Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3892/12.7TBLRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: PROVA GRAVADA
EXTENSÃO DO PRAZO DE RECURSO
FACTOS IRRELEVANTES
IMPUGNAÇÃO NÃO SÉRIA
REJEIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 06/27/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REJEIÇÃO DO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGOS 638.º, N.ºS 1 E 7, E 139.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
I – A extensão em dez dias do prazo para interposição do recurso de apelação, que tenha por objeto a reapreciação de prova gravada, nos termos do disposto no art.º 638.º, n.ºs 1 e 7, do CPCiv., só colhe justificação quando se tratar de uma impugnação séria, não fictícia, assente em prova pessoal gravada.

II – Se a parte recorrente invoca pretender a reapreciação de prova gravada, mas a factualidade impugnada é totalmente irrelevante para a decisão do recurso ou apenas suscetível de prova documental, não é de conceder aquela extensão de prazo, com a consequência da rejeição do recurso, por extemporaneidade.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 3892/12.7TBLRA-B.C1

 

(Juízo de Comércio de Leiria - Juiz ...)

Acordam os Juízes da 1.ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

 Por sentença proferida a 20.06.2016, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de  “A..., S.A.” – anteriormente denominada de “B..., S.A.”., no âmbito da qual foi fixado prazo para a reclamação de créditos, na sequência do que pelo Exmo. Administrador da Insolvência foi apresentada a lista definitiva dos credores por si reconhecidos e não reconhecidos a que alude o artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Foram apresentadas várias impugnações. Bem como outras tantas respostas.

Assim, e com relevo para a decisão que cumpre agora proferir, foram apresentadas as seguintes impugnações:

Por requerimentos apresentados em juízo sob as ref.ªs 5285306 veio a insolvente “A..., S.A.”, apresentar impugnação à lista de credores relativamente ao reconhecimento pelo A.I. dos créditos dos seguintes trabalhadores AA; BB; CC; DD; EE; FF; GG; HH; II e JJ.

Alegou para o efeito, e em síntese, que os identificados credores em agosto de 2011 viram cessados os respetivos vínculos laborais com a insolvente, tendo sido admitidos como trabalhadores da sociedade C..., S.A.

A partir de agosto de 2011, tais credores/trabalhadores passaram a prestar a sua força de trabalho ao serviço, sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade C..., S.A.

A referida transição ocorreu com o conhecimento e consentimento de todos os trabalhadores da insolvente.

Todos os direitos laborais já vencidos e não pagos e/ou gozados foram assumidos por parte da C..., S.A. relativamente a cada um dos reclamantes e, bem assim, relativamente aos demais trabalhadores da insolvente que transitaram para o quadro de pessoal da C..., S.A.

Todos os trabalhadores transitados do quadro de pessoal da insolvente para o quadro de pessoal de C..., S.A., mantiveram, ao serviço desta última, o mesmo posto de trabalho, a mesma categoria profissional, as mesmas funções, o mesmo horário de trabalho e a mesma retribuição.

Mais invocou a prescrição dos respetivos créditos laborais, uma vez que o vínculo de trabalho com a insolvente cessou os respetivos efeitos em agosto de 2011.

AA; BB; CC; DD e EE apresentaram resposta à impugnação apresentada pela insolvente, pugnando pela respetiva improcedência.

Sustentaram, e em síntese,

- Desde a data das respetivas admissões ao serviço da insolvente e até 18.09.2013, data em que o A.I. comunicou, por escrito a cessação dos respetivos vínculos laborais com efeitos a partir de 23.09.2013, nunca os credores impugnados deixaram de ser trabalhadores da insolvente.

- Os credores impugnados nunca tiveram conhecimento ou prestaram qualquer consentimento expresso ou tácito no sentido da sociedade C..., S.A. assumir quaisquer direitos atinentes à relação laboral existente entre a insolvente e os aqui impugnados.

- Os credores impugnados sempre estiveram convictos serem efetivamente trabalhadores da insolvente.

- Mais pugnaram pela improcedência da prescrição invocada.

Também FF; GG; HH; II e JJ apresentaram resposta à impugnação apresentada pela insolvente, pugnando pela respetiva improcedência.

Alegaram, e em síntese, que:

- Desde a data das respetivas admissões ao serviço da insolvente e até 18.09.2013, data em que o Sr. A.I. comunicou por escrito a cessação dos respetivos vínculos laborais com efeitos a partir de 23 de setembro de 2013, nunca os ora reclamantes deixaram de ser trabalhadores da insolvente.

- Em momento algum os credores impugnados tiveram conhecimento ou prestaram qualquer consentimento expresso ou tácito no sentido da sociedade C..., S.A. assumir quaisquer direitos atinentes à relação laboral existente entre a insolvente e os credores impugnados.

- Mesmo que se entendesse que existe ou existiu vínculo laboral entre os impugnantes e a sociedade C..., Lda., sempre a insolvente seria responsável pelo pagamento, atento o disposto no artigo 334.º, do Código do Trabalho.

- Mais pugnaram pela improcedência da prescrição invocada.

Por seu turno, os credores (trabalhadores) KK e LL impugnaram a lista definitiva de créditos apresentada nos autos pelo Sr. Administrador da Insolvência, relativamente ao não reconhecimento parte dos créditos por si reclamados, nomeadamente, quanto ao não reconhecimento das quantias reclamadas a título de indemnização por cessação do contrato de trabalho, correspondente ao período que mediou entre as datas de 23.09.2013 e 31.07.2016, subsídio de férias, subsídio de Natal, férias não gozadas e respetivos proporcionais vencidos no ano de 2016.

Alegaram para o efeito, e em síntese, que a declaração de insolvência verificada no processo n.º 5649/12...., que correu termos no J... deste Juízo de Comércio, e que deu origem à comunicação emitida pelo Sr. A.I. a 23/09/2013, foi declarada nula por Acórdão proferido em 08.09.2015, tendo o referido processo sido extinto em consequência da referida declaração de nulidade.

Mais alegaram que em consequência da declaração de nulidade da sentença é igualmente nula a comunicação operada pelo Sr. A.I. aos impugnantes na data de 23.09.2013, com vista à cessação do vinculo laboral, o que tem como consequência que os impugnantes tenham voltado a integrar o quadro de pessoal da insolvente até à data da declaração da insolência.

Apenas o Sr. Administrador da Insolvência respondeu a estas duas impugnações apresentadas, pugnando pela respetiva improcedência.

No despacho saneador datado de 24.03.2022 foram julgados verificados os créditos aí identificados, tendo os autos prosseguido com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova relativamente às impugnações deduzidas pela insolvente relativamente aos créditos reconhecidos pelo Sr. AI aos seguintes credores: BB; CC; DD; EE; AA; FF; GG; HH; II e JJ.

Mais se considerou no identificado despacho saneador que relativamente às impugnações apresentadas pelos credores KK e LL, embora não dependendo de mais prova a produzir, relegar o conhecimento das mesmas para a decisão a proferir quanto às impugnações supra identificadas.

Pelo foi proferida a seguinte sentença – com interesse para a nossa decisão:

“Em nosso entender seria de todo inaceitável e intolerável no plano do sentimento jurídico dominante que num universo de cerca de 50 trabalhadores e com condições em tudo materialmente idênticas, apenas 10 (porque a insolvente assim entendeu escolher por razões desconhecidas ou injustificadas), vejam os respetivos créditos impugnados e, como tal, não reconhecidos, com a consequência de não obterem quaisquer pagamentos no âmbito dos presentes autos.

Em nosso entender, e salvo o devido respeito, a insolvente exerceu o seu direito de impugnação relativamente a estes 10 credores/trabalhadores fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico desse direito.

E quando os limites assim impostos ao direito são dessa maneira tão manifestamente excedidos, o direito é ilegítimo, e, como tal, o direito não existe. O direito tem limites internos cuja ultrapassagem é a entrada no não direito.

É o abuso do direito tal como o define o artigo 334º do Código Civil.

Em face de todo o exposto, entendemos que não assiste à insolvente o direito à impugnação dos identificados créditos nos termos alegados e peticionados, o que conduz à improcedência das impugnações apresentadas, mantendo-se tais créditos reconhecidos nos exatos termos constantes da lista de créditos reconhecidos, apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, o que se decide”.

A..., S.A., insolvente nos autos à margem identificados, tendo sido notificada da douta sentença proferida no âmbito daqueles e não se conformando com a mesma, dela interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

A. A douta sentença proferida nos presentes autos e da qual pelo presente se recorre não considerou como provados, factos que resultam quer da prova testemunhal, quer da prova documental, produzida nos presentes autos.

B. Assim, com relevo para a boa decisão da causa e porque resulta da prova documental e testemunhal produzida nos presente autos, relativamente aos trabalhadores que a seguir se identificam, devem ser adicionados os seguintes factos à matéria de facto assente, o que se requer a V/ Exªs:

21.A) O trabalhador impugnado CC, ingressou no quadro de pessoal da C... S.A., na data de 01.09.2011.

23.A) O trabalhador impugnado DD, ingressou no quadro de pessoal da C... S.A., na data de 01.05.2012.

28.A) O trabalhador impugnado GG, ingressou no quadro de pessoal da C... S.A., na data de 01.09.2011.

29.A) O trabalhador impugnado HH, ingressou no quadro de pessoal da C... S.A., na data de 01.09.2011.

30.A) O trabalhador impugnado JJ, ingressou no quadro de pessoal da C... S.A., na data de 01.09.2011.

31.A) O trabalhador impugnado II, ingressou no quadro de pessoal da C... S.A., na data de 01.09.2011.

C. Relativamente aos demais trabalhadores impugnados, relativamente aos quais não foi produzida prova cabal, designadamente documental, relativamente á data em que os mesmos iniciaram a execução da respetiva prestação de trabalho ao serviço da C..., deveria o Tribunal a quo ter notificado aqueles tal como requerido pela insolvente em sede de impugnação, para que os mesmos juntassem aos presentes autos os catorze recibos de remunerações referentes ao ano de 2011 (emitidos pela Insolvente e pela sociedade C... S.A.) e bem assim os catorze recibos de remunerações referentes ao ano de 2012 (emitidos pela sociedade C... S.A.), em virtude de tais documentos se encontrarem em posse da parte contrária e não tendo a Insolvente acesso à sua contabilidade pelo facto de a mesma se encontrar apreendida pelo Sr Administrador de Insolvência e bem assim pelo facto de os restantes recibos terem sido emitidos por uma entidade terceira à Insolvente, a saber, a sociedade C... S.A..

D. A não notificação dos credores impugnados para procederem à junção de tais documentos ou a não junção de tais documentos pelos mesmos se devidamente notificados para o efeito, consubstancia uma clara, inequívoca e infundada preterição do direito de prova da insolvente, que não é legalmente admissível.

E. Tal preterição do direito de prova da insolvente leva á nulidade da douta sentença proferida, o que desde já se requer a V/ Exª seja reconhecido, com as devidas e legais consequências.

F. Ainda face à prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos, resultam provados os seguintes factos que se requer sejam adicionados à matéria de acto assente:

44.A) Os credores cujos créditos não foram impugnados pela insolvente e melhor identificados no artigo 40) da matéria de facto assente, nas respetivas reclamações de créditos afirmaram:

a) Que prestaram a sua força de trabalho ao serviço da Insolvente, sob as ordens, direção e fiscalização desta, desde a data da respetiva admissão e até agosto de 2011.

b) Que em agosto do ano de 2011 aqueles viram cessado o respetivo vínculo laboral com a Insolvente, tendo de imediato sido admitidos como trabalhadores da sociedade C..., SA, pessoa coletiva nº ....

c) Que a partir do mês de agosto do ano de 2011 todos os Reclamantes passaram a prestar a sua força de trabalho ao serviço, sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade C... SA..

d) Que a transição dos referidos trabalhadores do quadro de pessoal da Insolvente, para o quadro de pessoal da sociedade C... SA, deu-se precisamente no momento em que ambas as sociedades se encontravam a concluir a negociação do usufruto a constituir pela Insolvente a favor da sociedade C... SA. Relativamente à atividade de produção e comercialização de alimentos compostos para animais, incluindo a constituição de usufruto sob um conjunto de bens e equipamentos destinados ao exercício da referida atividade e bem assim sobre o imóvel sito em ..., imóvel no qual a Insolvente vinha desenvolvendo a sua atividade.

e) Que a referida transição dos citados trabalhadores do quadro de pessoal da Insolvente para o quadro de pessoal da sociedade C... SA, ocorreu com o conhecimento e consentimento de todos os trabalhadores da Insolvente, incluindo dos reclamantes em causa.

f) Que todos os direitos laborais já vencidos e não pagos e/ou gozados, incluindo os direitos de antiguidade de todos os trabalhadores que cessaram os respetivos vínculos de trabalho com a Insolvente, incluindo os ora reclamantes, foram assumidos por parte da sociedade C... SA, relativamente a cada um dos trabalhadores reclamantes e bem assim relativamente aos demais trabalhadores da Insolvente que transitaram para o quadro de pessoal da C... SA.

g) Que o supra referenciado negócio jurídico de constituição de usufruto foi celebrado na data de 13.02.2012 e pelo prazo de 30 anos.

h) Que foi acordado entre ambas as sociedades que quando o referido usufruto terminasse a sua vigência, fosse por caducidade, fosse por qualquer outra forma de cessação do aludido negócio, a sociedade Insolvente obrigava-se a readmitir no seu quadro de pessoal todos os trabalhadores que a partir do mês de agosto do ano de 2011 haviam transitado do quadro de pessoal da Insolvente para o quadro de pessoal da sociedade C... SA.

i) Que os vínculos de trabalho dos reclamantes enquanto trabalhadores da Insolvente cessaram os respetivos efeitos em agosto de 2011.

j) Que os trabalhadores reclamantes aceitaram e reconheceram perante as administrações de ambas as sociedades (Insolvente e C... S.A.), a cessação dos respetivos vínculos laborais enquanto trabalhadores da Insolvente e consequentemente aceitaram e reconheceram a constituição de um novo vínculo laboral, por força do qual aqueles passavam a prestar a respetiva força de trabalho ao serviço, sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade C... SA.

k) Que todos os trabalhadores transitados do quadro de pessoal da Insolvente para o quadro de pessoal de C... S.A., incluindo os reclamantes, mantiveram ao serviço desta última o mesmo posto de trabalho, a mesma categoria profissional, as mesmas funções, o mesmo horário de trabalho e a mesma retribuição.

l) Que aquando da cessação temporária do vínculo de trabalho dos reclamantes enquanto trabalhadores da Insolvente, foi acordado entre estes e a sociedade C... SA, que esta última assumia perante todos os trabalhadores, o direito a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal que no referido ano de 2011 já se encontrassem vencidos e não gozados ou não pagos, bem como aqueles que se viessem a vencer após o referido momento.

m) Que foi de igual modo acordado entre a ora Insolvente e a sociedade C... S.A., que aquando da cessação dos efeitos do negócio de usufruto celebrado entre as referidas sociedades (e independentemente das causas e formas de cessação do referido vínculo), momento em que o vínculo laboral dos reclamantes regressará ao quadro de pessoal da sociedade A... S.A., será esta assumir a liquidação àqueles do direito a férias, subsídio de férias e subsídio de Natal que no ano civil em que tal facto venha a ocorrer, já se encontrem vencidos e não gozados ou não pagos, bem como aqueles que se vierem a vencer após o referido momento.

n) Que tudo o que acaba de se descrever foi objeto de acordo entre a Insolvente e a sociedade C... SA e teve a aceitação e o conhecimento pleno e sem reservas de todos os trabalhadores.

o) Assim, quando e se o negócio de usufruto celebrado entre a Insolvente e a sociedade C... S.A., cessar os respetivos efeitos (independentemente da forma, termos e condições da respetiva cessação), o vínculo laboral dos reclamantes passará a integrar o quadro de pessoal da sociedade A... S.A., pelo que, caso tal vínculo laboral venha a ser cessado por parte do Sr Administrador de Insolvência, aos reclamantes vencer-se-ão e tornar-se-ão exigíveis um conjunto de créditos laborais.

p) Caso a cessação do vínculo laboral dos reclamantes venha a ocorrer da iniciativa do Sr Administrador de Insolvência, ao abrigo do disposto no nº2 do Artº 347º do Código do Trabalho em vigor, caso os efeitos dessa cessação do vínculo laboral ocorram na data de 31.07.2016, temos que, nessa data, tornar-se-ão vencidos e exigíveis o conjunto de créditos laborais que cada um dos reclamantes melhor identificou na respetiva reclamação de créditos, incluindo a respetiva indemnização por cessação do contrato de trabalho.

G) A douta sentença proferida nos presentes autos não efetuou uma correta valoração da referida prova produzida,

H) Porquanto, dando como provados os factos alegados pela impugnante para o não reconhecimento dos créditos reclamados pelos trabalhadores impugnados, ainda assim decidiu pelo reconhecimento dos mesmos.

I) A prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos leva necessariamente à total procedência da impugnação dos créditos dos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE FF, GG, HH, II e JJ, deduzida pela insolvente, atendendo a que inexistiu qualquer cessação do vínculo laboral dos referidos trabalhadores operada pelo Sr Administrador de Insolvência, nem a insolvente é devedora a qualquer titulo de créditos laborais vencidos àqueles, procedência que se requer seja reconhecida por V/ Exªs, com as devidas e legais consequências.

J) A douta sentença proferida nos presentes autos não efetuou uma correta subsunção da matéria de facto provada à respetiva matéria de Direito,

K) Porquanto não atuou a insolvente com abuso de Direito nos termos do disposto no Artº 334º do Código Civil.

L) Todos os fundamentos invocados pela insolvente na sua impugnação de créditos dos trabalhadores supra identificados, foram julgados provados pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo.

M) Todavia, porque entendeu a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo que estando quer os trabalhadores cujos créditos foram objeto de impugnação, quer aqueles cujos créditos não foram impugnados, exatamente nas mesmas circunstâncias, e porque apenas os primeiros foram impugnados pela insolvente, decidiu a Meritíssima Juiz (pese embora tenha dado como provado que não se verificou para uns e outros qualquer cessação do vínculo laboral, como também deu como provado que quer uns,quer outros não possuem quaisquer créditos laborais vencidos e não pagos), imputar à insolvente a prática de ato com abuso de Direito e consequentemente, sem qualquer causa legalmente admissível, reconhecer a todos os trabalhadores credores nos presentes autos os créditos pelos mesmos reclamados.

N) Face à prova produzida nos presentes autos o enquadramento jurídico a efetuar dos mesmos não é o do instituto do Abuso do Direito consignado no Artº 334º do Código Civil, mas sim o disposto no Artº 130º nº3 do CIRE.

O) A Recorrente atuou no exercício de um direito – o de impugnar os créditos reconhecidos - e não se mostrou que o exercício desse direito exceda de alguma forma os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse mesmo direito,

P) Também não se vislumbra que a Recorrente esteja a abusar de qualquer direito, pois que esta sua conduta não se mostra ofensivo da ideia de Justiça que qualquer cidadão tem.

Q) O próprio Tribunal a quo reconheceu a validade e legalidade dos argumentos invocados e demonstrados pela recorrente na sua impugnação, a saber, a inexistência de qualquer cessação do vínculo laboral da iniciativa do Sr AI ou da própria insolvente e consequentemente a inexistência de quaisquer créditos laborais que se imponham liquidar tendo por base a pretensa cessação.

R) Cabe ao Juiz nos termos do disposto no Artº 130.º nº 3 do CIRE, proferir sentença de verificação e graduação de créditos em que, salvo caso de erro manifesto, homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e gradua os créditos em atenção ao que consta dessa lista.

S) De acordo com preceito contido no art.º 130.º n.º 3 do CIRE a expressão “salvo o caso de erro manifesto” , deve interpretar-se em termos amplos, por forma a considerar que o juiz não deve abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar, tendo em conta que o erro tanto pode respeitar à natureza e montante do crédito como às suas qualidades (cf. Acórdão da Relação de Coimbra, de 23-04-2013, Processo Nº 3/12.2TBFCR-D.C1, Relatora: Maria José Guerra).

T) Se há algum lapso na lista apresentada ou questão a esclarecer, impõe-se que o Juiz o faça, podendo diligenciar previamente por obter os elementos pertinentes a essa aferição.

U) Terá sempre de haver por parte do Juiz uma tarefa de fiscalização, no sentido de apurar se a relação de bens foi bem elaborada.

V) Se não houver impugnações, só deve homologar-se a lista de credores reconhecidos e proferir sentença de verificação e graduação dos créditos, se não houver erro manifesto (nº 3).

W) Mesmo que não haja impugnação por parte de qualquer interessado, o juiz pode e deve filtrar a menção do crédito constante da lista apresentada pelo administrador da insolvência, apreciando as suas características, procedendo à sua qualificação jurídica e aferindo se as garantias referidas pelo administrador se mostram conformes com as regras de Direito aplicável.

X) A referida possibilidade de o juiz não se limitar a homologar a lista de créditos apresentada, encontra a sua razão de ser nos poderes de fiscalização que lhe são cometidos pelo artigo 58º do CIRE, nos quais se inclui o de averiguar se o administrador da insolvência elaborou a relação de créditos com observância de todas as determinações legais, sejam elas de ordem formal ou substancial. É que, competindo ao juiz proferir a sentença de verificação e graduação dos créditos, mormente em função das garantias invocáveis, não pode ele deixar de exercer o indispensável controlo da legalidade.

Y) Conclui-se, portanto, que a falta de impugnação de parte dos créditos laborais reclamados e reconhecidos a alguns credores trabalhadores, não impede o Tribunal de julgar os mesmos não verificados, face á ausência de prova bastante e/ou em virtude do reconhecimento da sua ilegalidade.

Z) Não há, pois, abuso do direito por parte da recorrente, nem estão verificados os seus pressupostos.

AA) Verificou-se assim uma incorreta subsunção da matéria de facto à matéria de Direito, ao ser subsumido ao instituto do abuso de Direito o comportamento da insolvente, facto que se requer seja reconhecido por V/ Exªs com as devidas e legais consequências.

BB) A manter-se a douta decisão nos termos em que a mesma foi proferida e levando em consideração a matéria de facto assente, subsiste uma enorme contradição entre os factos dados como assentes e a decisão final proferida de indeferimento total das impugnações deduzidas aos créditos dos trabalhadores.

CC) Face à matéria considerada como provada nos presentes autos, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo deveria ter julgado procedentes as impugnações deduzidas pela insolvente aos créditos laborais reclamados e reconhecidos aos trabalhadores AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ, com as devidas e legais consequências,

DD) Atendendo a que não que verificou qualquer das causas de cessação do contrato de trabalho dos referidos trabalhadores legalmente previstas no Artº 340º do Código do Trabalho em vigor, sendo a cessação do contrato de trabalho a causa que sustenta e constitui, em determinadas circunstâncias e situações, a obrigação de pagamento de uma indemnização ao trabalhador e outros créditos laborais que se vençam e tornem exigíveis em consequência da cessação da relação laboral.

EE) Relativamente aos créditos laborais reconhecidos pelo Sr AI relativamente aos trabalhadores MM; KK; LL; NN; OO; PP; QQ; RR;SS; TT; UU; VV; WW; XX; YY; ZZ; AAA; BBB; CCC; DDD e EEE, os quais não foram objeto de qualquer impugnação, deveriam os mesmos ter sido considerados como não verificados pelo Sr AI, face á matéria de facto assente, o que sucederia ao abrigo do disposto no Artº 130º nº3 do CIRE e tendo igualmente por fundamento o exposto na alínea antecedente das conclusões do recurso.

FF) Tudo com o que se fará a costumada JUSTIÇA, o que se roga a V/ Exªs!

QQ, Credor Reclamante e melhor identificado nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado das alegações de recurso apresentadas pela insolvente, apresenta a sua Resposta:

(…).

CC e HH, Credores Impugnados no processo em referência, em que é Impugnante/Recorrente A..., S. A., notificados da interposição de Recurso apresentado por esta, vêm apresentar as suas Contra – Alegações, requerendo, subsidiariamente e nos termos do artigo 636º do CPC, a ampliação do âmbito do Recurso ( No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação) quanto aos fundamentos em que os Recorridos decaíram, com impugnação da decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto não impugnados pela Recorrente (com reapreciação da prova gravada), apresentando as seguintes CONTRA- ALEGAÇÕES - a que aderem os credores AA, BB, DD, GG e EE, JJ, FF e II :

1) A Recorrente, interpõe recurso no dia 27/03/2023, alegando que o mesmo tem também por objecto recurso da prova gravada, pretendendo, dessa forma, usufruir do acréscimo dos 10 dias previsto no artigo 638º, nº. 7 do CPC..

2) Tendo em consideração o teor da sentença e respectiva fundamentação e o teor das Alegações de Recurso da Insolvente, torna-se claro que a invocação de que interpõe recurso da prova gravada e a «impugnação» que faz dos factos supostamente em causa nada mais é que um expediente para dilatar, ficticiamente, o seu prazo de recurso.

3) Os factos que a Insolvente pretende ver aditados (e que são aqueles que constam dos nºs. 105 e 120 das suas Alegações), por dizerem respeito à transferência de trabalhadores de uma empresa (Insolvente) para outra (C..., S. A.) alegadamente ocorrida antes da declaração de insolvência, são perfeitamente inócuos e irrelevantes para alterar a decisão recorrida, porquanto o Tribunal a quo, nesta parte, deu razão à Insolvente (Cfr. Factos dados como Provados sob os nºs. 39, 40, 41, 42 e 43 e o teor da sentença - páginas 24 a 29),

4) A transmissão/cedência dos trabalhadores anterior à insolvência não constituiu fundamento do sentido da decisão recorrida, pelo que não podia integrar o objecto do presente recurso, desde logo por ausência de legitimidade da Recorrente para requerer a reapreciação ou valoração de tal facto como fundamento para a improcedência das impugnações deduzidas.

5) A natureza do facto indicado no nº. 120 e que a Recorrente pretende ver aditada aos Factos Provados é exclusivamente documental.

6) Não só pela ausência jurídico-processualmente relevante de conclusões relativamente à invocada impugnação da matéria de facto mas, também, pelo teor da fundamentação e âmbito do segmento recursório da pretensa impugnação da decisão de facto, o pedido de reapreciação da matéria de facto da Recorrente resulta transfigurado em pedido sem objeto.

7) Do que maioritariamente vem alegado no âmbito da invocada impugnação da matéria de facto resulta que a recorrente não se insurge contra o juízo probatório ou julgamento de facto que a Mmª Juiz a quo alcançou e sustentou por recurso aos factos disponíveis nos autos.

8) Em sede de conclusões das alegações, não se verificam os requisitos de que dependem a admissibilidade da impugnação à matéria de facto e da consequente rejeição da mesma, porquanto não obstante terem sido indicados os concretos pontos de facto pretendidos alterar, a alteração dos mesmos, por um lado, não implica, a reapreciação da prova gravada, nem, por outro, são minimamente relevantes para alterar a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

9) A matéria de facto que a Insolvente pretende ver aditada em nada contende, nem esta na sua argumentação recursória o alega, com os factos e respectiva fundamentação de direito nos quais o Tribunal recorrido se baseou para considerar que a Recorrente, ao impugnar apenas os créditos reconhecidos de alguns credores/trabalhadores, agiu em abuso de direito, e, em consequência, decidir pela improcedência das impugnações.

10) Face à ausência de cabimento processual legal e de seriedade de impugnação dirigida à matéria de facto nos segmentos em que convoca a reapreciação da prova gravada, deve o recurso interposto pela Insolvente ser rejeitado por extemporâneo – Artigo 139º, nº. 3 do CPC.

11) Considerando que a Recorrente se considera notificada da decisão recorrida no dia 27/02/2023 (artigo 248º do CPC) e que o processo de insolvência (incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos) possui carácter urgente conforme dispõe o artigo 9º, nº. 1 do CIRE, e ainda que a Recorrente poderia apresentar o recurso nos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo (14/03/2023) mediante o pagamento da correspondente multa nos termos do disposto no artigo 139º do CPC, a mesma dispunha de prazo até ao dia 17/03/2023 para a apresentação de recurso visando a apreciação da bondade do enquadramento jurídico dos factos (instituto do abuso de direito) que o tribunal a quo fez e/ou a nulidade da sentença proferida.

12) O recurso apresentado pela Insolvente deu entrada nos autos no dia 27/03/2023, isto é, dez dias após o termo imperativo do prazo.

13) O requerimento de interposição de recurso com data de 27/03/2023 apresentado pela Insolvente é manifestamente extemporâneo, pelo que deve o mesmo ser rejeitado.

14) A Recorrente confunde manifestamente nulidades da sentença com nulidades processuais.

15) Os meios de prova requeridos pelas partes foram definidos e admitidos no Despacho Saneador proferido a 24/03/2022 (refª.: 99769712).

16) A Recorrente foi notificada do Despacho Saneador a 24/03/2022, sendo que do mesmo não apresentou qualquer reclamação quanto ao seu na parte em que o mesmo se pronunciou sobre os meios de prova.

17) A audiência de julgamento decorreu integralmente tendo a mesma sido encerrada, sem que a ora Recorrente tivesse levantado a questão que agora,em sede recursal, alega, invocação que, assim, foi, irremediavelmente,atingida pela preclusão- artigo 199º, nº. 1 do CPC.

18) Tendo a Recorrente tomado conhecimento do despacho saneador a 24/03/2022, a arguição de uma eventual nulidade (processual, não da sentença) é extemporânea, não padecendo a douta sentença sob recurso do vício de nulidade por violação do direito de prova da insolvente.

19) Face à prova produzida em julgamento, não existe lugar à ampliação da matéria de facto propugnada pela Recorrente.

20) Para tanto e no que respeita aos factos acima elencados sob os nºs. 30.A), 29.A), 31.a), 21.A), 28.A) e 23.A), considera a Recorrente que face ao teor dos documentos juntos com os requerimentos com a referência 42009517 e 42010404, conjugado com os depoimentos do Sr. A. I., da Sra. FFF e das declarações de parte do Sr. TT, deveriam tais factos ter sido dado como provados.

21) Acontece que, Da análise dos docmentos referidos pela Recorrente, apenas é possível inferir que:

- a C..., S. A., em determinada data inscreveu junto do Instituto da Segurança Social determinado trabalhador como sendo seu trabalhador; - em consequência da declaração acima referida, esta sociedade emitia os respectivos recibos de vencimento.

22) Da prova produzida em julgamento, conjugada com as regras laborais então em vigor, não resulta que aqueles trabalhadores tenham passado a ser trabalhadores da C..., S. A. nas datas referidas.

23) Para que tal acontecesse (validamente) era imprescindível que quer a Recorrente quer a C..., S. A. tivessem cumprido determinados requisitos – os quais, como abaixo iremos demonstrar, não se verificaram.

24) O que resultou com clarividência das declarações de parte do Administrador da Insolvente Sr. TT e também da testemunha GGG foi que se tratou de uma mera transferência formal, com o único intuito de evitar ou adiar a insolvência da Recorrente, uma vez que, como bem sublinhou o legal representante da Insolvente, tudo ficou igual: patrão, instrumentos de trabalho, local de trabalho, salários, etc.

25) Ainda que se entenda que a C..., S. A. passou a pagar a esses trabalhadores a respectiva remuneração, certo é que, ao fazê-lo, age em nome e por delegação da Insolvente, por força do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

26) Assim, não devem os factos indicados pela Recorrente com os nºs. 30.A), 29.A), 31.a), 21.A), 28.A) e 23.A) serem aditados aos FACTOS PROVADOS.

27) Quanto ao alegado pela Recorrente nos nºs. 109 a 120 das Alegações da Recorrente, consideramos que, atento o disposto no artigo 130º do CIRE, carece de total fundamento legal pretender que face à falta de impugnação de tais reclamações de créditos (!) os factos constantes dos mesmos sejam dados como provados.

28) Os créditos dos credores reclamantes trabalhadores que não foram objecto de impugnação por parte da Insolvente, foram reconhecidos pelo Sr. Administrador de Insolvência nos exactos termos em que o foram os créditos dos demais trabalhadores; razão pela qual acaso a Insolvente discordasse do reconhecimento de tais créditos, nos moldes em que foi feito, sempre deveria ter impugnado tal lista quanto a esses créditos – o que não sucedeu

29) Não devem os factos enunciados pela Recorrente sob o nº. 44.A) ser aditados aos Factos Provados.

30) A Recorrente insiste que no caso em apreço não agiu em abuso de direito, na medida em que as reclamações de créditos dos trabalhadores da Insolvente que estiveram na base do seu reconhecimento por parte do Sr. A. I. têm teores diferentes, razão pela qual a Recorrente optou por impugnar umas e não outras.

31) Conforme já referido em 27), tal argumento não é minimamente sustentável.

32) Da decisão proferida pelo Tribunal a quo a 24/03/2022 (Despacho Saneador), foi, entre outros, decidido julgar «reconhecidos e, como tal, vão julgados verificados (artigo 136º, nº. 6 o CIRE)» os créditos incluídos na lista definitiva de credores que não foram impugnados.

33) A decisão acima mencionada, nesta parte, não foi objecto de recurso por parte da Recorrente.

34) É absolutamente extemporâneo vir agora, em sede de recurso da decisão sobre os créditos impugnados, pugnar pela alteração da lista de créditos reconhecidos quanto aos trabalhadores não impugnados, cujo decisão de reconhecimento e verificação há muito já transitou em julgado.

35) No caso sub judice é evidente, até pelo teor do depoimento prestado em sede de julgamento pelo Sr. A. I. (que considerou que os credores reclamantes impugnados eram, à data da insolvência, trabalhadores da Insolvente), assim como pelo teor das missivas enviadas pelo Sr. A. I. aos credores reclamantes e juntas ao presente apenso a 26/12/2022 (referência 44242714), nas quais refere expressamente que os créditos foram reconhecidos em termos diversos da respectiva reclamação, que não estamos perante um erro do Sr. A. I. e, muito menos, que se possa considerar manifesto.

36) Atento o teor do Acordo referido no Ponto 37) dos Factos Provados é evidente que à data do envio das comunicações a que o Ponto 56) dos Factos Provados faz referência os trabalhadores reclamantes eram trabalhadores da Insolvente.

37) Resulta com clarividência dos autos que, independentemente do teor das reclamações de créditos apresentadas, TODOS os créditos dos trabalhadores da Insolvente, sem distinção, foram reconhecidos como créditos privilegiados, não condicionados a qualquer evento futuro.

38) A Insolvente optou por impugnar apenas tal lista quanto aos créditos de determinados trabalhadores.

39) Estando todos os créditos dos trabalhadores da Insolvente materialmente nas mesmas condições, não existe motivo para que a Insolvente tenha escolhido impugnar a lista dos créditos apenas quanto a alguns trabalhadores.

40) Inexiste qualquer justificação, e o legal representante da Insolvente, a instâncias da Mandatária dos Credores, também não a soube dar, para que tal tivesse sucedido.

41) Não se descortina qual o interesse da Insolvente/Impugnante/Recorrente em impugnar tais créditos que não seja uma exclusiva intenção de prejuízo daqueles credores em particular, sendo que da procedência das suas impugnações nenhum benefício retirará.

42) O comportamento da Insolvente, porque contraditório entre si, constitui venire contra factum proprium e, por isso, é Abuso de Direito (Artigo 334º do CC).

43) O abuso de direito equivale à falta de direito.

44) Bem andou o Tribunal de Primeira Instância em julgar as impugnações deduzidas pela Insolvente quanto a seus trabalhadores improcedentes com base no Instituto do Abuso de Direito.

45) Para a hipótese de este Tribunal entender que a conduta da Recorrente não consubstancia Abuso de Direito, o que apenas por dever de patrocínio se admite, os Recorrentes, requerem, subsidiariamente e nos termos do artigo 636º do CPC, a ampliação do âmbito do Recurso quanto aos fundamentos em que os Recorridos decaíram, com impugnação da decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de faço não impugnados pela Recorrente (com reapreciação da prova gravada).

46) Não podemos concordar com a sentença sob recurso na parte em que considerou ter existido «transmissão» de trabalhadores da empresa Insolvente para outra empresa antes da declaração de insolvência daquela em Setembro/2013, sendo que, em conformidade com a prova produzida, os pontos da matéria de facto dados por provados sob os respectivos números 39., 40., 41. e 59., e pontos da matéria de facto dados como não provados sob as respectivos alíneas b., c., d., e. da sentença, assim como a matéria de facto alegada pelos Recorridos nos artigos 9º a 15º, 18º, 23º, 24º, 31º, 32º, 33º, 35º do requerimento de resposta com a referência 24153582 (datado de 21/11/2016) e artigos 39º e 52º do requerimento de resposta com a referência 24167922 (datado de 22/11/2016), foram erradamente julgados.

47) Por isso, deve ser reapreciada a matéria de facto quanto a estas concretas questões.

48) As expressões «passaram a prestar a sua força de trabalho ao serviço, sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade C..., S. A.», «tiveram conhecimento da respectiva transição» e «mantiveram-se no quadro de pessoal» feitas constar nos Pontos 39) a 41) e 59) dos Factos Provados são manifestamente conclusivas;

49) Das declarações/depoimentos prestadas por FFF, HHH, TT e III não resultam os factos dados como provados sob os pontos 39 a 41 dos factos provados.

50) Atento o disposto nos artigos 288º, 290º, 286º do Código do Trabalho, o documento intitulado “Contrato de Transmissão Temporária de Trabalhadores” não titula uma cedência válida de trabalhadores.

(…)

96) Por todo o exposto e para a hipótese de o recurso interposto pela Insolvente ser julgado procedente, o que não se concede, sempre deverá, atenta a prova produzida em julgamento e por todos os fundamentos atrás aduzidos, este Tribunal julgar as impugnações à lista dos credores/trabalhadores deduzidas pela Insolvente totalmente improcedentes.

97) A douta sentença sob recurso violou, por erro de interpretação e ou de aplicação os artigos 340º, 288º, 129º, 286º do Código do Trabalho e artigos 405º, 433º e 289º do Código Civil.

Termos em que e no muito que V. Exas. se dignarão suprir, deve:

a) O recurso ser rejeitado, por extemporâneo, ou, se assim se não entender

b) Ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.

Para a hipótese de o recurso interposto pela Recorrente ser julgado procedente, deve o âmbito do recurso ser ampliado por forma a que, ainda que com fundamentação diferente, seja mantida a decisão recorrida.

2. Do objecto do recurso

São as seguintes as questões a resolver:

I-DA EXTEMPORÂNEIDADE DO RECURSO

Nos termos da norma do artigo 638.º n.º 1 do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem - o, “prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º, sendo que, a tal prazo acrescem 10 dias se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada.

Ora, a este respeito, o que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça afirma é que a lei apenas condiciona a prorrogação do prazo constante da dita norma legal ao pressuposto de o recurso ter por objecto efectivo a reapreciação da prova gravada.

Como entende Abrantes Geraldes - Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pg. 112 -, e foi reafirmado nos Acórdãos do S.T.J. de 15.12.2015 Col. III pág. 164  e de 28.4.2016 Col.I pág. 213, “o recorrente apenas poderá beneficiar do prazo alargado se integrar no recurso conclusões que envolvam efectivamente  a impugnação da decisão da matéria de facto, tendo por base depoimentos gravados, nos termos do art.º 640.º n.º2 al. a) do CPCiv; caso contrário, terá de sujeitar-se ao prazo geral do art.º 638.º n.º1 do CPCiv; se, apesar de existir prova gravada, o recurso for apresentado além do prazo normal, sem ser inserido no seu objecto a impugnação da decisão da matéria de facto, com base na reapreciação daquela prova, verificar-se-á uma situação de extemporaneidade, determinante da sua rejeição”- neste preciso sentido o Acórdão do STJ de 25.5.2023, pesquisável em www.dgsi.pt.

Mais, “ a prorrogação de prazo de interposição do recurso contemplada pelo n.º 7 do art. 638º, tendo em conta o efeito cominatório previsto no art. 139º, 3 (extemporaneidade do direito de impugnação recursiva) e aplicado na decisão de indeferimento tomada ao abrigo do art. 641º, 2, a), sempre do CPC, depende, por um lado, de o objecto do recurso (delimitado nas conclusões) integrar a impugnação expressa da decisão sobre a matéria de facto, e, por outro lado, tal impugnação ser sustentada, no todo ou em parte, na reanálise de prova assente em depoimentos objecto de gravação (…) Resulta da norma que este acréscimo de prazo para apresentação das alegações de recurso não se aplica sempre que houver recurso da matéria de facto, mas apenas quando, havendo recurso da matéria de facto, o recorrente pretenda que o tribunal ad quem reaprecie os depoimentos gravados. Para o alargamento do prazo é, portanto, necessário que (i) haja recurso da matéria de facto, que (ii) a decisão seja impugnada com fundamento em depoimentos de testemunhas ou das partes (não bastando, por exemplo, que o seja exclusivamente com fundamento em documentos), que (iii) estes meios de prova estejam gravados e que (iv) no caso a decisão a proferir pressuponha a reapreciação destes meios de prova” - Acórdão do STJ de 1.3.2023, acessível em www.dgsi.pt.

Esmiuçando os autos:

A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto:

A – Factos Provados

1) No despacho saneador proferido foram julgados verificados os créditos:

a) Os créditos incluídos na lista definitiva de credores que não foram impugnados;

b) Os créditos incluídos na lista definitiva de credores nos termos aí consignados, que, apesar de impugnados, tais impugnações foram objeto de desistências já homologadas por sentença.

c) O crédito do credor Banco BPI, S.A., com o reconhecimento de tal crédito nos exatos termos da impugnação apresentada pela insolvente.

d) O crédito da Fazenda Nacional, com o reconhecimento de tal crédito nos exatos termos constantes da lista de créditos reconhecidos, apresentada nos autos pelo Sr. Administrador da Insolvência.

2) Os autos prosseguiram com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova relativamente às impugnações deduzidas pela insolvente relativamente aos créditos reconhecidos pelo AI aos credores BB; CC; DD; EE; AA; FF; GG; HH; II e JJ.

3) Relativamente às impugnações apresentadas pelos credores KK e LL, embora não dependendo de mais prova a produzir, foi decidido relegar o conhecimento das mesmas para a decisão a proferir quanto às impugnações supra identificadas

4) Por ação entrada em juízo a 19 de julho de 2012, o Banco Espírito Santo, S.A. – atualmente denominado por “Novo Banco, S.A.” - requereu a declaração de insolvência de “B..., S.A.”, que viria a alterar a sua designação para “A..., S.A.”, ação essa que deu origem ao presente processo de insolvência.

5) Os identificados autos de insolvência suspenderam-se com o início do Processo Especial de Revitalização, apresentado em juízo a 08.11.2012, que correu termos sob o n.º 5649/12...., J..., deste Juízo de Comércio ..., e que viria a culminar com a não aprovação do plano conducente à revitalização da Requerente aqui insolvente.

6) Na sequência da não aprovação do plano conducente à revitalização da Requerente aqui insolvente, no âmbito dos autos n.º 5649/12...., J..., em 30.01.2014, foi declarada a insolvência de A..., S.A., sentença que foi declarada nula por Acórdão do STJ proferido a 08.09.2015, por se entender que já existia ação de insolvência anteriormente proposta, no âmbito da qual se impunha proferir decisão a declarar a cessação da suspensão da instância e aí ser decretada a insolvência do devedor.

7) Em consequência do referido em 6), no âmbito dos presentes autos, por sentença proferida a 20.06.2016, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência de “A..., S.A.” – anteriormente denominada de “B..., S.A.”.

8) Foi nomeado como Administrador da Insolvência o Sr. Dr. JJJ.

9) Como administradores da “A..., S.A.” identificavam-se TT e TT e como fiscal único “D..., unipessoal, Lda.”.

10) TT era o Presidente do Conselho de Administração da “A..., S.A.”

11) A Autora “C..., S.A.” é uma sociedade anónima, constituída a 15.07.2011, cujo capital social se cifra em € 50.000,00, tendo como objeto social o fabrico de alimentos compostos para animais; comercialização de alimentos compostos para animais; equipamentos e produtos agrícolas e pecuários; importação e exportação.

12) Integram o conselho da administração desta sociedade III e KKK, e como fiscal único “D..., unipessoal, Lda.”.

13) III e KKK são filhos de TT e de LLL.

14) A sociedade insolvente tinha como objeto social a prestação de serviços de gestão e consultadoria; aluguer e arrendamento de espaços e imóveis; serviços de transporte e distribuição; venda, reparação e aluguer de equipamentos industriais e de transporte; fabricação e comércio de alimentos compostos para alimentação animal, comércio de cereais, legumes e matérias-primas para a indústria agroalimentar.

15) A insolvente deixou de exercer qualquer atividade em finais do mês de setembro do ano de 2013.

16) Nessa ocasião constavam do mapa de pessoal ao serviço da insolvente os seguintes trabalhadores: MMM; NNN; OOO; PPP; QQQ e FFF.

17) AA em 1 de julho de 1997 foi admitido ao serviço da insolvente, que à data adotava a firma “B..., Lda.”, mediante a celebração do respetivo contrato de trabalho e com a categoria profissional de operário semi-especializado, auferindo a remuneração mensal de € 376,59.

18) Em setembro de 2013 AA tinha a categoria profissional de operário da indústria transformadora e auferia o salário mensal base de € 742,00.

19) BB em 15 de abril de 1995 foi admitido ao serviço da insolvente, que à data adotava a firma “B..., Lda.”, mediante a celebração do respetivo contrato de trabalho e com a categoria profissional de porteiro, auferindo a remuneração mensal de € 423,97.

20) Em setembro de 2013 BB tinha a categoria profissional de porteiro e auferia o salário mensal base de € 667,50.

21) CC em 01 de fevereiro de 1991 foi admitida ao serviço da insolvente, que à data adotava a firma “B..., Lda.”, mediante a celebração do respetivo contrato de trabalho e com a categoria profissional de escriturária, auferindo a remuneração mensal de € 244,41.

22) Em setembro de 2013 CC tinha a categoria profissional de escriturária/empregada de escritório e auferia o salário mensal base de € 721,00.

23) DD em 18 de março de 1991 foi admitida ao serviço da insolvente, que à data adotava a firma “B..., Lda.”, mediante a celebração do respetivo contrato de trabalho e com a categoria profissional de escriturária, auferindo a remuneração mensal de € 364,12.

24) Em setembro de 2013 DD e tinha a categoria profissional de escriturária/empregada de escritório e auferia o salário mensal base de € 863,50.

25) EE em 01 de março de 1994 foi admitida ao serviço da insolvente, que à data adotava a firma “B..., Lda.”, mediante a celebração do respetivo contrato de trabalho e com a categoria profissional de telefonista, auferindo a remuneração mensal de € 374,10.

26) Em setembro de 2013 EE tinha a categoria profissional de escriturária/empregada de escritório e auferia o salário mensal base de € 750,00.

27) FF foi admitido ao serviço da insolvente em 2 de julho de 1999, com a categoria profissional de motorista, auferindo o salário base mensal de € 685,00, acrescido de subsidio de alimentação no valor diário de € 4,40 e ajudas de custo no valor de € 43,39 dia.

28) GG, foi admitido ao serviço da insolvente em 1 de junho de 1994, com a categoria profissional de técnico de vendas, auferindo o salário base mensal de € 890,00, acrescido de isenção de horário de trabalho no valor € 218,25 mensais.

29) HH foi admitida ao serviço da insolvente a 1 de maio de 1989, com a categoria profissional de especializado de trabalhadores de indústria de transformação, auferindo o salário base mensal de € 550,50, acrescido de subsidio de alimentação no valor diário de € 4,40.

30) JJ, foi admitida ao serviço da insolvente a 1 de março de 1986, com a categoria profissional de especializado de trabalhadores de indústria de transformação, auferindo o salário base mensal de € 550,50, acrescido de subsidio de alimentação no valor diário de € 4,40.

31) II foi admitido ao serviço da insolvente a 1 de setembro de 1987, com a categoria profissional de técnico de eletricidade, auferindo o salário base mensal de € 1.085,00, acrescido de subsidio de alimentação no valor diário de € 4,95 e ajudas de custo no valor de € 43,49 dia.

32) Os trabalhadores identificados em 17. a 31. dos factos provados, enquanto trabalhadores e no exercício das respetivas funções, exerceram, a par dos seus colegas e restantes trabalhadores, as suas funções ao serviço, sob as ordens, direção e fiscalização da Insolvente, na sua sede social sita em Zona Industrial ..., no concelho ....

33) KK foi admitido ao serviço da insolvente a 1 de julho de 1982, com a categoria profissional de especializado, auferindo o salário base mensal de € 595,00, acrescido de subsidio de alimentação no valor diário de € 4,40.

34) LL foi admitido ao serviço da insolvente a 1 de abril de 2008, com a categoria profissional de especializado, auferindo o salário base mensal de € 685,00.

35) No dia 13.02.2012 a sociedade ora insolvente celebrou com a sociedade “C..., S.A.” um contrato de compra e venda de usufruto por força do qual a respetiva atividade industrial e comercial foi temporariamente transferida entre as referidas empresas, pelo prazo de 30 anos.

36) Tal usufruto teve por objeto o estabelecimento no qual os credores impugnados e demais trabalhadores sempre exerceram funções, isto é, o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...07, descrito na CRP ... sob o n.º ...52, da freguesia ..., integrando ainda o usufruto, todos os móveis e a marca comercial “C...”.

37) Com data de 13.02.2012, entre B..., S.A. (A..., S.A.) e C..., S.A. foi outorgado um contrato de transmissão temporária de trabalhadores, do qual constam, para além do mais, as seguintes cláusulas contratuais:

a. Cláusula primeira: Pelo presente instrumento a 1.ª Contraente cede temporariamente à 2.ª Contraente o conjunto de trabalhadores constantes da listagem anexa ao presente Acordo como Anexo II, cedência que a 2.ª Contraente aceita e a qual ocorre no âmbito do contrato de usufruto celebrado nesta data por escritura pública entre ambas as outorgantes, consistindo a presente transferência de trabalhadores um ato complementar e integrante do referido contrato de usufruto.

b. Cláusula segunda: O presente contrato tem início em fevereiro de 2012 e vigorará por um período de 30 (trinta) anos, caducando assim na data de 12.02.2042.

c. Cláusula terceira: A 2.ª Contraente durante todo o período em que vigorar o presente Acordo de Cedência de Trabalhadores, obriga-se a manter aos trabalhadores abrangidos pela cedência, a respetiva categoria profissional, valores remuneratórios, horários de trabalho, períodos de descanso diário e semanal, de demais regalias vigentes enquanto trabalhadores ao serviço da 1.ª Outorgante, comprometendo-se aina a atualizar a respetiva categoria profissional e valores remuneratórios de acordo com as regras legais e convencionais em vigor.

d. Cláusula quarta: Como contrapartida da cedência de trabalhadores a 2.ª Outorgante obriga-se a liquidar mensalmente aos trabalhadores a respetiva remuneração mensal e bem assim os subsídios de férias e de natal, bem como o valor das contribuições, quotizações e impostos incidentes sobre tais valores, assumindo ainda a obrigação de pagamento dos montantes referentes a indemnização e compensação em consequência do período de antiguidade decorrido ao serviço da 2.ª Outorgante, sem prejuízo da responsabilidade solidária assumida pela 1.ª Outorgante no âmbito do Considerando B) do presente Acordo.

e. Cláusula quinta: Aos trabalhadores abrangidos pela presente transmissão temporária são reconhecidos por ambas as Outorgantes todos os direitos e obrigações inerentes à constituição do respetivo vínculo de trabalho ao serviço da 1.ª Outorgante, designadamente no que respeita às causas, fundamentos e consequências da cessação do respetivo vínculo de trabalho.

f. Cláusula sexta: No terminus da vigência da transferência de trabalhadores ora acordada, estes retomarão em pleno o exercício das suas funções ao serviço da 1.ª Outorgante, com todos os direitos e obrigações inerentes ao respetivo vínculo laboral.

38) Do anexo II ao contrato referido em 37. constam identificados os seguintes trabalhadores: MM; FF; RRR; SSS; TTT; UUU; KK; VVV; KK; LL; NN; BB; OO; PP; WWW; XXX; EE; YYY; GG; QQ; HH; RR; SS; ZZZ; AAAA; UU; UU; VV; BBBB; CCCC; WW; XX; YY; II; ZZ; DDDD; AAA; EEEE; JJ; BBB; CC; CCC; 

AA; FFFF; GGGG; DDD; EEE.

39) Em data não concretamente apurada, mas sempre situada entre agosto de 2011 e 13.02.2012, todos os credores impugnados passaram a prestar a sua força de trabalho ao serviço, sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade C..., S.A.

40) Também os trabalhadores MM; KK; LL; NN; OO; PP; QQ; RR; SS; TT; UU; UU; VV; WW; XX; YY; ZZ; AAA; BBB; CCC; DDD e EEE, a partir de agosto de 2011 passaram a prestar a sua força de trabalho ao serviço, sob ordens, direção e fiscalização da sociedade C..., S.A.;

41) Quer os credores aqui impugnados, quer os trabalhadores identificados em 37. tiveram conhecimento da respetiva transição de A... para C..., S.A..

42) Todos os trabalhadores transitados do quadro de pessoal da insolvente para o quadro de pessoal de C..., S.A. mantiveram ao serviço desta última o mesmo posto de trabalho, a mesma categoria profissional, as mesmas funções, o mesmo horário de trabalho e a mesma retribuição.

43) Os recibos de vencimento dos credores impugnados e dos trabalhadores/credores identificados em 37. passaram a ser emitidos pela C..., S.A.

44) Os credores impugnados, aquando da apresentação das respetivas reclamações de créditos, encontravam-se todos eles na mesma situação dos credores identificados em 37., que também reclamaram créditos junto do Sr. AI. (cfr. reclamações de créditos juntas ao apenso T, cujo respetivo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), que os reconheceu nos termos constantes da lista definitiva de créditos apresentada nos autos.

45) Relativamente aos credores identificados em 37. a insolvente não deduziu qualquer impugnação à lista definitiva de credores apresentada pelo Sr. AI., tendo aceite tais créditos nos exatos termos aí reconhecidos.

46) A 08.06.2016 entre C..., S.A. e GG foi celebrado um acordo de cessação do contrato de trabalho, por extinção do posto de trabalho, com efeitos a 01.07.2016 (cfr. Acordo de cessação de contrato de trabalho, cuja cópia se encontra junta a fls. 967 e seguintes dos autos).

47) A 10.01.2022 entre E..., Lda. e DD foi celebrado um acordo de cessação do contrato de trabalho, por extinção do posto de trabalho, com efeitos a 31.01.2022 (cfr. Acordo de cessação de contrato de trabalho, cuja cópia se encontra junta a fls. 971 e seguintes dos autos).

48) A 08.10.2019 entre C..., S.A. e CC foi celebrado um acordo de cessação do contrato de trabalho, por extinção do posto de trabalho, com efeitos a 08.10.2019 (cfr. Acordo de cessação de contrato de trabalho, cuja cópia se encontra junta a fls. 967 e seguintes dos autos).

49) A 08.10.2019 entre C..., S.A. e JJ foi celebrado um acordo de cessação do contrato de trabalho, por extinção do posto de trabalho, com efeitos a 08.10.2019 (cfr. Acordo de cessação de contrato de trabalho, cuja cópia se encontra junta a fls. 1033 e seguintes dos autos).

50) HH manteve-se ao serviço da C..., S.A. até à situação de reforma por velhice, o que veio a ocorrer a 31.05.2015 (cfr. documentos de fls. 1039-1041).

51) II manteve-se ao serviço da C..., S.A. até à situação de reforma por velhice, o que veio a ocorrer a 12.03.2019 (cfr. documentos de fls. 1045-1046).

52) FF manteve-se ao serviço da C..., S.A. até 31.12.2013, data em que cessou o respetivo vínculo laboral por iniciativa do trabalhador (cfr. documentos juntos a fls. 1077 verso e 1078).

53) BB manteve-se ao serviço da C..., S.A. até à situação de reforma (antecipada), o que veio a ocorrer a 31.12.2018 (documento de fls.1084).

54) EE manteve-se ao serviço da C..., S.A. até 14.02.2020, data em que cessou o respetivo vínculo laboral por iniciativa do trabalhador (cfr. documentos juntos a fls. 1086).

55) Entre C..., S.A. e AA foi celebrado um acordo intitulado “Acordo Extrajudicial”, com vista à cessação do contrato de trabalho e com produção dos respetivos efeitos a 11.06.2016 (fls. 1088 verso e 1089).

56) Por cartas datadas de 18 de setembro de 2013, pelo Sr. Administrador da Insolvência foi comunicado aos credores impugnados o seguinte “(…) por sentença proferida no passado dia 29/05/2013, e na sequência de deliberação de encerramento e liquidação tomada na Assembleia de Credores do passado dia 25/07/2013, venho pela presente comunicar a V. Ex.ª a intenção de cessar o Contrato de Trabalho existente com essa empresa, desde 01.07.1992, que deverá ser considerado sem qualquer efeito, desde 23/09/2013 nos termos do disposto no n.º2, do artigo 347.º, da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.

57) O contrato de compra e venda de usufruto foi resolvido em benefício da massa insolvente pelo Exm.º Sr. Administrador da Insolvência a 28.10.2016.

58) A referida resolução contratual foi impugnada pela C..., S.A., vindo a ser proferida decisão, já transitada em julgado, que confirmou a resolução contratual do referido contrato.

59) Apesar da resolução operada, os trabalhadores mantiveram-se no quadro de pessoal da sociedade C..., S.A., liquidando esta sociedade mensalmente, de forma pontual e integral, o valor das respetivas remunerações, assegurando ainda o gozo do respetivo período anual de férias, bem como o pagamento dos respetivos subsídios de férias e de Natal, anualmente devidos.

60) Foram apreendidos para a massa insolvente os seguintes bens:

a. Prédio urbano composto por complexo fabril, destinado à indústria de rações para animais e logradouro, com a área de 31030 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...07.º, descrito na CRP sob o n.º ...21, da freguesia ....

b. Prédio urbano, composto por armazém e logradouro, com a área total de 2180 m2, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...74 e descrito na CRP sob o n.º ...12, da freguesia ..., ....

c. Prédio Rústico, composto por construção rural, mato, cultura, horta, com a área total de 98120 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ....º Secção L, descrito na CRP sob o n.º ...03, freguesia ..., ....

d. Veículo automóvel com a matrícula AV-..-...

e. Bens móveis, melhor descritos no Auto de Apreensão de Bens móveis apresentado nos autos pelo Sr. AI.

61) Relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...74 e descrito na CRP sob o n.º ...12, da freguesia ..., ..., encontram-se registada a seguinte inscrição:

a. Pela ap. n.º ...93 de 2011/09/30, encontra-se inscrita hipoteca voluntária a favor do Novo Banco, S.A., para garantia do capital de € 800.000,00, com o montante máximo assegurado de € 1.096.000,00.

62) Os créditos laborais dos trabalhadores, reconhecidos pelo Sr. Administrador da Insolvência como privilegiados, detém um privilégio imobiliário especial sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...07.º, descrito na CRP sob o n.º ...21, da freguesia ....

63) O crédito reconhecido à Autoridade Tributária como garantido pelo Sr. AI, no valor de € 1.416,12, o respetivo privilégio incide sobre o veículo automóvel com a matrícula AV-..-...

64) O crédito reconhecido ao credor F..., S.A. como garantido, está garantido por penhor sobre 6.000 ações nominativas na sociedade «F..., S.A.» (eventualmente ainda a apreender).

III.2 Factos Não Provados

a. A transição do quadro de pessoal da insolvente para o quadro de pessoal da C..., S.A. ocorreu com o consentimento de todos os trabalhadores.

b. Quer no mês de agosto de 2011, quer posteriormente os credores impugnados mantiveram-se a laborar sob ordens, direção e fiscalização da insolvente.

c. Em momento algum os credores impugnados tiveram conhecimento ou prestaram qualquer consentimento no sentido da sociedade C..., S.A. assumir direitos atinentes à relação laboral existente entre a Insolvente e os credores impugnados.

d. Até setembro de 2013 nunca os credores impugnados deixaram de prestar a respetiva atividade profissional para a insolvente.

e. Até setembro de 2013 os credores impugnados estiveram sempre convictos que exerciam a respetiva atividade profissional para a insolvente.  

A restante matéria de facto alegada, por se tratar ou de matéria de direito, matéria conclusiva ou irrelevante, não foi considerada nem em sede de factos provados, nem em sede de factos provados”.

A Apelante interpõe o seu recurso no dia 27.03.2023, alegando que o mesmo tem também por objecto recurso da prova gravada, pretendendo, dessa forma, usufruir do acréscimo dos 10 dias previsto no artigo 638º, nº. 7.

Escrevem os Apelados:

“2) Tendo em consideração o teor da sentença e respectiva fundamentação e o teor das Alegações de Recurso da Insolvente, torna-se claro que a invocação de que interpõe recurso da prova gravada e a «impugnação» que faz dos factos supostamente em causa nada mais é que um expediente para dilatar, ficticiamente, o seu prazo de recurso.

3) Os factos que a Insolvente pretende ver aditados (e que são aqueles que constam dos nºs. 105 e 120 das suas Alegações), por dizerem respeito à transferência de trabalhadores de uma empresa (Insolvente) para outra (C..., S. A.) alegadamente ocorrida antes da declaração de insolvência, são perfeitamente inócuos e irrelevantes para alterar a decisão recorrida, porquanto o Tribunal a quo, nesta parte, deu razão à Insolvente (Cfr. Factos dados como Provados sob os nºs. 39, 40, 41, 42 e 43 e o teor da sentença - páginas 24 a 29),

4) A transmissão/cedência dos trabalhadores anterior à insolvência não constituiu fundamento do sentido da decisão recorrida, pelo que não podia integrar o objecto do presente recurso, desde logo por ausência de legitimidade da Recorrente para requerer a reapreciação ou valoração de tal facto como fundamento para a improcedência das impugnações deduzidas.

5) A natureza do facto indicado no nº. 120 e que a Recorrente pretende ver aditada aos Factos Provados é exclusivamente documental.

(…)

10) Face à ausência de cabimento processual legal e de seriedade de impugnação dirigida à matéria de facto nos segmentos em que convoca a reapreciação da prova gravada, deve o recurso interposto pela Insolvente ser rejeitado por extemporâneo – Artigo 139º, nº. 3 do CPC.

11) Considerando que a Recorrente se considera notificada da decisão recorrida no dia 27/02/2023 (artigo 248º do CPC) e que o processo de insolvência (incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos) possui carácter urgente conforme dispõe o artigo 9º, nº. 1 do CIRE, e ainda que a Recorrente poderia apresentar o recurso nos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo (14/03/2023) mediante o pagamento da correspondente multa nos termos do disposto no artigo 139º do CPC, a mesma dispunha de prazo até ao dia 17/03/2023 para a apresentação de recurso visando a apreciação da bondade do enquadramento jurídico dos factos (instituto do abuso de direito) que o tribunal a quo fez e/ou a nulidade da sentença proferida.

12) O recurso apresentado pela Insolvente deu entrada nos autos no dia 27/03/2023, isto é, dez dias após o termo imperativo do prazo.

13) O requerimento de interposição de recurso com data de 27/03/2023 apresentado pela Insolvente é manifestamente extemporâneo, pelo que deve o mesmo ser rejeitado.

De facto, considerando as palavras da Apelante – “230. A recorrente apenas acautelou – munindo-se do direito de impugnar – pelo simples facto das reclamações de créditos apresentadas pelos trabalhadores que viram os seus créditos impugnados pela insolvente, reconheceram e afirmaram a cessação do vínculo de trabalho à data de setembro de 2013 da iniciativa do Sr. Administrador de Insolvência, facto que não correspondia, nem corresponde à verdade, conforme veio a ser considerado provado em sede de douta sentença proferida (…) Verificou-se assim uma incorreta subsunção da matéria de facto à matéria de Direito, ao ser subsumido ao instituto do abuso de Direito o comportamento da insolvente, facto que se requer seja reconhecido por V/ Exªs com as devidas e legais consequências” -, verificamos que a questão a debater nos autos, resume-se, tão só, à questão da aplicação (ou não) do instituto do Abuso do Direito - apenas os Apelados, mas subordinadamente, impugnam validamente a matéria de facto – não estando em causa a impugnação dos factos fixados na 1.ª instância, que se mostram, já, suficientes para o vencimento da tese da ora Apelante, não fora a aplicação do Abuso de Direito.

Nas palavras da 1.ª instância:

“Ora, no caso dos autos, e por força do contrato de compra e venda de usufruto outorgado, toda a atividade industrial e comercial da insolvente foi transferida para a “C..., S.A.”, que, nas mesmas instalações, passou a prosseguir a atividade que era desenvolvida pela insolvente, mantendo assim a respetiva identidade.

O mesmo sucedendo com os respetivos vínculos laborais, que quase na sua totalidade, os trabalhadores passaram a exercer a respetiva atividade profissional para a C..., S.A., mantendo os respetivos postos de trabalhos; as respetivas categorias profissionais, e os respetivos salários.

Embora não determinante para o efeito, mais cumpre igualmente realçar que muito embora tenha sido efetuada a resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda de usufruto, os trabalhadores que se encontravam ao serviço não viram o seu contrato de trabalho cessar, mas antes mantiveram-se ao serviço da C..., S.A., (cfr. factualidade que resultou provada sob o ponto 59).

A C..., S.A. sempre liquidou mensalmente aos respetivos trabalhadores ao serviço o valor da respetiva remuneração devida, assegurando ainda aos mesmos o gozo do respetivo período anual de férias, bem como o pagamento dos respetivos subsídios de férias e de Natal anualmente devidos.

Efetivamente, é nosso entendimento que se mostram-se verificados todos os pressupostos exigidos para que se considere que os respetivos contratos de trabalho foram transferidos para a C..., S.A., os quais não cessaram por via da declaração de insolvência da “A..., S.A.”, nem por via da resolução em benefício da massa insolvente do contrato de usufruto.

Tais contratos ao terem sido transmitidos para a C..., S.A. sempre determinaria a inexistência de ser devida qualquer compensação por parte da insolvente aos trabalhadores cujos créditos constituem o objeto das impugnações deduzidas nos presentes autos.

(…)

Vejamos, em primeiro lugar, os factos apurados com relevância para esta particular questão.

Apurou-se que:

- A insolvente deixou de exercer qualquer atividade em finais de setembro do ano de 2013.

- Em data não concretamente apurada, mas sempre situada entre agosto de 2011 e 13.02.2012, todos os credores impugnados passaram a prestar a sua força de trabalho ao serviço, sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade C..., S.A.

- Também os trabalhadores MM; KK; LL; NN; OO; PP; QQ; RR; SS; TT; UU; UU; VV; WW; XX; YY; ZZ; AAA; BBB; CCC; DDD e EEE, a partir de agosto de 2011 passaram a prestar a sua força de trabalho ao serviço, sob ordens, direção e fiscalização da sociedade C..., S.A.

- Quer os credores aqui impugnados, quer os trabalhadores identificados em 37. tiveram conhecimento da respetiva transição de A... para C..., S.A..

- Todos os trabalhadores transitados do quadro de pessoal da insolvente para o quadro de pessoal de C..., S.A. mantiveram ao serviço desta última o mesmo posto de trabalho, a mesma categoria profissional, as mesmas funções, o mesmo horário de trabalho e a mesma retribuição.

- Os recibos de vencimento dos credores impugnados e dos trabalhadores/credores identificados em 37. passaram a ser emitidos pela C..., S.A.

- Os credores impugnados, aquando da apresentação das respetivas reclamações de créditos, encontravam-se todos eles na mesma situação dos credores identificados em 37., que também reclamaram créditos junto do Sr. AI. (cfr. reclamações de créditos juntas ao apenso T, cujo respetivo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), que os reconheceu nos termos constantes da lista definitiva de créditos apresentada nos autos.

- Relativamente aos credores identificados em 37. a insolvente não deduziu qualquer impugnação à lista definitiva de credores apresentada pelo Sr. AI., tendo aceite tais créditos nos exatos termos aí reconhecidos.

- O contrato de compra e venda de usufruto foi resolvido em benefício da massa insolvente pelo Exm.º Sr. Administrador da Insolvência a 28.10.2016.

- A referida resolução contratual foi impugnada pela C..., S.A., vindo a ser proferida decisão, já transitada em julgado, que confirmou a resolução contratual do referido contrato.

- Apesar da resolução operada, os trabalhadores mantiveram-se no quadro de pessoal da sociedade C..., S.A., liquidando esta sociedade mensalmente, de forma pontual e integral, o valor das respetivas remunerações, assegurando ainda o gozo do respetivo período anual de férias, bem como o pagamento dos respetivos subsídios de férias e de Natal, anualmente devidos.

Importa, assim, responder à questão sobre a insolvente/aqui impugnante, ao escolher impugnar apenas os créditos laborais dos trabalhadores AA; BB; CC; DD; EE; FF; GG; HH; II e JJ, não tendo impugnado os demais, agiu ou não com abuso de direito.

Em primeiro lugar, não podemos deixar de assinalar que as explicações adiantadas pela insolvente para justificar a impugnação de apenas alguns créditos, não se afigura minimamente compreensível. Na verdade, além da alegação apresentada não ter inteira correspondência com as reclamações de créditos apresentadas pelos trabalhadores (juntas no apenso T), cumpre assinalar que a impugnação prevista no artigo 130º do CIRE tem por objeto a lista dos créditos reconhecidos e não o teor das reclamações apresentadas pelos credores.

E menos compreensíveis ainda se tornam tais justificações quando, analisados os autos, constamos que a insolvente optou por nem sequer responder às impugnações que foram apresentadas nos autos pelos trabalhadores RR; YY; UU; NN; MM; MMM; OO; PP; QQ; SS; ZZZ; UU; VV; WW; XX; AAA; BBB; CCC; EEE; QQQ e FFF, ZZ, DDD (todas estas objeto de desistência), KK e LL. Tais trabalhadores, apesar de terem créditos reconhecidos sobre a insolvência, pugnavam ainda nas respetivas impugnações pelo reconhecimento de créditos laborais referentes ao período que mediou entre as datas de 23.09.2013 e 31.07.1016. Posição que se encontra em clara oposição com a tese defendida nos autos pela insolvente.

Nos termos do disposto no artigo 334.º, do Código Civil, o abuso de direito pressupõe a existência de um direito radicado na esfera do titular, direito que, contudo, é exercido por forma ilegítima por exceder manifestamente a boa fé, os bons costumes ou o seu fim social ou económico.

(…)

Com efeito cremos que no caso dos presentes autos, o exercício do direito por parte da insolvente em impugnar os créditos dos identificados trabalhadores, nas concretas circunstâncias em que ocorreu, designadamente, reconhecendo os créditos dos demais trabalhadores que materialmente se encontram nas mesmas condições e em igualdade de circunstâncias, vendo assim reconhecidos os respetivos créditos, dá origem a resultados totalmente estranhos e incompreensíveis ao que é admissível pela ordem jurídica.

A lei adotou uma conceção objetiva de abuso de direito, não se exigindo, portanto, a prova da consciência, por parte do titular do direito, do excesso manifesto dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (embora se possam considerar factores subjetivos para aferir da existência desse abuso), coincidindo esse abuso na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita o fim próprio desse direito ou do contexto em que ele deve ser exercido (vide Pires de Lima e Antunes Varela, código Civil Anotado, Vol.I, 4.ª Edição, pag. 298-300; Jorge Coutinho de Abreu, do Abuso de Direito, Almedina, pag.43)

Em nosso entender seria de todo inaceitável e intolerável no plano do sentimento jurídico dominante que num universo de cerca de 50 trabalhadores e com condições em tudo materialmente idênticas, apenas 10 (porque a insolvente assim entendeu escolher por razões desconhecidas ou injustificadas), vejam os respetivos créditos impugnados e, como tal, não reconhecidos, com a consequência de não obterem quaisquer pagamentos no âmbito dos presentes autos.

Em nosso entender, e salvo o devido respeito, a insolvente exerceu o seu direito de impugnação relativamente a estes 10 credores/trabalhadores fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico desse direito.

E quando os limites assim impostos ao direito são dessa maneira tão manifestamente excedidos, o direito é ilegítimo, e, como tal, o direito não existe. O direito tem limites internos cuja ultrapassagem é a entrada no não direito.

É o abuso do direito tal como o define o artigo 334º do Código Civil.

Em face de todo o exposto, entendemos que não assiste à insolvente o direito à impugnação dos identificados créditos nos termos alegados e peticionados, o que conduz à improcedência das impugnações apresentadas, mantendo-se tais créditos reconhecidos nos exatos termos constantes da lista de créditos reconhecidos, apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, o que se decide”.

Por isso, teremos de concordar com os Apelados quando escrevem:

“Ora, a Recorrente, interpõe recurso no dia 27/03/2023, alegando que o mesmo tem também por objecto recurso da prova gravada, pretendendo, dessa forma, usufruir do acréscimo dos 10 dias previsto no artigo 638º, nº. 7 do CPC.

E, de facto, considerando que a sentença foi notificada por expediente processual de 23/02/2023 e que o recurso foi apresentado no dia 27/03/2023, temos que o foi no primeiro dia de multa do prazo de 25 dias resultante da adição do prolongamento do prazo concedido pelo referido artigo 638º, nº. 7 para a impugnação da matéria de facto que tenha por objecto a reapreciação da prova gravada (15 + 10).

Sucede que, tendo em conta o teor da sentença e respectiva fundamentação e o teor das Alegações de Recurso da Insolvente, torna-se claro que a invocação de que interpõe recurso da prova gravada e a «impugnação» que faz dos factos supostamente em causa nada mais é que um expediente para dilatar, ficticiamente, o seu prazo de recurso.

Na verdade, os factos que a Insolvente pretende ver aditados (e que são aqueles que constam dos nºs. 105 e 120 das suas Alegações), por dizerem respeito à transferência de trabalhadores de uma empresa (Insolvente) para outra (C..., S. A.) alegadamente ocorrida antes da declaração de insolvência, são perfeitamente inócuos e irrelevantes para alterar a decisão recorrida, porquanto, e como acima se referiu, o Tribunal a quo, nesta parte, deu razão à Insolvente. Veja-se Factos dados como Provados sob os nºs. 39, 40, 41, 42 e 43 e o teor da sentença (páginas 24 a 29), com especial incidência o seguinte parágrafo:

«Tais contratos ao terem sido transmitidos para a C..., S. A. Sempre determinaria a inexistência de ser devida qualquer compensação por parte da insolvente aos trabalhadores cujos créditos constituem o objecto das impugnações deduzidas nos presentes autos».

Por outras palavras, a transmissão/cedência dos trabalhadores anterior à insolvência não constituiu fundamento do sentido da decisão recorrida, pelo que não podia integrar o objecto do presente recurso, desde logo por ausência de legitimidade da Recorrente para requerer a reapreciação ou valoração de tal facto como fundamento para a improcedência das impugnações deduzidas.

Por outro lado, a natureza do facto indicado no nº. 120 e que a Recorrente pretende ver aditada aos Factos Provados é exclusivamente documental. E isso mesmo decorre da sua formulação: «Os credores cujos créditos não foram impugnados pela insolvente e melhor identificados no artigo 40) da matéria de facto assente, nas respectivas reclamações de crédito afirmaram: (…)» - sublinhado nosso.

Inexiste, assim e na realidade, impugnação da matéria de facto gravada quanto a este facto.

Acresce que, conforme defende Abrantes Geraldes, [O] recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto. (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 133, subl. nosso).

(…)

Assim, não só pela ausência jurídico-processualmente relevante de conclusões relativamente à invocada impugnação da matéria de facto mas, também, pelo teor da fundamentação e âmbito do segmento recursório da pretensa impugnação da decisão de facto, o pedido de reapreciação da matéria de facto resulta transfigurado em pedido sem objeto. Desde logo porque do que maioritariamente vem alegado no âmbito da invocada impugnação da matéria de facto (quer sob as Notas Críticas quer sob o ponto Motivação das alegações) resulta que os recorrentes não se insurgem contra o juízo probatório ou julgamento de facto que a Mmª Juiz a quo alcançou e sustentou por recurso aos factos disponíveis nos autos, (…)»

A «impugnação» da Recorrente não corresponde aos pressupostos que legalmente justificam a concessão de acréscimo de dez dias ao prazo regra para apresentação de recurso, nem «se apresenta com a seriedade que a tanto se exige e que justificam a legal concessão de acréscimo de dez dias ao prazo regra para apresentação de recurso, e do que a nosso ver impõe sejam extraídas e em toda a linha as consequências que daí devem decorrer para os recorrentes que, sem a seriedade objetiva que se exige, usaram do acréscimo de um prazo que, analisados os termos da impugnação da decisão de facto, se conclui não lhe ser aplicável por não o justificar de todo, com consequente rejeição do recurso por intempestivo. Consequência que se impõe extrair sob pena de, desprezando-se a sindicância dos fundamentos e crivos legais que resultam da conjugação dos requisitos impostos pelos arts. 640º, nº 1 e 638º, nº 7 do CPC, o excecional acréscimo de dez dias ao prazo de recurso de 30 ou 15 dias se tornar no prazo regra de recurso (posto que, assim, qualquer decisão proferida após instrução da causa através de meios de prova oralmente produzidos permitiria sempre, sem exceção, invocar uma alegada impugnação à decisão da matéria de facto).

Nesse mesmo sentido propugna Abrantes Geraldes, afirmando que [P]ara que o recorrente possa aproveitar esta ampliação é mister que impugne efectivamente a matéria de facto com base em prova gravada (cfr. o Ac. A Rel. de Évora, de 15.11-07, CJ, tomo V, pág. 242, e o Ac. Da Rel. de Coimbra de 29-11-07, CJ, tomo V, pág. 63), sendo indiferente para o efeito o resultado que for obtido. Sentido que manifestou no acórdão do STJ de ao refrisar que - O sistema não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, cumprindo ao recorrente designar os pontos de facto que merecem uma resposta diversa e fazer a apreciação crítica dos meios de prova que determinam um resultado diverso;//- Importa que seja feito do sistema um uso sério, de forma evitar impugnações injustificadas e, com isso, os efeitos dilatórios que são potenciados pelo uso abusivo de instrumentos processuais.» - Conforme acima referido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30/06/2020 (Proc. Nº. 1870/13.8TYLSB- C.L1-1). Neste sentido ver também Acórdão da Relação de Guimarães, de 22/10/2020 (Processo nº. 5397/18.3T8BRG.G1).

(…)

Na verdade, considerando que a Recorrente se considera notificada da decisão recorrida no dia 27/02/2023 (artigo 248º do CPC) e que o processo de insolvência (incluindo todos os seus incidentes, apensos e recursos) possui carácter urgente conforme dispõe o artigo 9º, nº. 1 do CIRE, e ainda que a Recorrente poderia apresentar o recurso nos 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo (14/03/2023) mediante o pagamento da correspondente multa nos termos do disposto no artigo 139º do CPC, a mesma dispunha de prazo até ao dia 17/03/2023 para a apresentação de recurso visando a apreciação da bondade do enquadramento jurídico dos factos (instituto do abuso de direito) que o tribunal a quo fez e/ou a nulidade da sentença proferida.

Ora, o recurso apresentado pela Insolvente deu entrada nos autos no dia 27/03/2023, isto é, dez dias após o termo imperativo do prazo”.

Ou seja, neste quadro, não se mostra justificado que a Apelante beneficie do acréscimo do prazo de recurso. A entender-se o contrário, estar-se-ia a aceitar, quer aqui quer em qualquer caso com os mesmos contornos, que a parte beneficiasse deste acréscimo, criando a mera aparência da impugnação da decisão sobre a matéria de prova gravada, razão esta que justifica a extensão do prazo.

Assim, face à ausência de cabimento processual legal dirigido à matéria de facto, nos segmentos em que a Apelante convoca a reapreciação da prova gravada, terá o recurso interposto pela Apelante/Insolvente de ser rejeitado por extemporâneo, nos termos do artigo 139º, nº. 3 - o decurso do prazo perentório extingue o direito de praticar o ato.

Prejudicado fica, por isso, o conhecimento das restantes questões trazidas ao recurso, nomeadamente a nulidade da sentença - preterição do direito de prova da insolvente –; interpretação da norma do art.º 130º, nº 3 do CIRE -  decisão homologatória da lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência – e Abuso de Direito.


3.Decisão
Pelos fundamentos expostos, ao abrigo do disposto nos artigos 638.º n.º 1 e 139º, nº. 3, ambos do Código do Processo Civil, rejeitamos o recurso, por intempestivo.
Custas a cargo da apelante.
Coimbra, 27 de Junho de 2023

(José Avelino Gonçalves - Relator)
(Paulo Correia - 1.ª adjunto)
Declaração de voto de vencido (art. 663.º, n.º 1, 2.ª parte do CPC)
Dissenti da decisão proferida maioritariamente por entender que, na situação subjudice, o recurso não devia ter sido rejeitado por extemporaneidade.
É sabido que, ressalvados casos especiais (processos urgentes e os previstos nos arts. 644.º, n.º 2 e 677.º do CPC), o prazo “normal” para a interposição do recurso é de 30 dias contados da notificação da decisão (art. 638.º, n.º 1 do CPC).
Todavia, nos termos do n.º 7 do aludido normativo, a esse prazo acrescem 15 dias quando o recurso “tiver por objeto a reapreciação da prova gravada”.
A questão que se coloca - e que tem propiciado alguma divergência jurisprudencial - é a de saber se este alargamento do prazo para interposição do recurso está ou não dependente do cumprimento pelo recorrente das exigências de impugnação da matéria de facto constantes do art. 640.º do CPC.
Contrariamente à visão que parece, no caso, ter feito vencimento, seguimos, a este propósito, a orientação – segundo se crê, maioritária - que vai no sentido de que a extensão do prazo em causa depende unicamente da apresentação de alegações em que a impugnação da decisão da matéria de facto seja sustentada, no todo ou em parte, em prova gravada, não ficando dependente da apreciação do modo como foi exercido o ónus de alegação[1].
Desde logo por razões de hermenêutica e literalidade da norma, visto que o n.º 7 do art. 638.º apenas aponta para “a reapreciação da prova gravada” como objeto do recurso.
Depois pela inserção da norma no âmbito da admissibilidade dos recursos, em momento prévio e independente à apreciação do conteúdo ou teor da impugnação e da observância, ou falta de cumprimento, dos ónus de impugnação a que se reporta o artigo 640.º do CPC, matéria que apenas compete ao tribunal superior.
Como se refere no acórdão do TRL de 27.10.2022 (processo 7241/18.2T8LRS-A.L1.2) “Uma coisa é o prazo de recurso, e seu acréscimo; outra, a existência de condições processuais para a apreciação da impugnação da matéria de facto ou para a sua rejeição”.
O que releva nesta sede é, tão só, perante as alegações apresentadas, verificar se o recorrente pretende a impugnação da matéria de facto sustentada em prova gravada, independentemente da avaliação a efetuar ulteriormente quanto ao cumprimento das exigências constantes do art. 640.º do CPC.
Ora, no caso, deixando de lado essa avaliação, apresenta-se inequívoco que a recorrente (insolvente) pretende impugnar factos cuja prova é sustentada em prova testemunhal que foi objeto de gravação.
Foi assim designadamente quando concluiu:
- “A douta sentença proferida nos presentes autos e da qual pelo presente se recorre não considerou como provados, factos que resultam quer da prova testemunhal (…), produzida nos presentes autos” (conclusão A),
- “com relevo para a boa decisão da causa e porque resulta da prova (…) testemunhal produzida nos presente autos, relativamente aos trabalhadores que a seguir se identificam, devem ser adicionados os seguintes factos à matéria de facto assente, o que se requer a V/ Exªs: (….)” (conclusão B),
face à prova (…) testemunhal produzida nos presentes autos, resultam provados os seguintes factos que se requer sejam adicionados à matéria de acto assente (…)” (conclusão F)
A prova documental e testemunhal produzida nos presentes autos leva necessariamente à total procedência da impugnação dos créditos dos trabalhadores” (conclusão I).
Ora, no caso, deixando de lado essa avaliação, não sobram dúvidas em como a recorrente (insolvente) pretende impugnar factos cuja prova é sustentada em prova testemunhal que foi objeto de gravação (sessão de julgamento de 06.05.2022, sendo que nas demais apenas foram prestadas declarações de parte).
Entendo, como tal, que o recurso devia ter sido admitido e apreciadas as questões nele colocadas, no sentido, em curta síntese:
i) a impugnação da matéria de facto (com a sua rejeição por não terem sido cumpridos os ónus a que se refere o art. 640.º do CPC),
ii) a nulidade da sentença (com improcedência, por a eventual omissão de diligências probatórias prévias não implicar a nulidade da sentença)
e
iii) o erro de julgamento (com a sua procedência, na exata medida em que não se descortina em como a impugnação dos créditos efetuada pela insolvente relativamente a alguns dos trabalhadores - e não a todos consubstancie, sem fundamentação acrescida, abuso do direito (até porque quanto aos demais trabalhadores podem existir fundamentos que justifiquem esse posicionamento).
Paulo Correia
(Helena Melo – 2.ª adjunta)





[1] - Neste sentido, v.g. acórdãos do STJ de 22.10.2015 (processo 2394/11.3TBVCT.G1.S1); 28.04.2016 (processo 1006/12.2TBPRD.P1.S1); 06.06.2018 (processo 4691/16.2T8LSB.L1.S1); 06.06.2019 (processo 2215/12.0TMLSB-B.L1.S1); 19.06.2019 (processo 3589/15.6T8CSC-A.L1.S1); 24.10.2019 (processo 3150/13.0TBPTM.E1.S1); 21.10.2020 (processo 1779/18.9T8BRG.G1.S1) e de 14.09.2021 (processo 18853/17.1T8PRT.P1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.