que o consumo é medido mensalmente e que o seu prejuízo corresponde a cada um desses períodos, num total de 36 meses (ocasiões) conforme, aliás, decorre dos artigos 34.º a 37.º da queixa-crime e dos referidos cálculos constantes nos documentos de páginas 1215 a 1219 e que foram juntos com a queixa.


vv) É consabido que a lei concebe o crime continuado como um único crime, portanto, como uma unidade criminosa, uma unidade do facto, normativamente construída.


ww) É requisito do crime continuado a existência de uma pluralidade de condutas violadoras do mesmo bem jurídico ou de bens jurídicos fundamentalmente idênticos.

xx) Paraefeitos penais, adeterminaçãodovalordacoisasubtraída, sendo um elemento decisivo para qualificação jurídica do crime de furto, tem de ser feita, em concreto, ou seja, exige-se que se proceda ao apuramento de um valor exato ou aproximado, em termos objetivos, por cada um dos actos em concurso.
yy) Ratio essendi para a absolvição do arguido. Acresce que


6.ª QUESTÃO Extinção do direito de queixa


zz) A natureza pública ou semi-pública no crime continuado determina-se através do valor mais alto de qualquer das actividades continuadas.” -Ac. da RC de 28.10.2009

 
aaa) Nos termos previstos no n.º 3 do artigo 203.º, do CP, o procedimento criminal pelo crime de furto (simples) depende de queixa e esta deve ser apresentada no prazo de 6 meses (art. 115.º/1 do Cód. Penal).

bbb) In casu a queixa foi apresentada no dia 09.03.2020 e conforme a sentença recorrida, o último acto praticado foi no dia 15.01.2019, que, aliás, coincide com o dia em que a queixosa teve conhecimento da alegada adulteração do contador, pelo que quando foi apresentada a queixa já estavam decorridos mais de 6 meses. Destarte,


7.ª QUESTÃO Vício de insuficiência da decisão para a matéria de facto.


8.ª QUESTÃO Violação do princípio constitucional in dubio pro reo.



9.ª QUESTÃO Pontos de facto incorretamente julgados,


».

5. - A Ex.ma Magistrada do Ministério Público junto da 1.ª instância apresentou resposta ao recurso, …

6. - Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Coimbra, nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, …

7. - Cumprido o estatuído no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta ao sobredito parecer.

           

8. - Colhidos os vistos e realizada a conferência, em consonância com o estatuído no artigo 419º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.


*


            II. – FUNDAMENTAÇÃO

1. – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

            …[1]

[2].

            …

            Posto isto, observando, como se impõe, o antedito critério de conhecimento das questões a apreciar e a decidir, serão estas as seguintes:

            - A sentença padece de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada?

            - Foram incorretamente julgados os pontos 4 e 7 a 15, inclusive, da matéria de facto?

- Foi violado o princípio in dubio pro reo?

            - A alteração dos factos descritos na acusação é substancial?

- Ocorreu infração às regras da competência do tribunal?

            - Foi efetuada errada subsunção jurídico penal dos factos?

- O Ministério Público carece de legitimidade para promover o procedimento criminal?

                                               

            2. – DECISÃO RECORRIDA

            A sentença tem o seguinte teor, nas partes mais relevantes para a economia do presente recurso, que ora se transcrevem:

«II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A. Factos provados

Da prova produzida e com interesse para a boa decisão da causa resultou provado que:

1. A E-Redes – distribuição de eletricidade SA é uma operadora de redes de distribuição de electricidade, competindo-lhe o estabelecimento e exploração de redes dessa natureza em regime de serviço público e em exclusivo.

2. Por deliberação de 31.12.2011 registada pela AP. …, o arguido AA … foi designado Presidente do Conselho de Administração da sociedade …., o que cessou por renuncia de 23.11.2016, …

3. Por deliberação de 23.11.2016 …, o arguido BB … foi designado Presidente do Conselho de Administração da sociedade …., o que cessou por renuncia de 03.10.2022, …

4. Não obstante tal nomeação, AA continuou a exercer as funções que desempenhava anteriormente, tomando todas as decisões respeitantes à aludida sociedade comercial.

5. As instalações da sociedade …, situam-se na Rua …

6. Desde 2010 que a sociedade … é titular de contratos de fornecimento de energia eléctrica para o referido local, e nessa sequência, foi colocado um contador pela Demandante, sendo que desde 2018 a electricidade utilizada naquele estabelecimento, à data dos factos, era fornecida pela Demandante, através de contrato estalecido entre a sociedade “…”, e o comercializador “B..., Lda”.

7. Em data concretamente não apurada mas seguramente antes de 18.09.2015, o arguido AA … elaborou um plano com vista a que parte do consumo de electricidade, por parte da sociedade comercial que geria, não fosse contabilizada pela demandante, de forma a não pagar o correspondente preço.

8. Assim, e na execução de tal plano, no dia 22.04.2015 ou no dia 18.09.2015, o arguido AA …, por si ou através de alguém a seu mando, abriu os selos que se encontravam colocados no contador, pelo fabricante do mesmo, e trocou as três resistências que se encontravam no circuito electrónico do equipamento.

9. Após, voltou a colocar os selos no contador, reapertando-os.

10. Assim, operando-se inversão das resistências, conforme descrito, as medições de corrente nos circuitos primários e secundários na entrada eram superiores aos registados pelo contador, fazendo com que o valor de corrente de entrada assumido pelo contador fosse inferior ao valor real da energia consumida.

11. Assim, em consequência da conduta do arguido AA …, o referido contador registou menos 27,63% da energia consumida, o que corresponde, no período que decorreu entre o dia 16.01.2016 e o dia 15.01.2019, ao consumo indevido de 467.979 KWH (sendo 244.982 de energia consumida, no valor de €26.827,14 e 222.997 de energia reativa, no valor de €10.637,65) perfazendo a quantia de € 37.464,79, e a quantia de € 7.011,25 referente à potência indevidamente tomada.

12. sem que tais valores fossem contabilizados e sem que o arguido AA …, enquanto representante da sociedade A..., pagasse o respectivo preço.

13. O arguido AA … ao proceder da forma descrita, nomeadamente, operando ou mandando operar a referida inversão de resistências, agiu querendo que a energia eléctrica consumida na empresa …. não fosse inteiramente contabilizada, obtendo assim um beneficio ilegítimo correspondente ao valor da energia não contabilizada, de € 44 476,04, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento da demandante, à qual seria pago o respectivo fornecimento de electricidade.

14. O arguido AA … sabia que rompia, abria, estragava os selos apostos legitimamente pelo fabricante do contador no contador e que serviam para identificar e tornar inviolável o mesmo, todavia, não obstante tal conhecimento quis agir conforme o descrito, sabendo que tal não lhe era permitido.

15. Agiu o arguido AA … sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tais condutas são proibidas e punidas pela lei penal.

B.         Factos não provados

 

                *

C. Motivação da decisão de facto:

III. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

Os arguidos vêm acusados da prática em co-autoria, na forma consumada e em concurso efectivo, um crime de furto qualificado, p.p. nos art. 203.º nº 1 e 204.º nº 2 al. a), bem como um crime de quebra de marcas e de selos, p.p. no art. 356.º, todos do CP.

a) Do crime de quebra de marcas e de selos

Dispõe o artigo 356.º do Código Penal que “Quem abrir, romper ou inutilizar, total ou parcialmente, marcas ou selos, apostos legitimamente, por funcionário competente, para identificar ou manter inviolável qualquer coisa ou animal, ou para certificar que sobre estes recaiu arresto, apreensão ou providência cautelar, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.”.

No caso em apreço apurou-se que a abertura do contador e manipulação dos selos ocorreu no dia 22.04.2015 ou no dia 18.09.2015.

Assim, à data dos factos, o artigo em causa dispunha que “Quem abrir, romper ou inutilizar, total ou parcialmente, marcas ou selos, apostos legitimamente, por funcionário competente, para identificar ou manter inviolável qualquer coisa, ou para certificar que sobre esta recaiu arresto, apreensão ou providência cautelar, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”.

Sendo o crime em causa punível à data dos factos, como agora, em abstracto, com pena de prisão até 2 anos, é de 5 anos o prazo de prescrição do procedimento criminal (cfr. alínea c) do n.º 1 do artigo 118.º do Código Penal).

Compulsados os autos, verifica-se a primeira causa de interrupção verificada ocorreu com a constituição de arguido (artigo 121.º, n.º 1, al. a) do Código Penal), que ocorreu em 12.02.201 relativamente a BB e em 09.04.2021 relativamente a AA.

Assim, constatamos que quando os arguidos assim foram constituídos já haviam decorridos os 5 anos de prescrição do aludido crime.

Ora, do que ficou dito não há dúvidas que se encontra prescrito o procedimento criminal, porquanto durante o decurso do prazo prescricional de 5 anos nenhuma causa de interrupção ou suspensão da prescrição se verificou desde a consumação do crime.

Face ao exposto, declaro extinto, por efeito da prescrição, o procedimento criminal pela prática do crime de quebra de marcas e de selos, p.p. no art. 356.º do Código Penal.

b) Do crime de furto qualificado

Estatui o artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal que “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”, sendo nos termos da alínea a)  do n.º 2 do artigo 204.º a pena de prisão de 2 a 8 anos.

O bem jurídico protegido por esta incriminação é, mais do que a propriedade, a “disponibilidade da fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica” (Faria Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Coimbra Editora, 1999, Tomo II, p. 30).

São elementos objectivos deste crime:

a) A subtracção, traduzida na conduta que faz com que as utilidades da coisa saiam do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, e entrem no domínio do facto do agente, provocando assim a ruptura de uma detenção originária e, consequentemente, a constituição de uma nova detenção. A este nível importa salientar que para a concretização da subtracção não se exige a efectiva apreensão da coisa, bastando que a vítima fique desapossada e a coisa fique na disponibilidade do agente ou de terceiro (neste sentido, José Barreiros, in “Crimes Contra o Património”, Universidade Lusíada, p. 23);

b) De uma coisa alheia, ou seja, substância corpórea, material, susceptível de apreensão, pertencente a alguém e que tenha um valor patrimonial juridicamente relevante, cujo proprietário terá de ser, necessariamente, pessoa diversa do agente que a subtrai.

No que concerne à vertente subjectiva deste tipo de crime, exige-se que a conduta seja dolosa, nos termos do artigo 14.º do Código Penal, e acrescida de um dolo específico, assente na “ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa”.

A subtracção pode ser definida como a actuação que determina que a coisa se desloque do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Razão pela qual a subtracção implica “a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa. No entanto, aquela eliminação não é, no furto, um facto que não tenha reflexos na esfera patrimonial, ainda que só fáctica, do agente da infração. Ou seja: o agente da infracção lança sobre a coisa um novo poder de facto. Donde a subtracção se postula como a condição sine qua non para a realização dessa nova realidade.” (José de Faria Costa, in: ob. cit., pág. 43-44).

Em relação ao conceito de coisa para efeito de tutela penal patrimonial, explica José de Faria Costa (in ob. cit. pág. 34) que “coisa deve ser valorada mais no sentido que o comum das pessoas (a esfera do valor de uso das palavras referidas a um leigo) empresta a tal vocábulo do que expressão daquilo que o artigo 202.º do Código Civi define como coisa.”. E acrescenta o mesmo autor que “o tipo legal de furto e, por extensão, os crimes contra a propriedade determinam materialmente a noção jurídico-penal de coisa”, sendo que a norma contida no artigo 1302.º, do Código Civil, ao determinar que «só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objeto do direito de propriedade», concorre para a sustentação do princípio da corporeidade e contribui para a adequação jurídico-penal do “valor dogmático dos conceitos ao seu valor de uso comunitariamente aceite.” (ob. cit., pág. 35).

Por outro lado e para o que releva ao nível da imputação objectiva do tipo de ilícito jurídico-penal sob apreciação, a apropriação há-de referir-se apenas a coisas móveis, ou seja, a todas as coisas que se deslocam ou podem ser deslocadas, levantadas de um lugar para outro, quer sejam móveis em sentido natural, quer passem a ser assim quando são destacadas e retiradas donde estavam. Basta, por isso, que a coisa se torne móvel por força do acto da subtração.

No que respeita ao carácter alheio da coisa, é aqui decisivo o direito civil. Assim, não são alheias as coisas que pertencem exclusivamente ao agente. Também não constitui objecto de furto a res nullius, nem a que foi voluntariamente abandonada pelo seu dono, a res derelicta , nem as res communes omnium (cfr. artigo 1318º e seguintes do Código Civil). “É alheia, por conseguinte, toda a coisa que esteja ligada, por uma relação de interesse, a uma pessoa diferente daquela que pratica a infracção.” (Faria Costa, ob. cit., pág. 41).

O tipo subjectivo do furto é constituído pelo dolo, que tem de abranger todas as características objetivas do tipo, consistindo no “conhecer e querer os elementos objetivos do tipo”, e pela ilegítima intenção de apropriação. …

A apropriação traduzir-se-á no poder material sobre a coisa, na possibilidade atual e imediata de dispor fisicamente dela. Não basta, por isso, um vínculo meramente psíquico, sendo ainda absolutamente necessário um mínimo de corpus, definível, pelo menos, na presença da coisa e na acessibilidade do agente à mesma.

Termos em que se conclui que a intenção de apropriação é ilegítima sempre que represente uma contradição ao ordenamento jurídico geral da propriedade. …

No que respeita ao elemento implícito – o valor patrimonial da coisa, impõe-se, apenas esclarecer que para a coisa móvel alheia subtraída merecer a tutela penal, terá que ultrapassar um patamar mínimo de valor patrimonial, o que, indiscutivelmente se verifica no caso dos autos, porquanto excede a unidade de conta, como impõe a definição legal prevista no artigo 202º alínea c) do CP.

Sucede que, compulsada a factualidade provada não vislumbramos qualquer acto praticado pelos arguidos subsumível no conceito de subtração. Com efeito, a sociedade … era titular de um contrato de fornecimento de eletricidade, pelo que a energia consumida não foi subtraída, mas antes legitimamente fornecida, inexistindo qualquer deslocação ilegítima, porque não autorizada, de energia.

Em face do exposto, não se encontra preenchido o elemento objectivo do tipo de crime de furto, devendo os Arguidos ser absolvidos da sua prática.  [negrito nosso]

Na verdade, o que resulta dos factos provados é que o arguido AA …, com intenção de obter enriquecimento ilegítimo (consumir energia superior à que efectivamente pagava), adulterou ou mandou adulterar o contador de energia, substituindo algumas das suas componentes, fazendo com que o valor da corrente de entrada assumido pelo contador fosse inferior ao valor real de energia consumida (o que constitui inequivocamente um engano provocado pelo arguido AA à EDP sobre os dados fornecidos pelo contador, sendo que tal engano foi causado com astúcia – mediante substituição das resistências), o que levou a que fosse facturado um valor inferior ao efectivamente consumido, causando prejuízo patrimonial à demandante.

Tal conduta integra, em nosso entendimento, a prática de um crime de burla.

[3].

Aferindo os elementos do iter criminis em apreço, verifica-se que o crime de burla é um crime de dano, que só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro, e, por outro lado, a burla configura um crime de resultado, uma vez que somente se “consuma com a saída das coisas ou dos valores da esfera de “disponibilidade fáctica” do sujeito passivo ou da vítima e, assim, quando se dá um “evento” que, embora integre uma consequência da conduta do agente, se apresenta autónoma em relação a ela”[4].

O património do lesado é o objecto do crime e o bem jurídico protegido pela norma incriminadora.

O crime de burla é ainda um delito de execução vinculada, pois a lesão do bem jurídico tem de ocorrer em virtude da utilização, pelo agente, de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por sua vez, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios. 

Tratando-se de um crime material ou de resultado, a consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) 1), e depois, entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial 2)[5].

Ao designado duplo nexo de imputação objectiva, por sua vez, subjazem os pressupostos da chamada teoria da adequação, nos termos do artigo 10.º do Código Penal.

Ou seja, para avaliar se a conduta do agente é susceptível de enganar, temos ter em conta as circunstâncias do caso, designadamente, as características do burlante e do burlado (características de especial fragilidade da vítima, como a sua debilidade intelectual, doença, inexperiência ou relação de confiança com o agente, mas ponderando igualmente o seu descuidado ou levianidade) e o valor ou conteúdo comunicacional (Erklährungswert/ Inhalt).

[6].

Ora, resulta dos autos que o Arguido AA …, com intenção de obterem enriquecimento ilegítimo (consumir energia superior à que efectivamente pagava), adulterou ou mandou adulterar o contador de energia, alterando as resistencias, fazendo com que o valor da corrente de entrada assumido pelo contador fosse inferior ao valor real de energia consumida (o que constitui inequivocamente um engano provocado pelo arguido à EDP sobre os dados fornecidos pelo contador, sendo que tal engano foi causado com astúcia – mediante interferência no aparelho), o que determinou a emissão de facturas abaixo do valor de energia efetivamente consumido, causando-lhe prejuízo patrimonial.

             Ora, tendo presente o conceito de autor constante do artigo 26.º do Código Penal, (“é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, …”), não há duvidas que a conduta do arguido AA … preencheu o elemento objectivo do crime de burla.

Mais se provou que o prejuízo patrimonial causado à E-Redes foi de, pelo menos, € 44 476,04.

Ora, tal valor, sendo superior a 200 unidades de conta (102,00 € cada, que perfaz €20.400,00), é, para todos os efeitos legais, considerado como valor consideravelmente elevado, nos termos do disposto no artigo 202º alínea b) do Código Penal, o que compromete o Arguido AA com o crime de burla qualificada previsto pelo artigo 218º n.º 2 alínea a) do Código Penal.

Já não o arguido BB …, cuja actuação não desencadeia a aplicação das referidas normas incriminatórias, ou de quaisquer outras, assim se impondo a sua absolvição.

Consequentemente não existe qualquer situação de co-autoria.

(…)».

            3. - APRECIAÇÃO DO RECURSO

            Como se assinalou aquando da identificação das questões a apreciar e decidir no presente recurso, estas não foram tratadas pelo recorrente segundo a ordem pressuposta pela lei, que agora alteramos, estando, porém, intimamente interligadas, como melhor se perceberá de seguida.

            - A sentença padece de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada?

            O recorrente invoca a nulidade da sentença, alegando que esta padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, porquanto, segundo argumenta, em resumo, se descurou de «apurar o exato valor de energia subtraída em relação a cada um dos períodos (mensais) nos quais impendia sobre o arguido o respetivo dever de pagar o que a sua empresa consumia», «em qualquer crime patrimonial o valor da coisa objeto material e imediato do crime é de importância jurídica imprescindível, tal como vai implícito, desde logo, na disposição preliminar constituída pelas definições legais do artigo 202.º do Código Penal, que abre com as diversas definições de valor» e das «consequências drásticas que a sua variação pode acarretar inclusive a nível da tipicidade relevante, tal como se vê da disposição do n.º 4 do artigo 203.º, do mesmo diploma, que importa a desqualificação do crime quando for diminuto o valor da coisa furtada»

            Efetivamente, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui um dos vícios da sentença expressamente previstos pela lei, pese embora, ao contrário do que invoca o recorrente, não seja motivo de nulidade daquela [cfr5. Artigo 379º, a contrario, do Código de Processo Penal], mas, antes, de reenvio do processo para novo julgamento, nos termos estabelecidos no artigo 426º, n.º 1, do mesmo diploma.

            Vejamos melhor.

Estatui o artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal que, «[m]esmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida por si ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.»

Os elencados vícios constituem defeitos estruturais e intrínsecos da decisão, razão pela qual a lei exige que a sua demonstração resulte patenteada pelo respetivo texto, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, estando, por isso, excluída a possibilidade de consideração de outros elementos extrínsecos ou exógenos, ainda que constem do processo, emergente de prova constituída ou advinda do próprio julgamento[7].

No âmbito da análise dos vícios decisórios, contrariamente ao que sucede com a impugnação ampla da matéria de facto, o tribunal de recurso não aprecia a matéria de facto – no sentido da reapreciação da prova –, limitando a sua atuação, num exercício de exegese hermenêutica, à deteção dos vícios que a decisão recorrida evidencia e, não sendo possível saná-los, determina a remessa do processo para novo julgamento, em consonância com o preceituado no artigo 426º do Código de Processo Penal.

Com pertinência para o caso em análise, convém densificar o âmbito do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – verifica-se quando a factualidade dada como provada na decisão se revela insuficiente para fundamentar a solução de direito alcançada e quando o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, deixou de investigar toda a matéria de facto que, sendo relevante para a decisão final, podia e devia ter investigado.

Note-se que, atento o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 124º, n.º 1, 339º, n.º 4, 368º, n.º 2, 369º e 374º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, o thema probandum e o thema decidendum contemplam “todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis” e, ainda, se houver pedido de indemnização civil “os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil”.

Por conseguinte, em julgamento, sem embargo do regime aplicável à alteração dos factos (artigos 358.º e 359.º), a discussão da causa tem necessariamente por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência (cfr. artigo 339º, n.º 4), bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º, todos do Código de Processo Penal.

O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada emerge, assim, quando ocorre a omissão de pronúncia pelo tribunal, ou quando este não indagou, sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa. Tal lacuna de factos deve resultar da própria decisão recorrida, mediante a aferição interna que apenas atende ao que nela consta, e não se confunde, pois, com a eventual falta de provas que pudessem sustentar a demonstração da factualidade que ali foi dada como apurada[8].

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando os factos provados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou de dispensa da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda, porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência[9]

Nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva[10], «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada».

Este vício reporta-se, assim, exclusivamente à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, sendo, pois, problemáticas distintas, que não podem ser confundidas.

Indispensável é que do texto da sentença resulte patente que a matéria de facto se apresenta como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar incontornável lacuna no apuramento da facticidade necessária para uma decisão de direito justa.

Ora, analisando o caso vertente tendo em perspetiva o motivo de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, perscrutada a sentença verificamos que o tribunal a quo explicitou de forma pormenorizada como apurou o valor global da energia elétrica que não foi contabilizada e paga em virtude da atuação do ora recorrente, que era o que se lhe impunha, tendo em conta, quer a descrição factual e respetivo enquadramento jurídico constantes da acusação, quer a facticidade apurada em audiência de julgamento e a alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica comunicadas e que vieram a ser consideradas.

Com efeito, quer no primeiro cenário, quer no segundo, apenas revestia interesse o apuramento do valor global, e não do valor mensal, como pretende o recorrente, o qual apenas relevaria caso se perfilasse a hipótese de estar em causa crime continuado, possibilidade essa que o desenho factual – quer o vertido na acusação, quer o apurado em audiência –, excluíam liminarmente, como melhor se perceberá mais adiante.

A matéria de facto investigada e apurada é, pois, claramente, suficiente para a decisão final, ainda que o recorrente discorde de uma e de outra.

Não se verifica, pois, o invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem qualquer outro dos vícios elencados nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410º, o que se consigna, conquanto não tenham sido invocados pelo recorrente, apenas porque são de conhecimento oficioso.

- Foram incorretamente julgados os pontos 4 e 7 a 15, inclusive, da matéria de facto?

            Como última questão recursiva, o recorrente indica os pontos de facto – 4 e 7 a 15 (inclusive) – que, do seu ponto de vista, estão incorretamente julgados porquanto deviam ter sido considerados não provados.

A impugnação do julgamento de facto em sede de recurso pode efetuar-se por duas vias:

- Através da chamada revista alargada, mediante invocação dos vícios enumerados no n.º 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, desde que estes resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, os quais são, aliás, de conhecimento oficioso pela instância de recurso, como supra sinalizámos; ou

- Através da alegação de erro de julgamento, mediante apelo à prova constituída nos autos e produzida em audiência, nos termos previstos no artigo 412º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, visando a alteração da matéria de facto pelo tribunal de recurso.

Esta última via, também designada impugnação ampla da matéria de facto, pressupõe o cumprimento do tríplice ónus de especificação previsto no n.º 3 do artigo 412º, que assim dispõe: “3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.

A referida especificação dos “concretos pontos de facto” traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. Por seu turno, «a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas “provas” impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado[11]. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430º, do CPP).

Havendo gravação da prova oral, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes, em consonância com o estabelecido nos nºs 4 e 6 do mesmo artigo [412º].

De acordo com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 3/2012[12], «basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na ata do início e termo das declarações».

É, assim, possível «distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo recorrido e pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que, atualmente, se alcança com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação, como consta do n.º 4 do citado artigo 412º.

Significa isto, em termos práticos, que havendo declarações de arguidos, assistentes, partes civis, depoimentos de testemunhas e esclarecimentos de peritos ou consultores técnicos, o recorrente tem de individualizar, no conjunto das declarações e depoimentos prestados, quais as particulares passagens nas quais ficaram gravadas as frases que, por si só ou conjugadas com outros meios de prova, impunham decisão diversa quanto ao facto impugnado.

E, no final, é necessário que dessa indicação resulte comprovada a insustentabilidade lógica ou a arbitrariedade da decisão recorrida e que a versão probatória e factual alternativa proposta no recurso é a [única] correta.

Nesse caso, concluindo-se que o tribunal a quo não podia ter dado os concretos factos como provados ou como não provados, haverá erro de julgamento e, consequentemente, modificação da matéria de facto, em conformidade com o desacerto detetado, nos termos previstos no artigo 431º, al. b), do Código de Processo Penal.

           

            No caso vertente, pese embora o recorrente nunca invoque a impugnação da matéria de facto ao abrigo do disposto no artigo 412º do Código de Processo Penal, tendo em consideração a indicação dos “pontos de facto incorretamente julgados” e o teor de alguns segmentos da sua argumentação – a título meramente exemplificativo, atente-se no teor da conclusão “zzz” –, cremos que não pode deixar de ser essa a sua intenção, por mais longínqua que se mostre a sua consecução.

            Com efeito, o recorrente indicou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – 4, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15, inclusive –, da factualidade provada – e o sentido em que devem ser julgados – não provados –, em conformidade com o prescrito na al. a), do n.º 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.

            Porém, não observou mais nenhuma das demais concretizações que se lhe impunham, nem nas conclusões, nem na motivação do recurso.

Na verdade, o recorrente limita-se a efetuar um exercício livre de exegese crítica relativamente a tais pontos de facto, aduzindo as razões pelas quais entende que não deveriam ter sido julgados provados – na sua ótica, em resumo, não há prova quanto a alguns, a prova que existe quanto a outros não é inequívoca ou não foi devidamente interpretada pelo tribunal a quo.

Para além de não configurar uma análise metódica, que articule os meios de prova e o raciocínio que sustentam a divergência de perspetiva e a imperatividade de decisão diversa da tomada pelo tribunal recorrido, quanto a cada um dos pontos factuais visados, não há a mínima especificação e relacionação em conformidade com o legalmente exigido, nos moldes supra descritos.

Como assinala Paulo Pinto de Albuquerque[13], a Lei n.º 48/2007, de 29.08, mudou profundamente o regime de impugnação da matéria de facto. O legislador tem dois objetivos: tornar mais exigente a especificação dos pontos de facto impugnados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida no recurso da decisão sobre a matéria de facto e pôr cobro ao dever de transcrição dos registos gravados. O novo regime articula-se com as regras novas sobre a documentação das declarações prestadas na audiência e o acesso dos sujeitos processuais a esta documentação. A especificação das concretas provas só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei n.º 48/2007, de 29.08, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado.

O incumprimento deste ónus inviabiliza a apreciação da impugnação ampla da matéria de facto e este tribunal ad quem não pode suprir esta imperfeição, porquanto não foi efetuada a necessária especificação das provas e a relacionação do específico conteúdo probatório com os pontos da matéria de facto impugnados.

A situação descrita configura, salvo melhor opinião, incumprimento do ónus de especificação legalmente exigida previsto no artigo 412º, n.ºs 3, al. b), e 4, do Código de Processo Penal, nos termos supra assinalados, insuscetível de correção ou aperfeiçoamento, razão pela qual não se convidou o recorrente para o efeito.

Efetivamente, como vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência, apenas nas situações em que as sobreditas especificações não são vertidas nas conclusões, mas constam da motivação do recurso, pode haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento. Não contendo também o corpo das motivações as preditas especificações legalmente exigidas – como sucede in casu –, não estamos apenas perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas antes de deficiência substancial da motivação ou de insuficiência do próprio recurso, insuscetível de aperfeiçoamento, com a consequência de o mesmo, nessa parte assim afetada, não poder ser conhecido[14].

Ante o exposto, não se pode conhecer da impugnação ampla da matéria de facto, sendo absolutamente inócua a mera indicação dos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, segundo a sua subjetiva, parcial e tendenciosa perspetiva, por contraponto à ponderação abrangente, isenta e imparcial que o tribunal a quo levou a cabo.

Improcede, também, esta questão.

- Foi violado o princípio in dubio pro reo?

            O recorrente invoca a violação do princípio in dubio pro reo, …


        Analisando, dir-se-á o seguinte:

Estatui o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

O princípio da presunção da inocência é transversal a

Como decorrência necessária do princípio constitucional da presunção da inocência emerge, na vertente probatória, o princípio in dubio pro reo, que constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre a veracidade dos factos, ou seja, impõe ao julgador que, quando confrontado com a dúvida, razoável e fundada, em matéria de prova, resolva tal dúvida em sentido favorável ao arguido.

Nas palavras de Figueiredo Dias[15], “[à] luz do princípio da investigação bem se compreende, efetivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo”.

Significa isto que, conexionando-se exclusivamente com a matéria de facto, este princípio atua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objetivo e tipo subjetivo –, quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais atualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena[16].

Ou seja, o julgador deve decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência de julgamento, tiver dúvidas sobre qualquer facto.

Porém, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido. A dúvida tem que assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que, nos atos humanos, nunca se dá uma certeza contra a qual não haja motivos de dúvida[17] e que o que se persegue no processo criminal é a verdade judicial, não a verdade ôntica.

            Ademais, apenas está em causa a dúvida que se suscite ao julgador, e não aos sujeitos processuais, condicionados na sua análise valorativa da prova pelos respetivos interesses em jogo, dos quais não se conseguem distanciar e que lhes retiram objetividade.

Como vem sendo entendimento jurisprudencial pacificamente aceite, o tribunal de recurso apenas pode concluir pela violação do princípio in dubio pro reo e da presunção de inocência se do texto da decisão recorrida resultar notoriamente – em termos idênticos aos que vigoram para os vícios da sentença, no âmbito da revista alargada – que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, perante essa dúvida, optou por decidir em sentido desfavorável ao arguido, ou se, apreciando a impugnação ampla da matéria de facto, por erro de julgamento, concluir que, em face da prova produzida, essa dúvida – razoável e fundada – deveria ter-se suscitado no espírito do julgador, impondo-se que a resolvesse em sentido favorável ao arguido.

Atentando no caso dos autos, não se verifica nem uma situação nem outra.

Por um lado, do texto da decisão recorrida, maxime da motivação da decisão sobre a matéria de facto, não ressuma que o tribunal a quo se tivesse deparado com qualquer dúvida, antes pelo contrário, explicita-se, de forma clara e assertiva, as razões pelas quais adquiriu a convicção segura dos factos considerados provados, em particular, que foi o ora recorrente, por si próprio ou através de alguém a seu mando, que procedeu pela forma ali descrita, equacionando, de modo lógico, racional e coerente, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, diversos indícios que conduzem necessariamente a tal ilação.

Aliás, o recorrente também não aponta em que medida resulta do texto da decisão recorrida que o tribunal a quo se deparou com dúvidas, antes expondo as dúvidas que para si próprio resultaram da análise pessoal que efetuou de alguns meios de prova ou segmentos destes.

Ora, como se viu anteriormente, o recorrente poderia, através da impugnação ampla da matéria de facto, demonstrar que, em face de concretas provas, se impunha – não apenas era possível – outra decisão quanto aos factos provados –  maxime quanto à autoria da intervenção junto do contador –, nomeadamente, porque emergia um dúvida insuperável a esse respeito e, em obediência ao princípio in dubio pro reo tinha que ser decidida a seu favor.

Contudo, a impugnação ampla da matéria de facto naufragou por completo, por motivo exclusivamente imputável ao recorrente, que não especificou as concretas provas que, na sua ótica, impunham decisão distinta da adotada pelo tribunal recorrido.

Não obstante, sempre se dirá que algumas das dúvidas pessoais do recorrente – conquanto, repisa-se, não seja, estas que relevam no âmbito da questão em análise – resultam dissipadas pela motivação da decisão de facto, em que o tribunal a quo efetuou um minucioso exercício de análise crítica e correlacionada, dissecou detalhadamente os meios de prova, percorrendo o iter lógico dedutivo ali exposto, do qual resulta que alcançou uma convicção sólida e isenta de dúvida.

Como se refere no acórdão da Relação do Porto de 11/07/2012 (Processo n.º 1659/10.6JAPRT.P1), “a violação de tal princípio [in dubio pro reo] apenas existe quando se comprova que o juiz tenha ficado com dúvidas sobre factos relevantes e tenha decidido desfavoravelmente ao arguido, não bastando para o efeito a constatação da existência de versões contraditórias apresentadas por arguido e testemunhas ou mesmo entre testemunhas, ou quando o tribunal utiliza provas instrumentais e as regras de experiência como coadjuvantes da convicção adquirida”.

Conclui-se, assim, que não há qualquer indício de ter sido violado o princípio in dubio pro reo, improcedendo a questão a este respeito suscitada

            - A alteração dos factos descritos na acusação é substancial?

            O recorrente iniciou o recurso por se insurgir contra o que qualifica como a alteração substancial dos factos que foi comunicada, e tida em consideração na sentença, pelo tribunal a quo.

Como deflui da análise da argumentação recursiva expendida pelo recorrente, cuja síntese conclusiva acabamos de transcrever, o recorrente elabora sobre premissas erradas e convoca impropriamente determinados conceitos jurídicos, o que, desde logo, vicia o raciocínio exposto.

Importa clarificar, desde já, que a questão nuclear que importa dilucidar é se a alteração dos factos é, ou não, substancial, pois da resposta depende a apreciação dos óbices colocados pelo recorrente neste conspecto.

Trata-se de uma questão sensível cuja decisão pressupõe o afloramento de princípios basilares do processo penal e, não perdendo estes de vista, uma análise casuística das circunstâncias do caso sob análise.

Vejamos.

            O sistema processual penal português, conquanto seja enformado pelo princípio de investigação da verdade material, obedece a uma estrutura essencialmente acusatória, mas respeitadora da contraditoriedade, imposta pela lei fundamental [cfr. artigo 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP) – “[o] processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”].

            Gomes Canotilho e Vital Moreira indexam o conteúdo normativo do enunciado preceito à ideia de que «só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento», considerando-o «um dos princípios estruturantes da constituição processual penal» e «uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial».[18]

            E o legislador ordinário acolheu o referido comando constitucional, explicitando-o nos termos que constam do preâmbulo do Código de Processo Penal, aprovado pelo DL n.º 78/87, de 17.02: «[p]or apego deliberado a uma das conquistas mais marcantes do progresso civilizacional democrático, e por obediência ao mandato constitucional, o Código perspetivou um processo de estrutura basicamente acusatória. Contudo – e sem a mínima transigência no que às autênticas exigências do acusatório respeita –, procurou temperar o empenho na maximização da acusatoriedade com um princípio de investigação oficial, válido tanto para efeito de acusação como de julgamento.»

            O Prof. Figueiredo Dias considera o princípio da acusação como «a pedra angular de um efetivo e consistente direito de defesa do arguido – (…) – que assim se vê protegido contra arbitrários alargamentos da atividade cognitória e decisória do tribunal e assegura os seus direitos de contraditoriedade e audiência”, ensinando que «deve (…) firmar-se que objeto do processo penal é o objeto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (atividade cognitória…) e a extensão do caso julgado (atividade decisória…). É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consumpção do objeto do processo penal; os princípios, isto é, segundo os quais o objeto do processo deve manter-se o mesmo da acusação ao trânsito em julgado da sentença, deve ser conhecido e julgado na sua totalidade (unitária e indivisivelmente) e – mesmo quando o não tenha sido – deve considerar-se irrepetivelmente decidido»[19]. Mais sustenta que «a imparcialidade e objetividade que, conjuntamente com a independência, são condições indispensáveis de uma autêntica decisão judicial só estarão asseguradas quando a entidade julgadora não tenha também funções de investigação preliminar e acusação das infrações, mas antes possa apenas investigar e julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação fundamentada e deduzida por um órgão diferenciado (em regra o MP ou um juiz de instrução).»[20]

            O âmbito de atuação do julgador circunscreve-se, assim, sem prejuízo da investigação da verdade material e da observância do contraditório pelos sujeitos processuais, dentro dos limites estabelecidos por uma acusação ou algo equivalente, como o despacho de pronúncia, deduzida, necessariamente, por uma entidade distinta.

            Daí a necessidade de o objeto do processo ser fixado com o rigor e a precisão adequados – variáveis, naturalmente, de acordo com a geometria da complexidade daquele objeto –, seja na acusação, seja no despacho de pronúncia.

            Precisamente porque a acusação ou o despacho de pronúncia balizam o objeto do processo sujeito a prova e a decisão, também delimitam o âmbito do exercício do contraditório e das garantias de defesa do arguido, princípio com igual consagração constitucional [cfr. artigo 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa].

            E, em última análise, apenas a observância rigorosa de tais princípios propiciará o respeito de outros, também, nucleares e constitucionalmente consagrados, como sejam o da presunção de inocência [artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa] e o do direito a um processo justo e equitativo [artigo 20º, n.º 4, do mesmo diploma].

            O princípio do acusatório impõe, assim, a vinculação temática e a limitação dos poderes de cognição do juiz de instrução (artigos 288º, n.º 4, 303º, n.º 3, e 309º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e do juiz de julgamento (artigos 283º, n.º 1, 284º, n.º 1, 285º, n.º 1, e 359º, n.º 1, do mesmo diploma)[21].

            Em suma, o processo penal é delimitado no seu objeto pela acusação ou pelo despacho de pronúncia, que estabelece o thema probandum/decidendum e, reflexamente, define os poderes de cognição do julgador.

Conforme se exarou no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 1/2015, de 27 de Janeiro[22], «[d]a estrutura acusatória do processo penal depende o princípio da vinculação temática, ou seja, a subordinação do juiz do julgamento (descuramos, por não interessar para aqui, a fase de instrução) ao objeto definido pela acusação (os factos dela constantes), a demarcação do thema probandum por esse objeto, e também a determinação dos limites da decisão (thema decidendum).»

Como antes referimos, da conjugação do preceituado nos artigos 124º, 339º, n.º 4, e 368º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, decorre que a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa, sobre os quais há de recair a produção de prova, sendo que, a final, o Tribunal terá que tomar posição sobre os factos constantes da acusação ou da pronúncia, da contestação e do pedido de indemnização e, ainda, sobre os factos com relevância para a decisão que, embora não constem de nenhuma daquelas peças processuais, tenham resultado daquela discussão.

Com efeito, dispõe o artigo 339º, n.º 4, do Código de Processo Penal, que “[s]em prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368º e 369º” – que se debruçam sobre a questão da culpabilidade e a questão da determinação da sanção, respetivamente.

            Não se pode, pois, em circunstância alguma, deixar por indagar factos essenciais postulados pelo objeto do processo e cruciais para o correto julgamento da causa tendo em perspetiva as diversas soluções jurídicas que se perfilem, devendo sempre aquele esgotar-se, quer quanto ao thema probandum, quer quanto ao thema decidendum.

Assim, para além dos factos constantes da acusação que constituem o objeto do processo em sentido estrito, podem existir outros factos que não foram formalmente vertidos na acusação, mas que têm «com aqueles uma relação de unidade sob o ponto de vista subjetivo, histórico, normativo, finalista, sociológico, médico, temporal, etc.». Esses factos novos fazem parte do chamado «objecto do processo em sentido amplo», e não têm como efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis (isto é, não contendem com a identidade do objecto do processo), mas, por serem relevantes para a decisão, o seu conhecimento pressupõe o recurso ao mecanismo previsto no artigo 358°, n.º 1, do Código de Processo Penal para a alteração «não substancial de factos»[23].

Ou seja, a própria lei abre a porta, convidando a entrar no objeto do processo novos factos que sejam relevantes para a decisão, desde que se contenham dentro de determinados limites e sejam observadas certas formalidades.

A inobservância dessas formalidades é fulminada por nulidade, pois, de acordo com o artigo 379º, n.º 1, do Código de Processo Penal, é nula a sentença “[q]ue condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º” [cfr. al.b)].

O artigo 358º refere-se à alteração não substancial de factos e à alteração da qualificação jurídica, dispondo:

“1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.

2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.

3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.”

Por seu turno, o artigo 359º reporta-se à alteração substancial dos factos, dispondo que tal alteração não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância [cfr. n.º 1], exceto se o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal [cfr. n.º 4].

 A lei define a alteração substancial de factos como sendo “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” [cfr. artigo 1º, al. f), do Código de Processo Penal], nada dizendo, porém, quanto ao que deve entender-se pela alteração não substancial de factos.

Ora, como decorrência inelutável daquela definição legal, a contario sensu, a alteração não substancial de factos será aquela que, consubstanciando embora uma modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, não tem por efeito a imputação de um crime diverso, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis[24].

A respeito da diferença entre a alteração não substancial e substancial de factos, transcreve-se aqui impressivo segmento do sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2007[25]:

«XI. «Alteração substancial dos factos» significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa. É este o sentido da definição constante do art. 1.°, n.º 1, al. f), do CPP para «alteração substancial dos factos», que se apresenta, assim, como um conceito normativamente formatado: «aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».

XII. A alteração substancial dos factos pressupõe, pois, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.

XIII. «Alteração não substancial» constitui, diversamente, uma divergência ou diferença de identidade que não transformem o quadro da acusação em outro diverso no que se refere a elementos essenciais, mas apenas, de modo parcelar e mais ou menos pontual, e sem descaracterizar o quadro factual da acusação, e que, de qualquer modo, não têm relevância para alterar a qualificação penal ou para a determinação da moldura penal. A alteração, para ser processualmente considerada, tem de assumir relevo para a decisão da causa».

Frederico Isasca1[26] afirma que o que se visa impedir com a comunicação da alteração não substancial dos factos é que os arguidos sejam surpreendidos com factos novos, diferentes dos que lhe foram imputados pela, e na, acusação.

Mas, há situações em que não se justifica que seja efetuada a comunicação. Paulo Pinto de Albuquerque[27] afirma que «não há necessidade de comunicação da alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica dos factos nos seguintes casos:

a. a alteração derivada da posição da defesa [...]

b. a condenação por um crime menos grave do que o da acusação por força da redução da matéria de facto na sentença [...]

c. a condenação do arguido por uma forma equivalente de manifestação do mesmo tipo penal [...]

d. a ponderação para efeito da determinação concreta da pena de factos posteriores ao crime, reiteradamente praticados pelo arguido desde momento anterior e desprovidos de relevância típica [...]

e. a declaração da perda de bens e vantagens decorrentes do crime [...]

f. a condenação do arguido na sanção acessória».

Por conseguinte, em jeito de súmula, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que a alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não é de considerar substancial quando aqueles se integram na narrativa do facto histórico unitário, no mesmo pedaço de vida, ainda que constituído por um complexo de atos, prolongado por um período temporal e/ou estendido por uma área espacial mais alargados.

Tanto assim é que ocorre alteração quando aos factos da acusação ou pronúncia se aditam outros, se excluem ou se substituem alguns, desde que se mantenha a identidade naturalística que constitui o objeto do processo sujeito a julgamento. Além disso, há casos em que não se está, nem perante uma «alteração substancial de factos», nem perante uma «alteração não substancial de factos», que são aqueles em que o tribunal se limita a esclarecer, pormenorizar ou concretizar os factos que já constam da acusação[28].

Por isso, só mediante análise casuística, comparando a acusação/pronúncia e a sentença, se poderá aferir da eventual relevância dos desvios operados nesta em relação à narrativa vertida naquelas para se poder concluir, por um lado, se todos os factos aditados/alterados na sentença constituem, ou não, o desenvolvimento dos já sinalizados na acusação/pronúncia e, por outro, se o desvio detetado colide, ou não, de forma intolerável, com o exercício dos direitos da defesa.

Ora, no caso vertente, analisando comparativamente a concreta materialidade fáctica inicialmente imputada na acusação e a posteriormente exarada como provada na sentença, após a comunicação da alteração daquela, verifica-se que, grosso modo, estamos perante a concretização e pormenorização – ainda que alargando o âmbito temporal – daquela factualidade.

Senão vejamos:

Na acusação, além do mais que por ora não releva, verteu-se o seguinte:

“3º

A eletricidade utilizada naquele estabelecimento, à data dos factos, era forncida pela ofendida, através de contrato estalecido entre a (…) sociedade “…” e o comercializador “B..., Lda” e, nessa sequência, foi colocado um contador pela ofendida.

Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes de 15 de janeiro 2019, os arguidos elaboraram plano com vista ao consumo de electricidade, por parte da sociedade comercial de que são sócios, que não fosse contabilizada pela EDP, de forma a não pagar o correspondente preço”

Assim, e na execução de tal plano, os arguidos, por si ou através de alguém a seu mando, cortaram  os selos que se encontravam colocados no contador, pela ofendida, e trocaram três resistências que se encontravam no circuito electrónico do equipamento.

Após, voltaram a colocar os selos no contador, reapertando-os.

Assim, operando-se inversão das resistências, conforme descrito em 5º, as medições decorrentes nos circuitos primários e secundários na entrada eram superiores aos registados pelo contador, o que sucedeu.

Mediante esta operação, no período compreendido entre 2 de Abril de 2018 a 15 de janeiro de 2019, os arguidos consumiram energia eléctrica fornecida àquelas instalações particulares nas quantidades/valores/encargos de:

(…)

Perfazendo a quantia de 44.476,04 € (…),

10º

Sem que fossem contabilizadas e sem que os arguidos, enquanto sócios da sociedade em causa, pagassem o respetivo preço.

11º

Os arguidos agiram com o propósito concretizado de consumir energia eléctrica da forma supra-descrita, no valor supra indicado, sem pagar o correspondente preço, sabendo que não se encontrava a ser contabilizada,

12º

bem sabendo que o faziam contra a vontade e sem o consentimento da sua legítima proprietária, a sociedade ofendida EDP (..), e entidade à qual seria pafo o respetivo fornecimento de eletricidade de que se apropriaram, usufruindo da mesma, com perfeito conhecimento de que não lhes pertencia».

E na sentença foram exarados como provados, além dos demais que agora não têm pertinência, os seguintes factos:

«6. Desde 2010 que a sociedade … é titular de contratos de fornecimento de energia eléctrica para o referido local, e nessa sequência, foi colocado um contador pela Demandante, sendo que desde 2018 a electricidade utilizada naquele estabelecimento, à data dos factos, era fornecida pela Demandante, através de contrato estalecido entre a sociedade “…”, e o comercializador “B..., Lda”.

7. Em data concretamente não apurada, mas seguramente antes de 18.09.2015, o arguido AA … elaborou um plano com vista a que parte do consumo de electricidade, por parte da sociedade comercial que geria, não fosse contabilizada pela demandante, de forma a não pagar o correspondente preço.

8. Assim, e na execução de tal plano, no dia 22.04.2015 ou no dia 18.09.2015, o arguido AA …, por si ou através de alguém a seu mando, abriu os selos que se encontravam colocados no contador, pelo fabricante do mesmo, e trocou as três resistências que se encontravam no circuito electrónico do equipamento.

9. Após, voltou a colocar os selos no contador, reapertando-os.

10. Assim, operando-se inversão das resistências, conforme descrito, as medições de corrente nos circuitos primários e secundários na entrada eram superiores aos registados pelo contador, fazendo com que o valor de corrente de entrada assumido pelo contador fosse inferior ao valor real da energia consumida.

11. Assim, em consequência da conduta do arguido AA …, o referido contador registou menos 27,63% da energia consumida, o que corresponde, no período que decorreu entre o dia 16.01.2016 e o dia 15.01.2019, ao consumo indevido de 467.979 KWH (sendo 244.982 de energia consumida, no valor de €26.827,14 e 222.997 de energia reativa, no valor de €10.637,65) perfazendo a quantia de € 37.464,79, e a quantia de € 7.011,25 referente à potência indevidamente tomada.

12. sem que tais valores fossem contabilizados e sem que o arguido AA …, enquanto representante da sociedade …, pagasse o respectivo preço.

13. O arguido AA … ao proceder da forma descrita, nomeadamente, operando ou mandando operar a referida inversão de resistências, agiu querendo que a energia eléctrica consumida na empresa … não fosse inteiramente contabilizada, obtendo assim um beneficio ilegítimo correspondente ao valor da energia não contabilizada, de € 44 476,04, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento da demandante, à qual seria pago o respectivo fornecimento de electricidade».

Conforme ressuma do cotejo dos recortes factuais ora destacados, no que ao ora recorrente diz respeito – uma vez que não se provou a intervenção a qualquer título do coarguido –, resultou provada, no essencial, a mesma conduta que lhe era imputada na acusação, tendo ocorrido maior pormenorização de aspetos factuais que nem sequer se prendem com a sua atuação, com exceção da antecipação da data em que terá sido efetuada a troca as resistências no contador e o consequente alargamento do período temporal pelo qual perdurou o benefício de consumo de energia elétrica não contabilizada. Não obstante, pese embora reportado a um arco temporal mais extenso, o valor global da energia elétrica de que houve apropriação indevida é exatamente o mesmo que constava da acusação.

            O tribunal a quo limitou-se a descrever a mesma realidade fáctica, ainda que de forma diversa, mais pormenorizada e consentânea como que resultou apurado, em nada alterando, porém, o núcleo essencial do objeto processual.

            Tanto assim é que o recorrente, na sequência da comunicação da alteração de factos, nada requereu, sendo certo que estava, como não podia deixar de ser, representado por advogado.

Inquestionável é que está em causa o mesmo facto histórico descrito no libelo acusatório, tendo apenas ocorrido uma antecipação da data da resolução criminosa e da pertinente concretização da mesma e, consequentemente, do período pelo qual decorreram as respetivas consequências visadas, mas sem quaisquer repercussões agravativas para o recorrente ou diminuição das garantias de defesa deste, tanto mais que teve oportunidade de a preparar em face da comunicação operada na sessão de 24.04.2024.

Note-se que a condenação por crime [burla] diverso daquele pelo qual o recorrente vinha acusado [furto] não resulta da alteração de factos, mas antes da subsunção jurídico penal efetuada pelo tribunal a quo, pelas razões melhor aduzidas no enquadramento jurídico penal, que se prendem, essencialmente, com a circunstância de se ter entendido que não ocorreu subtração da energia elétrica, mas, antes, enriquecimento ilegítimo correspondente ao benefício de consumo de energia superior ao contabilizado, obtido mediante engano da lesada, através de intervenção astuciosa no contador elétrico.

A alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação – que foi comunicada nos termos do n.º 3 do artigo 358º do Código de Processo Penal – não se confunde com a alteração não substancial dos factos vertidos naquela peça processual, prevista no n.º 1 do mesmo preceito – que foi, igualmente, regularmente comunicada –, não depende desta e não foi consequência da mesma.

Mais se faz notar que, pese embora o alargamento do período temporal pelo qual perdurou a atividade delituosa, não tendo havido qualquer alteração factual quanto ao valor da energia apropriado indevidamente, atenta a definição de valor consideravelmente elevado contida no artigo 202º, al. b), do Código Penal, não houve qualquer repercussão ao nível da qualificação/agravação do crime pelo qual o recorrente vinha acusado e pelo qual veio a ser condenado, sendo a moldura penal correspondente a um e a outro exatamente igual – prisão de dois a oito anos –, pois, vinha acusado de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. a), do Código Penal – e não, como, em patente equívoco, alega o recorrente, nos termos do n.º 1 do artigo 204º, cuja moldura é, efetivamente, de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias – e foi condenado pelo crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º e 218º, n.º 2, al. a), do Código Penal.

Em suma, estamos, inequivocamente, perante alteração não substancial dos factos descritos na acusação, que foi devidamente comunicada nos termos impostos pelo artigo 358º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e não alteração substancial prevista no artigo 359º do mesmo diploma.

Ante o exposto, fica prejudicada a apreciação da argumentação desenvolvida tendo por pressuposto que ocorreu alteração substancial dos factos.

Improcede, pois, a questão em análise.

- Ocorreu infração às regras da competência do tribunal?

            Neste âmbito, alega, em síntese, o recorrente:
«s) É insanável a nulidade decorrente da infração às regras de competência do tribunal – Art. 119.º al. b) e e) do CPP, sendo do conhecimento oficioso e a todo o tempo.

t) O tribunal a quo só podia prosseguir com a continuação do julgamento, como decorre do disposto o  artigo 358.º n.º 3 in fine do CPP “se estes não determinarem a incompetência do tribunal” e, no caso concreto, a competência para o julgamento do crime pelo qual o arguido foi condenado é do tribunal coletivo, conforme preceitua o artigo 14.º n.º 2 al. b) do CPP.



O recorrente assenta a invocação da nulidade por violação das regras de competência do tribunal num patente equívoco, que se passa a explicar:

Na acusação era imputada aos arguidos a prática, além do mais que por ora não releva, de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. a), do Código Penal, cuja moldura legal é pena de prisão de dois a oito anos – e não, como alega o recorrente, nos termos do n.º 1 do artigo 204º, cuja moldura é, efetivamente, de prisão até cinco anos.

Após a comunicação da alteração não substancial de factos e da qualificação jurídica, o ora recorrente foi condenado pelo crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º e 218º, n.º 2, al. a), do Código Penal, cuja moldura legal é pena de prisão de dois a oito anos.

A moldura penal abstratamente aplicável é, pois, igual em ambos os ilícitos, pelo que não ocorreu qualquer alteração das premissas em que assentou o juízo formulado pelo Ministério Público, de que no caso em concreto, não deverá ser aplicada uma pena de prisão superior a 5 anos de prisão, razão pela qual, na acusação, ao abrigo do disposto no artigo 16º, n.º 3, do Código de Processo Penal, requereu o julgamento em tribunal singular.

Não tem, assim, o menor cabimento, a questão colocada pelo recorrente, improcedendo a arguição de nulidade por violação das regras de competência do tribunal.

            - Foi efetuada errada subsunção jurídico penal dos factos?

                O recorrente tece uma complexa teia argumentativa para, em essência, questionar o enquadramento jurídico penal dos factos pelos quais foi condenado pelo tribunal a quo, como ressuma das conclusões que de seguida transcrevemos.

            Vejamos.

            O Código Penal português – ao contrário do que sucede com equivalentes diplomas de outros países, entre os quais o espanhol[29] –, não contém um tipo autónomo e específico que preveja e puna criminalmente a apropriação ilícita, sob as diversas modalidades em que esta se pode concretizar, de energia elétrica[30].

O Prof. Figueiredo Dias[31] sustenta que «…no nosso direito, e na falta de uma incriminação correspondente, parece que as condutas conducentes ao desvio de energia eléctrica só poderiam ser punidas por via da (eventual) falsificação, danificação ou subtracção de notação técnica (arts. 258.º-1 e 259.º-1) e (eventualmente também) da burla (art. 217.º e ss.)”, entendimento também perfilhado por Damião da Cunha[32].

Contudo, a doutrina e a jurisprudência maioritárias vêm entendendo que a apropriação ilícita de energia elétrica configura a prática de um crime de furto.

No caso vertente, o tribunal a quo afastou o crime de furto porque entendeu que não ocorreu subtração, que constitui um dos requisitos essenciais do tipo objetivo.

Em termos semânticos, o ato de subtração significa retirar uma coisa da esfera ou do poder de facto de alguém, contra ou sem o seu consentimento, para a esfera de outrem, implicando a transferência ou a deslocação da coisa.

Segundo Faria da Costa[33], a subtração «traduz-se em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor. Implica, por consequência, a eliminação do domínio de facto que outrem detinha sobre a coisa».

Todavia, como precisa Paulo Pinto de Albuquerque[34] , «…a lei penal consagra uma teoria ampla da ablatio, que inclui não apenas a transferência física para o domínio fáctico de outrem, mas também a transferência simbólica para o domínio fáctico de outrem, uma vez que em alguns casos não há deslocação e nem mesmo apreensão física da coisa».

Também José Barreiros[35] refere que a subtração não exige a “apreensão”, pois basta que o ofendido fique desapossado e a coisa fique na “disponibilidade do agente ou de terceiro” sendo, por isso, decisiva a perda da “posse” por parte daquele.

Segundo a doutrina[36] e a jurisprudência[37] maioritárias, a eletricidade integra-se no conceito jurídico-penal de coisa móvel [alheia].

Posto isto, o que subjaz à definição da subtração é a finalidade de fazer entrar a coisa no domínio de facto do agente da infração.

Para que se alcance o apontado desiderato são absolutamente indiferentes as modalidades e os meios de execução da conduta, que podem ser variados, mais ou menos sofisticados ou engenhosos – a título meramente exemplificativo, captação de energia a montante do equipamento de medição ou controlo de potência ou consumo, a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal daquele tipo de equipamentos, bem como a alteração dos dispositivos de segurança dos equipamentos, levada a cabo, nomeadamente, através da quebra dos selos ou por violação dos fechos ou fechaduras –  configurando-se, assim, o furto como um crime de execução livre.

Daí que, como bem observa Faria da Costa[38], «…o “desapossamento” e o consequente “apossamento”, com o sentido que lhe damos, possa ser feito sem apreensão manual ou mesmo sem dispêndio de energias físicas pessoais. Ilustrações do que se acaba de afirmar..…são as subtrações…prosseguidas por meios mecânicos, nomeadamente, os utilizados na apropriação ilícita de eletricidade e de gás…».

E, segundo Paulo Pinto de Albuquerque, ob. e loc cit., «[a] subtração também pode ser realizada pelo consumo da coisa no caso de alimentos, gasolina (…). No caso de abastecimento de combustível em postos de auto abastecimento com intenção de não pagar e sem o efetivo pagamento, que se saiba, é pacificamente aceite ocorrer subtração e, consequente, furto de combustível. Isto pese embora se reconheça que o crime de furto é um crime que se concretiza enquanto “crime de tomar” por oposição aos “crimes de fazer ou de entregar”».

Debruçando-se, concretamente, sobre uma das formas de cometimento do crime de furto relativamente a energia elétrica, encontramos o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23.05.1990 (relator Hernâni Esteves), no qual se exarou o seguinte:

«O arguido que a seu mando, ou por si próprio, procede à abertura de um furo na carcaça instalada pela Electricidade de Portugal na sua residência, por contrato de fornecimento de energia eléctrica, de forma que lhe era possível fazer introduzir, através do mesmo, corpo estranho ao funcionamento do aparelho, e com ele fazer parar o disco metálico do referido contador, que se destina, pelas revoluções que efectua, a marcar a contagem das quantidades de energia eléctrica consumida, desse modo, em seu proveito, foge efectivamente ao controlo efectivo e real da empresa fornecedora de energia eléctrica e prejudicando-a na medida em que os gastos contados são, por aquele modo, inferiores aos realmente realizados. Tal conduta constitui um crime de furto, de subtracção de coisa alheia, energia eléctrica, e é prevista e punida pelos arts. 296º e 299º do CP» [na redação anterior ao DL n.º 48/95, de 15/03].

Também no acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 24.02.1988[39]se decidiu que «[a] subtracção fraudulenta de energia eléctrica, pertencente à EDP, integra o crime de furto de coisa móvel, pertencente ao sector público, p. e p. pelos arts. 296º e 299º do C. Penal de 1982».

E, mais recentemente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 29.04.2009, supra mencionado em nota de rodapé, decidiu-se que «[a] conduta de quem, tendo o fornecimento de energia eléctrica à sua habitação suspenso, por falta de pagamento de anteriores consumos, consegue, pelos seus próprios meios e contra a vontade do fornecedor, continuar a retirar energia da rede, preenche o tipo objectivo do crime de furto.»

Ora, salvo o devido respeito, a factualidade provada não é suscetível de integrar o crime de burla, como foi entendido pelo tribunal a quo, porquanto, no essencial, o “engano provocado pelo arguido … à EDP sobre os dados fornecidos pelo contador”, ainda que possa ter sido “causado com astúcia – mediante substituição das resistências”, não foi determinante da disponibilização da energia pela EDP, que sempre a forneceria por força do contrato estabelecido, tendo, antes implicado que “fosse facturado um valor inferior ao efectivamente consumido, causando prejuízo patrimonial” àquela.

Com efeito, como é consabido, a burla exige, pelo menos, um duplo nexo causal – a ação enganadora (mediante astúcia do agente) tem de ser causa do erro (engano) e este engano tem que ser a causa da disposição patrimonial (entrega do bem), o que não se verifica in casu, pois a energia elétrica estava a ser fornecida pela EDP, nos termos contratuais, e continuou a sê-lo após a intervenção levada a cabo no contador, mas com adulteração da contagem, que passou a ser inferior à real.

Ao contrário do entendido pelo tribunal a quo, afigura-se-nos que a conduta do arguido AA … que se apurou – ao adulterar ou mandar adulterar, pela forma melhor descrita na factualidade provada, o contador de energia, substituindo algumas das suas componentes, fazendo com que o valor da corrente de entrada assumido pelo contador fosse inferior ao valor real de energia efetivamente consumida, o que levou a que fosse faturado, e pago, pela sociedade que representava, um valor inferior ao efetivamente consumido – é, na senda do que vimos expondo, subsumível ao conceito de subtração, sendo irrelevante que a energia elétrica fosse fornecida pela EDP no âmbito de contrato de fornecimento de eletricidade que havia sido outorgado.

Dessa forma houve apropriação de energia elétrica que foi consumida e não foi paga, à revelia, sem o conhecimento e, obviamente, contra a vontade da EDP.

É, pois, indubitável estarmos perante subtração de coisa móvel alheia.

Mais se provou que, ao atuar pela forma descrita, o arguido AA … quis que a energia elétrica consumida na empresa A..., S.A. não fosse inteiramente contabilizada, obtendo, assim, um beneficio ilegítimo correspondente ao valor da energia não contabilizada, no montante de € 44 476,04, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento da EDP, agindo sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que tal conduta é proibida e punida pela lei penal.

Mostram-se, assim, preenchidos os elementos objetivo e subjetivo do crime de furto.

Segundo o disposto no artigo 26.º do Código Penal, é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem.

O arguido AA perpetrou, assim, em autoria material singular e sob a forma consumada, um crime de furto.

Contudo, pese embora o furtum rei seja de execução instantânea[40], no caso de estar em causa o furto de eletricidade que se prolongue no tempo, como sucede no caso em apreço, assume a natureza de crime de execução permanente.

Aliás, conforme se apurou, em data não concretamente apurada, mas seguramente antes de 18.09.2015, o arguido AA … elaborou um plano com vista a que parte do consumo de eletricidade, por parte da sociedade comercial que geria, não fosse contabilizada pela EDP, de forma a não pagar o correspondente preço, em execução do qual, no período temporal até 15.01.2019, logrou alcançar a predita apropriação, no valor global de € 44 476,04.

  De acordo com o disposto no artigo 30º, n.º 1, do Código Penal, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. O segmento normativo “crimes efetivamente cometidos” permite delimitar as situações de concurso efetivo, em que há uma pluralidade de crimes através da mesma conduta ou complexo de condutas compreendidas numa unidade natural de ação, daquelas em que, apesar de preenchidos vários tipos de crime, deve considerar-se que existe um desvalor jurídico social predominante e que impede a dupla valoração[41].

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa.

Em apertada síntese, o crime continuado integra uma unidade jurídica, construída sobre uma pluralidade efetiva de crimes, ou seja, perante uma repetição de factos e de resoluções criminosas de significado penal equivalente, com um nexo de continuidade, a ordem jurídica considera essa continuação de delitos como um único facto no sentido jurídico-penal, ou seja, como uma unidade jurídica de ação, a sancionar da mesma forma que o concurso ideal.

No caso em análise, trata-se de uma única resolução criminosa, nada resultando da facticidade provada que permita, sequer, equacionar o cenário do crime continuado, nos termos previstos nos artigos 30º, n.º 2, e 79º, n.º 1, do Código Penal.

Assim sendo, há que atender ao valor global da apropriação que integra, sem margem para dúvidas, a definição legal de valor consideravelmente elevado prevista no artigo 202º, al. b), do Código Penal, mostrando-se, por isso, preenchida a circunstância qualificativa prevista na al. a), no n.º 2, do artigo 204º do Código Penal.

Incorreu, pois, o ora recorrente, na prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. a), por referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal.

Ante o exposto, assim, parcialmente, razão ao recorrente, na parte em que sustenta que a sua conduta não podia ser subsumida ao crime de burla, improcedendo, porém, todos os demais argumentos convocados.

O recorrente será, assim, condenado pela prática do crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 202º, al. b), 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. a), todos do Código Penal.

Importa consignar que, pese embora a correção da subsunção jurídico penal dos factos ora efetuada, não há que proceder à reformulação do exercício de determinação da medida da pena porquanto a moldura abstrata correspondente ao crime de burla qualificada, nos termos do n.º 2 do artigo 218º, e ao crime de furto qualificado, nos termos do n.º 2 do artigo 204º, é igual – prisão de 2 a 8 anos.

- O Ministério Público carece de legitimidade para promover o procedimento criminal?

De acordo com o preceituado no artigo 48º do Código de Processo Penal, “[o] Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49º a 52º”, reportando-se o artigo 49º aos casos em que o procedimento criminal depende de queixa e o artigo 50º àqueles em que depende de queixa, constituição de assistente e dedução de acusação particular, comummente designados de crimes semipúblicos e particulares, respetivamente.

            Assim, quando o procedimento criminal depender de queixa, é necessário que os titulares do direito de queixa, deem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo e, mesmo nos casos de denúncia obrigatória pelas entidades referidas 242º do Código de Processo Penal, a denúncia só dá lugar a instauração de inquérito se a queixa for apresentada no prazo legalmente previsto” [cfr. artigos 49º, n.ºs 1 e 4, daquele diploma, e 113º do Código Penal].

            E , de harmonia com o artigo 115º, n.º 1, do Código Penal, o prazo de exercício do direito de queixa é de seis meses, pois tal direito extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz, entendendo a doutrina e a jurisprudência que tal prazo tem natureza substantiva, sendo um prazo de caducidade[42].

Nos sobreditos crimes – semipúblicos e particulares – a tempestiva apresentação de queixa constitui pressuposto processual, tendo, por isso, natureza adjetiva, mas é, também, simultaneamente, condição material de responsabilização penal do agente, vertente em que assume natureza substantiva. Por esse motivo, é habitual classificarem-se as normas que respeitam à disciplina da queixa e da acusação particular, como sendo de natureza processual material, tendo os pressupostos nelas contidos de ser apreciados ao longo de todo o procedimento processual[43].

Observa ainda o Prof. Germano Marques da Silva[44] que, desde que a lei não disponha de modo diverso, a falta de qualquer pressuposto processual «pode ser conhecida a todo o tempo, ainda que a lei, por uma razão de ordem, obrigue à verificação da sua presença ou da sua falta em determinados momentos processuais».

Assim, nos crimes semipúblicos e particulares, a existência de queixa é, nas palavras de Figueiredo Dias, um pressuposto processual cujo conteúdo contende com o direito substantivo, na medida em que é pressuposto positivo de punição.

No mesmo sentido, escreveu-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.06.2013[45] «certo é, porém, que a punição efetiva de um facto depende não apenas do preenchimento de exigências substantivas, mas também da verificação de condições de procedimento. Salvo em casos excecionais, sem queixa o procedimento não pode iniciar-se e, caso se tenha iniciado, não pode prosseguir.

A qualquer momento, se podem e devem retirar as consequências do facto de a queixa não existir ou não ser juridicamente relevante. Quando esta situação ocorre, falta, portanto, um pressuposto do procedimento, logo da condenação.»

           

No caso vertente, o recorrente invoca a falta de legitimidade do Ministério Público para prosseguir com o procedimento criminal em virtude de a queixa ter sido apresentada após o decurso do sobredito prazo de seis meses, pelas concretas razões que refere, mas que são irrelevantes, pois, mais uma vez, a argumentação recursiva assenta numa premissa falaciosa – a de que estamos perante um crime de furto [simples], sob a forma continuada, que, de harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 203º do Código Penal, depende de queixa, quando assim não sucede.

Com efeito, relembre-se que na acusação era imputada a prática de crime de furto qualificado, previsto e punível pelos artigos 203.º, n.º 1, e 204º, n.º 2, al. a), o tribunal a quo entendeu que se tratava, antes, de crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º e 218º, n.º 2, al. a), e este tribunal ad quem decidiu condenar pelo crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. a), por referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal.

Ambos os ilícitos revestem natureza pública, não dependendo a promoção do procedimento criminal pelo Ministério Público de queixa do respetivo titular, sendo, por isso, absolutamente irrelevante a eventual caducidade do direito de queixa.

Soçobra, pois, a questão colocada a este respeito.


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            III. – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso interposto pelo recorrente, arguido AA …, parcialmente procedente e, em consequência, decidem:

a) - Revogar a sentença recorrida na parte em que foi decidido condená-lo pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º e 218.º nº 2 al. a), do Código Penal; e

b) Condenando-o, antes, pela prática, em autoria material singular, sob a forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. a), por referência ao artigo 202º, al. b), todos do Código Penal, mantendo-se o demais decidido.

            Sem custas [artigos 513º, n.º 1, a contrario, do Código de Processo Penal].


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*

(Elaborado e revisto pela relatora, sendo assinado eletronicamente pelos signatários – artigo 94º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal)
*
Coimbra, 11 de dezembro de 2024

 Isabel Gaio Ferreira de Castro

[Relatora]

Maria José Guerra

 [1.ª Adjunta]

Cândida Martinho

 [2.ª Adjunta]



[1] Publicados no Diário da República, I.ª Série - A, de 19.10.1995 e 28.12.1995, respetivamente.
[2] Vide Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e 336; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág. 113; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, 2011, págs. 1059-1061
[3] Ac. STJ de 19-12-1991, BMJ 412-234
[4] A. M. ALMEIDA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, T. II, Coimbra Editora, 1999, p. 276
[5] A. M. ALMEIDA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, T. II, Coimbra Editora, 1999, p. 293
[6] A. M. ALMEIDA COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, T. II, Coimbra Editora, 1999, p. 299
[7] Neste sentido, cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 15.ª edição, página 822; Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, 2.ª edição, Editorial Verbo, página 339; e Leal-Henriques e Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 6.ª edição, 2007, Rei dos Livros, página 77.
[8] Cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.04.2018 e 12.06.2019, disponíveis para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt
[9]  Cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, ob. cit., págs. 77 e 78.
[10] In “Curso de Processo Penal”, Vol. III, págs. 339/340
[11] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11.07.2017, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt
[12] In D.R. n.º 77, Série I, de 18-04-2012
[13] In Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Edição da Universidade Católica, a pag.1134/5
[14] Neste sentido vem decidindo o STJ [cfr. Acórdãos de 31-10-2007 (processo n.º 07P3218), de 03-12-2009 (processo n.º 760/04.0TAEVR.E1.S1), de 28-10-2009 (processo n.º 121/07.9PBPTM.E1.S1), de 10-01-2007 (processo n.º 3518/06), de 04-01-2007 (processo n.º 4093/06) e de 04-10-2006 (processo n.º 812/06)] e os Tribunais da Relação [a título exemplificativo, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.04.2020 e do Tribunal da Relação de Évora de 09.01.2018] todos disponíveis para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt, e também o Tribunal Constitucional [cfr., entre outros, o acórdão n.º 140/2004, disponível em http://www.tribunalconstitcional.pt]
[14] A título exemplificativo, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.04.2020 e do Tribunal da Relação de Évora de 09.01.2018, disponíveis para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt

[15] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1.º volume, reimpressão, Coimbra, 1984, páginas 203 a 205.
[16] Cfr. Figueiredo Dias, “Ónus de Alegar e de Provar em Processo Penal?”, Revista de Legislação e de Jurisprudência 105 (1972-73), págs. 140 e 141.
[17] Vide Cristina Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra Editor, 1997
[18] Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição, pág. 205
[19] In Curso de Processo Penal, vol. II, pág. 237
[20] Do Processo Penal..., pág. 347
[21] Paulo Sousa Mendes, Lições de Direito Processual Penal, Almedina 2014, págs. 203-204
[22] DR n.º 18/2015, 1ª série, de 27.01.2015

[23] Vide Marques Ferreira, da Alteração dos Factos Objecto do Processo Penal, RPCC, ano I, tomo 2, pág. 226.

[24] Vide Oliveira Mendes, in Código de Processo Penal Comentado, 4.ª Edição Revista, Almedina, pág. 1109.
[25] Disponível para consulta em http://www.dgsi.pt

[26] In «Alteração Substancial dos factos e sua relevância no processo penal português» Coimbra, Livraria Almadina, pág. 108
[27] In «Comentário do Código de Processo Penal, Lisboa, Universidade Católica Editora, pág. 930 e 931
[28] Vejam-se, entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06.02.2019, proferido no processo n.º 1074/15.5PAOLH.EL.S1, e de 20.12.2006, proferido no processo n.º 3059/06; do Tribunal da Relação de Évora de 06.02.2017; do Tribunal da Relação do Porto de 26.05.2015 proferido no processo n.º 93/10.2TAMDL.G1.P, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt
[29] Cfr. o artigo. 255º do Código Penal espanhol, que se refere a “defraudaciones de fluido electrico, gas, agua, telecomunicaciones …”.
[30] O DL n.º 328/90, de 22.10, em vigor à data dos factos em apreço, e o DL n.º 15/22, de 14.01, que veio revogar o primeiro [cfr. artigo 305º], contemplam as situações de apropriação ilícita de energia elétrica, incluindo as práticas fraudulentas, mas apenas regulam a responsabilidade civil, sem prejuízo da responsabilidade criminal nos termos gerais – cfr. artigo 10º do primeiro e 261º do segundo.
[31] In Direito Penal Parte Geral, Tomo I, 2.ª ed. 2007, págs. 188/189
[32] In Direito Penal Patrimonial, Sistema e Estrutura Fundamental, Porto: Universidade Católica Editora, pág. 56.
[33] In Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Tomo II, pág. 43
[34] Vide Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 553
[35] In “Crimes Contra o Património”, página 23
[36] Assim, v.g. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade católica Editora, 2007, pá. 551, anotação 7; Conceição Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 693; Paulo Saragoça da Matta, Subtração de Coisa Móvel Alheia, Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pág. 1009; Faria da Costa, ob. cit., pág. 39; Carlos Alegre, Crimes contra o património, Revista do MP, 3, pág. 23.
[37] Vide, entre outros., os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 29.04.2009, processo 0847824, e de 05.04.2006 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.11.2010, processo 3555/09.TDLSB.L1-5, e de 07.01.1988, acessíveis em www.dgsi.pt. Já no acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 24/02/1988 (relator Pinto Bastos) se considerou que «a energia eléctrica é uma coisa susceptível de apropriação e valiosa, cuja subtracção integra a autoria de crime de furto», in BMJ n.º 374, pág. 545.
[38] Ob. cit., pág. 44.
[39] In CJ, Ano XIII, T. 1, pág. 86
[40] Vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.09.1993, processo 043643, acessível em http://www.dgsi.pt
[41] Cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal”, pág. 984.
[42] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 663 e ss., e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fixação de jurisprudência n.º 4/2012 [DR, I Série, nº 98, 21.05.2012.
[43] Neste sentido Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, pág. 106
[44] In Curso de Processo Penal, volume III, pág. 35
[45] Acessível em http://www.dgsi.pt