Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE JACOB | ||
Descritores: | CRIME DE DANO COISA COMUM | ||
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Data do Acordão: | 07/03/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART.º 212º, DO C. PENAL | ||
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Sumário: | À luz do disposto no art.º 212º, n.º 1, do C. Penal, comete o crime de dano quem destruir, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa que não seja exclusivamente sua. Na tipificação deste crime, o elemento “coisa alheia” apenas pressupõe que o agente não seja o titular exclusivo do bem danificado, como sucede nos casos de propriedade em comum, não sendo admissível que qualquer dos titulares do direito possa destruir a coisa que lhe pertence apenas em compropriedade à revelia dos demais. Se o fizer, não destrói apenas coisa sua, destrói também coisa alheia e nessa medida poderá ser criminalmente responsabilizado pela sua actuação. | ||
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO:
Nestes autos de processo comum que correram termos pelo Tribunal Judicial de Oliveira do Hospital, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: “(…) 13- Por todo o exposto julgo a douta acusação pública procedente, por provados os factos que a fundamentam e em consequência, como co-autores materiais de um crime de dano, p, e p. pelo artº 212º nº1 do citado CPenal, condeno os arguidos A... e B..., cada um deles na pena de 80 (OITENTA) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros) no montante global de €560,00 (quinhentos e sessenta euros). 14- Em razão do exposto julgo o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e consequentemente condeno solidariamente os demandados A... e B... a pagarem à demandante C... a quantia de €1.652,00 (mil seiscentos e cinquenta e dois euros), acrescida de juros à taxa de 4% contados desde a data de notificação para contestar até integral pagamento. (…)”.
Inconformados, os arguidos interpuseram recurso da sentença, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. Dos factos provados em audiência de julgamento, não se verificam todos os elementos objectivos nem o elemento subjectivo do tipo de crime de dano p. e p. no art°. 212° do C.Penal. 2. O muro é propriedade comum dos arguidos e da assistente, assim a coisa no seu todo não constitui propriedade alheia, pelo que falta um dos requisitos objectivos do crime de dano. 3. Conforme a prova que ora se coloca em crise, os arguidos não destruíram, danificaram, desfiguraram ou tomaram não utilizável coisa alheia, limitaram-se a impedir a realização das obras para "levantamento do muro", o que não constitui um dos elementos objectivos do tipo. 4. De acordo com a prova que se pretende ora colocar em crise, o muro (meeiro) que já existia não foi destruído pelos arguidos, assim como não foram destruídos os tijolos que estavam a ser colocados para erguer o muro já existente, todo esse material foi reaproveitado pela assistente! Pelo que, continua a não existir o elemento objectivo do tipo incriminador. 5. Aliás, se a assistente pretendesse apenas construir na alegada sua parte do muro, não teria tido necessidade de retirar a grade que lá se encontrava colocada. 6. Os arguidos ao impedirem a construção do muro pretenderam defender o seu direito de propriedade, na medida em que a construção da assistente visava o muro na sua total largura. 7. Como consta da prova realizada em audiência de julgamento e reproduzida na Douta Sentença a fls., nomeadamente nos depoimentos de Joaquim Damião e João Luís Silva, estes empregados da assistente afirmaram em julgamento que começaram por serrar e retirar uma grade - também propriedade dos arguidos - que estava colocada em cima do muro meeiro fazendo esta parte da divisória já existente, o que motivou os arguidos a agirem com convicção de estarem a defender os seus direitos de propriedade. 8. Esta norma incriminadora também tem como elemento subjectivo o dolo, sendo que, a conduta dos arguidos, não foi dolosa, mesmo considerando o dolo eventual. 9. Assim, os arguidos tentando impedir a construção do muro, pretenderam defender a sua propriedade (quota ideal de titulares), estando convencidos que era lícita a sua conduta, pelo que, ainda que por mera hipótese seja admitido que os arguidos agiram ilicitamente, os mesmos teriam actuado em erro sobre as circunstâncias de facto, o que exclui o dolo, nos termos do art°. 16° nº. 1 do CP. 10. Os arguidos foram condenados no pagamento da vedação em chapa no valor de 1.152,00€, salvo o devido respeito, indevidamente, pois não resultou provado que os arguidos tivessem danificado a referida chapa. Pelo contrário. 11. Mal comparado, veja-se que o muro em alvenaria teria um custo de 750,00 conforme factura junta a fls. dos autos pela Assistente que aliás foi dado por não provado na sentença do "Juiz a quo". Porquê de chapa? 12. A chapa está colocada sobre o muro, sendo para resguardo das escadas da assistente e consequentemente para seu exclusivo proveito. 13. Chapa essa que só teve de ser colocada porque a assistente retirou a grade já referida, que servia de resguardo. 14. Inclusive com essa sua conduta danificou a grade (também propriedade dos arguidos) porque a serrou, inutilizando-a. 15. De qualquer forma sempre o valor da chapa peticionado é exagerado, a não ser que tenha alguma característica especial, própria do gosto da Assistente. Mas isso são "outros quinhentos". Ao proceder conforme o supra descrito o Tribunal a quo violou as seguintes normas jurídicas: Art°s. 212° do Código Penal. Por todo o supra exposto, deverá a presente sentença ser revogada devendo os arguidos ser absolvidos. Os arguidos deverão ainda ser absolvidos do pedido de indemnização civil ou, se assim não se entender, deverá o mesmo ser reduzido por ser excessivo.
A assistente C... respondeu, pugnando pela improcedência do recurso. Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto. Foram colhidos os demais vistos legais e procedeu-se a audiência para debate das questões suscitadas na motivação do recurso.
Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso. No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões: - Impugnação da matéria de facto; - Falta de verificação de elementos objectivos e do elemento subjectivo do tipo legal de crime de dano; - Exclusão do dolo com fundamento no facto de os arguidos terem actuado em erro sobre circunstâncias de facto; - Pedido cível.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos: a)- A assistente C... é proprietária de um imóvel sito na Rua … , área desta comarca de Oliveira do Hospital; b)- Com vista a dividir a sua propriedade da dos arguidos, e após revogação pelo Tribunal da Comarca de Oliveira do Hospital do embargo extrajudicial interposto por aqueles, no dia 13 de Setembro de 2008, pelas 08h45 a assistente procedeu à construção de um muro, recorrendo para tanto aos serviços da empresa “ … Ldª”; c)- À medida que os funcionários da referida empresa executavam a construção do muro, os arguidos, com o propósito comum de impedir a concretização do trabalho, deitaram com as mãos, o cimento e tijolos já colocados ao chão; d)- Como consequência adequada da actuação descrita, a assistente sofreu um prejuízo de montante não concretamente apurado, mas não superior a €120,00 (cento e vinte euros); e)- Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, em comunhão de esforços e intenções, com o propósito de destruir o muro que estava a ser construído, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do seu legítimo dono; f)- Não obstante quiseram agir daquela forma, alcançando os seus intentos; g)- E sabiam que a suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal; h)- O muro em questão é reclamado como meeiro, de duas casas geminadas, divisório de terrenos (quintal), sendo que era delimitado por uma grade com cerca de I,5Om de largura por 0,50 cm de altura que foi serrada e retirada; i)- Corre termos nesta comarca a acção declarativa de condenação com o nº 292/08.7TBOHP, no qual entre o mais se pede a destruição de obra ali implantada pela assistente; j)- O arguido A... é reformado, tendo trabalhado na Administração local, com uma pensão de reforma de cerca de €1.600,00/1.700,00, vivendo em casa própria, com a mulher e possuindo automóvel próprio; l)- Não tem antecedentes criminais; m)- A arguida B... aufere uma pensão de reforma de €1.600,00, vive sozinha, em casa própria e possui automóvel próprio; n)- Como habilitações literárias possui o Curso de Educadora de Infância; o)- Não tem antecedentes criminais. 8- Em sede de pedido de indemnização civil ficou provado que: a)- A não construção de tal muro coloca em causa a segurança de utilização do imóvel propriedade da demandante; b)- Na sequência da intervenção dos arguidos a demandante teve que proceder ao pagamento dos trabalhos destruídos pelos demandados, em montante que não se apurou em concreto mas de valor não superior a €120,00; c)- Para proceder à vedação daquele local, para preservar a segurança das pessoas que ali passam, a demandante colocou no seu terreno uma vedação em chapa no valor de €1.152,00; d) Ao vivenciar este circunstancialismo a demandante sofreu arrelias, preocupações e incómodos pela conduta dos demandados; e)- Esta, por ser vizinha dos demandados, cruza-se diariamente com eles, vindo-lhe à memória os ditos comportamentos; f)- A demandante, com a divergência com os vizinhos, desde o conflito dos autos que vem sentindo angústia, intranquilidade e ansiedade, com preocupações; g)- A demandante em Fevereiro de 2011 consultou um médico psiquiátrico, que lhe receitou diversa medicação.
Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte: 9- Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a boa decisão da causa, em sede criminal ou civil, eliminando pela ordem natural das coisas a defesa, especificada, por parte dos arguidos, de que nada fizeram, pois que os factos provados, por serem o oposto, rejeitam os alegados na contestação, especialmente que: a)- a grade em causa tenha sido serrada e retirada pela queixosa ou alguém à sua ordem; b)- a arguida ao proceder da forma supra descrita estava convicta que exercia exclusivamente um direito de defesa da sua propriedade quanto à parte do muro meeiro que lhe pertence há mais de 20 anos; c)- a demandante teve que proceder ao pagamento dos trabalhos destruídos pelos demandados no valor de €760,00 (setecentos e sessenta euros).
A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos: No domínio do direito processual penal o Livro III, no seu Título II enumera um vasto conjunto de meios de prova, cuja exacta medida de valoração em audiência de julgamento está disciplinada na parte pertinente, ou seja, a partir do artº 340º, avultando o princípio regra estabelecido no artº 355º sob a epígrafe “Proibição de valoração de provas” que dispõe que 1- Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. 2- Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes”. Neles estão incluídas, segundo a ordem elencada, as provas testemunhal- 128º -, declarações do arguido, assistente e partes civis- 140º -, acareação- 146º -, reconhecimento- 147º-, reconstituição do facto –150º -,pericial- 151º- e documental -164º , sabido que os meios de obtenção de prova têm a sua disciplina a partir do artº 171º. Acresce que em sede de julgamento tem aplicabilidade o artº 354º, que rege o “Exame no local”, estatuindo que “o tribunal pode, quando o considerar necessário à boa decisão da causa, deslocar-se ao local onde tiver ocorrido qualquer facto cuja prova se mostre essencial e convocar para o efeito os participantes processuais cuja presença entender conveniente”. Finalmente e em sede dos princípios gerais em matéria de PROVAS, rege o LIVRO III –“DA PROVA” e o TÍTULO I - DISPOSIÇÕES GERAIS e mais concretamente o artigo 124º -Objecto da prova –prescreve que: “1- Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis. 2- Se tiver lugar pedido civil, constituem igualmente objecto da prova os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil”, E “ são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”- artº 125º -sendo “1-…nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. 2- São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante: a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos; b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação; c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei; d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto; e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível. 3- Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. 4- Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo”- artº 126º. Mas decisiva é mesma a redacção do artº 127º que sob a epígrafe “Livre apreciação da prova” diz que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente” –sem que todavia o julgador possa, alguma vez, descurar os aspectos substantivos relativos às provas de livre apreciação ou aquelas de apreciação vinculada. Naturalmente que se não olvidam igualmente as regras da experiência comum ou da normalidade das situações, aferidas em função do padrão do homem-médio. A totalidade destes elementos de prova têm cabimento legal, dado que os documentos, a confissão e as presunções legais têm força probatória legalmente tabelada- artºs 371º e 376º, 350º e 358º todos do Código Civil. Ao invés a prova testemunhal, o arbitramento e a inspecção judicial são provas livres que o mesmo é dizer que são apreciadas segundo a livre convicção do julgador- artºs 396º, 389º e 391º ainda do Código Civil. Todas elas, de prova livre ou vinculada, são provas no sentido de “meios de prova” e não de “juízos de prova”. Alguns serão valorados apenas de “per si” e outros em estrita articulação com a prova testemunhal, como não pode deixar de ser ou ainda em articulação com as invocadas regras da experiência comum. Uma última nota para dizer que em sede de processo penal não há que ponderar a noção do ónus da prova, em sentido estrito- o seu significado é atribuir ou dar o critério da decisão em caso de dúvida relevante, ou seja, na não superação da dúvida, o tribunal decide contra a parte a quem o facto aproveite (artº 516º do CPCivil) –antes haveremos de atentar num instituto privativo da jurisdição penal: falamos, óbviamente, do princípio in dubio pro reo. Aqui está em causa o equacionar a forma de resolver uma situação em que o julgador tenha dúvidas acerca do agente- ou agentes- do facto. Em obediência ao princípio do contraditório e da discussão, predominantes em áreas ou ramos de direito como o direito processual e substantivo civil ou laboral-cfr artºs 264º CPCivil e 1º nº2 alínea a) C.P.Trabalho- e uma vez que é às partes que compete a produção dos meios de prova necessários à obtenção de decisão favorável, é sobre elas que recai todo o risco de condução do processo, em sede probatória e, caso alguma delas não logre produzir os meios de prova indispensáveis à fundamentação das suas afirmações fácticas, as desvantagens inerentes a tal situação recaem sobre si: é o princípio do ónus da prova, com os problemas a ele ligados e em estreita conexão, nomeada e especialmente acerca da sua repartição entre as partes. Todavia, na hipótese em apreço estamos em sede de direito penal, sendo aqui aplicáveis as regras de direito processual penal, com uma configuração e alcance substancialmente diversos. Nesta sede é ao Juiz, em última análise que é cometido, oficiosamente, o dever de instruir e esclarecer o facto sujeito a julgamento: não se verifica aqui a existência de um verdadeiro ónus de prova que recaia sobre o acusador ou o arguido, afirmação que é bem diversa daquela outra de que a ambos interessa, por motivos ou razões diversas, pugnarem pela demonstração do facto. Como resolver a questão? Não curando aqui e agora de conhecer da validade-ou não-da distinção entre um ónus de prova material ou formal, em sede de processo penal, que aqui não assume especial relevo- em todo o caso sobre tal matéria podem ser consultados diversos estudos, nomeadamente Ernest Hippel, em "Der Deutsche Strassprozess", 1943, pág 384 -interessa-nos, sim, definir os contornos do denominado e já referido princípio in dubio pro reo, cujo tem aqui aplicação. O Juiz penal tem como parâmetro delimitador da sua actuação o princípio da investigação e busca da verdade material, consagrado nos artºs 323º e 340º ambos do CPPenal, particularmente nas alíneas a) e b) do primeiro normativo e nº 1 do segundo, de resto já aflorado no domínio do CPPenal de 1929, no seu artº 443º. Nessa medida é fácilmente compreensível que todos os factos que sejam relevantes para a decisão a proferir, respeitem eles ao facto criminoso ou à pena e que, apesar de toda a prova colhida, não possam ser subtraídos a uma noção de "dúvida razoável" do Juiz, também não devam considerar-se como provados. É ao Juiz que é atribuído o ónus de investigar e esclarecer oficiosamente o facto submetido a julgamento, isto é, com e independentemente do contributo das partes, na ideia da busca ou procura da verdade material. E quando atrás referenciámos a expressão "dúvida razoável"-a qual, nas esclarecidas palavras do Prof Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, pág 205)"não se trata de «convicção de uma mera opção voluntarista», pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude de alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o Tribunal, por uma via racionalizável, ao menos «a posteriori», tenha afastado qualquer dúvida para a qual pudessem ser aduzidas razões por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse"-aquela terá de ser compaginável e articulada com uma situação, em que se configure um non liquet de prova. A afirmação acabada de enunciar importa a existência da articulação entre o aludido conceito de "dúvida razoável" e uma situação fáctica em que nenhuma das versões colhidas, na sequência da produção de prova esteja demonstrada, leia-se provada. Esta- o non liquet -e uma vez que não é permitido ao julgador, em caso algum, abster-se de proferir decisão- cfr artºs 3º nºs 1 e 2 da Lei 21/85 de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais) e 8º nº 1 do Código Civil -tem de ser valorada a favor do arguido. Ainda a este respeito, e em idêntico sentido, permita-se-nos a transcrição, com a devida vénia, dos ensinamentos de Joseph Bettiol em "Instituções de Direito e Processo Penal", Coimbra Editora, 1974, pags 299 e 300) local onde se escreve que "se as provas falham ou se a dúvida persiste na mente do Juiz, deve decidir-se na base do pincípio in dubio pro reo e absolver o arguido". E acrescenta que desde que haja incerteza quanto ao facto nunca poderá ter lugar uma sentença de condenação: o Juiz absolverá com fórmula dubitativa (sentença de absolvição por insuficiência de prova) em que se traduz e manifesta uma das exigências da liberdade do processo penal moderno". Finalmente sempre se dirá que, no domínio do direito penal, não são de aplicar as presunções legais “tout court” a que aludem, entre outros os artºs 349º e 351º do Código Civil pois, no dizer do Prof Cavaleiro Ferreira (em "Curso de Direito Penal, ll, Lisboa, 1981, pág 316), tais presunções se afiguram "perigosas para a justiça da decisão quando se refiram a pressupostos da condenação", visto que, acrescentamos nós, situamo-nos num domínio no qual está em causa um dos valores essenciais e fundamentais do ser humano: a liberdade. A terminar acrescente-se que não é igualmente possível resolver a questão mediante o recurso, puro e simples, às regras da experiência comum. Estas, desacompanhadas de outros elementos, não permitem a condenação. E tal sucede porquanto o julgador decide com base na sua convicção, mas alicerçada e fundamentada em provas sérias e concludentes. Em face do que dito fica, resumindo, este princípio objectiva-se com a violação duma lex artis e consiste, pois, no postergar da leges artis, resultando do entrecruzar de dois fundamentos ou postulados: Primo: em caso algum o juiz pode “demitir-se” de decidir (que é o passo lógico seguinte ao acto de julgar); Secondo: é inadmissível a condenação penal quando o juiz se não convença da efectiva responsabilidade do arguido. A operação cognitiva/intelectiva em que consiste a formação da convicção acerca de uma realidade fáctica gera a obrigação de não poderem ser dados como provados todos os factos relevantes para a decisão, que sejam desfavoráveis ao arguido e que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador relativamente à sua verificação. Logo este princípio tem o seu domínio de aplicação em sede probatória, consequentemente no domínio da decisão de facto e significa, em termos da sua tradução prática, que em caso de falta de prova sobre um facto a dúvida se resolve a favor do arguido: é dado como não provado se se revelar desfavorável ao arguido, salvo se justificar o facto ou for excludente da culpa, caso em que deve ser dado como provado, porque aí é claramente favorável ao arguido. A sua decorrência lógica leva a que se considere que ele só é desrespeitado quando o tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos, decidir por uma apreciação que se manifeste desfavorável à posição do arguido Terminado este enunciado de ordem lógica, cognitiva e legal, resta dizer que as provas são apreciadas por quem assistiu à sua produção sob a impressão viva colhida no momento e por vezes modelada, alicerçada, estribada, em imponderáveis que não são captáveis por mera gravação sonora. Quanto à valoração da prova oral deve dizer-se que a sensibilidade ao modo ou forma como a prova testemunhal se produz tem íntima ligação com a imediação. Por isso já se referiu que “na viva voz falam também o rosto, os olhos, o movimento, o tom, o modo de dizer e tantas outras pequenas circunstâncias que (…) fornecem tantos indícios a favor ou contra o afirmado”. Nessa medida quem julga deve manter-se especialmente atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal- recorde-se a velha expressão “o gesto é tudo” -ambas de captação possível pelo julgador, sendo certo que a primeira, havendo registo, ainda é susceptível de ser surpreendida por tribunal de recurso mediante a audição do gravado, mas este fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela, se disso for o caso, permanecendo esta segunda no estrito domínio visual/físico e cognitivo do juiz, sem se deixar apreender por terceiros que a não visualizaram. O juiz pode formar a sua convicção na base dum só testemunho ou de uma única declarações, posto que se convença, com íntima e profunda convicção, que nele reside a verdade do ocorrido. O juiz pressuposto deste processo cognitivo é o juiz capaz de pôr o melhor da sua inteligência e conhecimento das realidades da vida na apreciação do material probatório com que é confrontado. Em conclusão: decorre de tais princípios que a convicção do julgador se há-de fundar numa certeza relativa, histórico-empírica, dotada de um grau de probabilidade adequado às exigências práticas da vida. Acresce que a convicção (relativa) nunca pode deixar de ter alguma envolvência de convencimento íntimo e de subjectivismo: a credibilidade – maior ou menor- que mereceu cada uma das testemunhas, na valoração íntima do juiz, a isto não pôde, de todo, fugir. Para firmar aquela o critério foi o da persuasão racional, analisando crítica e ponderadamente cada depoimento, observando os seus autores e forjando-a, criando-a, mas sempre com a perspectiva da natural limitação da natureza humana, significando que este processo não tem a pretensão de infalibilidade ou certeza absoluta, mas primacial e essencialmente visando alcançá-la. Todo este quadro de formação da convicção, reitera-se, está legalmente estribado no artº 127º do CPP já que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. No caso submetido à nossa apreciação ponderaram-se única e exclusivamente as declarações de arguidos e assistente, bem como os depoimentos testemunhais, além naturalmente dos documentos, tudo, repete-se, neste como em todo o tipo de situações da vida nas quais esteja em causa a valoração de comportamentos humanos, nunca deixando de considerar as regras da experiência comum ou o comportamento do homem médio ou comum. Atentemos então nos concretos meios de prova produzidos nestes autos, com fundamentação una na matéria criminal como na civil, como já se disse. Assim e antes de mais referência para os certificados de registo criminal dos arguidos, base para fixar a factualidade relativa aos seus antecedentes criminais. Depois anotem-se as cópias extraídas dos processos cíveis, nas quais se assume como requerente e autora, entre outras, a aqui arguida- logo com a ora assistente no lado passivo -seja do procedimento cautelar cujo havia sido deferido e posteriormente, por via da procedência da oposição, foi revogado, assim constituindo a causa directa e próxima da acção da assistente, bem como da acção principal, cujas são bem elucidativas de datas, contornos do litígio e reflectem inelutavelmente as divergências entre as partes, não temos dúvidas em dizê-lo, na medida em que o muro em causa divide há muito as duas famílias- no sentido próprio como no figurado, diga-se –sendo que de tal contexto retira-se em todo o caso um elemento factual relevante em sede criminal: ele é “reivindicado” como comum- cfr fls 347incluido na cópia de fls 336 e segs. Com importância neste campo diga-se que o procedimento foi decretado em 2 de Abril de 2008 fls 211 e segs -e revogado em 15 de Julho de 2008- cfr certidão de fls 371 e segs. Em consequência e face ao sentido e conteúdo das decisões em causa a partir do momento da revogação da decisão que havia ratificado o embargo de obra nova a assistente não mais tinha a pender sobre si a proibição de ali fazer obras, em sentido lato, naturalmente. Finalmente e em sede documental menção para aqueles que acompanham o pedido de indemnização civil, cuja consistência probatória há-de ser articulada com a prova testemunhal a abordar infra. No caso temos a venda a dinheiro a pessoa que não a assistente, de uma vedação em chapa, cujo valor é de €1.152,00, ainda que datada de Março de 2009, que ali foi colocada, mas a sua imprescindibilidade ou essencialidade é facto, condição ou característica cuja valoração adiante referiremos, em consonância com a prova testemunhal, ainda que ela esteja documentada com a declaração do responsável técnico da empresa que efectuava a obra em questão. Relativamente ao recibo de uma consulta médica em médico Psiquiatra o recibo comprova pelo menos o pagamento daquela importância, datada de 17/2/2011- ainda que não questionemos que a consulta aconteceu de facto, como é evidente –bem como a prescrição médica com a mesma data, com medicamentos aptos a tratar doença do foro psicológico, mas sem que esteja minimamente comprovado que a receita “foi aviada”, como soe dizer-se, cuja podia ser feita, de modo simples, por via documental. E no que tange ao alegado valor do dano, com a conduta dos arguidos, está junto o documento de fls 398, emitido pela empresa que ali efectuava a empreitada, cuja apreciação, por carecer de análise após terem sido escalpelizados os depoimentos testemunhais há-de ser objecto de apreciação infra. Aqui chegados o passo seguinte é analisar as declarações dos arguidos, seguindo-se as da assistente, os depoimentos testemunhais e finalmente aspectos relacionados com as regras da experiência comum. Como ponto prévio e das suas declarações o julgador reteve as indicações acerca das suas condições sócio-económico e pessoais, nas quais fez fé. Em comum ou sintonia, assente que os factos ocorreram num Sábado, cerca das 8.30/9.00 horas da manhã, e que o arguido A... vive no rés-do-chão e a arguida B... no 1º andar do mesmo prédio, ambos negaram que tivessem danificado o que quer que seja, já que o arguido A... nem sequer teve intervenção, sendo certo que foi o primeiro a chegar e a sua prima chegou quase de imediato, ambos alertando os trabalhadores que ali nada faziam, pois que o muro era deles, negando que tivessem proferido qualquer tipo de ameaça, como relatado na queixa, dizendo a arguida B... que apenas se limitou a pôr a mão direita- ambos coincidem neste aspecto -sobre o muro, quando não havia tijolos colocados- nem nunca houve, garantiram os dois tão pouco os tendo sequer visto ali –no momento em que ali se punha cimento, que até lhe foi colocado por cima da mão. Em todo caso reiteraram repetidamente que nenhum dano causaram, ademais do arguido A... apenas ter tido uma intervenção na qual verberava a conduta da assistente e dizia estar a defender o que era seu, afirmando repetidamente que não autorizavam as obras ou a intervenção no muro, que tem cerca de 1,50/1,60 metros de largura, por ser deles. Em concreto e distinguindo os depoimentos menção apenas para a declaração da arguida B..., que aludiu a um “teatro” e a incitamentos da assistente para com os trabalhadores- “Ponha, Ponha” -estando convencida que a intenção da assistente era erguer o muro também na parte que é dos arguidos. Ambos relataram que a assistente estava com uma Câmara de filmar e que a dado passo, perante a insistência da oposição por parte dos arguidos disse algo como “Vamos embora, já tenho aqui o que quero”- arguido A... –ou “Não é preciso fazer mais nada, eu já tenho o que quero”- arguida B.... Por sua vez a assistente, em relação a esta declaração, negou que tal tivesse acontecido ou seja que alguma vez tivesse empunhado uma câmara de filmar. Por outro lado esta e arguidos coincidiram num aspecto: a intervenção ocorria no “muro da discórdia” e numa parte situada no seu início, considerando quem caminha da casa para o logradouro. Disse que tinha ajustado a obra à … , estando ali a trabalhar as testemunhas … e … e o seu dono ou sócio … , que pretendia altear o muro, para dar guarda às escadas, existente para protecção e sobretudo de um filho que na altura tinha 4 anos de idade. Confirmou que aquela obra se desenrolava no contexto de uma obra mais vasta, a ocorrer no seu prédio, sendo certo que o muro em causa já tinha sido posto cimento e três fiadas de tijolos e foi derrubada por ambos, não podendo precisar com que mão, sendo certo que aparte do prédio dos arguidos era mais alta que a da assistente, sendo que por esse facto são sempre avistáveis. Os trabalhadores colocavam a massa ou cimento e os tijolos e os arguidos deitavam abaixo- num total que não especificou -sendo certo que a certa altura o arguido A... começou a ameaçar aqueles dizendo “se queriam que lhes acontecesse o que sucedeu em Candosa”, querendo referir-se a um episódio de há anos, naquela localidade vizinha, na qual ocorreu o homicídio de um empreiteiro, por parte de alguém que se opunha à realização de uma obra. Aludiu ainda à colocação da chapa em aço, para suprir a impossibilidade de protecção das escadas pelo muro, seu custo e referiu os cerca de €700,00 de prejuízo com a impossibilidade de construção do muro, que disse ter pago, englobada que foi no preço total da empreitada, aludindo ao cimento, aos tijolos e à mão de obra. E é tudo, tornando-se imperioso centrarmo-nos agora na prova testemunhal. No caso vertente eles foram enxutos, escorreitos, objectivos, sem tomarem partido acerca do que quer que seja, sendo certo que a prova cabal dessa independência até está traduzida na confirmação do episódio da máquina de filmar, que adiante abordaremos. E mais: eles são em substância coincidentes acerca do desenrolar da acção, dos seus contornos, da descrição do local, tipo de intervenção dos arguidos, ainda que variando num ou noutro aspecto, no qual a relativa imprecisão até é compreensível: referimo-nos naturalmente à circunstância relativa ao número de fiadas de tijolos que estavam colocados e ao número de tentativas para erguer o muro. O teor dos depoimentos, no que releva para a decisão e é objectivo, será enunciado testemunha a testemunha. … : situou os factos num Sábado, pelas 8.00 horas da manhã, quando estavam lá o patrão … e a testemunha … , tendo começado por tirarem uma grade de vedação que ali estava colocada. Já tinham assentado três ou quatro fiadas de tijolos (de 15 ou de 11), não se recorda bem, com massa, juntas cheias, em dois ou três metros quando apareceram os arguidos- primeiro o arguido e depois a arguida, esta de robe -que os derrubaram- ambos -e voltaram a assentar uma segunda vez- ou até uma terceira -com nova destruição, com o arguido A... a ameaçar “Se voltarem a assentar mais tijolo, que fazia…como fizeram na Candosa”. E estando o cimento “tenro”- como acontecia -é fácil de cair, se empurrado, os tijolos estavam nas juntas encaixados uns nos outros, tombaram para o prédio da assistente. Com o cimento seco podia cair para o outro lado, o muro já tinha cerca de um metro de altura quando começaram a assentar o cimento. Disseram que depois pararam de tentar assentar, que não queriam os tijolos assentes, a assistente dizia “continuem”, mas não se recorda de ter uma máquina de filmar na mão até que desistiram e foram fazer algo mais noutro local do prédio, tudo a durar cerca de uma hora. Não sabe ou se recorda se assentaram apenas em parte do muro ou na totalidade. Os arguidos empurraram os tijolos com as mãos, que viram porque o muro estava baixo, levou um carro ou dois de massa- um saco de cimento –e o pedreiro ganha 40 euros por dia, com cada tijolo a custar até trinta cêntimos, num total de vinte tijolos que ali estavam colocados. … : é funcionário da … , trabalhando como pedreiro, confirma a retirada da grade, a assentar o tijolo, com 4 fiadas, estando com a testemunha … . O muro já tinha alguma altura, sem precisar mas estava com altura inferior à sua- 1,64 metros –pois que via perfeitamente o outro lado. O muro era para ser erguido em cerca de 2 metros, com 15 cms de espessura dos tijolos, sendo que o muro era largo e que “era para dividir”, ou seja, queriam fazer o muro do lado da assistente, significando que era para fazer apenas metade do muro- “com o muro que fizemos ficou um outro bordo do lado de lá”. Ali chegaram os arguidos disseram para não continuarem a subir o muro e a assistente a dizer o contrário até que aqueles começaram a derrubar os tijolos, com 4 fiadas assentes, fazendo-o com as mãos, tijolos que ainda estavam frescos, pois que a massa tinha sido assentada há pouco tempo, demorando 24 horas a secar. Tentaram uma segunda vez mas o arguido A... virou-se para si e disse-lhe “se queria que lhe acontecesse o mesmo que aconteceu ao senhor de Candosa”. Nessa altura disse à assistente que era um ameaça, sendo que na Candosa numa obra, por causa do derrube de umas escadas, mataram um homem. Logo a seguir à ameaça veio-se embora da obra e foi para outra. Ganha 40 euros diários mas não sabe do ajudante, ganhando mais 10 euros pelo trabalho ao Sábado. Também lá estava o patrão e não reparou se a assistente tinha ou não a máquina de filmar. Com as quatro fiadas já colocadas não via bem do lado de lá, mas tinha uns tijolos postos com uma tábua- uma espécie de andaime –e com este colocado conseguia ver os “Senhores do lado de lá”. Reiterou que viu os arguidos a empurrarem os tijolos, porque “do andaime em que eu estava eu vi” ou “o andaime estava por baixo de mim um bocadinho”. Os 2 arguidos vieram mais ou menos ao mesmo tempo e depois puseram ou tentaram colocar uma segunda fiada mas foram derrubados. A arguida foi com as mãos à massa, na segunda tentativa de colocar nova fiada, que estavam ambos de robe. … : confirma as obras, para fazer um muro na guarda das escadas da assistente, quando aconteceu o derrube e disse se “se recordavam do que se passou em Candosa”. Fizeram argamassas mas não se recorda da grade, pois que ali terá chegado mais tarde, admitindo que a grade já tivesse saído. A obra era erguer o muro, já estavam duas, três ou quatro fiadas de tijolos assentes, com uma extensão de cerca de 2,00/ 2,20 metros. Chegaram mais ou menos em conjunto e empurraram uma primeira vez os tijolos, caindo para o lado da casa da assistente, houve mais uma ou duas tentativas, mas os arguidos impediram-no e derrubaram pelo menos mais uma vez. Disse que a assistente esteve a filmar, não sabe porquê, e que insistiu para erguerem a obra mas não se recorda de expressão relatada pelos arguidos. O trabalho dos funcionários naquele dia valeria em mão de obra, alvenaria, tijolos, cimento, etc- mas incluído num orçamento (abandonaram o local ali mas continuaram naquela obra ou local) –ou seja, meio dia de trabalho, com 18 cêntimos por cada tijolo, cada saco de cimento custa €3,80, três fiadas de tijolos, tendo confirmado o documento de fls 398, ainda que elaborado pelo outro sócio. Com dois funcionários das 8.00 às 12.00 horas, o custo seria de 100 euros para o pedreiro e 80 para o ajudante, incluindo Segurança Social, impostos, transportes e remuneração própriamente dita dos mesmos. A escada que dá para esse muro estava desprotegida e era essencial ali colocar o muro pelo que não tendo sido erguido foi preciso colocar a grade em causa, para protecção sobretudo de crianças mas também de adultos. E não teve dúvidas em dizer que a arguida estava de robe e que os via bem do lado de lá, quando os tijolos caíram, não estava mais ninguém do lado de lá e encontrava-se a cerca de 5 metros do muro mas quando deitaram os tijolos abaixo viu-se que tinham as mãos sujas do cimento- a argamassa estava fresca ou inconsistente. Ali havia prumadas ou andaimes. … : é colega de trabalho da assistente, numa Farmácia nesta cidade, ali trabalhando há 10 anos, mas há menos tempo que a testemunha. Era pessoa alegre mas com os problemas das obras e do actos dos arguidos andou em baixo, com insónias- factos anteriores a Setembro de 2008 –e que voltou a “cair” após os factos, sem qualquer outra caracterização. As testemunhas Drª … e … nada sabiam dos factos em julgamento, depondo apenas a aspectos relativos às pessoas dos arguidos. Resta entrarmos no domínio das regras da experiência comum, relativamente a alguns aspectos já abordados. Primeiramente e num tom de questão prévia, teremos de dizer que não se percebe a conduta da assistente, ao negar um facto próprio, que apenas consigo ou a si respeita: a circunstância de estar a filmar a acção. Não se alcança, de facto, para que servia esse facto- a filmagem, bem entendido –pois que qualquer gravação de imagem, para que algum dia seja ou sirva de meio de prova tem de passar por um crivo legal muito apertado, a cuja disciplina subjaz o respeito pelo direito constitucional à imagem e à privacidade- artº 26º nº 1. Nessa medida tal conduta de negação, ainda que de facto instrumental para a causa, não encontra da nossa parte explicação plausível ou razoável, mas sem que esse facto tenha interferência directa- nem sequer remotamente - na boa decisão da causa e no apuramento da verdade material. Ultrapassada esta nota introdutória, que se alcança directamente do seu conteúdo, a primeira nota vai para os custos imputados à conduta danosa dos arguidos- documento de fls 398 -cuja padece de alguns vícios que desvalorizam substancialmente o seu valor. Lê-se nele, datado de 13 de Setembro de 2010, que “Relativamente à reconstrução do muro de vedação do seu lote de terreno com o lote geminado e no seguimento de sua ordem para a reconstrução do muro, hoje foi colocada uma equipa de quatro trabalhadores no local para proceder à tarefa. Fomos interceptados pelos vizinhos que logo derrubaram a alvenaria já assente. e ameaças aos trabalhadores. Após este episódio foram interrompidos os trabalhos. Dadas as circunstâncias e não tendo esta empresa qualquer responsabilidade sobre o ocorrido, temos a informar que os custos inerentes a esta tarefa cifra-se em 760.0OE”. Que dizer a este respeito? Apenas e tão somente que está em absoluto por demonstrar- aliás provado está coisa diversa –que ali tenham estado quatro trabalhadores, o que só por si serve para inquinar totalmente qualquer operação aritmética que hipotéticamente esteja subjacente ao apontado valor final- e dizemos hipoteticamente porquanto inexiste um só elemento que seja, objectivo e concreto, no qual se perceba a razão de ser de tal valor final. Por isso que de harmonia com as regras da experiência nos tenhamos atido aos valores concretos a que aludiu a testemunha … e não outros, já que ele menciona, com sentido de razoabilidade, seja o valor do custo hora do trabalhador, não em termos de remuneração líquida, mas antes produtivos, incluindo assim encargos sociais, despesas de transporte, custos de funcionamento da empresa, etc. Todavia e pese embora os valores avançados pela identificada testemunha cremos que esse quantitativo apenas se pode referir a um dia de trabalho, havendo assim que o reduzir a metade, obtendo-se consequentemente €90,00. A tal quantia acrescem os custos com materiais, como seja um saco de cimento-€ 3,80 –e 30 tijolos (valor que poderá pecar por excesso) que valendo €0,18 cada equivale a €5.20, ou seja um total de €9,00. E a título de eventual perda de lucro do empreiteiro, repercutido no cliente, numa percentagem de 20% obtemos o fixado valor de €120,00. Ainda nesta sede de regras da experiência é com base nelas que dizemos que em função da altura das testemunhas … e … a que acresce o facto de ali estar instalado como que um “andaime”, sem olvidar que do lado de lá, leia-se na parte dos arguidos, não existia qualquer outra pessoa, ademais dos arguidos estarem colocados num espaço ou patamar superior, faz com que a afirmação de que eram avistados “do lado de cá” seja mais do que verosímil. Mas outra nota deve ser chamada à colação: trata-se da alegação/declarações dos arguidos segundo as quais não fizeram ou tiveram qualquer acto ou conduta danosa, pois que à excepção da arguida B... ter colocado as mãos sobre o muro já implantado, para evitar que algo ali fosse colocado, sendo salpicada com cimento fresco, limitaram-se a verbalizar a sua não autorização para a obra, pois que o muro era deles. Acontece porém que esta singeleza explicativa- os arguidos apenas verberaram a conduta da assistente, na pessoa dos funcionários da empreiteira –em nada se compagina, em termos do comportamento normal do homem comum, com aquele de quem já havia instaurado um procedimento cautelar, tal como a respectiva acção declarativa e que vem à rua ou ao logradouro- a arguida B... nem sequer assoma à janela ou varanda do 1º andar, mas vem mesmo ao logradouro, em robe –apenas para verbalizar ou reclamar oralmente com quem se aprestava para interferir com a sua propriedade e não quer ou pelo menos manifesta a intenção de agir em acção directa. No fundo pode dizer-se que não há que não olvidar, nas regras do comportamento humano comum, que as divergências existentes entre as partes, com a dimensão- quase transcendental - que para os arguidos assume o dito muro, encontrando campo aberto para a sua expressão, acabam por se traduzir necessariamente na auto-tutela do direito, por parte de quem está em posição ou patamar superior, carecendo apenas de um pequeno esforço para empurrar o que vai sendo colocado no muro. Em relação aos danos civis diga-se que é das leis da vida que a perturbação da nossa tranquilidade, frustrando ideias de fruição de espaço com quem se mantém relações afectivas, mais a mais provindas de vizinhos, traduz-se na criação de estados de ansiedade, perturbação, com interferência no bem estar físico e psíquico, salvo se estivermos perante alguém que seja pessoa absolutamente insensível- leia-se fria, distante, longínqua de emoções -o que está muito longe de ser o caso da assistente.
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Entremos então na apreciação das questões suscitadas no recurso, começando pela impugnação da matéria de facto. Diga-se, desde logo, que os recorrentes não deram cabal cumprimento ao estatuído no art. 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal (diploma a que se reportam as demais disposições legais citadas sem menção de origem). Na verdade, pese embora tenham elaborado a sua impugnação com apelo às declarações e depoimentos prestados em audiência (a localização que indicam não coincide, no entanto, com a que resulta do consignado em acta), não deram cumprimento ao disposto no art. 412º, nº 3, al. a), indicando nas conclusões que formularam os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, especificação essencial para que o tribunal de recurso conheça com exactidão o âmbito da impugnação em matéria de facto, visto as conclusões servirem, entre outras finalidades, a da delimitação do objecto do recurso [1], operando a vinculação temática do tribunal superior e definindo o âmbito do conhecimento que obrigatoriamente se impõe ao tribunal ad quem. Na motivação impugnam um único facto, ainda assim sem expressa referência ao ponto de facto constante da sentença e sem o transcreverem com exactidão. De todo o modo, dada a simplicidade da questão posta, dela conheceremos de imediato: O único ponto de facto que se poderá considerar impugnado, face ao alegado pelos arguidos é o que indicam a fls. 632, sob o nº 1, quando referem que “não é verdade que no dia 13 de Setembro de 2008 pelas 8h45 os arguidos deitaram ao chão, com as suas mãos, o cimento e tijolos colocados na construção do referido muro”. No entanto, é manifesta a sua falta de razão. Aliás, os arguidos nem sequer questionam a motivação do provado, tal como foi consignada na sentença recorrida, limitando-se a tentar extrair de passagens soltas dos depoimentos, que transcrevem, conclusões diversas das que o tribunal retirou da prova. Ou seja, resulta claramente dos termos em que foi formulada a impugnação que os recorrentes não impugnam a correcção da matéria provada com base na falta de elementos de prova ou numa valoração absolutamente ilógica da prova produzida, mas sim com base na valoração que eles próprios fazem da prova produzida, questionando a livre convicção do tribunal recorrido. No fundo, o que os recorrentes pretendem é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que eles próprios entendem que deveria ter sido a retirada da prova produzida. Limitam-se a fazer a sua interpretação e valoração pessoal das declarações e depoimentos prestados e da credibilidade que devem merecer uns e outros, exercício que no entanto é irrelevante para a sindicância da forma como o tribunal recorrido valorou a prova. Não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância; não se procura encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso [2]. Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui só por si fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais” [3], razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum [4]. Com efeito, ao tribunal de recurso cabe apenas “…aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significara que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” [5].
Prosseguem os recorrentes alegando não estarem verificados todos os elementos que tipificam o crime de dano p. p. pelo art. 212º, nº 1, do Código Penal, desde logo porque a verificação do tipo legal em apreço exige que a coisa sobre a qual é exercido o dano seja alheia, o que não sucederia no caso vertente por se trata de coisa comum. No entanto, não lhes assiste razão. Dispõe a norma em causa que “quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. À luz deste normativo comete o crime de dano quem destruir, danificar desfigurar ou tornar não utilizável coisa que não seja exclusivamente sua. O elemento “coisa alheia” apenas pressupõe que o agente não seja o titular exclusivo do bem danificado, como sucede nos casos de propriedade em comum. No caso vertente, se estivesse em causa a destruição do muro comum – e não é isso que está em causa, como se verá – ainda assim haveria crime, visto não ser admissível que qualquer dos titulares do direito possa destruir a coisa que lhe pertence apenas em compropriedade à revelia dos demais. Se o fizer, não destrói apenas coisa sua, destrói também coisa alheia e nessa medida poderá ser criminalmente responsabilizado pela sua actuação[6].
Dissemos, supra, que o que estava em causa não era a destruição do muro comum, o que aliás vem ao encontro do alegado pelos próprios recorrentes. É verdade o que estes alegam sob o nº 32, na parte em que afirmam que o muro meeiro que já existia não foi por si destruído. De facto, não foi. O que os arguidos destruíram foi a parte já edificada do muro que na ocasião estava a ser construído a expensas da assistente e que os pedreiros que trabalhavam na respectiva obra estavam a assentar, colocando tijolos e fixando-os com massa de cimento. Esse muro foi efectivamente destruído, sendo indiferente para a verificação do resultado típico pressuposto pelo art. 212º, nº 1, do Código Penal, que os tijolos que os arguidos empurraram, provocando a respectiva queda e desfazendo o muro, não se tenham quebrado e tenham sido novamente utilizados pela assistente (de resto, alegação dos recorrentes sem expressão no provado). O muro edificado, enquanto algo de distinto dos materiais com que foi construído, foi efectivamente destruído pelos arguidos e é manifesto que constituía, para os arguidos, coisa alheia, visto ter sido construído com materiais que lhes não pertenciam e a expensas da assistente.
Alegam ainda os recorrentes que actuaram convictos de que exerciam um direito de defesa da sua propriedade quanto à parte do muro meeiro, agindo com erro sobre circunstâncias de facto, devendo ter-se o dolo por excluído. Também aqui lhe não assiste razão, conclusão que se retira da motivação do provado. Como aí se refere, correu termos um procedimento cautelar de embargo de obra nova contra a ora assistente em que a arguida tinha a posição processual de requerente e em que a questão de facto subjacente à lide não deixa dúvidas quanto à sua raiz comum ao presente litígio. Esse procedimento foi deferido e mais tarde, por via da procedência da oposição deduzida, veio a ser revogado, pelo que não só a ora assistente deixou de ter impedimento para dar seguimento à obra, como a ora arguida não podia desconhecer o fim dessa proibição nem podia, obviamente, desconhecer, à data da prática dos factos, a ilicitude da sua actuação, manifestamente dolosa, como resulta de todo o provado. Na verdade, o que se evidencia é que tendo-lhe sido negada a tutela jurisdicional que pretendia, a arguida optou pela acção directa, ilícita, porque desenvolvida fora das condições em que seria admissível, já que o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito (e no caso, repete-se, já tinha corrido termos um procedimento cautelar em que, após oposição, havia sido revogado o embargo de obra nova), só é admissível quando indispensável pela impossibilidade de recorrer em tempo útil aos meios coercitivos normais para evitar a inutilização prática desse direito (cfr. art. 336º do Código Civil). Não ocorreu, pois, qualquer erro sobre circunstâncias do facto; bem pelo contrário, os arguidos tinham bem presente a ilicitude da sua conduta e quiseram, ainda assim, dolosamente, executá-la, como aliás está claramente explicado na sentença recorrida.
Por fim, pretendem os recorrentes atacar a decisão da primeira instância na parte cível, o que lhes está vedado em função do disposto no art. 400º, nº 2, do CPP, em cujos termos “sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. Não estando verificadas no caso as condições cumulativamente previstas na lei, não é admissível o recurso relativamente à parte cível da decisão.
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III – DISPOSITIVO:
Nos termos apontados, nega-se provimento ao recurso. Por terem decaído integralmente no recurso interposto, condenam-se os recorrentes – cada um deles – na taxa de justiça correspondente a 4 UC.
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Coimbra, ____________ (texto processado e revisto pelo relator)
__________________________________ (Jorge Miranda Jacob)
__________________________________ (Maria Pilar de Oliveira)
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