Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
100/08.9GBMIR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: PENA DE MULTA
CONVERSÃO DA MULTA NÃO PAGA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE MIRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 49º CP
Sumário: 1.- O despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada (passa a ser uma pena detentiva), o que impõe que a notificação deva ser efetuada através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afeta os seus direitos, liberdades e garantias e que ordena a emissão de mandados de detenção para o cumprimento da prisão subsidiária.

2.- Assim tal despacho deve ser notificado pessoalmente ao arguido.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Nos autos supra identificados foi proferida a seguinte decisão:

“O arguido A... foi condenado, no presente processo, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €5,50, perfazendo o total de €330,00 - cf. fls. 167 a 171.
O arguido não pagou a totalidade da multa em que foi condenado (tendo requerido o pagamento em prestações, que foi deferido, mas só pagou a primeira) nem justificou a omissão de pagamento, e mostrando-se inviável o pagamento coercivo, em conformidade com a promoção do Ministério Público, o tribunal converteu a pena de multa não paga em 30 dias de prisão subsidiária - cf. fls. 188 a 190, 204 e 296 e 297.
O arguido foi notificado desse despacho, por carta registada enviada para a sua morada (tendo a correspondência sido devolvida, com o motivo "não atendeu"), e por carta registada enviada para o domicílio profissional da sua defensora - cf. fls. 298 a 300.
Desde então, foram realizadas diversas diligências no processo, no sentido de notificar pessoalmente o arguido da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, constante do despacho de fls. 296 e 297.
A fls. 304, o Ministério Público promoveu novas diligências, no sentido de encontrar o paradeiro do arguido e notificá-lo, por contacto pessoal, do dito despacho.
Porém, é meu entendimento que o despacho em questão não tem que ser objecto de notificação ao arguido por contacto pessoal.
O que está em causa é a forma de transmitir (notificar) o conteúdo de determinado acto processual (despacho proferido nos autos ao abrigo do artigo 49.º, nº 1, do Código Penal) ao arguido para, verificando-se os respectivos pressupostos, exercer o direito de recurso (que faz parte das garantias de defesa).
Desde logo, inexiste norma legal que imponha que a notificação ora em análise tenha que ser feita por contacto pessoal com o arguido, pelo que nada obsta, desse ponto de vista, a que a mesma se faça por via postal simples, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 113.° e na alínea c) do n.º 3 do artigo 196.° do Código de Processo Penal.
Acresce ser meu entendimento que a notificação do arguido por via postal simples, para a morada constante do termo de identidade e residência, não configura uma violação das garantias de defesa do arguido previstas no n.º 1 do artigo 32.° da Constituição.
O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão proferido no processo n.º 4129/2008-5, em 17.06.2008 (disponível para consulta em www.dgsi.pt). apreciou essa questão e concluiu que a Constituição não impõe que a notificação em análise tenha que ser feita através de contacto pessoal com o arguido, salientando que a conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária não altera a espécie da pena principal imposta na sentença condenatória (pelo que o despacho de conversão não traduz uma modificação superveniente do conteúdo da sentença transitada em julgado que tenha que ser notificada pessoalmente ao arguido), que os direitos de defesa do arguido se resumem, perante tal despacho, ao direito a recorrer (direito esse cujo exercício não pressupõe que o arguido tenha sido notificado pessoalmente do despacho, sendo certo que o seu defensor é notificado e é este quem intenta o recurso, em representação processual do arguido) e que o arguido mantém a possibilidade de, a todo o tempo, impedir a execução da prisão subsidiária, pagando a multa a que foi condenado ou provando que a falta de pagamento lhe não é imputável.
Efectivamente, como se diz nesse acórdão:

A notificação da decisão que determinou a conversão da multa em pnsao subsidiária, efectuada ao defensor do arguido, garante os direitos deste, que se limitam à interposição de recurso, caso discorde de tal decisão, sendo certo que o arguido poderá, em qualquer momento (ou seja, mesmo depois de transitado em julgado o despacho notificado), proceder ao pagamento da multa em dívida, assim evitando o cumprimento da prisão subsidiária - o art. 49.º, n.º 2, do CP, diz expressamente que "o condenado pode a todo o tempo evitar ... a execução da prisão subsidiária, pagando ... " - como pode aquele vir a demonstrar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, podendo, nesse caso, a execução da prisão subsidiária ser suspensa (n.º 3, do mesmo normativo).
Por isso, não há diminuição grave ou mesmo relevante das garantias de defesa do arguido - já que pode recorrer, através do seu defensor (pessoalmente não o podia fazer), da decisão que procedeu à conversão da multa em prisão subsidiária, não sendo, apesar disso (ainda que aquela transite em julgado), definitiva aquela conversão, porquanto continua o arguido a poder pagar a multa em dívida ou provar que não lhe é imputável o incumprimento, evitando cumprir a pena detentiva -, evitando-se, por outro lado, a paralisia do processo quando é desconhecido o paradeiro do arguido. A exigência de notificação pessoal deste é, pois, injustificada no presente caso, acarretando desvantagens para o normal desenrolar do processo, sem quaisquer acrescidas garantias para o arguido.

Concordo com a argumentação aduzida nesse aresto, excepto quanto a um ponto. Entende-se aí que basta a notificação do despacho ao defensor, mas considero que também é conveniente notificar o próprio arguido.
É certo que o n.º 9 do artigo 113.° do Código de Processo Penal não contempla este caso como um daqueles em que a notificação tem que ser feita cumulativamente ao arguido e ao defensor (como sucede, por exemplo, com a notificação da acusação, da decisão instrutória e da sentença).
Todavia, ponderando os argumentos que constam do acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010 acerca da forma abrangente como deve ser interpretada essa norma legal, no sentido de nela caber a notificação de outros actos relevantes para o cumprimento da pena, como o despacho de revogação da suspensão da execução da pena, considero que também o despacho de conversão da multa não paga em prisão subsidiária deve ser objecto de notificação ao arguido e ao defensor.
Assim, entendo que, tal como o defensor, também o arguido deve ser notificado do despacho de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária - sendo que a notificação do arguido não tem que ser efectuada por contacto pessoal, podendo ser efectuada por via postal simples, com prova de depósito, para a morada constante do termo de identidade e residência.
Sei que a jurisprudência não é unânime acerca dos termos em que deve ser feita a notificação do arguido e que existem acórdãos defendendo que o despacho em questão tem que ser notificado por contacto pessoal - cf., entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 0810622, em 23.04.2008, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo n.º 17/06.1GBTNV.C1, em 06.07.2011 (disponíveis para consulta em www.dgsi.pt) •.
Porém, considero ser de ter em conta o seguinte.
Em primeiro lugar, a fundamentação subjacente ao primeiro desses acórdãos (do Tribunal da Relação do Porto) não é transponível para o presente caso, porquanto aí o arguido não teve oportunidade de invocar e provar que a razão do não pagamento da multa lhe não era imputável, tal qual concede o artigo 49.°, n.º 3, do Código Penal.
Pelo contrário, no presente caso, o arguido acompanhou pessoalmente o desenrolar do processo, tendo comparecido à audiência de julgamento (cf. fls. 163), tendo requerido o pagamento faseado da pena de multa (cf. fls. 181), tendo sido notificado por contacto pessoal para pagar a multa faseadamente (cf. fls. 203) e tendo pago a primeira das prestações da multa (cf. fls. 204).
Como refere o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 422/2005 (disponível para consulta em www.tribunalconstitucional.pt). o que há que ter em atenção, para efeitos de respeitar as garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas, é que" a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia" .
Ora, tendo em conta o conhecimento pessoal que o arguido teve do presente processo, é de concluir que a possibilidade de o mesmo reagir à conversão da multa em prisão subsidiária não é meramente fictícia.
Em segundo lugar, o próprio Tribunal da Relação do Porto, em decisões mais recentes, com apoio no teor do acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010 (já acima mencionado) e do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 17/2010, passou a considerar desnecessária a notificação do arguido por contacto pessoal, para efeitos de conversão da multa não paga em prisão subsidiária - cf. o acórdão proferido no processo n.º 4989/08.3TAMTS-A.P1, em 16.03.2011, e o acórdão proferido no processo n.º 53/10.3PBMTS-A.P1, em 06.04.2011 (disponíveis para consulta no sítio de internet www.dgsi.pt).
Por concordar inteiramente com essa jurisprudência, transcrevo aqui as seguintes passagens, que têm relevo directo para o caso concreto ora em análise:

Sendo o TIR uma medida de coacção enquanto fonte de restrições à liberdade do arguido, ao desaparecer enquanto medida de coacção com o trãnsito em julgado da condenação, o que desaparecem são aquelas restrições à liberdade, mas não necessariamente o resto [as prescrições contidas no artigo 196.°, n. ° 2 e n. ° 3, alínea c), do CPP, não têm a natureza de medida de coacção]; a partir do momento em que alguém assumiu a condição de arguido, enquanto ela se mantiver (como arguido indiciado, acusado, pronunciado ou condenado), ou seja até ao fim do processo, ele sabe que as notificações serão para a última morada que indicou exactamente com esse propósito; daí ser perfeitamente possível sustentar que a última morada (não modificada) constante do TIR, continua a ser aquela para onde deve ser notificado, mesmo que, aquilo que de medida de coação existia no TIR, se tivesse extinto.
A partir da reforma de 2000, essencialmente em nome da celeridade (a que não seria alheia também a intenção de simplificação nas formas de comunicação de actos processuais), o legislador considera que o regime regra para efectuar a notificação de acto processual (ressalvados os casos expressamente previstos na lei que exigem a notificação por contacto pessoal, como sucede, v.g. com o estabelecido no art. 396°, n° 2, do CPP) ao arguido é o previsto no art. 113°, n° 1, alínea c), do CPP (alterando a sua preferência anterior pela notificação pessoal ou por contacto pessoal). O que até se adequa com a evolução e modernização da sociedade portuguesa, exigindo a respectiva adaptação do pensamento do legislador (e melhor interpretação do aplicador do direito).
O "combate à morosidade processual (pressuposto de que partiu o legislador) deverá ser entendido em relação a todo o tempo de vida do processo, não terminando logo que concluída a fase do julgamento.
Com efeito, não era coerente que o legislador se preocupasse apenas com a morosidade processual até ao julgamento ou mesmo até ser proferida a sentença e já não tivesse idêntica preocupação quanto à execução da pena (transitada a sentença condenatória), conhecidas que são as finalidades da punição (quer quanto à protecção de bens jurídicos, quer quanto à reintegração social do condenado - ver art. 40° do CP) e importância do seu cumprimento a nível da Administração da Justiça e pleno e eficaz funcionamento do Estado de direito.
Para além disso, o legislador passou a entender que mesmo a notificação prevista nesse art. 113°, n° 1, alínea c), do CPP, apesar de mais simplificada do que sucedia anteriormente (ou mesmo do que sucede com as previstas nas alíneas a) e b) do mesmo n° 1 do artigo 113°), era suficiente e bastante para garantir que o respectivo sujeito processual (nas condições que estabeleceu) tomava efectivo conhecimento do acto processual que lhe era dado daquela forma a conhecer e, assim, se fosse o caso, poder exercer o direito ao recurso (v.g. arts. 61º, n° 1, alínea i), 69°, n° 2, alínea c) e 401 ° do CPP).
Para chegar a essa solução, certamente que o legislador terá partido da ideia (razoável, aceitável e lógica) da necessidade de responsabilizar os sujeitos processuais intervenientes em cada processo, tanto mais que simultaneamente lhes conferiu uma determinada posição processual, atribuindo-lhes direitos e deveres processuais (ver, por exemplo, artigos 60°, 61º, 69°, 74° do CPP). Nada mais natural do que exigir também um mínimo de responsabilidade por parte dos sujeitos processuais, atento o papel que cada um deles passa a assumir no processo.
No caso do arguido, quando é constituído como tal e presta o TIR, fica a saber que as notificações (os contactos que sejam necessários, provenientes ou com origem no respectivo processo) irão ser feitas por via postal. Aliás resulta do art. 196°, n° 3, alínea c), do CPP que o arguido passa a ter conhecimento que as posteriores notificações - que são obviamente feitas no âmbito do processo, enquanto o mesmo não for arquivado (o que abrange notificações feitas após trânsito em julgado da sentença condenatória, tanto mais que o condenado não perde a qualidade de arguido) - serão feitas por via postal simples, na morada por si indicada, excepto se comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento.
Ou seja, a notificação de actos processuais ao arguido por via postal simples não é uma obrigação decorrente ou inerente à prestação do TIR (caso contrário o legislador, que não desconhecia o conteúdo das demais normas do CPP, teria expressamente limitado as ditas posteriores notificações até ao trânsito da sentença condenatória). Nessa medida compreende-se que, o facto de o TIR se ter extinguido com o trânsito em julgado da sentença condenatória, como aqui sucede, não significa que o arguido passe a ter que ser notificado pessoalmente (pelas vias indicadas no artigo 113°, n° 1, alíneas a) e b) do CPP) de actos processuais que o afectem ou lhe digam respeito.
Se com o envio de via postal simples o legislador considera que, dessa forma, o arguido que prestou TIR toma efectivo conhecimento de actos processuais que lhe são comunicados (não exigindo a notificação pessoal, salvo em casos expressamente previstos na lei), não faz sentido (até por falta de coerência e de harmonia processual) que, transitada a sentença condenatória, qualquer notificação de acto processual tivesse de ser feita de forma mais onerosa do que até ao trânsito da sentença (se fosse assim estaria encontrada a fórmula para o arguido já condenado se eximir ao cumprimento da pena, v.g. de multa como aqui sucede, sabido que os prazos de prescrição desta são curtos, como decorre do disposto no art. 122°, 125° e 126° do CP).

Pelos motivos expostos, considero que o despacho de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária deve, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 e n.º 9 do artigo 113.°, e da alínea c) do n.º 3 do artigo 196. ° do Código de Processo Penal, ser notificado ao defensor e ao arguido, bastando, quanto a este último, a notificação por via postal simples com prova de depósito, para a morada constante do termo de identidade e residência.
Assim sendo, uma vez que o arguido não foi ainda notificado desse despacho, determino que se proceda à notificação em falta (do despacho de fls. 296 e 297), através de via postal simples, com prova de depósito, para a morada constante do TIR, e que, após o trânsito em julgado do dito despacho, se emitam mandados de detenção do arguido, para cumprimento da pena de prisão subsidiária, deles devendo constar que o arguido deve ser informado pelo OPC da possibilidade de obstar à execução da prisão subsidiária, pagando a multa a que foi condenado ou provando que a falta de pagamento lhe não é imputável, nos termos previstos nos n. Os 2 e 3 do artigo 49. ° do Código Penal.”

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
“1.º
O despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária deverá ser notificado ao arguido através de contacto pessoal.
2.º
A notificação do arguido por via postal simples, do despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária é irregular.
3.º
O despacho que determinou a notificação ao arguido, por via postal simples, do despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária viola o disposto nos artigos 49.º, do código Penal e 61.º n.º 1 al.b), 113.º, n.º 1 e 9, 196.º, nº2 e 3, 214.º, nº1, al. e), todos do Código de Processo Penal.
4.º
De acordo com o disposto no artigo 113.º al. c), do Código Penal, a notificação por via postal simples só poderá ser efectuada nos casos expressamente previstos e quando o arguido se encontre sujeito ao TIR.
5.º
 O Termo de identidade e residência é uma medida de coacção e como tal extingue-se com o trânsito em julgado da sentença, nos termos do disposto nos artigos 196.º e 214.º n.º 1 al.e), do Código de Processo Penal;
6.º
Deste modo, a notificação do arguido para a morada indicada no TIR, já caduco, não garante o efectivo conhecimento do teor do despacho ao arguido, pelo que só poderá ser considerada uma notificação fictícia.
7.º
Na verdade, a decisão de conversão da pena de multa em prisão subsidiária trata-se de uma efectiva modificação do conteúdo decisório da sentença condenatória, no sentido em que determina de forma directa e efectiva a privação da liberdade do condenado,
8.º
Pelo que, aquela decisão deverá ser notificada ao arguido por contacto pessoal, de acordo com o disposto no artigo 113.º n.º 9 do Código de Processo Penal.
9.º
A notificação pessoal de tal despacho é o único meio susceptível de garantir o direito de defesa do arguido, consagrado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
10.º
De acordo com teor do acórdão n.º 422/2005 do Tribunal Constitucional, (disponível para consulta em www.tribunalconstitucional.pt),“a possibilidade de interposição, pelo arguido, de recurso de decisões penais desfavoráveis tem de ser uma possibilidade real e efectiva e não meramente fictícia”.
11.º
Não se pode aceitar que a notificação via postal simples, no caso dos autos, propicia ao arguido a possibilidade real de exercer o seu direito de defesa, pelo simples facto de o arguido ter comparecido ao julgamento, ter requerido o pagamento faseado da multa e ter pago uma prestação da pena de multa em que foi condenado.
12.º
Tal referência é inócua quanto à efectiva notificação da conversão da pena de multa em prisão subsidiária que determina efectiva privação da liberdade, uma vez que esta só ocorrerá se estiverem preenchidos todos os requisitos legais do artigo 49.º do Código Penal.
13.º
O acórdão de fixação de jurisprudência n.º 6/2010, tratando da notificação da decisão que decidiu revogar a suspensão da execução da pena de prisão, não tem qualquer aplicação à situação dos autos.
14.º
Pelo exposto, o despacho que converteu a pena de multa em prisão só poderá transitar em julgado depois de o arguido ser notificado pessoalmente, não podendo o arguido ser detido para cumprir os dias de prisão, enquanto não se efectuar a notificação do mesmo por contacto pessoal.”

Não houve resposta.

Nesta instância a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse.


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Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[1]].

Questão a decidir: modalidade da notificação ao arguido do despacho que converte a multa em prisão subsidiária


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A questão colocada pelo recurso é a seguinte: a notificação ao arguido do despacho que converte em prisão a pena de multa deve ser pessoal ou pode ser efectuada por via postal simples para a morada constante do termo de identidade e residência?

O recorrente entende que tem que ser pessoal e o tribunal recorrido considera esta segunda modalidade cumpre com os desígnios legais.

Consideramos que a razão estado lado do recorrente.

Com efeito, embora possamos reconhecer que alguns dos argumentos do tribunal a quo deveriam ser ponderados de jure constituendo, o certo é que em termos de jure constituto a sua posição não tem apoio.

Explicando:

Entre os vários tipos de notificação previstos no artº 113º do Código de Processo Penal[[2]], está prevista, no nº 1, alínea c. a notificação “via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos”.

Por seu turno, determina a alínea c., do nº 3, do artº 196º, que as notificações posteriores à prestação de termo de identidade e residência serão feitas por via postal simples para a morada que o arguido haja indicado nos termos do nº 2 do mesmo artigo, ou que venha a indicar em conformidade com a referida alínea c..

Ora, o termo de identidade e residência, como medida de coação que é, extingue-se com o trânsito em julgado da sentença condenatório (artº 214º, nº 1, alínea e.), o que implica, como é óbvio, a extinção das obrigações dele decorrentes e consequentemente, das implicações delas dimanadas.

Por isso, sendo a notificação por via postal simples apenas permitida nos casos expressamente previstos e não havendo outra disposição legal que sustente tal tipo de notificação no caso do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária, logo que aquela medida de coação esteja extinta, há que efectuar as comunicações ao arguido por uma das demais formas fixadas no artº 113º.

Contudo, o despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada (passa a ser uma pena detentiva), o que impõe que a notificação deva ser efectuada através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afecta os seus direitos, liberdades e garantias e que ordena a emissão de mandados de detenção para o cumprimento da prisão subsidiária.

Tal garantia apenas pode ser dada através de notificação por contacto pessoal (até pelo paralelismo com o caso do artº 333º, nº 5).

Cumpre ainda referir o seguinte:

É argumento da decisão recorrida que a doutrina constante do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010, DR nº 99, 1ª série, de 21 de Maio de 2010 deve ser transposta para o caso dos autos.

Não concordamos.

Naquele aresto decidiu-se fixar jurisprudência no sentido de que: “i - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. ii - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»). iii - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal]

A doutrina fixada neste acórdão não é aplicável ao caso em apreço dado estarem em causa diferentes questões de direito (artº 437º nº 1): o despacho recorrido incide sobre as formalidades de notificação ao arguido do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária, enquanto aquele aresto versa sobre a notificação ao arguido do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.

Não é por isso tal jurisprudência obrigatória no nosso caso (como até é reconhecido na decisão sob recurso).

Acresce que na jurisprudência fixada o entendimento de que a decisão que aplica uma pena de prisão suspensa na sua execução “se traduz em duas condenações: a condenação — imediata — em pena substitutiva de «suspensão da pena de prisão» (artigos 50.° e seguintes do Código Penal) e a condenação, mediata e eventual, em pena de prisão (condicionalmente substituída)”, para concluir que “assim perspectivada a condenação em pena de prisão suspensa, poderá afirmar-se, então, que, na ausência de recurso ou no seu insucesso, dela transitará tão-somente a condenação imediata do arguido na pena (substitutiva) de «suspensão da pena de prisão», ficando por transitar — já que dependente de um futuro despacho prévio de revogação da suspensão — a condenação (condicional) em pena de prisão.

Assim sendo, a aplicação do artigo 214.° do CPP, «Extinção das medidas de coacção», à condenação em pena de prisão suspensa apenas teria reflexos na condenação imediata (suspensão da pena de prisão), mas já não na condenação mediata (pena de prisão suspensa). Daí que o termo de identidade e residência e as obrigações dele decorrentes se houvessem de manter relativamente à condenação (condicionalmente substituída) em pena de prisão (até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída).

Ora, não é possível transpor para o caso “sub judice” a separação da sentença “em parte transitada” e “parte não transitada” porque, como se explica no Acórdão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2011, não só a sentença que aplica uma pena de multa “não se pode considerar condicional — o cumprimento da pena, ou seja, o pagamento da multa, não está dependente da verificação de qualquer condição —, como a mesma não está dependente de uma decisão posterior, como acontece no caso de ser aplicada pena de prisão suspensa na sua execução, a proferir nos termos do artº. 56°, n.º 1, ou nos termos do artº 57°, n.º 1, ambos do Cód. Penal” porque “o arguido pode pagar a multa ou, não a tendo pago, pode ter bens susceptíveis de penhora e ser instaurada execução para cobrança da mesma.”.

Temos assim que, ao contrário do decidido, a notificação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária deve ser notificado ao arguido por contacto pessoal.

Aliás, com excepções residuais, é esta a jurisprudência reiterada dos Tribunais da Relação (v.g., acórdãos da Relação de Coimbra de 6 de Julho de 2011 e de 29 de Junho de 2011, da Relação de Lisboa de 15 de Setembro de 2011, de 4 de Junho de 2008, da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2011, de 14 de Dezembro de 2011, de 18 de Maio de 2011, de 9 de Março de 2011, de 30 de Março de 2011, de 23 de Fevereiro de 2011, de 19 de Janeiro de 2011 e de 20 de Abril de 2009 e da Relação de Évora de 28 de Fevereiro de 2012, de 25 de Outubro de 2011, de 20 de Janeiro de 2011 e de 22 de Abril de 2008 (todos em www.dgsi.pt) e ainda os acórdãos da Relação de Lisboa de 26 de Junho de 2008 e de 23 de Abril de 2008 e decisão sumária da mesma Relação de 30 de Junho de 2008 (em www.pgdlisboa.pt).

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Nesta conformidade, acorda-se em conceder provimento ao recurso e consequentemente, revoga-se o despacho recorrido e determina-se que em sua substituição seja proferido um outro em que se considere que a notificação ao arguido do despacho que converte a multa em prisão subsidiária deve ser efectuada por contacto pessoal.

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Sem tributação.

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Luís Ramos (Relator)
Olga Maurício


[1] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, acessível in www.dgsi.pt, tal como todos mos demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada)
[2] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem