Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | EMÍDIO SANTOS | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM FUNDADO RECEIO LESÃO GRAVE E DIFICILMENTE REPARÁVEL SERVIDÃO DE PASSAGEM | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - COVILHÃ - JL CÍVEL - JUIZ 1 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 362, 368 CPC | ||
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Sumário: | I - Na resposta a dar a um pedido de providência cautelar deduzido ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º do CPC, o julgador terá de efectuar o seguinte percurso: 1) Identificar o direito que o requerente da providência pretende acautelar; 2) Determinar se a demora - inevitável - na resolução definitiva do litígio comporta algum perigo para o direito do requerente; 3) Em caso de resposta afirmativa, determinar se esse perigo, a concretizar-se, é de caracterizar, em relação ao direito, como lesão grave e de difícil reparação. II - Se os procedimentos cautelares servem para dar utilidade ao que for decidido na acção a favor do requerente, se servem para assegurar a efectividade do direito que lhe for reconhecido, então a lesão que se receia acontecer enquanto se aguarda pela decisão definitiva da acção será de considerar como grave e de difícil reparação quando, na hipótese de ela se concretizar, retirar efeito útil à decisão definitiva da causa ou impedir a efectividade do direito que for reconhecido ao requerente na decisão definitiva. III - Verificada a probabilidade séria da existência, a favor do prédio dos requerentes e da chamada, de uma servidão de passagem sobre um caminho em prédio alheio e estando provado que os requeridos colocaram um portão no início do caminho, junto à estrada nacional, fechando-o à chave e que, em consequência, os requerentes e a chamada ficaram impedidos de acederem aos respectivos prédios, a partir da via pública, a pé e/ou de veículo automóvel, só se conseguirá assegurar a efectividade, até à decisão final, do direito ameaçado se os requerentes e a chamada puderem continuar a aceder ao seu prédio através do referido caminho. IV- Em consequência é de concluir estar suficientemente fundado o receio que os requerentes e a chamada têm de o seu direito de passagem pelo caminho ser lesado de forma grave e dificilmente reparável. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
M (…) e marido F (…), residentes (…) (...) , requererem procedimento cautelar comum, com pedido de inversão do contencioso, contra: Pedindo: Para o efeito alegaram, em resumo: Os requeridos deduziram oposição. Alegaram em resumo que os requerentes não tinham legitimidade para a presente providência, desacompanhados da outra comproprietária, S (…); que faixa de terreno correspondente ao caminho pertence-lhes a eles, requeridos; que não está constituída sobre tal caminho qualquer servidão de passagem a favor do prédio dos requerentes e que estes e a outra comproprietária do prédio têm acesso a ele a partir da rua do R (...) . Mediante requerimento dos requerentes, S (…), comproprietária do prédio da requerente, interveio no processo como parte principal associada aos requerentes. O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente o procedimento, decidiu: * Os requeridos não se conformaram com a sentença e interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo: 1. A alteração da decisão quanto aos factos provados sob os números 22, 23, 24 e 25; 2. Se desse como não preenchidos os requisitos do periculum in mora e da proporcionalidade da providência. Os requerentes responderam. Na resposta contestaram os argumentos de facto e de direito dos recorrentes, concluindo no sentido da improcedência do recurso. * Síntese das questões suscitadas pelo recurso: 1. Saber se o tribunal a quo errou no julgamento dos factos discriminados na sentença sob os números 22, 23, 24 e 25; 2. Saber se a sentença recorrida errou ao julgar verificado o periculum in mora e ao decidir que não se verificava qualquer desproporcionalidade entre o prejuízo decorrente do decretamento da providência e o dano que através dela se pretendia acautelar. * Considerando que a resolução das questões de facto tem precedência lógica sobre a resolução das questões de direito, começaremos o julgamento do recurso pelo conhecimento da impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Está em causa a decisão de julgar provada a seguinte matéria: Sentido da impugnação e razões da impugnação Em relação ao ponto n.º 22, os recorrentes pedem se altere a decisão no sentido de se julgar provado apenas que tanto a requerente como a chamada S (…), em face da colocação do portão aludida em 21, encontram-se impedidas de aceder ao seu prédio através de tal caminho. Para o efeito alegam: Apreciação do tribunal: Como se vê pela exposição acabada de efectuar, os recorrentes insurgem-se contra a decisão de julgar provado que o facto de a requerente e a chamada se encontrarem impedidas de aceder ao seu prédio através do caminho é causa de prejuízo para elas. Pedem, assim, que se elimine da decisão a expressão “o que lhe causa prejuízos”. Há razões para considerar não escrita tal segmento da decisão. Com efeito, a decisão de julgar provado que um facto causa ou causou prejuízos implica um juízo de natureza jurídica. É juízo de natureza jurídica porque é às normas ou princípios jurídicos e não aos meios de prova que cabe dizer, depois de interpretadas, se um determinado facto reveste a natureza de dano ou prejuízo. Assim, ao dizer que o facto de a requerentes e a outra comproprietária do prédio se encontrarem impedidas de aceder a ele lhes causa prejuízos, o julgador do facto está a tomar posição sobre uma questão de direito. E questão de direito com relevância no caso, pois um dos requisitos do deferimento da providência é, nos termos do n.º 1 do artigo 368.º do CPC, que se mostre suficientemente fundado o receio de lesão do direito. Apesar de o Código de Processo Civil em vigor não afirmar expressamente, como sucedia com o n.º 4 do artigo 646.º do CPC anterior, que se têm por não escritas as respostas do tribunal colectivo [ou seja do tribunal que julga a matéria de matéria] sobre questões de direito, esta solução resulta da combinação dos números 3, 4 e 5 do artigo 607.º do CPC. Em consequência, considera-se não escrita a decisão do tribunal a quo de julgar provado sob n.º 22 “o que lhe causa prejuízos”. * Em relação ao ponto n.º 23, os recorrentes pedem se altere a decisão no sentido de se julgar provado que “na casa dos requerentes encontra-se a residir, desde Novembro de 2017, a filha destes, C (…), juntamente com o seu agregado familiar, composto pelo marido e dois filhos menores, um de 2 anos e outro de 4 anos, a qual se vê impossibilitada de aceder de carro à habitação onde reside pelo caminho aludido nos autos”. E em relação ao ponto n.º 24 pede se altere a decisão no sentido se se julgar provado que “a filha da requerente opta por estacionar o seu veículo a cerca de 400 metros de casa e a deslocar-se a pé, com os dois menores, acedendo à casa onde reside através do portão que dá para a Rua do R (...) , sempre que entra ou sai de casa, o que acontece no mínimo quatro vezes por dia, aquando da ida para o infantário e regresso a casa e novamente ao final do dia”. Comparando a decisão do tribunal a quo com aquela que é pretendida pelos recorrentes, vê-se que estes pretendem se julgue não provado que a falta de acesso à habitação através do caminho em causa constitui um “enorme transtorno” e que “a filha dos requerentes é obrigada a estacionar o seu veículo a cerca de 400 metros da casa e que esta deslocação a pé acarrete perigos e transtornos”. Para o efeito alegaram: Apreciação do tribunal Pelas razões a seguir expostas, a pretensão dos recorrentes é de julgar improcedente. A impugnação da decisão assenta, por um lado, na alegação de que não há factos provados relativos ao alegado “enorme transtorno” e, por outro, na contraposição aos factos que foram julgados provados de outros factos que, no entender dos recorrentes, mostram que não é verdadeiro o que está julgado provado. Assim, dizem que não é verdade que a filha dos requerentes se veja impossibilitada de aceder de carro à sua habitação e tenha que percorrer um caminho de 400 metros para aceder à mesma porque existe um outro acesso a essa casa de habitação; porque a única dificuldade é o acesso do carro à garagem e tal deve-se às dimensões do carro e porque pode estacionar o seu carro na estrada, à frente da habitação, que não dista uma dezena de metros da mesma. Esta impugnação da decisão de facto não tem acolhimento na lei. Com efeito, resulta da combinação das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC que a alteração da decisão relativa à matéria de facto, em consequência de impugnação, depende da indicação, por parte do impugnante, dos concretos meios probatórios que impõem decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e, no caso, os recorrentes não especificaram os meios de prova de onde resultavam os factos que põem causa os que foram julgados provados. Mais: o tribunal a quo julgou não provado – sem impugnação por parte dos recorrentes – que pela entrada existente na rua do R (...) entrem veículos [alínea m) dos factos julgados não provados] e julgou provado – também sem impugnação dos recorrentes – que a única passagem de acesso com veículos automóveis ao prédio dos requerentes é pelo caminho em questão nos presentes autos [ponto n.º 16 dos factos julgados provados]. Em consequência, julga-se improcedente a impugnação deduzida contra os pontos n.ºs 23 e 24. * Em relação ao ponto n.º 25, pedem a alteração da decisão no sentido de se julgar provado que os requerentes e os seus familiares estão impedidos de acederem com os seus veículos à porta do prédio, tendo de deixar as suas viaturas na via pública. A comparação da decisão do tribunal a quo com a que é pretendida pelos recorrentes mostra que estes pedem se julgue não provado que os requerentes estão impedidos de “utilizarem e fruírem o seu prédio em condições de normalidade” e que “esteja colocada seriamente em causa a sua segurança e integridade física, tendo em conta o percurso que são obrigados a efectuar por forma a aceder à sua habitação”. Para efeito alegaram: Apreciação do tribunal: Vale a propósito da impugnação do ponto n.º 25, o que se disse em relação à impugnação dos pontos n.ºs 23 e 24: os recorrentes pedem a alteração da matéria de facto, mas não indicam quaisquer meios de prova que imponham a alteração. Limitaram-se a contrapor aos que foram julgados provados outros factos que, no seu entender, mostram que aqueles não são verdadeiros. Visto que o ponto n.º 24 contém, no entanto, juízos conclusivos como são “utilizarem e fruírem em condições de normalidade”, “estando seriamente em causa a sua segurança e integridade física” e não os factos que os suportam, altera-se a decisão julgando-se provado apenas que “os requerentes e seus familiares estão impedidos de acederem com veículos ao seu prédio, tendo de deixar as suas viaturas na via pública, a centenas de metros de casa”. * Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados indiciariamente os seguintes factos: 1. A requerente e a chamada S (…) são comproprietárias na proporção de ¼ para a primeira e ¾ para a segunda de um prédio urbano sito em (...) , (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o nº 286 da freguesia de (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 787º da freguesia de (...) que teve origem no artigo 247º daquela mesma freguesia. 2. Os requeridos são proprietários de um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, para habitação com logradouro situado em R (...) , Freguesia de (...) , Concelho da (...) , prédio, este, inscrito na matriz urbana sob o artigo 420 e descrito na CRP da (...) sob o artigo 1137 pela AP. 1269, de 2012/05/29, prédio, esse, que confina com o prédio aludido em 1). 3. Parte do prédio aludido em 1) adveio à propriedade da Requerente por partilha judicial por óbito de seu pai D (…). 4. Por sua vez, tal quota-parte do prédio havia já sido herdada pelo falecido D (…) por óbito de seus pais J (…) e E (…), respectivamente avós da Requerente e chamada S (…)e pais da requerida Resgate e avós dos restantes requeridos. 5. O prédio dos requeridos aludido em 2) foi originalmente um prédio rústico vindo a ser construído posteriormente no mesmo a casa que hoje existe de rés-do-chão destinada a habitação, tendo o aludido prédio advindo à propriedade dos requeridos por partilha judicial por óbito de J (…) e E (…), o qual veio pela partilha judicial a ser adjudicado à requerida R (…), filha daqueles, casada que foi com J (…). 6. Há mais de 70 anos no local onde hoje se encontra edificado o prédio da requerente e dos requeridos existia apenas um prédio rústico propriedade do avô da requerente, J (…). 7. Após a morte de J (…) ocorrida em 15.6.1975, em 1976 e a fim de partilhar pelos respectivos herdeiros, o prédio-mãe acima referido foi dividido, com a ajuda de dois avaliadores contratados na altura para o efeito, em várias parcelas que ficaram a pertencer aos vários herdeiros, nomeadamente o pai da requerente e a 7ª Requerida, tia da requerente. 8. Por volta de 1947, J (…) construiu em tal prédio rústico (prédio-mãe) um edifício, o prédio identificado em 1) altura em que abriu um caminho, com início na Estrada Nacional 18, de acesso a tal edifício, em terra batida. 9. Numa altura em que o edifício referido em 1) era a única casa ali existente servindo tal caminho em exclusivo a casa em questão. 10. O caminho aludido em 8) era em terra batida, calcada e marcado no chão com início na referida Estrada Nacional 18 e atravessava o prédio até à edificação e, pelo menos desde 1969, media 43,70 metros de comprimento e 2,80 metros de largura, com as medidas ainda hoje existentes, indo terminar no pátio comum às casas dos requerentes e da chamada S (…). 11. O referido caminho destinava-se a permitir o acesso a pé e, na altura, de carros de bois, desde a estrada até à casa. 12. Tendo posteriormente começado por ali aceder também veículos automóveis, incluindo veículos de grandes dimensões como é o caso de uma carrinha da marca Bedford, de caixa aberta, que pertencia ao pai da Requerente e que com enorme frequência percorria tal caminho ficando estacionada no pátio junto do prédio identificado em 1). 13. Caminho esse que J (…) (avô da requerente, pai da requerida R(…) e avô dos demais requeridos) acabou mais tarde, em 1969, por delimitar colocando dois pilares nos limites da sua largura, pilares esses que existem até hoje (pintados de branco) e onde é possível verificar a inscrição da data da sua construção, ou seja, 1969. 14. Há mais de 70 anos que os requerentes e anteriormente os pais e os avós desta, anteriores proprietários, possuem, fruem e utilizam conforme mais lhes tem convindo o caminho em apreço. 15. Exercendo a posse do mesmo e fazendo dele caminho de acesso, a pé e de veículo automóvel, ao prédio de que são proprietários, à vista de toda gente designadamente dos Requeridos e dos antepassados destes, sem estorvo de ninguém, sem interrupção, na convicção de que exercem um direito próprio, na convicção de que tal posse e fruição são legítimas, pelo que, têm assim, possuído pacífica, continuadamente e de boa-fé tal caminho, sem contestação de quem quer que seja. 16. A única passagem de acesso com veículos automóveis ao prédio aludido em 1) é pelo caminho aludido em 10), caminho esse que dá ainda acesso à habitação da chamada S (…) e dava acesso à habitação do Sr. (…) através de um pequeno portão que existia no muro de delimitação da sua propriedade. 17. Num dos pilares aludidos em 13), a requerente bem como a chamada S (…) têm instaladas as suas respectivas caixas do correio. 18. Há cerca de 15 anos e por usar tal caminho para aceder ao seu prédio, a requerida Resgate juntamente com a chamada S (…) calcetaram o caminho ora em apreço tendo colocado paralelos, tendo os materiais utilizados sido pagos por ambas. 19. J (…), já falecido, e marido da requerida R (…) e pais dos demais requeridos, sempre respeitou o direito de passagem da requerente e chamada sobre tal caminho. 20. Aquando das partilhas aludidas em 4), 5) e 7) nada foi referido ou acordado quanto ao caminho aludido em 8) e 10). 21. Em Julho de 2018, os requeridos A(…), V(…) e M (…) , colocaram um portão no início do caminho em apreço junto à estrada nacional 18, portão esse que mantêm fechado à chave, não tendo entregado qualquer chave à requerente. 22. Tanto a requerente como a chamada S (…), em face da colocação do portão aludida em 21, encontram-se impedidas de aceder ao seu prédio através de tal caminho. 23. Na casa dos requerentes encontra-se a residir desde Novembro de 2017 a filha destes, C (…) juntamente com o seu agregado familiar, composto pelo marido e dois filhos menores, um de 2 anos e outro de 4 anos, constituindo a falta de acesso à sua habitação através do caminho em causa desde a colocação do aludido portão enorme transtorno, vendo-se impossibilitada de aceder de carro à habitação onde reside. 24. Vendo-se obrigada a estacionar o seu veículo a cerca de 400 metros de casa e a deslocar-se a pé, com os dois menores, acedendo à casa onde reside através do portão que dá para a Rua do R (...) , sempre que entra ou sai de casa o que acontece no mínimo quatro vezes por dia aquando da ida para o infantário e regresso a casa e novamente ao final do dia, o que acarreta perigos e transtornos, 25. Os requerentes e seus familiares estão impedidos de acederem com veículos ao seu prédio, tendo de deixar as suas viaturas na via pública, a centenas de metros de casa. 26. Desde há mais de 50 anos que os requeridos por si e seus antecessores possuem e detêm o prédio rústico aludido em 2 no qual veio a ser construída a casa pelo ano de 1976, após a realização da partilha judicial, utilizando-o, ocupando-o, limpando-o, apanhando os respectivos frutos, cultivando-o, cortando árvores. 27. O caminho aludido em 10) é também utilizado para acesso dos requeridos ao seu prédio. 28. Os requeridos, por meados de Novembro de 2011, após a morte de seu pai, compraram um portão para colocar no local onde agora se encontra colocado o portão aludido em 21, mas foram impedidos pelos requerentes e outros familiares de o colocar. 29. Da ata de conferencia de interessados ocorrida no dia 14.6.1976 no âmbito dos autos de inventário n.º 113/1975 que correu termos pelo extinto Tribunal Judicial da Comarca da (...) , 2.ª Secção, consta o seguinte: “ Por todos os interessados foi esclarecido e acordado o seguinte: A verba n.º 7 compreende, além do que na descrição é especificamente referido, o coberto e o quintal murado, onde se inclui um bico sensivelmente triangular onde antigamente esteve um forno de cozer pão; a verba n.º 8 compreende, designadamente, o que nela se refere, o olival separado do resto do prédio pela casa, o y (...) , que pega com a verba nº 7 e o x (...) que pega com o muro do quintal da casa que faz parte da verba nº 7 (…)”. Factos indiciariamente não provados: * Descritos os factos passemos à resolução das restantes questões suscitadas pelo recurso. A sentença sob recurso decretou as providências acima indicadas ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 368.º, ambos do Código de Processo Civil. Para o efeito entendeu: Os recorrentes não põem em causa a decisão, na parte em que ela considerou verificada a probabilidade séria da existência, a favor do prédio dos requerentes e da chamada, de uma servidão de passagem sobre o caminho. O que eles contestam é a decisão de julgar que o direito dos requerentes corria o risco de lesão grave e dificilmente reparável e que não havia desproporção entre o prejuízo decorrente da providência e o dano que através dela se pretendia acautelar. Apreciemos, em primeiro lugar, a questão do risco de lesão grave e dificilmente reparável do direito. Em relação a esta questão os recorrentes sustentam que não foram alegados nem provados factos constitutivos do fundado receio de lesão grave de dificilmente reparável e que o que está em causa é um pequeno inconveniente, consistente no facto de a filha dos requerentes ter deixado de conseguir estacionar o carro na garagem do seu prédio devido às dimensões do seu veículo, mas que o pode fazer na via púbica de acesso a esse prédio. Citam, a propósito da interpretação do n.º 1 do artigo 362.º na parte em que se refere à “lesão grave e dificilmente reparável”, trechos de um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 10.03.2016 [proferido no processo n.º 155/15.0T8PRG-B.G1] e trechos de um acórdão do tribunal da Relação de Coimbra proferido em 22.11.2005 [proferido no processo n.º 3025/05], ambos publicados no sítio www.dgsi.pt. Assim do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães transcreve o trecho onde se afirmou que “o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em simples conjecturas, antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção pendente ou a instaurar posteriormente”. E do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra citaram, entre outras, a passagem onde se afirmou que “… o requerente tem que provar – não bastando um mero juízo de verosimilhança – os danos que visa acautelar, sendo certo, importa não esquecer, que se exige a prova da gravidade e da difícil reparação das consequências danosas da manutenção do “status quo”. Pelas razões a seguir expostas, o fundamento do recurso ora em apreciação é de julgar improcedente. É isento de dúvida que a pretensão dos requerentes foi deduzida ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º do CPC e que foi o disposto neste número e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 368.º do CPC que serviu de fundamento jurídico à decisão sobre recurso. Assim sendo, a resposta às questões acima enunciadas passa necessariamente pela interpretação dos citados preceitos e pela interpretação dos factos. Comecemos pela interpretação n.º 1 do artigo 362.º. Este preceito define o âmbito das chamadas providências cautelares não especificadas, ou seja, das providências destinadas a acautelar o risco de lesão de direitos (risco resultante da demora da decisão definitiva da causa), que não está prevenido por alguma das seguintes providências tipificadas na lei: restituição provisória da posse, suspensão de deliberações sociais, alimentos provisórios, arresto, embargo de obra nova, arrolamento. Define esse âmbito dizendo que, “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”. Com base nestes dizeres podemos afirmar que, na resposta a dar a um pedido de providência cautelar deduzido ao abrigo do n.º 1 do artigo 362.º do CPC, o julgador terá de efectuar o seguinte percurso: Como se escreveu acima, não está em questão no presente recurso o direito que os requerentes pretendem acautelar. Trata-se do direito de servidão de passagem, do qual resulta para os requerentes e para a chamada o direito de aceder ao seu prédio, a partir da Estrada Nacional 18 através de uma porção de terreno dos requeridos, ora recorrentes (o caminho), que se inicia na estrada nacional 18 e que tem 43,70 metros de comprimento e 2,80 metros de largura. A questão é a de saber se a demora - inevitável - na resolução definitiva do litígio comporta algum perigo para o direito do requerente e da chamada e, em caso de resposta afirmativa, saber se esse perigo, a concretizar-se, é de caracterizar, em relação ao direito, como lesão grave e de difícil reparação. Antes de mais devemos dizer que este tribunal concorda com os recorrentes, quando, citando o Tribunal da Relação de Guimarães e o Tribunal da Relação de Coimbra, interpretam o n.º 1 do artigo 362.º do CPC, na parte referente “à lesão grave e dificilmente reparável”, no sentido de que cabe ao requerente da providência alegar e provar os factos demonstrativos da lesão grave e dificilmente reparável. Socorrendo-nos das palavras de palavras de Marco Gonçalves “o requerente da providência deve trazer ao tribunal a notícia de factos reais, certos e concretos que mostrem ser fundado o receio que invoca e não fruto da sua imaginação exacerbada ou da sua desconfiança doentia, pelo que não é suficiente para o decretamento de uma providência cautelar a mera possibilidade remota de vir a sofrer danos” [Providências Cautelares, 2015, Almedina, página 214]. E socorrendo-nos, agora, das palavras de Lucinda Dias da Silva, ainda a propósito da mesma questão “importa,…, que o julgador se convença de que existe perigo, isto é, que considere provados factos que permitam concluir existir um conjunto de circunstâncias que tornam altamente provável a ocorrência de um dano futuro” [Procedimento Cautelar Comum, Coimbra Editora, páginas 145 e 146]. Com o que não concordamos é com a alegação dos recorrentes de que não se encontra estabelecido qualquer facto de onde resulte um risco de lesão grave e dificilmente reparável dos requerentes e da chamada. Comecemos pelo sentido a dar ao n.º 1 do artigo 362.º do CPC, na parte referente à “lesão grave e dificilmente reparável”; cuja fixação é feita segundo os critérios enunciados no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, sendo de destacar, de entre eles, o pensamento legislativo, reconstituído com base na razão de ser dos procedimentos cautelares. Sabe-se que a razão de ser dos procedimentos cautelares é a de acautelar o efeito útil da acção, como se diz na parte final do n.º 2 do artigo 2.º do CPC, ou assegurar a efectividade do direito ameaçado, como se diz na parte final do n.º 1 do artigo 362.º do CPC. Se os procedimentos cautelares servem para dar utilidade ao que for decidido na acção a favor do requerente, se servem para assegurar a efectividade do direito que lhe for reconhecido, então a lesão que se receia acontecer enquanto se aguarda pela decisão definitiva da acção será de considerar como grave e de difícil reparação quando, na hipótese de ela se concretizar, retirar efeito útil à decisão definitiva da causa ou impedir a efectividade do direito que for reconhecido ao requerente na decisão definitiva. Por outras palavras, a lesão que se receia há-se ser considerada de difícil reparação quando existir o risco de insatisfação do direito, risco resultante da demora na decisão definitiva da causa. A favor desta interpretação cita-se Marco Carvalho Gonçalves, na obra supra citada, páginas 214 e 215 que, a propósito desta questão, escreve: “… o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deva beneficiar, que obstam à reintegração específica da sua tutela jurídica”. E cita-se ainda o que se escreveu na Revista de legislação e Jurisprudência ano 80, páginas 297, sobre este mesmo requisito previsto no artigo 405.º do CPC de 1939, correspondente ao artigo 362.º n.º 1 do CPC actual: “Este segundo requisito traduz-se no periculum in mora: perigo de insatisfação do direito, proveniente da demora em se obter a decisão definitiva da causa. Receia-se que durante a pendência da acção principal e antes de se alcançar sentença definitiva, se produzam factos que impeçam a satisfação do direito”. Na posse deste sentido do n.º 1 do artigo 362.º do CPC, na parte referente à “lesão grave e dificilmente reparável”, vejamos os factos do caso. Em Julho de 2018, os requeridos A (…), V (…) e M (…) colocaram um portão no início do caminho, junto à estrada nacional, fechando-o à chave. A consequência para os requerentes e a chamada foi terem ficado impedidos de acederem aos respectivos prédios, a partir da EN 18, a pé e/ou de veículo automóvel. Com esta acção os requeridos violaram o direito que os requerentes e a chamada tinham de passar por tal caminho, a pé e de veículo automóvel, para alcançar os respectivos prédios. Mantendo o portão fechado à chave, continuarão a violar tal direito dos requerentes e da chamada. Está, assim, suficientemente indiciado o receio dos requerentes e da chamada de que o seu direito continuará a ser violado pelos requeridos. A acção dos requeridos configura uma lesão grave, pois atinge o conteúdo essencial da servidão de passagem, que é o direito de passar pelo caminho em questão. E configura lesão dificilmente reparável pelo seguinte. Se não for assegurado aos requerentes e à chamada o direito de passarem efectivamente pelo caminho até à decisão final da causa, o que sucederá é que, quando esta for proferida, o mais que eles podem aspirar, no caso de ela lhes ser favorável, é uma indemnização do ou dos prejuízos causados pela violação do seu direito. Sucede que a indemnização reparará ou compensará os prejuízos emergentes de tal violação, mas nem ela nem o reconhecimento do direito, na decisão final, tornarão efectivo o direito de os requerentes acederem ao seu prédio enquanto aguardaram pela decisão final. Só depois do trânsito em julgado da decisão final – na hipótese de ela ser favorável aos requerentes e de ela ser cumprida voluntária ou coercivamente pelos ora recorrentes – é que o direito se tornará efectivo. Ora, perante a violação do seu direito, assiste aos requerentes e à chamada a faculdade de requererem a providência adequada a assegurar a efectividade de tal direito. É o que resulta do n.º 2 do artigo 2.º do CPC, na parte que dispõe que a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, correspondem os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção, e é ainda o que resulta do n.º 1 do artigo 362.º, do mesmo diploma, que refere expressamente, como objectivo das providências aí previstas, o assegurar da efectividade do direito ameaçado, e é ainda o que resulta do n.º 5 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, na parte em que dispõe que “para defesa dos direitos, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”. Ora só se conseguirá assegurar a efectividade, até à decisão final, do direito ameaçado se os requerentes e a chamada puderem continuar a aceder ao seu prédio através do referido caminho. E eles poderão continuar a fazê-lo se os requeridos lhe entregarem, como foi determinado pelo tribunal a quo, uma chave que lhes permita abrir o portão. Pelo exposto, considera-se suficientemente fundado o receio que os requerentes e a chamada têm de o seu direito de passagem pelo caminho ser lesado grave e dificilmente reparável. Vejamos, de seguida, a questão da proporcionalidade entre os prejuízos resultantes para os requeridos e o dano que com ela o requerente pretende evitar. Sobre ela os recorrentes alegaram que o critério de proporcionalidade não se acha preenchido pois existem pontos de contacto entre a estrada e o prédio dos requerentes mais curtos e directos como são a entrada a partir da rua do R (...) e um outro ponto de contracto entre ambos os prédios mais curto, sendo certo que, em última análise, a constituição de uma servidão nesse ponto seria menos prejudicial aos requeridos do que o actual, que implica uma total devassa da sua propriedade, tendo a decisão recorrida violado o n.º 2 do artigo 1565.º do Código Civil. Esta alegação não colhe contra a sentença porque resulta do n.º 3 do artigo 607.º do CPC, que as normas jurídicas – no caso a norma do n.º 2 do artigo 368.º do CPC – são aplicáveis apenas aos factos julgados provados [vale aqui por remissão do n.º 3 do artigo 365.º do CPC para o artigo 295.º, CPC, que, por sua vez, remete para o artigo 607.º, do mesmo diploma] e a alegação dos recorrentes sobre a questão da proporcionalidade labora com base em factos que não estão provados, concretamente no facto de que é possível entrar com veículos automóveis para o prédio dos requerentes a partir da rua do R (...) (é com este sentido que alegam que “existe a entrada para o prédio dos requerentes pela rua do R (...) ) e a partir de um ponto de contacto entre ambos os prédios mais curto. Acresce contra a pretensão dos recorrentes que a sua alegação sobre a questão da proporcionalidade não radica, como pressupõe o n.º 2 do artigo 368.º do CPC, num juízo comparativo entre o prejuízo resultante da providência, para eles recorrentes, e o dano que com ela os requerentes pretendem evitar. A sua alegação assenta no pressuposto – não demonstrado - que os recorridos podem aceder aos seus prédios, a partir da via pública, por outros locais, que não o caminho em causa nos autos. Apesar de chamarem em auxílio da sua alegação o disposto no n.º 2 do artigo 1565.º do Código Civil, sobre extensão da servidão em caso de dúvida quanto à extensão ou modo de exercício, a sua argumentação aponta no sentido da desnecessidade da servidão para o prédio dos requerentes e da chamada. Isto é, o que eles contestam com tal alegação é a existência de lesão grave e dificilmente reparável para o direito dos requerentes. Sucede que esta contestação, como resulta do exposto acima, naufragou. Pelo exposto, improcede o fundamento do recurso ora em apreciação. Decisão: Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida. * Responsabilidade quanto a custas: Visto o disposto na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e no n.º 2 do mesmo preceito e o facto de os recorrentes terem ficado vencidos no recurso, condenam-se os mesmos nas respectivas custas, restritas às custas de parte. Coimbra, 10 de Julho de 2019
Emídio Santos ( Relator) Catarina Gonçalves Ferreira Lopes |