Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1937/18.6T8GRD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
SEU CARÁTER ABUSIVO
MOMENTO DA SUA APLICAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO POR APLICAÇÃO ABUSIVA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR
PRAZO PARA O EFEITO
Data do Acordão: 01/29/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 330º, Nº 2, 331º, 394º E 395º DO C. TRABALHO.
Sumário: I – O nº 1 do artº 331º do CT contêm o elenco, taxativo, das situações em que se deve considerar abusiva a sanção disciplinar.

II - A ratio legis do caráter abusivo da sanção reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto de a verdadeira razão da aplicação da sanção disciplinar se situar fora da punição da conduta ilícita e culposa do trabalhador.

III - Inexistindo ilicitude da conduta disciplinarmente punida, ou, acrescentamos nós, invalidade do procedimento disciplinar, a sanção aplicada ao trabalhador mostra-se ilegal, mas não abusiva, quando não está demonstrado que subjacente ao exercício do poder disciplinar se encontrava uma medida de retaliação da entidade empregadora face ao exercício de direitos por parte do trabalhador.

IV - O nº 2 do artº 330º do CT distingue dois momentos do exercício do poder disciplinar por parte da empregadora: o da decisão/determinação da aplicação da sanção, num primeiro momento, e o da aplicação da mesma, num momento necessariamente posterior, devendo interpretar-se o uso da palavra “aplicação” no sentido de “execução” daquela sanção.

V - É o que resulta até da própria epígrafe do artigo e compreende-se que assim o seja, já que previamente à imposição de uma sanção, designadamente do elenco das conservatórias da relação laboral, necessário se torna que o empregador avalie o comportamento do trabalhador considerado ilícito, escolhendo, como lhe impõe o nº 1 desse artº 330º, aquela que se revele como proporcional à gravidade da infração, e só num momento ulterior proceda à execução da sanção, que deverá ocorrer nos 3 meses ulteriores à decisão.

VI - O que quer dizer que só a efetiva execução da sanção faz nascer o direito do trabalhador à indemnização aí prevista, desprezando o legislador quaisquer danos que possam decorrer da simples decisão de determinação da sanção.

VII - Dispõe o artº 394º, nº 1, do CT de 2009 que, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

VIII - A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artº 395º, nº 1, do CT), sendo apenas atendíveis para justificar a resolução os factos invocados nessa comunicação (artº 398º, nº 3, do CT).

IX - O prazo de 30 dias a que alude o nº 1 do artº 395º do CT caracteriza-se como um prazo de caducidade, atento o disposto no nº 2 do artº 298º do Cod. Civil (“quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”).

X - O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.

XI - Em situações de caráter continuado e de efeitos duradouros, que se agravam com o decurso do tempo, o prazo de caducidade a que se refere o art. 395º, nº 1, do CT, só se conta a partir do momento em que os efeitos da violação por parte do empregador, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna impossível, ou seja, se torna intolerável para o trabalhador, perante esses factos e as suas nefastas consequências, a manutenção da relação de trabalho.

Decisão Texto Integral:                    

             

       Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                              M... veio intentar a presente acção contra Associação de ..., Ipss, formulando o seguinte pedido:

                        “Nestes termos e nos demais de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vª. Exª. deve a presente impugnação ser considerada procedente por provada e por via disso ser declarado caducado e/ ou prescrito e/ ou improcedente o procedimento disciplinar ora impugnado e em consequência ser revogada a decisão ora impugnada, com a reposição da antiguidade e da retribuição perdida no período de suspensão do contrato de trabalho

                        Deve ainda, considerado procedente por provada a presente que foram aplicadas à Autora sanções abusivas, e por via disso ser a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização nunca inferior a 10 vezes da retribuição perdida ou a perder por força da aplicação daquela sanção, isto nunca inferior a €13.692,00”.

           Alegou, para o efeito e em síntese, que a Ré lhe aplicou uma sanção disciplinar, traduzida numa suspensão de trabalho por vinte dias por cada uma de três infracções alegadamente apuradas, num total de sessenta dias com perda de antiguidade.

                    Alegou a prescrição e a improcedência do procedimento disciplinar, devendo a sanção de que foi alvo ser considerada abusiva, por lhe ter sido aplicada na sequência e por causa do exercício dos seus direitos, como forma de pressão. Sofreu  danos resultantes dessa conduta da Ré.

 Conclui, pedindo que seja revogada essa decisão disciplinar, com a reposição da antiguidade e da retribuição perdidas no período de suspensão do contrato de trabalho, bem como a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização nunca inferior a 10 vezes da retribuição perdida ou a perder por força da aplicação daquela sanção, num total nunca inferior a €13.692,00.

    Na contestação a Ré defendeu a inutilidade superveniente da lide, uma vez que a Autora fez cessar o contrato de trabalho antes do cumprimento da sanção disciplinar.

                    A Autora sustentou a improcedência desta pretensão da Ré.

                    No articulado de resposta veio a Autora ampliar a causa de pedir e o pedido, alegando a resolução do contrato de trabalho por justa causa e a existência de créditos resultantes da execução do contrato de trabalho, pedindo, a final, a condenação da Ré a pagar-lhe:

                    a) €8.719,20, a título de indemnização por resolução do contrato de trabalho com justa causa;

                    b) €1.453,20, a título de férias vencidas a 1 de janeiro de 2018 e respetivo subsídio;

                    c) Juros vencidos e vincendos sobre essas quantias, desde a data do vencimento das mesmas até efectivo e integral pagamento.

    Contestando a pretensão da Autora, a Ré excepcionou a caducidade do direito de resolução.

                    Alegou, para o efeito e em síntese, que, na sequência da impugnação judicial da decisão disciplinar e da citação da Ré, esta apresentou queixa crime contra a Autora em 12 de Dezembro de 2018, alegando os mesmos factos impugnados nestes autos. Este processo crime foi arquivado por despacho de 7 de Maio de 2019, notificado às partes a 9 de Maio de 2019, correndo a partir daí prazo para abertura de instrução, que terminaria a 29 de Maio de 2019.

          Mais alegou que, por carta registada com A/R datada de 7 de Junho de 2019, a Autora fez cessar o contrato de trabalho que mantinha com a Ré, com efeitos a partir de 24 de Junho de 2019.

                    Nessa carta invocou os fundamentos pelos quais entende que lhe assistiu justa causa para a resolução.

                    Contestando a pretensão da Autora, a Ré excepcionou a caducidade do direito de resolução e defendeu-se por impugnação, dizendo  que a Autora não teve qualquer fundamento para resolver o contrato de trabalho.

                    A cumulação de pedidos e cauda de pedir foi admitida por despacho de 24 de Fevereiro de 2020.

                    Foi proferido o seguinte despacho:
“Em face do que se expôs, este Tribunal decide:

                                                                       I.

                        Julgar parcialmente extinta a instância, sendo a extinção na parte respeitante ao pedido formulado na petição inicial, por inutilidade superveniente da lide, conforme o disposto no artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil.

                                                                       II.

                        Custas a cargo da autora M... (artigo 536º, nos 2, a contrario, e 3, do Código de Processo Civil) na proporção de 57% (cinquenta e sete por cento) das devidas a final”.

                    E em sede de despacho saneador foi decidido o seguinte:

                        “Pelo exposto decide o Tribunal:

                                                                       I.

                        Julgando verificada a exceção de caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho, por parte da autora M..., absolver a ré «Associação ..., IPSS» do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, acrescendo juros de mora.

                                                                       II.

                        Condenar a autora M... no pagamento das custas do processo, na proporção de 36% (trinta e seis por cento)”.
                    Inconformada com ambos os despachos, veio a Autora interpor o presente recurso de apelação,  formulando as seguintes conclusões:

                        ...

                        Não foram apresentadas contra-alegações.

                    O Exmº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do improcedência do recurso.

                    Cumpre decidir.

                    Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão:

                 - a inutilidade superveniente da lide;

                 -  a caducidade do direito da Autora de pedir a resolução do contrato com invocação de justa causa.

                 Como factualidade relevante temos a descrita no relatório do presente acórdão.

                    - o direito:    

                    - a primeira questão: a inutilidade superveniente da lide:
                    A decisão recorrida considerou verificar-se a inutilidade superveniente da lide, dado que ocorreu a caducidade da sanção disciplinar decidida aplicar pela Ré à Autora, sendo que, entretanto, esta comunicou a resolução, com invocação de justa causa, do contrato de trabalho, sem que a referida sanção tenha sido executada. E sendo essa decisão de aplicação  afectada pela caducidade, não pode, assim, constar do registo disciplinar.
                    Contra isto reage a recorrente, defendendo, em primeira linha, que se verificou a efectiva aplicação da sanção disciplinar, sendo que das normas contidas no artº 331º, nºs 1 e 5, do CT, não resulta que deva ser cumprida a decisão determinada em processo disciplinar para poder ser peticionada a respectiva indemnização, antes se bastando com a decisão tomada.
                    E isto porque os danos suportados pelo trabalhador podem surgir com  a simples escolha da sanção, como sejam prejuízos na sua imagem perante os demais trabalhadores e/ ou terceiros.
                    Sem conceder, argumenta que ainda que se admitisse para efeitos de raciocínio académico que o direito da entidade patronal executar a sanção disciplinar determinada tinha caducado, como o refere o despacho saneador, sempre se tem de entender que esta caducidade não teria qualquer efeito sobre a decisão tomada, que na verdade continua a poder ser registada, e que por isso continua a beliscar a imagem do trabalhador, enquanto tal.
                    É o seguinte o teor do despacho aqui impugnado:

                        “A inutilidade superveniente da lide é uma das causas de extinção da instância [artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil], pressupondo a verificação de dois pressupostos cumulativos:

                        -A  ocorrência de um evento que esgote as finalidades visadas na ação ou incidente;

                        - Sendo esse evento posterior à instauração da ação.

                        A análise do segundo requisito não suscita dificuldades no caso em apreço, refletindo-se na cessação do contrato de trabalho, posterior à instauração da ação, em virtude da qual ocorreu necessariamente a cessação do poder disciplinar da ré sobre a autora.

                        No que concerne ao primeiro requisito, verifica-se que a autora pretende, em primeira linha, a revogação da decisão que aplicou a sanção disciplinar e consequentes efeitos, designadamente a reposição da antiguidade e da retribuição.      

                        A decisão determinou a aplicação da sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade [artigo 328º, nº 1, alínea e), do Código do Trabalho].
                        A decisão da questão suscitada não prescinde, a nosso ver, da análise da norma do artigo 330º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “critério de decisão e aplicação de sanção disciplinar”, cujo nº 2 determina que “a aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade”.

                        O termo “aplicação” afigura-se-nos incorretamente utilizado, devendo antes ler-se no sentido de execução.

                        Esta interpretação assenta na circunstância de o prazo de caducidade se contar da data da decisão disciplinar, sendo nesta que a sanção disciplinar é determinada/aplicada.

                        Aliás, a própria epígrafe da norma aponta para a existência de dois momentos distintos: o da decisão, no qual, como se disse, a sanção é determinada/aplicada, e o da sua aplicação, correspondente à execução/cumprimento da decisão.

                        Isto significa que, por via da decisão disciplinar, o empregador determina a aplicação de uma sanção disciplinar, que, nos termos do referido nº 2 do artigo 330º do Código do Trabalho, tem de ser executada no prazo de 3 meses, sob pena de caducidade.

                        Esta consequência não incide apenas sobre a execução da sanção disciplinar, isto é, não obsta apenas à execução da sanção, antes refletindo-se sobre a própria decisão: é a decisão de aplicação da sanção disciplinar que é afetada pela caducidade, o que implica, além do mais, a inadmissibilidade de registo da sanção disciplinar ou da sua manutenção no registo.

                        Por outro lado, na medida em que a caducidade incide sobre a própria decisão disciplinar, em caso algum o empregador poderá executar a decisão por via da compensação de créditos, uma vez que inexiste crédito do empregador.

                        Em segunda linha, a autora peticionou a condenação da ré nos termos do disposto no artigo 331º, nos 3 e 5, do Código do Trabalho, que dispõe:

                        “3 – O empregador que aplicar sanção abusiva deve indemnizar o trabalhador nos termos gerais, com as alterações constantes dos números seguintes.

                        5 – Em caso de sanção pecuniária ou suspensão do trabalho, a indemnização não deve ser inferior a 10 vezes a importância daquela ou da retribuição perdida”.

                        Alega a autora que o pressuposto do direito à indemnização não é o cumprimento da sanção disciplinar abusiva, antes correspondendo à sua aplicação.

                        Salvo o devido respeito por fundada opinião diversa, essa posição não merece a nossa concordância.

                        Como se referiu, quer a epígrafe, quer o texto da norma do artigo 330º do Código do Trabalho, aponta para a existência de dois momentos, sendo um deles, denominado de momento de “aplicação” correspondente ao momento da execução da decisão.
                        Ora, se é certo que “a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”, “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (artigo 9º, nos 1 e 2, do Código Civil).

                        E o intérprete haverá de presumir “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9º, nº 3, do Código Civil).

                        Conjugando as normas dos artigos 330º e 331º do Código do Trabalho, em face dos aludidos critérios de interpretação, afigura-se-nos que o legislador, ao aludir à aplicação de sanção abusiva, no último daqueles normativos, tem necessariamente em vista o conceito de aplicação vertido no artigo 330º, tal como o definimos.

                        Neste sentido, o direito à indemnização não se basta com a determinação da sanção em sede de decisão disciplinar, antes exigindo a execução dessa decisão.

                        Este entendimento não põe em causa a garantia dos direitos dos trabalhadores, uma vez que o direito de indemnização pressupõe a ocorrência de um dano (artigo 483º do Código Civil), dano que, não sendo executada a decisão e assim operando a sua caducidade, não chega a consumar-se.

                        Acresce que, contrariamente ao alegado pela autora, a impugnação da decisão disciplinar não tem de ser anterior à execução da decisão.

                        Essa posição da autora perpetua, o erro na forma de processo, que cometeu.

                        Efetivamente, apenas no âmbito do processo especial de impugnação judicial de decisão disciplinar, inaplicável ao presente caso, como oportunamente decidido, a lei confere ao arguido em processo disciplinar o curto prazo de 15 dias, contados da notificação da decisão, para intentar o correspondente processo.
                        Não sendo aplicável essa forma de processo, devendo este correr como ação de processo comum, o prazo de impugnação corresponde ao prazo geral fixado no artigo 337º, nº 1, do Código do Trabalho, isto é, o arguido, em processo disciplinar, dispõe do prazo de um ano, a contar da data da cessação do contrato de trabalho, para impugnação da decisão”.
                    Desde já adiantamos que que tal argumentação nos merece total concordância.

                    O nº 1 do artº 331º do CT contêm o elenco, taxativo, das situações em que se deve considerar abusiva a sanção disciplinar:

                     “1 – Considera-se abusiva a sanção disciplinar motivada pelo facto de o trabalhador:

                    a) Ter reclamado legitimamente contra as condições de trabalho;

                    b) Se recusar a cumprir ordem a que não deva obediência, nos termos da alínea e) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 128.º;

                    c) Exercer ou candidatar-se ao exercício de funções em estrutura de representação colectiva dos trabalhadores;

                    d) Em geral, exercer, ter exercido, pretender exercer ou invocar os seus direitos ou garantias”.

                    Escreve Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, pags. 755-756 que “O princípio da boa fé apresenta-se aqui sob a sua dupla faceta de tutela da confiança e da primazia da materialidade subjacente. (...) A primazia da materialidade subjacente veda a utilização do processo disciplinar para quaisquer outros fins que não aqueles para que a lei o estabelece: o apuramento duma efectiva infracção disciplinar e a sua punição. Justamente este ponto dá lugar a delicados conflitos de interesses: o empregador pode usar o poder disciplinar para retaliar contra trabalhadores incómodos ou para os desincentivar no exercício das suas posições sindicais. A lei especificou, assim, a categoria das sanções abusivas, que mais não são do que um afloramento desta regra geral”.

                    Conforme se decidiu no Ac. da Rel. do Porto de 23/4/2012, disponível em www.dgsi.pt, o abuso implica a conjugação entre dois elementos:

                    - um elemento objectivo, traduzido no facto de, a uma determinada actuação do trabalhador em defesa dos seus direitos, se seguir um procedimento disciplinar;
                    - um elemento subjectivo, consistente no facto de, com o procedimento disciplinar, a entidade empregadora visar responder ao exercício, pelo trabalhador, das suas posições.    
                    Exige-se, também, uma relação directa de causa /efeito entre uma situação enquadrável numa das 4 alíneas desse nº 1 do artº 335º e a sanção aplicada.
                    No Ac. do STJ de 5/12/2001, in Ac. Doutrinais, 487º, 1068, decidiu-se, em termos que mantêm plena actualidade, que a ratio legis do carácter abusivo da sanção reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto de  a verdadeira razão da aplicação da sanção disciplinar se situar fora da punição da conduta ilícita e culposa do trabalhador. Inexistindo ilicitude da conduta disciplinarmente punida, ou, acrescentamos nós, invalidade do procedimento disciplinar, a sanção aplicada ao trabalhador mostra-se ilegal, mas não abusiva, quando não está demonstrado que, subjacente ao exercício do poder disciplinar, se encontrava uma medida de retaliação da entidade empregadora face ao exercício de direitos por parte do trabalhador.

                    No que diz respeito ao critério e aplicação da sanção disciplinar, rege o artº 330º do CT que, no seu nº 1, dispõe que “A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção”, e, no seu nº 2, que “A aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade”.

                    Por sua vez, e em termos de consequências de aplicação de uma sanção abusiva, dispõe o nº 3 do artº 331º do mesmo diploma que “O empregador que aplicar sanção abusiva deve indemnizar o trabalhador nos termos gerais, com as alterações constantes dos números seguintes, sendo que a indemnização não poderáser inferior a 10 vezes a importância daquela ou da retribuição perdida(nº 5).
                    No caso em apreço, a Autora veio pôr em causa a sanção  disciplinar de suspensão de trabalho por vinte dias por cada uma de três infracções alegadamente apuradas, num total de sessenta dias com perda de antiguidade, qualificando-a como abusiva, e formulando o seguinte pedido:

                    “Nestes termos e nos demais de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vª: Exª. deve a presente impugnação ser considerada procedente por provada e por via disso ser declarado caducado e/ ou prescrito e/ ou improcedente o procedimento disciplinar ora impugnado e em consequência ser revogada a decisão ora impugnada, com a reposição da antiguidade e da retribuição perdida no período de suspensão do contrato de trabalho
                        Deve ainda, considerado procedente por provada a presente que foram aplicadas à Autora sanções abusivas, e por via disso ser a Ré condenada a pagar-lhe uma indemnização nunca inferior a 10 vezes da retribuição perdida ou a perder por força da aplicação daquela sanção, isto nunca inferior a €13 692,00”.
                    Ora, tal como o despacho recorrido, também entendemos que o referido nº 2 do artº 330º do CT distingue dois momentos do exercício do poder disciplinar por parte da empregadora: o da decisão /determinação da aplicação da sanção, num primeiro momento, e o da aplicação da mesma, num momento necessariamente posterior, devendo interpretar-se o uso da palavra “aplicação” no sentido de “execução” daquela sanção. É o que resulta até da própria epígrafe do artigo e compreende-se que assim o seja, já que, previamente à imposição de uma sanção, designadamente do elenco das conservatórias da relação laboral, necessário se torna que o empregador avalie o comportamento do trabalhador considerado ilícito, escolhendo, como lhe impõe o nº 1 desse artº 330º, aquela que se revele como proporcional à gravidade da infracção, e só num momento ulterior proceda à execução da sanção, que deverá ocorrer nos 3 meses ulteriores à decisão.
                    E sob pena de, entendendo-se o contrário, se pôr em causa a unidade do sistema jurídico e a coerência  das soluções legislativas, também a interpretação da expressão “aplicar”, no nº 3 do artº 331º, deverá coincidir com a “execução” da sanção.
                    O que quer dizer que só a efectiva execução da sanção faz nascer o direito do trabalhador à indemnização aí prevista, desprezando o legislador quaisquer danos  que possam decorrer da simples decisão de determinação da sanção.
                    No caso em apreço a sanção nunca veio a ser executada, sendo que, estando a Autora de baixa no período que mediou entre a decisão de aplicação e a data em que se efectivou a resolução do contrato de  trabalho por sua iniciativa, entretanto se esgotou o poder disciplinar da Ré, em virtude dessa cessação.
                    E não havendo possibilidade de fazer executar a sanção, verificou-se, tal como decidido, a inutilidade superveniente da lide em relação ao pedido da Autora, supra enunciado.
                    E a argumentação da apelante relativa  ao prazo de impugnação e ao momento em que se inicia tal prazo em nada releva para esta questão. O mesmo acontecendo com o entendido, pela mesma apelante, relativamente à utilização da palavra “aplicação” nos artºs 328º e 329º, nº 6, do CT, que não afastam  a interpretação a que chegámos, pelos motivos apontados.
                    Da mesma forma, improcede o invocado pela recorrrente no que diz respeito a ser devida a indemnização pela simples determinação da sanção, já que os danos a ter em conta, por imposição legal, são, como vimos, apenas os decorrentes da efectiva execução da sanção.

                    O mesmo acontecendo no que toca ao defendido quanto ao registo da sanção, o qual, e numa correcta interpretação do artº 332º do CT, conjugado com as normas que abordámos, só pode ocorrer quando efectivamente ocorre o cumprimento da sanção, não sendo legítimo ao empregador proceder a esse registo em relação a sanção que acabou por não conhecer essa execução. Não tem qualquer suporte legal a afirmação da recorrente de que, por ter sido tomada em tempo e existindo juridicamente, a decisão disciplinar não fica afectada pela vício de caducidade que poderá ter atingido a sua execução, podendo ser objecto de registo.
                    - a segunda questão - a  caducidade do direito da Autora de pedir a resolução do contrato com invocação de justa causa:

                    Considerou o saneador que se verificou essa caducidade, com base na seguinte argumentação:

                        “Para decisão da presente questão mostra-se provado que a autora enviou à ré a comunicação de teor infratranscrito, comunicação que foi recebida pela ré.

                        Dispõe o artigo 395º do Código do Trabalho:

                        “1 – O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.

                        2 – No caso a que se refere o nº 5 do artigo anterior, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador.

                        3 – Se o fundamento da resolução for o referido na alínea a) do nº 3 do artigo anterior, a comunicação deve ser feita logo que possível.

                        4 – O empregador pode exigir que a assinatura do trabalhador constante da declaração de resolução tenha reconhecimento notarial presencial, devendo, neste caso, mediar um período não superior a 60 dias entre a data do reconhecimento e a da cessação do contrato”.

                        A norma em questão estabelece um procedimento necessário para resolução do contrato de trabalho, sendo que a exigência contida no nº 1 visa possibilitar ao empregador a apreciação das razões invocadas pelo trabalhador para resolver o contrato, de modo a que o primeiro possa ponderar a impugnação da resolução, nos termos do disposto no artigo 398º do Código do Trabalho.

                        E nessa ação “apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no nº 1 do artigo 395º” (artigo 398º, nº 3, do Código do Trabalho), regime que se compreende, dado que, de outro modo, o empregador que impugnasse a resolução por determinados fundamentos poderia ser confrontado com a alegação de outros, que não havia ponderado para efeitos de recurso à ação de impugnação e que poderiam ter conduzido a diferente opção.

                        Como tem sido entendimento uniforme, a restrição quanto ao objeto da ação estende-se àquelas em que esteja em apreciação a resolução do contrato e não a impugnação da resolução, ou seja, aquelas que tenham sido instauradas pelo trabalhador e não pelo empregador.

                        Por outro lado, os prazos estabelecidos no artigo 395º do Código do Trabalho são prazos de caducidade, constituindo condição de licitude da resolução, pelo que a preterição dessa condição, como de qualquer uma das restantes, implica que se considere não verificada a justa causa na resolução do contrato (JOANA VASCONCELOS, in CÓDIGO DO TRABALHO ANOTADO, ED., 2013, P. 834).

                        Em face do regime legal aplicável, importa atentar no teor da comunicação enviada pela autora à ré, com vista à resolução do contrato de trabalho.

                        Nela consta o seguinte:

                        “M..., casada, cozinheira, portadora do cartão de cidadão válido até ..., vem nos termos do artº 394º do Código de Trabalho, pôr termo ao contrato de trabalho celebrado com esta Associação ainda no ano de 2007.

                        Tal resolução de contrato de trabalho prende-se com a circunstância da aqui exponente ter sido alvo ao longo dos dois últimos anos de constantes imputações de factos inverídicos, de processo disciplinar com sanção proposta de despedimento, de sanções abusivas de suspensão de funções por dois meses e de processo crime, que a têm desgastado em termos psíquicos mas também físicos, e que têm prejudicado a sua saúde

                        Pelas razões atrás expostas a aqui exponente encontra-se há mais de um ano de baixa médica com incapacidade para o trabalho

                        As acusações de que tem sido alvo por parte desta associação são infundadas, tendo já sido arquivado o processo crime que a mesma intentou contra si.

                        Contudo, a aqui exponente não se encontra em condições de regressar ao seu posto e local de trabalho,

                        A cessação do contrato de trabalho produzirá efeitos a partir do próximo dia 23 de junho de 2019, pelo que a aqui exponente deixará de estar ao serviço desta associação a partir do dia 24 de Junho de 2019.

                        Até essa data a aqui exponente pede que lhe sejam processados todos os seus direitos e pagos todos os seus créditos”.

                        Os fundamentos invocados pela autora, para fundamentar a resolução do contrato de trabalho, resumem-se, pois, à imputação, pela ré, nos últimos dois anos de factos inverídicos; à instauração de procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento; à aplicação de sanções abusivas; e à instauração de processo-crime.

                        No que respeita ao primeiro fundamento, impõe-se sublinhar que o trabalhador, ao comunicar a intenção de resolver o contrato de trabalho, está obrigado a descrever, ainda que sucintamente, os factos em que funda essa intenção.

                        A nosso ver, o cumprimento da aludida disposição legal varia consoante os factos em que assenta a pretensão do trabalhador.

                        Estando em causa um conjunto complexo ou plural de factos, sobre o trabalhador impende um acrescido grau de exigência na sua descrição, de modo a que possa ser alcançada a finalidade da exigência legal, designadamente a perceção, pelo empregador e eventualmente pelo Tribunal, das razões subjacentes à decisão do trabalhador.

                        Variando o grau de exigência na descrição dos factos, importa, contudo, concluir, como se sustentou no ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 20/11/2017, in http://www.dgsi.pt:

                        “IV – Invocações vagas não permitem ter por devidamente cumprida a exigência, que resulta do n.º 1 do artigo 395.º, do CT/2009, de indicação, ainda que sucinta, dos factos que justificam a justa causa invocada para a resolução do contrato, sendo que é essa indicação que delimita, depois, a invocabilidade em juízo dos factos suscetíveis de serem apreciados para efeitos de apreciação da justa causa”.

                        De igual modo, no ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 07/12/2018, in http://www.dgsi.pt, consignou-se:

                        “I – O trabalhador deve fazer a comunicação da resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa por escrito, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” [n.º1, do art.º 395.º], sendo a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos invocados para a resolução, já que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem [n.º 3, do art.º 398.º].

                        II – Justamente porque na apreciação judicial da licitude da resolução apenas são atendíveis os factos que foram invocados para a justificar, mas também porque essa comunicação tem que permitir que para o empregador sejam perceptíveis os fundamentos invocados na resolução do contrato, a expressão “indicação sucinta dos factos”, embora possa sugerir outra leitura, deve ser entendida no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão”.

                        Manifestamente, a alusão a “constantes imputações de factos inverídicos”, sem qualquer concretização, ainda que perfunctória, de tais factos, constitui uma imputação vaga e imprecisa que não respeita a exigência normativa e não precisa ainda que minimamente os factos alegadamente geradores do direito de resolução do contrato de trabalho por parte da autora.

                        Assim, independentemente do acervo factual inerente a tal imputação, o Tribunal não poderá atender a esse fundamento de resolução do contrato de trabalho.

                        Quanto à instauração de procedimento disciplinar, importa notar que o teor da comunicação da autora não deixa margem para dúvidas na identificação do facto em que assenta o alegado direito de resolução do contrato de trabalho.

                        Está em causa o início de um procedimento disciplinar, como ressalta inequivocamente da circunstância de o respetivo termo, traduzido na determinação de uma sanção disciplinar, ser igualmente erigido como fundamento do direito de resolução do contrato de trabalho.

                        Ora, como ressalta do disposto no artigo 353º, nº 3, do Código do Trabalho, segundo o qual “a notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos nos 1 ou 2 do artigo 329º”, é a notificação da nota de culpa que determina o início do procedimento disciplinar.

                        A nota de culpa foi notificada à autora ainda em setembro de 2018, tendo a autora resolvido o contrato de trabalho com efeitos a contar de 26 de junho de 2019.

                        Como se salientou supra, nos termos do nº 1 do artigo 395º do Código do Trabalho, o trabalhador dispõe de um prazo de 30 dias, a contar da data do conhecimento dos factos, para exercer o direito de resolução do contrato de trabalho.

                        Ao aludir à instauração do procedimento disciplinar, resulta afastada a qualificação do facto como continuado, uma vez que esse facto se esgota no momento da sua prática.

                        De resto, de acordo com a comunicação da autora, não são os factos inerentes à instauração do dito procedimento disciplinar ou qualquer conduta da ré no desenvolvimento deste que motivaram o exercício do direito de resolução do contrato de trabalho, sendo antes da simples instauração do procedimento que gerou a reação da autora.

                        É certo que, segundo a própria autora, o seu contrato de trabalho esteve suspenso de 13 de dezembro de 2017 a 23 de junho de 2019.

                        Na verdade, segundo o artigo 296º, nos 1 e 3, do Código do Trabalho:

                        “1 – Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, acidente ou facto decorrente da aplicação da lei do serviço militar.

                        3 – O contrato de trabalho suspende-se antes do prazo referido no nº 1, no momento em que seja previsível que o impedimento vai ter duração superior àquele prazo”.

                        Todavia, a suspensão do contrato de trabalho não interfere com a caducidade do direito de resolução do contrato.

                        Na verdade, como bem se decidiu no ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 25/02/2013, in http://www.dgsi.pt:

                        “I – O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.

                        II – Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente, doença. No entanto, a suspensão não tem efeitos no decurso de prazo de caducidade, nem obsta a que qualquer das partes faça cessar o contrato nos termos gerais”.

                        Do mesmo modo se decidiu no ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO DE 04/03/2013, in http://www.dgsi.pt:

                        “A suspensão do contrato de trabalho por facto imputável ao trabalhador apenas suspende os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que pressuponham a efetiva prestação de trabalho, não suspendendo o prazo de caducidade para invocação, pelo trabalhador, de justa causa para resolução do contrato de trabalho”.

                        Neste quadro, impõe-se concluir que, à data em que a autora operou a resolução do contrato de trabalho, havia já caducado o respetivo direito com base no fundamento ora em apreciação.

                        Esta ilação é integralmente aplicável ao fundamento seguinte invocado pela autora, para suportar o exercício do direito de resolução do contrato de trabalho, nomeadamente a aplicação de sanção abusiva.

                        Estando em causa, como se referiu supra, não o cumprimento da decisão disciplinar, mas sim a determinação da sanção nessa sede, verifica-se que a dita decisão foi notificada à autora ainda em novembro de 2018, ou seja, muito para além do prazo de 30 dias para exercício do direito de resolução

                        Finalmente, a autora fundamenta o exercício do referido direito na instauração de processo-crime.

                        Como a própria autora admitiu, pelo menos, a 30 de abril de 2019 tomou conhecimento da instauração do processo-crime, com os efeitos descritos no artigo 61º da resposta.

                        Do teor da comunicação da autora, mediante a qual operou a resolução do contrato de trabalho, não resulta que tenha sido uma qualquer conduta da ré, posterior a esse momento, que tenha gerado, no espírito daquela, a intenção de pôr termo à relação contratual.

                        Assim sendo, também quanto a este fundamento se verifica a invocada caducidade do direito.

                        De resto, não colhe o argumento da autora, segundo o qual a perceção da impossibilidade de subsistência da relação contratual só surgiu quando a autora se aprestava a fazer cessar a suspensão do contrato de trabalho, tendo tido suposto conhecimento da igualmente suposta intenção da ré em coagi-la de modo a fazê-la cessar o contrato de trabalho.

                        Deixando de lado a circunstância de a autora não fundar o seu comportamento em factos objetivos, suportando-o numa perceção puramente subjetiva, que, em última instância, despiria de relevância o prazo estabelecido no nº 1 do artigo 395º do Código do Trabalho1, certo é que a comunicação da resolução do contrato de trabalho é totalmente omissa a esse propósito, não podendo, por isso, a autora fundar a resolução nessa perceção e/ou em quaisquer factos que não constem da comunicação, designadamente o alegado conhecimento, por via de terceiros, da alegada intenção da ré em exercer coação sobre a autora.

                    Contrapõe a recorrente que, ao invocar “imputações de factos inverídicos, de processo disciplinar com sanção proposta de despedimento, de sanções abusivas de suspensão de funções por dois meses e de processo crime”, não se limitou ao simples facto da instauração do procedimento disciplinar e da prolação da decisão de aplicação da sanção disciplinar, invocando a pendência de tal procedimento e dessa decisão, sendo que não mediou mais de 30 dias entre o fim do processo crime e o envio da comunicação de resolução. 

                    Vejamos:

                    Dispõe o artº 394º, nº 1, do CT de 2009 que, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

                    A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artº 395º, nº 1, do CT), sendo apenas atendíveis para justificar a resolução os factos invocados nessa comunicação (artº 398º, nº 3, do CT).

          O referido artº 394º enuncia, no seu nº 2, e a título exemplificativo, alguns dos comportamentos da entidade empregadora constitutivos de justa causa de resolução do contrato e que conferem ao trabalhador direito à indemnização a que se refere o nº 1 do artº 396º do CT.

                    É indiscutível que, como facto constitutivo do seu direito - artº 342º, nº 1, do Cod. Civil -, é sobre o trabalhador que incide o ónus da prova desses comportamentos do empregador.

                    O prazo de 30 dias a que alude o nº 1 do artº 395º do CT caracteriza-se como um prazo de caducidade, atento o disposto no nº 2 do artº 298º do Cod. Civil (“quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”).

     Como se disse, a comunicação de resolução deve ser feita nos trinta dias subsequentes ao conhecimento dos factos, sendo que a “interpretação-aplicação desta regra tem de se fazer em articulação com a própria noção de justa causa, como tem sido salientado pelos tribunais. Significa isso que o prazo “se inicia, não no momento do conhecimento da pura materialidade dos factos, mas sim quando no contexto da relação laboral assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna imediatamente impossível, não sendo exigível ao trabalhador a manutenção daquela relação”- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição p. 529 e 530.
                    Tal como se escreveu no Ac. desta Relação de 17/01/2013, processo 889/11.8TTLRA.C1, in www.dgsi.pt, com o mesmo relator e subscrito pelo aqui 1º adjunto, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.

                    Tal como se decidiu no Ac. da Rel. de Lisboa de 23/04/2008, in www.dgsi.pt, entendemos ainda que o trabalhador, antes de tomar a iniciativa da resolução do contrato, deve informar o empregador das repercussões que a sua conduta está a ter na relação contratual, na sua vida e nos seus interesses patrimoniais, exigir o cumprimento da obrigação e depois reagir em conformidade com a atitude que este assumir.

                    “A boa fé e a preservação da relação de confiança entre as partes, impõem que estas se informem mutuamente das ocorrências respeitantes ao contrato e, particularmente, dos efeitos que, da (in)execução ou incumprimento do contrato podem advir. E só depois, se esse incumprimento persistir, pode o trabalhador rescindir o seu vínculo contratual, por não ser exigível que o mesmo continue a trabalhar para quem está repetidamente a desrespeitar o contrato”.

                    Em  situações de carácter continuado e de efeitos duradouros, que se agravam com o decurso do tempo, o prazo de caducidade a que se refere o art. 395º, nº 1, do CT, só se conta a partir do momento em que os efeitos da violação por parte do empregador, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna impossível, ou seja, se torna intolerável para o trabalhador, perante esses factos e as suas nefastas consequências, a manutenção da relação de trabalho – cfr. Acs. do STJ, de 21/10/1998, BMJ 480º, pág. 205 e de 2/10/1996, Acórdãos Doutrinais 421º, 119.

                    O contrato de trabalho reveste-se de características especiais, em que a subordinação jurídica e a consequente maior fragilidade do trabalhador face à sua dependência perante o empregador, bem como a necessidade de garantir o emprego, o levam, não raras vezes e contra sua vontade, a tolerar a violação, por parte do empregador, dos seus direitos e/ou garantias laborais-  cfr. Ac. da Rel. do Porto de 7/5/2012, proc. 470/10.9TTVNF.P1, in ww.dgsi.pt.

                    Não se olvide, igualmente, que o artigo 329.º do Código Civil determina que “o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”.

                    Assim, esse prazo apenas começa a correr quando o trabalhador tem conhecimento de todos os factos que lhe permitam ajuizar da seriedade e dimensão da lesão dos seus direitos, nomeadamente para poder avaliar se é impossível a manutenção da relação laboral – Ac. do STJ de 9/9/2009, proc. 3444/06.0TTLSB.S1, disponível no mesmo site.

                    Ora, é precisamente no que toca a esse momento de avaliação, a efectuar pelo trabalhador, que releva o vertido pela Autora na sua comunicação, que é do seguinte teor:

                        “Tal resolução de contrato de trabalho prende-se com a circunstância da aqui exponente ter sido alvo ao longo dos dois últimos anos de constantes imputações de factos inverídicos, de processo disciplinar com sanção proposta de despedimento, de sanções abusivas de suspensão de funções por dois meses e de processo crime, que a têm desgastado em termos psíquicos mas também físicos, e que têm prejudicado a sua saúde

                        Pelas razões atrás expostas a aqui exponente encontra-se há mais de um ano de baixa médica com incapacidade para o trabalho

                        As acusações de que tem sido alvo por parte desta associação são infundadas, tendo já sido arquivado o processo crime que a mesma intentou contra si.

                        Contudo, a aqui exponente não se encontra em condições de regressar ao seu posto e local de trabalho,

                        A cessação do contrato de trabalho produzirá efeitos a partir do próximo dia 23 de junho de 2019, pelo que a aqui exponente deixará de estar ao serviço desta associação a partir do dia 24 de Junho de 2019”.

                    A recorrente não põe em causa a parte do despacho recorrido que considerou que a alusão a “constantes imputações de factos inverídicos”, não contém qualquer “concretização, ainda que perfunctória, de tais factos, constitui uma imputação vaga e imprecisa que não respeita a exigência normativa e não precisa ainda que minimamente os factos alegadamente geradores do direito de resolução do contrato de trabalho por parte da autora”.

                    E efectivamente assim é: essa descrição, na carta de resolução, não satisfaz os requisitos  previstos no citado artº 395º, nº 1, do Código do Trabalho, posto que contém apenas afirmações de natureza conclusiva, e não a descrição sucinta de factos devidamente concretizados,  circunstanciados no modo, tempo e lugar.

                    Mas, se quanto ao processo crime não é de desprezar a  argumentação da Autora-apelante de que não mediaram 30 dias entre o prazo para requerer instrução do mesmo processo e a comunicação de resolução (para produzir efeitos a 24 de Junho de 2019), há que lhe reconhecer razão quando invoca que da carta de resolução o que resulta é invocação da pendência do procedimento disciplinar e da subsistência da decisão de aplicar a sanção de 20 dias de suspensão, isso na data em que procedeu à comunicação de resolução, sendo que também invoca que desse circunstancialismo se verificou desgaste “em termos psíquicos mas também, físicos, e que tem prejudicado a sua saúde”, pelo que “a aqui exponente encontra-se há mais de uma de baixa médica com incapacidade para o trabalho”, ou seja, baseia a sua comunicação de resolução em situação de carácter continuado e de efeitos duradouros.

                    Se tal ocorreu assim ou não, é uma questão de alegação e prova, sendo prematuro concluir, desde já, pela caducidade do direito de resolução. Importa averiguar do momento em que, nos termos que já tivemos oportunidade de expor, se tornou intolerável para a Autora- trabalhadora, perante essa factualidade e as suas consequências, a manutenção da relação de trabalho.

                    Pelo que, nesta parte e na mediado exposto, procede a apelação.

          Decisão:

          Nos termos expostos, acorda-se, na parcial procedência da apelação e na estrita medida do acima exposto, em:

           - no que diz respeito à excepção de caducidade invocada pelo Réu, revogar o despacho recorrido, relegando-se para a sentença final, por depender de prova a produzir, o conhecimento de tal excepção;

                    - manter o despacho que julgou “parcialmente extinta a instância, sendo a extinção na parte respeitante ao pedido formulado na petição inicial, por inutilidade superveniente da lide, conforme o disposto no artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil”.

                    Custas do recurso pela apelante.

                                                                     Coimbra, 29/01/2021