Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/22.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO
VIOLAÇÃO NÃO NEGLIGENCIÁVEL
Data do Acordão: 10/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 17.º-F, N.º 7, 192.º, 194.º, 195.º E 215.º, TODOS DO CIRE
Sumário: I – O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

II – Num acordo em que o crédito das instituições financeiras referentes a leasings, com a natureza de comuns, mantem as condições contratuais, com o pagamento dos créditos também comuns das Instituições Financeiras (contratos de crédito) faseado em 120 prestações mensais, com pagamento de juros mensais, calculados à taxa Euribor a 12M, acrescida de 3% - 12 meses de carência de capital e não de juros, como ocorre para os fornecedores;

III – E os fornecedores com o pagamento faseado em 120 prestações mensais, sem pagamento de juros vencidos, multas, bem como, de quaisquer encargos financeiros vencidos e perdão da totalidade dos juros vincendos;

IV – Não se encontrando consubstanciadas no plano de recuperação aprovado, com objetividade e clareza, as razões da diferenciação de tratamento entre os credores comuns da devedora, como a lei o impõe;

V – Constitui uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo, sendo, por isso, fundamento de recusa de homologação do plano, nos termos do art. 215.º do CIRE.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 16/22.6T8LRA

(Juízo de Comércio de Leiria- Juiz 2)

» Processo Especial de Revitalização (CIRE) «

1.Relatório

 BE..., LDA, com sede no IC..., ..., ... instaurou o presente processo especial de revitalização, nos termos do disposto no art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no art. 17º-C, nº 4do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. O Srº Administrador juntou aos autos a lista provisória de créditos.

Houve uma impugnação à lista de créditos que foi julgada improcedente.

*

O Srº. Administrador Judicial Provisório veio comunicar o resultado da votação do plano de recuperação.

Dos sentidos de voto elencados pelo Administrador Judicial Provisório conjugado com a lista definitiva de credores e com o despacho de 13.05.2022, conclui-se que:

Votaram favoravelmente os seguintes credores:

- Caixa Geral de Depósitos, SA com um crédito no valor de €1.263.485,13;

- G..., SA com um crédito no valor de €453.065,13;

- Instituto de Segurança Social, IP com um crédito no valor de €68.396,92

Votaram desfavoravelmente:

- Autoridade Tributaria e Aduaneira com um crédito no valor de €56.116,34;

- PT..., Unipessoal, Lda com um crédito no valor de €15.055,38.

Votaram credores que totalizam 51,73% do total de créditos com direito de voto.

Votaram favoravelmente créditos que correspondem a 96,17% dos votos expressos e 49,74% do total dos créditos com direito de voto.

Votaram desfavoravelmente o plano de recuperação créditos que correspondem a 3,83% dos votos expressos e a 1,98% do total dos créditos com direito a voto.

Não votaram o plano de recuperação 48,27% do total dos créditos com direito de voto. 

O plano de recuperação foi votado por mais de um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto na medida em que votaram credores representando 51,73% do total dos créditos com direito de voto.

Por outro lado, o plano recolheu o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e não existem créditos subordinados (art. 17º-F, nº 5, al. a) do CIRE).

Assim, o plano encontra-se aprovado.

Pelo Juízo de Comércio de Leiria - Juiz 2, foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, e nos termos do disposto nos artigos 17º- F, nº 7, recuso a homologação do plano de recuperação da devedora. 

Custas pela devedora com taxa de justiça reduzida a ¼ (arts. 17º-F, nº 11 e 302º nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, este com as devidas adaptações - sendo o valor da acção para efeitos de custas equivalente ao da alçada da Relação, nos termos do art. 301º do CIRE).

Registe, notifique e publicite nos termos dos arts. 37º e 38º, ex vi nº 10 do art. 17º-F, todos do CIRE.

Nos termos do disposto no art. 17º-G nº3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com as devidas adaptações, notifique o Srº Administrador para, em 15 dias, e após ouvir a devedora e os credores, vir emitir o seu parecer sobre se a devedora se encontra em situação de insolvência”.

BE..., LDA., requerente na acção com processo à margem referenciado, não se conformando com tal decisão, dela interpõe recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1. A ora Recorrente instaurou o presente Processo Especial de Revitalização, ao abrigo e para os efeitos do disposto no art. 17 - A do CIRE.

2. Deu cumprimento às formalidades prescritas no nº 3 do art. 17 – C do referido diploma legal e apresentou todos os elementos ali elencados.

3. O respectivo requerimento foi recebido e o processo seguiu a sua normal tramitação.

4. Designadamente, fruto das negociações estabelecidas com os credores, foi atempadamente apresentado um plano de recuperação que, obedecendo ao disposto no nº 1 do art. 17- F, na sua versão final, mereceu a aprovação da maioria dos credores.

Todavia,

5. O tribunal a quo decidiu não homologar o plano de recuperação apresentado, proferindo sentença na qual considera verificar-se violação não negligenciável das regras procedimentais, consubstanciada no incumprimento do disposto no nº 2 do art. 195 do CIRE, bem ainda na violação do comando dimanado dos nºs 1 e 2 do art. 194 do mesmo diploma legal

6. Referindo, além do mais, que o plano deve conter, assim, todos os elementos necessários à sua compreensão e percepção do seu futuro desenvolvimento, que possibilitem uma aprovação informada, e uma homologação ponderada. E, ressalvada sempre melhor opinião, o plano de recuperação apresentado não cumpre este desiderato.

7. E, mais:

Na verdade, apesar de no plano constar que a sua finalidade é apresentar um conjunto de medidas e que o objectivo é a continuidade de exploração da actividade e da afectação dos meios libertos, de modo reajustado à evolução dos negócios e resultados obtidos e previstos obter pela empresa, não se refere depois quais as medidas a implementar ou já implementadas para alcançar esse objectivo.

8. Acrescentando:

O plano é vago e pouco esclarecedor, não permitindo efectivamente habilitar os credores a emitirem um juízo fundado sobre a viabilidade do plano por falta desde logo de elementos sobre a actividade actual da devedora que permitam alicerçar qualquer juízo sobre a viabilidade da proposta apresentada aos credores.

9. Concluindo: importa concluir pela existência de uma violação não negligenciável de normas atinentes ao conteúdo do plano.

Por outro lado,

10. Refere ainda o julgador que (…) como resulta do artigo 192º o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações, exigindo-se tão só que assentem elas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado ( Ac. da RL de 16/11/2010, in www.dgsi.pt).

Analisando o plano de recuperação, constata-se que o crédito das instituições financeiras referentes a leasings, com a natureza de comuns, mantem as condições contratuais. Constata-se ainda que o pagamento dos créditos também comuns das Instituições Financeiras (contratos de crédito) é faseado em 120 prestações mensais, com pagamento de juros mensais, calculados à taxa Euribor a 12M, acrescida de 3%, e os fornecedores com o pagamento faseado em 120 prestações mensais, sem pagamento de juros vencidos, multas, bem como, de quaisquer encargos financeiros vencidos e perdão da totalidade dos juros vincendos.

Por outro lado, as instituições financeiras têm 12 meses de carência de capital e não de juros, como ocorre para os fornecedores. (…)

A inobservância deste princípio da igualdade constitui uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo, sendo, por isso, fundamento de recusa de homologação do plano, nos termos do art.º 215º. (…)

Assim, não se encontrando consubstanciadas no plano de recuperação aprovado, com objectividade e clareza, as razões da diferenciação de tratamento entre os credores comuns da devedora, como a lei o impõe, não é possível identificar um fundamento racional e objectivo, justificador da distinção entre os credores. (…)

Resulta, assim, que, no caso em análise, se verifica a violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação da devedora que inviabilizam a homologação do plano.

Ora,

11. Entende a Recorrente que, ao contrário do decidido, não se verificam in casu quaisquer vícios não negligenciáveis das regras procedimentais e, bem assim, inexiste qualquer tratamento diferenciado e injustificado dos credores.

12. Razão pela qual entende a Recorrente que o Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação das normas contidas nos artigos 194 e 195 do CIRE e, consequentemente, foi incorrectamente aplicado o artigo 215 do CIRE, decidindo-se, como se decidiu, pela não homologação do plano aprovado.

Vejamos:

13. Ao Plano de Recuperação, votado favoravelmente pela maioria dos credores, foi anexado o Balanço Previsional e Demonstração de Resultados Previsional.

14. Do referido Plano constam os pressupostos gerais e respectiva fundamentação, seguindo-se as condições de pagamento aos credores.

15. A saber:

“A BE..., LDA encontra-se numa situação económica difícil, com dificuldades no cumprimento pontual das suas obrigações, em especial por se encontrar com falta de liquidez e por restrições ao crédito, facto que origina que a entidade tenha dificuldade em cumprir pontualmente as suas obrigações junto dos seus credores. (bolt nosso) (…)

Neste momento o mercado encontra-se em crescimento, tendo a empresa inúmeros pedidos de orçamentos, o que a leva a concluir que o futuro próximo poderá levar a um aumento do negócio, só que a empresa terá que ter a sua situação financeira estabilizada de modo a que lhe sejam adjudicados os orçamentos apresentados. (bolt nosso) (…)

O Plano de recuperação agora apresentado visa assim um conjunto de medidas, cuja concretização permita gerar um fluxo financeiro superior ao que seria possível no caso de estas não existirem e que, dessa forma, permita assegurar um maior nível de ressarcimento das dívidas aos credores (por comparação com a que decorreria da ausência de plano e consequente liquidação). (…)

A finalidade deste plano de recuperação é apresentar um conjunto de medidas, cuja concretização permita a continuidade da gestão da sociedade.

Com as medidas de reestruturação da dívida que o Plano apresentará, pretende-se criar condições sustentáveis para gerar um fluxo monetário superior ao que seria possível de obter nas atuais condições. (bolt nosso) (…)

(…) a transformação da dívida vencida e de curto prazo em dívida de médio e longo prazo, terá uma influência muito positiva na liquidez da empresa, assim como na sua estrutura de capital.

A BE..., LDA tem vindo a desenvolver um trabalho de adaptação às novas condições de mercado impostas pela situação pandémica. Com efeito, o aumento considerável do custo dos materiais compeliu a uma diminuição das margens de obra, aliada com o aumento geral dos encargos. Estas circunstâncias têm vindo a ser acompanhadas e colmatadas com negociação entre parceiros de negócios e fornecedores, passando ainda por uma maior atenção do envio de propostas — as quais têm vindo a refletir estas condicionantes, sem comprometer os fluxos de tesouraria (bolt nosso) (…)

Para efeitos do artigo 195º do C.I.R.E., os motivos em que assenta a recuperação da BE..., LDA. resultam da continuidade na exploração da atividade e da afetação dos meios libertos, de modo reajustado à evolução dos negócios e resultados obtidos e previstos obter pela empresa e à evolução previsional dos resultados para os próximos anos.

A atuação no mercado será realizada com o intuito de criar condições comerciais mais favoráveis e permitir a alocação dos seus meios humanos e técnicos em superiores condições de eficácia e eficiência. (bolt nosso) (…)

A BE..., LDA reitera e assume como seu objetivo a manutenção e continuidade da sua atividade, constituindo vontade expressa a regularização de todo o passivo, assumindo os compromissos com os seus credores.

16. O Plano de Revitalização da Recorrente foi aprovado, tendo sido votado favoravelmente por credores cujos créditos representam 96,17% dos votos expressamente emitidos, aprovação que, aliás, foi reconhecida pelo Tribunal a quo, que mandou proceder à publicação dessa mesma aprovação.

Ora,

17. A aplicação do nº 2 do art. 195 do CIRE terá que ser efectuada com as necessárias adaptações conforme, aliás, se prevê na letra do nº 7 do artigo 17 - F do CIRE e como vem sendo decidido pela jurisprudência maioritária

18. Na verdade, o Processo Especial de Revitalização tem uma natureza própria, diferente do Plano de Insolvência, tratando-se de um processo de cariz negocial (essencialmente extrajudicial) com vista à recuperação da Devedora, por forma a criar condições, em acordo com os credores, para que a empresa devedora se mantenha no giro comercial.

19. Razão pela qual, a finalidade do plano de revitalização será sempre a de recuperação da empresa e não de liquidação do seu património para pagamento aos credores.

20. Como tal, o plano de revitalização apresentado no âmbito de um Processo Especial de Revitalização terá sempre e necessariamente como finalidade a manutenção da empresa devedora com a sua necessária recuperação.

21. Razão pela qual, entende a Recorrente que estão preenchidos os requisitos do nº 2 do artigo 195 do CIRE.

22. O plano de revitalização apresentado aos credores não poderia ter outra finalidade senão a que resulta da própria natureza do processo, ou seja, o de manutenção e recuperação da devedora, sendo importante sublinhar que, in casu, o plano de revitalização da Recorrente visa, essencialmente, a reestruturação financeira da dívida da empresa.

23. Como resulta do explicitado no próprio plano.

24. Mostrando-se claro o objectivo da ora Recorrente: continuidade de exploração da sua actividade – construção civil e obras públicas –com vista à afectação dos meios libertos, de modo reajustado à evolução dos negócios e resultados obtidos.

25. Importa não esquecer que a razão determinante para a instauração do presente Processo Especial de Revitalização reside na falta de liquidez da requerente e restrições de recurso ao crédito que impedem o cumprimento pontual das suas obrigações.

26. A possibilidade de manter e prosseguir a exploração da actividade permitirá à ora Recorrente a angariação dos meios necessários à liquidação do passivo, pela forma proposta e, simultaneamente, a sustentabilidade da empresa.

27. As medidas a implementar ou já implementadas estão expressamente mencionadas no Plano apresentado: a possibilidade de exercício da actividade face aos inúmeros pedidos de orçamento, correspondentes a outras tantas obras que, contudo, lhe serão adjudicadas apenas e só numa situação financeira estabilizada.

28. Só passível de ser alcançada com a homologação do Plano de Revitalização.

29. Com a transformação da dívida vencida e de curto prazo em dívida de médio e longo prazo, terá uma influência muito positiva na liquidez da empresa, assim como na sua estrutura de capital.

30. Sendo que, como é natural, o valor de € 2.800.000,00 respeitante à facturação prevista, só pode ser alicerçado no valor daqueles pedidos de orçamento.

31. Quanto à situação patrimonial da requerente, refere-se na sentença de que ora se recorre que não se sabe (…) se os bens elencados ou alguns dos bens elencados (na descrição da situação patrimonial) são objecto desses contratos (contratos de leasing).

32. Importa aqui referir que, em circunstância alguma, poderia a ora Recorrente incluir na relação dos bens que integram o seu património qualquer bem objecto dos contratos de leasing que celebrou com as entidades financeiras que identificou.

33. É que, como bem se sabe e resulta da noção jurídica de tal tipo de contratos, os referidos bens não são propriedade da Recorrente, a qual, apenas poderá exercer a opção de compra, e por conseguinte, integrar no seu património, depois de decorrido o prazo contratual, se assim tiver sido convencionado.

34. Concluindo-se, assim, que a Recorrente cumpriu a obrigação de descrição da sua situação patrimonial, financeira e reditícia, de acordo com o prescrito na alínea a) do n.º 2 do artigo 195º do CIRE.

35. Designadamente e, além do mais, com a junção aos autos dos documentos que acompanharam o seu Requerimento Inicial, bem ainda os que anexou ao plano de revitalização.

36. O Plano de Revitalização apresentado pressupõe a manutenção da actividade da empresa devedora e, consequentemente, o pagamento aos credores à custa dessa mesma manutenção.

37. Sendo que, o impacto expectável do Plano de Revitalização proposto resulta quer do Balanço Previsional e Demonstração de Resultados (Anexo I e Anexo II, respectivamente), quer da comparação destes documentos com os documentos juntos com o requerimento inicial.

Por outro lado,

38. Entendeu ainda o julgador que o plano de recuperação aprovado pela maioria dos credores viola o princípio de igualdade de tratamento dos credores, todos credores comuns, mais entendendo que tal tratamento diferenciado não está sequer justificado.

Ora,

39. O que está vedado ao plano de revitalização conducente à recuperação do devedor, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas e sem a verificação de um quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação.

40. Sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam ou fixem diferenciações, exigindo-se, tão só, que assentem elas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado.

41. O princípio de igualdade dos credores não obsta ao estabelecimento no plano de recuperação de diferenças de tratamento relativamente a credores em desigualdade de circunstâncias, incluindo dentro da mesma categoria de credores, nomeadamente para os credores que proporcionem os meios financeiros necessários para o desenvolvimento da actividade da devedora.

Assim,

42. Ainda que no Plano de Revitalização apresentado pela Recorrente e submetido a votação se não refira expressamente a razão da diferenciação na forma de pagamento aos diversos credores, haverá que entender-se que, no caso concreto, estão em causa (para além da Autoridade Tributária e da Segurança Social), por um lado, credores bancários – que proporcionam os meios financeiros necessários para o desenvolvimento da actividade da requerente – e, por outro lado, fornecedores/prestadores de serviços.

43. Sendo o juro, por essência, a remuneração da atividade bancária, enquanto que o lucro dos fornecedores se encontra já incluído no montante em dívida,

44. Tal circunstância, só por si, justifica, desde logo, a aceitação por parte das instituições bancárias do Plano de Revitalização, sendo a forma como proposta a regularização dos créditos indispensável à efectiva revitalização da Recorrente.

45. No que aos contratos de leasing respeita, é pressuposto do sucesso da revitalização a sua subsistência, importando que os mesmos sejam cumpridos conforme contratualmente estabelecido pela importância da sua manutenção e impossibilidade legal da sua alteração

46. Sob pena de resolução, com óbvios prejuízos para a devedora e seus credores.

47. Por tais motivos, entende-se que o tratamento diferenciado de credores, no caso concreto dos autos, não consubstancia violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação.

Nestes termos e, sobretudo pelo que V. Excs. doutamente suprirão, se deve dar provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida. Assim se fará JUSTIÇA.

O Ministério Público, em representação da Fazenda Nacional, apresenta a resposta às alegações do recurso interposto pela Recorrente BE..., LDA, o que faz nos seguintes termos:

(…).

2. Do objecto do recurso

As questões a decidir:

A. O plano é vago por falta de elementos sobre a actividade actual da devedora e que permitam alicerçar qualquer juízo sobre a viabilidade da proposta apresentada aos credores?

Consideremos os seguintes factos, trazidos da 1.ª instância:

1º- O Srº Administrador Judicial Provisório em 14.04.2022 juntou aos autos o plano de recuperação.

2º- O Srº Administrador Judicial Provisório em 28.04.2022 juntou aos autos a 2ª versão do plano de recuperação

3ª- A credora PT..., Unipessoal, Lda manifestou a intenção de participar nas negociações.

4º- A devedora não encetou qualquer negociação com a credora PT..., Unipessoal, Lda.

5º- Consta do plano de recuperação:

Autoridade Tributária:

- Pagamento da totalidade do capital em dívida em 54 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no mês seguinte ao trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação;

- Contagem do prazo a partir do trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação;

- Manutenção das garantias existentes, nos termos do n 13 do art. 199º do CPPT;

- Pagamento de juros vencidos e vincendos à taxa legalmente fixada para os juros demora aplicáveis às dívidas do Estado;

-Não extinção das acções executivas que se encontram pendentes para cobrança de dívidas à Autoridade Tributária, mantendo-se suspensas após a aprovação e homologação do Plano de Revitalização até integral cumprimento do plano de pagamentos;

- Salvaguarda da cláusula de regresso de melhor fortuna.

Segurança Social:

- A totalidade dos créditos da Segurança Social, reconhecidos na Lista de Créditos, será regularizada através do plano prestacional, em 60prestações mensais, no âmbito da execução fiscal, vencendo-se a primeira prestação até ao mês seguinte ao terminus do prazo previsto no nº 5 do artigo 17º- D do CIRE, ou seja, até ao final do mês seguinte a da votação do plano de revitalização;

Pagamento de juros vencidos e vincendos calculados de acordo coma taxa de juros de mora aplicáveis às dividas ao Estado e outras entidades públicas;

- Dispensa de constituição de garantias, nos teros do artigo 199º,nº 13, do CPPT;

- As acções executivas mantêm-se suspensas após aprovação e homologação do plano de revitalização até integral cumprimento do plano de pagamentos, extinguindo-se apenas cm a regularização integra da dívida e execução nos respectivos processos.

- Salvaguarda da cláusula de regresso de melhor fortuna.

Instituições Financeiras- Contratos de Crédito com Execução de Leasings

- Consolidação da dívida de capital, juros e encargos vencidos à data do trânsito em julgado do plano de recuperação;

- Pagamento da totalidade do capital em dívida em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira 12 meses após o transito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação;

- Taxa de juros Euribor 12M+3.0%;

- Caso o componente variável da taxa de juro (o indexante) seja inferir a zero, considera-se, para determinação da taxa nominal aplicável, que o valor daquele indexante corresponde a zero;

- Manutenção das condições contratualizadas nas garantias bancárias existentes;

- No caso de honra de garantias bancárias serão aplicadas as condições previstas para créditos comuns nos contratos de instituições financeiras, pelo prazo remanescente à data da verificação da condição.

- Contagem do prazo a partir do trânsito em julgado do plano de recuperação;

- Salvaguarda da cláusula de regresso de melhor fortuna.

Instituições Financeiras – Leasings

Manutenção das condições contratuais.

Restantes Credores Comuns

- Perdão da totalidade dos juros, multas, bem como todos os encargos financeiros vencidos (nomeadamente imposto de selo, comissões, entre outros.) também vencidos;

- Pagamento da totalidade do capital em dívida em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira 24 meses após o transito em julgado da decisão de homologação do plano de recuperação;

- Perdão da totalidade dos juros vincendos;

- Contagem do prazo a partir do trânsito em julgado do plano de recuperação;

- Salvaguarda da cláusula de regresso de melhor fortuna.

6º- Os créditos dos fornecedores/prestadores de serviços ascendem ao valor global de €1.1147.540,95.

7º- A Caixa Geral de Depósitos, SA é titular de um crédito no valor de €1.263.485,13;

8º- A G..., SA é titular de um crédito no valor de €453.065,13;

9º- PT..., Unipessoal, Lda é titular de um crédito no valor de €15.055,38.

10º- Os créditos da Caixa Geral de Depósitos, SA e dos credores fornecedores/prestadores de serviços têm a natureza de comuns.

Alega a Apelante:

“Neste momento o mercado encontra-se em crescimento, tendo a empresa inúmeros pedidos de orçamentos, o que a leva a concluir que o futuro próximo poderá levar a um aumento do negócio, só que a empresa terá que ter a sua situação financeira estabilizada de modo a que lhe sejam adjudicados os orçamentos apresentados. (bolt nosso) (…) O Plano de recuperação agora apresentado visa assim um conjunto de medidas, cuja concretização permita gerar um fluxo financeiro superior ao que seria possível no caso de estas não existirem e que, dessa forma, permita assegurar um maior nível de ressarcimento das dívidas aos credores (por comparação com a que decorreria da ausência de plano e consequente liquidação). (…)

A finalidade deste plano de recuperação é apresentar um conjunto de medidas, cuja concretização permita a continuidade da gestão da sociedade.

Com as medidas de reestruturação da dívida que o Plano apresentará, pretende-se criar condições sustentáveis para gerar um fluxo monetário superior ao que seria possível de obter nas atuais condições. (bolt nosso) (…)

(…) a transformação da dívida vencida e de curto prazo em dívida de médio e longo prazo, terá uma influência muito positiva na liquidez da empresa, assim como na sua estrutura de capital.

A BE..., LDA tem vindo a desenvolver um trabalho de adaptação às novas condições de mercado impostas pela situação pandémica. Com efeito, o aumento considerável do custo dos materiais compeliu a uma diminuição das margens de obra, aliada com o aumento geral dos encargos. Estas circunstâncias têm vindo a ser acompanhadas e colmatadas com negociação entre parceiros de negócios e fornecedores, passando ainda por uma maior atenção do envio de propostas — as quais têm vindo a refletir estas condicionantes, sem comprometer os fluxos de tesouraria (bolt nosso) (…)

Para efeitos do artigo 195º do C.I.R.E., os motivos em que assenta a recuperação da BE..., LDA. resultam da continuidade na exploração da atividade e da afetação dos meios libertos, de modo reajustado à evolução dos negócios e resultados obtidos e previstos obter pela empresa e à evolução previsional dos resultados para os próximos anos.

A atuação no mercado será realizada com o intuito de criar condições comerciais mais favoráveis e permitir a alocação dos seus meios humanos e técnicos em superiores condições de eficácia e eficiência. (bolt nosso) (…)

A BE..., LDA reitera e assume como seu objetivo a manutenção e continuidade da sua atividade, constituindo vontade expressa a regularização de todo o passivo, assumindo os compromissos com os seus credores.

16. O Plano de Revitalização da Recorrente foi aprovado, tendo sido votado favoravelmente por credores cujos créditos representam 96,17% dos votos expressamente emitidos, aprovação que, aliás, foi reconhecida pelo Tribunal a quo, que mandou proceder à publicação dessa mesma aprovação.

Ora,

17. A aplicação do nº 2 do art. 195 do CIRE terá que ser efectuada com as necessárias adaptações conforme, aliás, se prevê na letra do nº 7 do artigo 17 - F do CIRE e como vem sendo decidido pela jurisprudência maioritária

18. Na verdade, o Processo Especial de Revitalização tem uma natureza própria, diferente do Plano de Insolvência, tratando-se de um processo de cariz negocial (essencialmente extrajudicial) com vista à recuperação da Devedora, por forma a criar condições, em acordo com os credores, para que a empresa devedora se mantenha no giro comercial.

19. Razão pela qual, a finalidade do plano de revitalização será sempre a de recuperação da empresa e não de liquidação do seu património para pagamento aos credores”.

Apreciando.

Como é sabido, o processo especial de revitalização - obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores com vista à recuperação e viabilização económica do devedor - não se destina a resolver litígios sobre a existência e amplitude dos créditos, carecidos de uma mais profunda indagação e prova, visando permitir ao devedor estabelecer negociações com os credores então existentes com vista a permitir um acordo que permita a revitalização daquele, sendo que o facto de um plano de recuperação não prever o cumprimento de obrigação jurídica previamente incumprida nada modifica à situação jurídica pré-existente - o que não esteja previsto no plano permanece inalterado, mantendo os credores respetivos os seus direitos intactos.

Nos termos da norma do artigo 17-F, nº7 do CIRE – será o diploma a citar sem menção de origem -, “O juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194º a 197º, no nº1 do artigo 198º e nos artigos 200º a 202º, 215º e 216º”, e aferindo:

a) Se o plano foi aprovado nos termos do n.º 5;

b) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, os credores inseridos na mesma categoria são tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos;

c) Se, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, as categorias votantes discordantes de credores afetados recebem um tratamento pelo menos tão favorável como o de qualquer outra categoria do mesmo grau, e mais favorável do que o de qualquer categoria de grau inferior;

d) Que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos;

e) Se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com este fundamento;

f) Se aplicável, que qualquer novo financiamento necessário para executar o plano de reestruturação não prejudica injustamente os interesses dos credores;

g) Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma.

8 - O juiz pode determinar a avaliação da empresa, por um perito, se for pedida a não homologação do plano de recuperação por um credor discordante, com algum dos seguintes fundamentos (…).

Como afirma Catarina Serra - Lições de Direito da Insolvência”, Almedina (2019, Reimpressão), p. 435 -, pelos artigos 215º e 216º, que desempenham uma função de orientação do juiz em matéria de homologação do plano, ainda que, de certo modo, pela negativa, por força das quais o juiz fica obrigado à rejeição do plano de recuperação em determinadas situações: violação grave da lei e sacrifício ou benefício injusto de algum sujeito, em resultado do plano – o julgador recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam proceder à homologação/ O juiz recusa a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contando que o requerente demonstre em termos plausíveis que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante do acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;(…).

Tais normas preveem dois distintos grupos de situações que poderão levar à recusa, uma por via oficiosa - artigo 215º - e outra unicamente a requerimento do devedor ou credor que haja manifestado nos autos a sua oposição anteriormente à aprovação do plano de insolvência - artigo 216º.

Ao remeter para o disposto nos artigos 215º e 216º, respeitantes à aprovação do plano de recuperação no processo de insolvência, optou o legislador por submeter à análise judicial o plano aprovado pelos credores, no âmbito da qual deve o juiz, oficiosamente, sindicar o cumprimento das regras procedimentais e de conteúdo não negligenciáveis, bem como, avaliar o mérito da oposição que tenha sido apresentada por algum credor -  o juiz assume um papel de garante da legalidade, no âmbito do qual lhe restará assegurar-se de que não se verifica nenhuma das situações fundamentadoras da rejeição do plano estabelecidas no artigo 215º e, por outro, analisar os pedidos de não homologação do plano, se os houver (artigo 216º), cabendo ao reclamante alegar e demonstrar a probabilidade de, na ausência do plano, vir a receber os seus créditos e, consequentemente, que tal situação lhes seria mais favorável do que aquela que resulta da sua homologação.

Ora, nos termos da norma do artigo 195.º, o plano de insolvência deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência; devendo indicar a sua finalidade, descrever as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, contendo todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz - As negociações a desenvolver no âmbito do PER devem visar a um plano de recuperação viável e credível, ou seja, exequível. Plano que seja aprovado em desconformidade patente ou manifesta com tais pressupostos, é um plano inatendível e insuscetível de ser homologado, nomeadamente por eivado de abuso do direito na perspectiva do seu fim social ou económico -, nomeadamente:

b) A descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia do devedor; c) A indicação sobre se os meios de satisfação dos credores serão obtidos através de liquidação da massa insolvente, de recuperação do titular da empresa ou da transmissão da empresa a outra entidade; d) No caso de se prever a manutenção em atividade da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiro, e pagamentos aos credores à custa dos respetivos rendimentos, o plano de investimentos, a conta de exploração previsional, a demonstração previsional de fluxos de caixa pelo período de ocorrência daqueles pagamentos, especificando fundamentadamente os principais pressupostos subjacentes a essas previsões, e o balanço pró-forma, em que os elementos do ativo e do passivo, tal como resultantes da homologação do plano de insolvência, são inscritos pelos respetivos valores; e) As formas de informação e consulta dos representantes dos trabalhadores, a posição dos trabalhadores na empresa e, se for caso disso, as consequências gerais relativamente ao emprego, designadamente despedimentos, redução temporária dos períodos normais de trabalho ou suspensão dos contratos de trabalho; f) O impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência; g) A indicação dos credores que não são afetados pelo plano de insolvência, juntamente com uma descrição das razões pelas quais o plano não os afeta; h) Qualquer novo financiamento previsto no âmbito do plano de insolvência e as razões pelas quais esse novo financiamento é necessário para executar o plano.

Nas palavras do legislador, o processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes, acordo conducente à sua revitalização. As negociações que integram o objecto do processo e, assim, o âmbito da apreciação judicial a que nele cumpra proceder, circunscrevem-se às realizadas no âmbito do próprio procedimento, posto que são estas as únicas que por aquele o devedor requer e submete ao controlo, sindicância e apreciação do tribunal, o que exclui quaisquer outras negociações anteriores ou à margem das negociações encetadas e realizadas no período de negociações do procedimento.

Mais, “ainda que se aceite que o Processo Especial de Revitalização consista num procedimento com vincado peso extrajudicial, dominado pela autonomia de vontade dos interessados, o certo é que não deixa, em momento algum, de revestir igualmente a natureza de processo judicial, com enfâse na concessão da primazia devida à tutela jurisdicional dos direitos de acção e de defesa dos intervenientes, garantidos pelo sistema unitariamente considerado, que não deverá ser comprimida, desvalorizada ou menorizada, a pretexto de difusos e indefinidos desígnios de celeridade e uniformidade de prazos que, sendo em si meramente instrumentais ou operativos, não constituem valores essenciais e determinantes para definição das prerrogativas a conceder às partes” – neste preciso sentido, o Acórdão do STJ de 22.6.2021, pesquisável em www.dgsi.pt.

Por isso, esmiuçado o acordo apresentado, teremos de concluir, como o fez a 1.ª instância, que oplano deve conter, assim, todos os elementos necessários à sua compreensão e percepção do seu futuro desenvolvimento, que possibilitem uma aprovação informada, e uma homologação ponderada. E, ressalvada sempre melhor opinião, o plano de recuperação apresentado não cumpre este desiderato.

Na verdade, apesar de no plano constar que a sua finalidade é apresentar um conjunto de medidas e que o objectivo é a continuidade de exploração da actividade e da afectação dos meios libertos, de modo reajustado à evolução dos negócios e resultados obtidos e previstos obter pela empresa, não se refere depois quais as medidas a implementar ou já implementadas para alcançar esse objectivo. E a devedora notificada para exercer o contraditório também não foi capaz de as identificar”.

“Por outro lado, nada se refere sobre a actividade actual da devedora.

Não se sabe qual é a sua carteira de clientes nomeadamente que obras tem em curso que permitam alicerçar o valor de €2.800.000,00 que consta como faturação prevista para este ano nos resultados previsionais. Não tem, como a credora refere, qualquer informação sobre os pedidos de orçamento, não se sabendo que valores podem estar em causa que permitam avaliar a possibilidade de aumento do negócio com refere a devedora.

Não podemos também deixar de concordar com a credora quando refere que a descrição da situação patrimonial da devedora é extremamente vaga. Repare-se que existem instituições bancárias que efectuaram com a devedora contratos de leasing.

No entanto, para além de não se saber que instituições bancárias são essas, na medida em que não estão discriminadas no plano de recuperação, não se sabe igualmente se os bens elencados ou alguns dos bens elencados são objecto desses contratos.

Da lista de créditos resulta que a Caixa Geral de Depósitos, SA terá celebrado dois contratos de locação financeira com a devedora e o Banco Santander Totta, SA um contrato, sendo que pelo menos o veiculo R ... com a matricula ..-XP-.., objecto de contrato de locação financeira celebrado com a Caixa Geral de Depósitos, SA consta da lista de património constante do plano.

Não se sabe se a devedora tem ou não créditos para receber de clientes, embora conste nos dados financeiros na rubrica contas a receber o valor de €2.261,598,00.

O plano é vago e pouco esclarecedor, não permitindo efectivamente habilitar os credores a emitirem um juízo fundado sobre a viabilidade do plano por falta desde logo de elementos sobre a actividade actual da devedora que permitam alicerçar qualquer juízo sobre a viabilidade da proposta apresentada aos credores.

Não consta ainda do plano qual o impacto das alterações propostas por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência.

Por outro lado, a devedora quando notificada para exercer o contraditório nada referiu que permita retirar qualquer outra conclusão.

Em face do que vai dito, importa concluir pela existência de uma violação não negligenciável de normas atinentes ao conteúdo do plano”.

Este diagnóstico de natureza diferencial impõem-se por forma a restringir o acesso ao PER, apenas a devedores que não se mostrem insolventes e que possam formular um juízo de prognose de recuperabilidade favorável da sua atividade, como forma de “(…) impedir o uso abusivo do processo de revitalização e preservar a natureza e o fim com que a lei o gizou, bem como a credibilidade que a lei lhe conferiu.” – neste sentido, o Acórdão desta Relação de Coimbra de 05.05.2015, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

Mais, pese embora o processo especial de revitalização se resolver num procedimento de feição marcadamente extrajudicial, tal não significa que a liberdade e a autonomia da vontade dos intervenientes no processo não sofram limitações e não possam ser contrariadas pelo tribunal, sendo que, o uso ilegal e abusivo do procedimento implica a nulidade do negócio jurídico subjacente e, inclusivamente, a sua neutralização por excesso manifesto dos limites impostos pelo fim económico do direito – neste preciso sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.11.2015, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

Até porque, a circunstância de o juiz admitir a proposta do plano de recuperação não impede que, após a aprovação de tal proposta, recuse oficiosamente a homologação do plano com fundamento em falta de credibilidade ou viabilidade.

B.O tratamento diferenciado dos credores comuns, no caso concreto dos autos, (não) consubstancia violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação?

Conforme escreve o julgador da 1.ª instância (…) como resulta do artigo 192º o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações, exigindo-se tão só que assentem elas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado ( Ac. da RL de 16/11/2010, in www.dgsi.pt).

Analisando o plano de recuperação, constata-se que o crédito das instituições financeiras referentes a leasings, com a natureza de comuns, mantem as condições contratuais. Constata-se ainda que o pagamento dos créditos também comuns das Instituições Financeiras (contratos de crédito) é faseado em 120 prestações mensais, com pagamento de juros mensais, calculados à taxa Euribor a 12M, acrescida de 3%, e os fornecedores com o pagamento faseado em 120 prestações mensais, sem pagamento de juros vencidos, multas, bem como, de quaisquer encargos financeiros vencidos e perdão da totalidade dos juros vincendos.Por outro lado, as instituições financeiras têm 12 meses de carência de capital e não de juros, como ocorre para os fornecedores. (…)

A inobservância deste princípio da igualdade constitui uma violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo, sendo, por isso, fundamento de recusa de homologação do plano, nos termos do art.º 215º. (…)

Assim, não se encontrando consubstanciadas no plano de recuperação aprovado, com objectividade e clareza, as razões da diferenciação de tratamento entre os credores comuns da devedora, como a lei o impõe, não é possível identificar um fundamento racional e objectivo, justificador da distinção entre os credores. (…)

Resulta, assim, que, no caso em análise, se verifica a violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação da devedora que inviabilizam a homologação do plano”.

Salvo o devido respeito pelas razões apontadas pela Apelante, entendemos que não se vislumbram razões para alterar a decisão da 1.ª instância.

Senão vejamos.

Quer o plano de insolvência, quer o plano de recuperação/revitalização, quer o acordo de pagamento devem obedecer ao princípio da igualdade, “sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas” -devem ser tratadas igualmente situações iguais e distintamente situações distintas, sendo que, perante situações distintas, o tratamento distinto pode estar em conformidade com o princípio da igualdade ou ser uma desigualdade justificada/ os credores têm que ser tratados com simetria, equilíbrio, correspondência posicional entre partes com um mesmo estatuto, sem privilégios ou desvantagens aferíveis ao nível da comparação das consequências do funcionamento dos critérios de tratamento aplicáveis.

Não perdendo de vista o princípio de que a actividade do juiz, no processo especial de revitalização de empresas, é subsidiária e limitada, o tribunal só não deve homologar o plano aprovado pelos credores em caso de violação efectiva, relevante e significativa das normas aplicáveis - são todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devam ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, incluindo, deste modo, as próprias regras com que se devem reger as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano, tal como as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado/ Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER - O Processo Especial de Revitalização, Coimbra Editora, Março, 2014, pág. 144.

Assim, haverá casos – o princípio da igualdade é um conceito indeterminado cujo preenchimento requer uma ponderação casuística - em que as discriminações contidas no Plano podem ser consideradas justificadas com base numa leitura material do princípio da igualdade, como também haverá casos em que uma diferença ostensiva de tratamento dos créditos configura uma violação não negligenciável, logo, fundamento para a recusa de homologação do Plano.

Competindo ao juiz a decisão sobre a homologação do acordo de pagamento, cabe-lhe a avaliação última da igualdade material em cada situação, âmbito em que na aferição da legitimidade da discriminação dos credores intervém o princípio da proporcionalidade, fazendo apelo às ideias de necessidade, adequação e proporcionalidade das medidas discriminatórias.

Como resulta da norma do artigo 192º o que está vedado ao plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, na falta de acordo dos lesados, é nele se sujeitar a regimes diferentes os credores que se encontrem em circunstâncias idênticas, e sem a verificação dum quadro objectivo que sustente uma tal diferenciação, sendo que, ainda que perante credores inseridos numa mesma classe, e dotados até de semelhantes garantias creditórias, nada obsta a que se estabeleçam/fixem diferenciações, exigindo-se tão só que assentem elas em circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado.

Ora, analisando o plano de recuperação, constata-se que o crédito das instituições financeiras referentes a leasings, com a natureza de comuns, mantem as condições contratuais.

Constata-se ainda que o pagamento dos créditos também comuns das Instituições Financeiras (contratos de crédito) é faseado em 120 prestações mensais, com pagamento de juros mensais, calculados à taxa Euribor a 12M, acrescida de 3%, e os fornecedores com o pagamento faseado em 120 prestações mensais, sem pagamento de juros vencidos, multas, bem como, de quaisquer encargos financeiros vencidos e perdão da totalidade dos juros vincendos.

Por outro lado, as instituições financeiras têm 12 meses de carência de capital e não de juros, como ocorre para os fornecedores.

No caso em preço, como se verificou supra, existe um tratamento diferente entre o crédito comum das instituições bancárias e os leasings e os créditos comuns dos fornecedores/prestadores de serviços.

Por outro lado, percorrendo o plano de recuperação constata-se que não está indicada qualquer razão para a diferença de tratamento nem a devedora aquando do exercício do contraditório indicou qualquer razão para o efeito.

Os credores bancos, sendo titulares de créditos comuns, não têm qualquer sacrifício com o plano. Com efeito, recebem juros, à taxa euribor a 12 meses, acrescida de 3%, mesmo no decurso do período de carência, para além de receberem o capital por inteiro após o período de carência.

Quando estejam em causa contratos de leasings/instituições financeiras, o pagamento é feito nos termos do contrato na medida em que relativamente a essas mantêm-se as condições contratuais.

Já os credores fornecedores/prestadores de serviços, também eles titulares de créditos comuns, estão obrigados a perdoar os juros vencidos e vincendos e todos os demais encargos que existam.

Do plano não consta, a menção do fundamento para o tratamento diferenciado dos credores - não consta do plano que os credores bancos assumam, sequer, o compromisso de financiarem a devedora.

E, tal como se verifica nesta situação, também “o Plano não contém qualquer menção acerca da efetiva, concreta e programada vinculação das entidades bancárias credoras a esse suposto apoio financeiro futuro. E a verificar-se tal vinculação, teria o Plano, ademais de indicar a sua existência, que expressar os respetivos termos, para que se pudesse ajuizar da bondade jurídica da diferenciação estabelecida.

Como julga a 1.º instância, “o plano apresentado trata de forma perfeitamente desigual credores do mesmo tipo, comuns, havendo uma discriminação positiva a favor das instituições bancárias e em detrimento dos fornecedores/prestadores de serviços e sem a indicação de qualquer razão objectiva no plano.

A devedora também, quando exerceu o contraditório, nada referiu a esse respeito.

A devedora refere que a Caixa Geral de Depósitos, SA representa 42,79% dos credores com direito de voto e a G..., SA 13,83% e votaram favoravelmente a proposta de plano de pagamento.

No entanto, a relevância de um ou mais credores para a aprovação do plano não pode, por si só, servir de fundamento para um tratamento mais favorável, tendo em conta o princípio estruturante de qualquer plano de recuperação (…) No caso dos autos, nenhum dos credores/fornecedores e prestador de serviços votou favoravelmente o plano de recuperação, pelo que não houve, por parte deles, consentimento, expresso nem presumido à discriminação operada, sendo que os créditos destes acredores ascendem ao valor global de €1.147.540,95 e o universo de credores nesta situação é de 87 .

O princípio da igualdade no artigo 194º do CIRE visa, primordialmente, defender os credores que, por terem pequena expressão, não podem impor a sua vontade, daqueles que, por terem tal força, imponham ao devedor e aos demais credores um acordo que os favoreça injustamente.

Negociar, no caso, seria encontrar uma forma de pagamento igual para todos os fornecedores detentores de créditos comuns que satisfizesse os grandes credores da devedora e não obter a aprovação dos grandes à custa dos pequenos credores que já no âmbito do anterior PER nada receberam.

Na verdade, como refere a devedora no art. 9º da petição inicial, antes de decorrido o período de carência surgiu a pandemia que provocou um decréscimo do volume de negócios, com a consequente perda de liquidez e desequilíbrio financeiro. Deste modo, aos credores fornecedores/prestadores de serviços nada foi pago no âmbito do processo especial de revitalização anterior.

O mesmo não aconteceu com a Caixa Geral de Depósitos, SA que viu o seu crédito consolidado e restruturado no âmbito do anterior PER, como consta na lista de créditos, e no período de carência terá recebido pelo menos os juros, a ter sido aprovado o mesmo plano, como refere a devedora no art. 16º do requerimento de 8.06.2022.

O facto de a Caixa Geral de Depósitos, SA ser a maior credora não pode, sem violação do princípio da igualdade de tratamento dos credores, ser usada para vir a obter, enquanto credora comum, um tratamento privilegiado relativamente ao que é dado aos titulares de créditos com igual qualificação.

Em relação aos créditos das instituições financeiras referentes a leasings, também não se refere no plano as razões para se manterem as condições contratualizadas, mormente através da identificação dos bens que são objecto desses contratos e a invocação da imprescindibilidade da manutenção de tais contratos para a prossecução dos objectivos da revitalização da devedora.

Como se referiu supra, da lista de créditos resulta que a Caixa Geral de Depósitos, SA terá celebrado dois contratos de locação financeira com a devedora e o Banco Santander Totta, SA um contrato, sendo que pelo menos o veículo R ... com a matricula ..-XP-.. objecto de contrato de locação financeira com a Caixa Geral de Depósitos, SA consta da lista de património constante do plano. Os veículos objecto dos dois outros contratos, veiculo com a matricula ..-RH-.. (Banco Santander Totta, SA e ..-RB-.. (Caixa Geral de Depósitos, SA) não consta da lista dos activos da devedora.

Impõe-se ainda referir que, como se anota no Ac. RG de 17.11.2016, proc. nº 1067/2014, in www.dgsi.pt, “Não pode esquecer-se que também os credores são unidades económicas cuja saúde financeira importa salvaguardar e que poderão não estar sequer em condições de “financiar” a recuperação da devedora sem caírem, eles próprios, em situação económica difícil”.

Com efeito, a revitalização de uma pessoa colectiva não pode ser à custa de outras empresas, sob pena de para se alcançar o objectivo de recuperação de uma empresa estar-se a sacrificar outras tantas entidades.

O conteúdo do plano contém, como é manifesto, um tratamento desigual entre os credores comuns, sem que dele conste uma justificação material e fundamentada para cabal compreensão da diferenciação de tratamento entre credores da devedora nomeadamente entre os credores fornecedores/prestadores e o crédito das instituições bancárias e dos leasings, como, de resto, a lei o impõe.

Assim, não se encontrando consubstanciadas no plano de recuperação aprovado, com objectividade e clareza, as razões da diferenciação de tratamento entre os credores comuns da devedora, como a lei o impõe, não é possível identificar um fundamento racional e objectivo, justificador da distinção entre os credores.

Por outro lado, o tratamento desfavorável não é consentido pelos credores uma vez que não houve anuência expressa nem presumida dos credores dado que nenhum dos credores fornecedores/prestadores de serviços votou favoravelmente o plano de recuperação.

Resulta, assim, que, no caso em análise, se verifica a violação não negligenciável de normas aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação da devedora que inviabilizam a homologação do plano.

Deste modo, o plano de revitalização não pode ser homologado”.

Na realidade, o que o plano traduz é uma tentativa de recuperação exclusivamente feita à custa dos credores fornecedores/prestadores de serviços e cuja estabilidade financeira e económica também é necessário preservar.

Como se refere no Acórdão desta Relação de Coimbra, de 17 de Março de 2015 e pesquisável em www.dgsi.pt, “o carácter estratégico de alguns credores é insuficiente para derrogar o princípio da igualdade dos credores de uma mesma classe quando faz recair sobre alguns deles, de forma desproporcionada, as perdas, ou seja, quando a revitalização do devedor é conseguida à custa do sacrifício grave ou severo de apenas alguns dos credores da mesma classe”.

Assim, estamos perante um tratamento que, por não assentar em razões objectivas, ofende o princípio da igualdade previsto no art.º 194.º, tratamento esse que só podia conduzir, como conduziu, à não homologação do Plano.

O que violaria o disposto no art. 18.º, n.º 2 da CRP seria a homologação do Plano e não, como defende a recorrente, a decisão recorrida, ao recusar a homologação, a violar esse princípio basilar.

Improcede, como tal, a apelação.

Resta concluir:

(…)

3. Decisão

Assim, na improcedência da instância recursiva, mantemos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Leiria - Juiz 2.

Custas pela apelante.

Coimbra, 11 de Outubro de 2022

(José Avelino Gonçalves - relator)

(Arlindo Oliveira – 1.º adjunto)

(Emidio Santos – 2.º adjunto)