Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA CONSUMIDOR CONTADOR FALSEADO CONSUMOS IRREGULARES RESPONSABILIDADE CULPA | ||
Data do Acordão: | 09/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 1.º, N.ºS 1 E 2, 3.º, 4.º E 6.º, N.º 1, DO DLEI N.º 328/90, DE 22-10, 13.º E 20.º DA CONSTITUIÇÃO | ||
Sumário: | I – Da conjugação do disposto nos arts. 1º e 3º, do DL 328/90, de 22 de outubro, extrai-se que o consumidor que recebe energia elétrica através de um contador falseado responde perante o distribuidor pelo valor dos consumos irregularmente feitos, ainda que se prove que a adulteração do consumo não se deve a culpa sua. II – O dever de informação prévia ao consumidor de que pode requerer uma vistoria, a que se reporta o art. 1º, nº 1 do DL 328/90, só se encontra previsto para o caso de, efetuada a inspeção à respetiva instalação elétrica, o distribuidor dela concluir ter havido violação do contrato de fornecimento de energia por fraude imputável ao consumidor e pretenda exercer o direito à interrupção do fornecimento da energia elétrica. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: |
Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Catarina Gonçalves 2º Adjunto: Helena Gomes Melo
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO EDP Distribuição de Energia SA (atualmente E-Redes Distribuição de Eletricidade, S.A.), intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum, contra A... S.A., pedindo a condenação desta no pagamento de € 226.783,13, acrescida de juros vencidos e vincendos, a título de indemnização por danos patrimoniais resultantes de atuação ilícita que lhe permitiu efetuar consumos de energia elétrica superiores aos registados e, em consequência não pagos. Para tanto alegou, em síntese: no exercício da sua atividade procede à ligação das instalações de consumo à rede pública de energia elétrica, bem como à fiscalização das instalações elétricas particulares, entre o mais, para detetar ligações abusivas ou manipulações de equipamentos que permitem um consumo de energia elétrica sem pagamento do respetivo preço; aquando da instalação, para além da colocação de um dispositivo controlador de potência, para cumprimento do valor de potência contratada e paga pelos consumidores, é também colocado um equipamento de medição de contagem, o qual efetua os registos de consumo efetuado, sendo o mesmo selado por forma a evitar a sua violação e adulteração dos registos por terceiros; que, na sequência de uma visita técnica efetuada em 11.04.2017 ao local de consumo existente nas instalações da Ré, foram detetadas várias adulterações do equipamento de medição e contagem que permitiam um consumo superior ao que estava a ser registado; retirado o contador e remetido para análise em laboratório credenciado, confirmou as indiciadas adulterações; em face das mesmas, procedeu-se a uma análise dos históricos de consumo de energia na instalação, constatando-se que terão ocorrido em 04.06.2014, data na qual existiu um power down e power up de longa duração e a partir da qual se verifica uma descida abrupta, acentuada e injustificada dos valores de consumo registados pelo contador, os quais logo após a substituição do contador adulterado apresentou valores similares aos registados antes de 04.06.2014. em consequência da atuação ilícita descrita, teve um prejuízo no montante global de 226.783,13, correspondente a 1.794.804 KWh de energia consumida, no valor de € 183.027,72, 108.173 KWh de energia reativa, no valor de € 6.779,43, encargos de potência em hora de ponta, no valor de € 32.113,22, encargos de potência contratada, no valor de € 4.663,30, custos com o equipamento danificado, no valor de € 129,85 e encargos administrativos com a deteção e correção da anomalia, no valor de € 69,60. A Ré apresentou Contestação, alegando, em síntese: nega ter acompanhado a visita técnica realizada no dia 11.04.2017, só tendo sido chamada ao local quando o contador já tinha sido retirado e substituído por outro, sem que tivesse sido informada de que poderia requerer uma outra vistoria nos termos do disposto nos artºs 4º e 5º do Dec. Lei 328/90; dos documentos juntos pela autora, não se verifica que o contador tenha sido colocado num saco de recolha devidamente lacrado de forma a assegurar que não pudesse existir qualquer adulteração do mesmo, depois de retirado, até que fossem realizados os ensaios; nunca teve qualquer acesso ilícito ao contador em causa, o qual está instalado numa área reservada, dentro do posto de transformação de acesso restrito à EDP e às empresas subcontratadas por esta; por outro lado, ainda antes da realização da vistoria, foi informada pela autora da necessidade de proceder à manutenção do posto de transformação, o que fez em 20.02.2017, tendo ido acordado que aquela colocaria um gerador por forma a que a ré continuasse a laborar normalmente e que a ligação deste não demoraria mais do que 15 minutos. Porém, tal não aconteceu, o que provocou avarias em várias máquinas, com um prejuízo no valor de € 4.510,39. também, ainda antes da vistoria de 11.04.2017, mais concretamente em 08.05.2014, vários técnicos da autora acederam ao local para alteração do transformador e vistoria técnica por parte da Direção de Energia, pelo que desconhece em que estado foi deixado o equipamento de contagem após tais intervenções e se durante as mesmas foi feito algum acesso ilícito ao contador. Conclui, pela ausência dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou de enriquecimento sem causa, e em consequência, pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido. Realizada audiência final, foi proferida Sentença, a julgar a ação parcialmente procedente, condenando a ré A..., S.A. a pagar à autora a quantia de € 226.583,67, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. * Inconformada, a Ré A... interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula, face ao nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, ínsito no art. 639º, nº1 do CPC: (…). * A autora apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, pelas razões que sintetiza nas seguintes conclusões:(…). * Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.* II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSOTendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes: 1. Questão prévia – se o recurso deve ser rejeitado por falta de conclusões 2. Impugnação da matéria de facto: a. Aditamento de um facto ao ponto 3. da matéria dada como provada; b. Impugnação da decisão proferida quanto aos pontos 10., 11., 15., 17., 18., 19. e 20., da matéria de facto dada como “provada” c. Impugnação da decisão proferida quanto às alíneas c), d), e), g), h), e i), dos factos dados como “não provados”. 3. Se a ré responde pelos prejuízos causados à autora mesmo que prove que as adulterações ou manipulações no equipamento lhe não foram imputáveis. 4. Não se verificam os pressupostos para a autora efetuar a estimativa de consumo efetuada pelo tribunal. 5. Inconstitucionalidade do artigo 1º, nº2, do DL 328/90, de 22.10. 6. Se a autora se encontrava obrigada a comunicar à Ré que tinha direito a requerer uma segunda vistoria à DGE. * III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Questão prévia – se o recurso deve ser rejeitado por falta de conclusões Não é de dar razão à Apelada quando sustenta que o recurso deve ser rejeitado por falta de conclusões – a recorrente apresentaria extensas conclusões, prolixas, maioritariamente cópia integral do já anteriormente alegado no corpo das alegações de recurso. A consequência que lei determina para as conclusões deficientes, obscuras complexas ou prolixas, é o convite ao recorrente a “completá-las, esclarece-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer o recurso, na parte afetada”, nos termos do artigo 639º, nº3, do Código de Processo Civil. Não se reconhece que, no caso em apreço, as conclusões sejam uma mera reprodução ipsis verbis do alegado no corpo das alegações – ao formular conclusões, a Ré reduziu para cerca de 1/3 o por si anteriormente alegado –, tratando-se, tão só, de uma deficiente síntese das questões fundamentais de discordância com o decidido. Como tal, e sendo nelas perfeitamente identificáveis e compreensíveis as razões de discordância com o decidido, não só improcede a pretensão de rejeição do recurso, como se entende não se justificar o convite ao aperfeiçoamento. * A. Matéria de facto Na decisão recorrida foi proferido o seguinte julgamento relativamente à matéria de facto apresentada nos autos e tida por relevante: Factos Provados 1- A autora, na qualidade de Operador de Rede de Distribuição, exerce, em regime de concessão de serviço público, a atividade de distribuição de energia elétrica em Alta e Média Tensão, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em Baixa Tensão no concelho .... 2- No âmbito da atividade referida em 1, a autora procede à ligação das instalações de consumo à rede pública de energia elétrica que, para tanto, tenham celebrado os respetivos contratos de fornecimento de energia elétrica, junto dos comercializadores que operam no mercado livre ou no mercado regulado. 3- Durante a vigência dos contratos celebrados e, por consequência, do abastecimento da instalação, a autora procede, através dos seus técnicos, à fiscalização das instalações elétricas particulares, tendo em vista, designadamente, a deteção de eventuais ligações abusivas, ou manipulação de equipamentos ou ligações, que permitam o consumo de energia elétrica sem ser pago o respetivo preço. 4- Para os efeitos referidos em 2 é instalado um equipamento de medição e contagem (usualmente denominado contador), propriedade da autora, bem como um dispositivo controlador de potência. 5- O contador referido em 4 é selado com vista a evitar a sua violação e adulteração por terceiros, alheios à atividade da autora e sem autorização para o efeito. 6- A ré é uma sociedade anónima que tem como objeto social a fabricação, comércio de exportação e importação de moldes, cunhos e cortantes, para o que necessita de consumir energia elétrica da rede pública de distribuição, explorada pela autora. 7- A ré é titular de sucessivos contratos de comercialização de energia elétrica para o local de consumo n.º ...00, correspondente à instalação sita na Avenida ..., ... ..., o último dos quais celebrado em 04.10.2012 com o comercializador de energia elétrica em mercado livre EDP Comercial – Comercialização de Energia S.A. 8- A instalação elétrica em causa, é de Média Tensão, para uso não doméstico sendo abastecida de energia elétrica pela rede de distribuição concessionada à autora. 9- No dia 11 de Abril de 2017, a autora efetuou uma vistoria técnica ao local de consumo referido em 7, a qual foi efetuada em cumprimento da ordem de serviço n.º ...61 de “revisão de equipamento MT” para, entre o mais, ser efetuada uma revisão geral aos equipamentos de medição e contagem instalados no local. 10- Previamente à realização da vistoria, os técnicos ao serviço da autora informaram os responsáveis da ré que iriam proceder à mesma e após a sua realização reportaram que o contador apresentava desconformidades. 11- No decurso da vistoria referida em 9, os técnicos ao serviço da autora detetaram a existência de várias desconformidades dos equipamentos de medição e contagem, porquanto após a realização de várias medições, verificaram que o contador registava cerca de menos 50% da energia elétrica efetivamente consumida na instalação em causa. 12- . Em função de tais factos, os técnicos ao serviço da autora procederam à retirada do contador do local, e à instalação de um novo. 13- Os responsáveis da ré referidos em 10 foram informados do resultado da vistoria, tendo-se recusado a assinar o respetivo auto. 14- O contador retirado do local foi remetido para análise no laboratório credenciado LABELEC. 15- Na sequência da análise laboratorial realizada, no que concerne às medições efetuadas pelo contador retirado das instalações da autora, constatou-se que o mesmo apresentava erros de contagem na ordem de menos 53% a menos 70% referentes às condições de referência activa (activa-trifásico e activa-monofásico) e na variação de corrente (reactiva). 16- Na sequência da análise laboratorial realizada, no que concerne à análise do contador retirado das instalações da autora constatou-se que os selos metrológicos estavam colocados mas apresentavam sinais de desgaste e manipulação, tendo havido a substituição das resistências originais por outras com um valor óhmico diferente, o que provoca uma variação da corrente lida pelo contador e consequentemente da energia medida. 17- Em consequência do referido em 16, o valor de corrente de entrada do contador que se encontrava nas instalações da autora era menor que o valor real, sendo a energia contabilizada inferior à consumida. 18- Da análise ao histórico de consumos de energia na instalação, bem como ao registo de telecontagem da mesma, constatou-se que em 04-06-2014 existiu um power down e power up de longa duração, data a partir da qual os consumos registados passaram a ser inferiores aos registados em períodos anteriores e que em 11.04.2017, após a substituição do contador, referida em 12, subiram para valores similares aos que ocorriam até 04.06.2014. 19- Em consequência do facto referido em 17, a ré no exercício da sua atividade, consumiu a energia elétrica não registada sem proceder ao respetivo pagamento. 20- Em consequência do facto referido em 17, no período de 04.06.2014 a 11.04.2017, a ré beneficiou de 1.794.804 kWh de energia consumida, no valor de € 183.027,72; 108.173 kWh de energia reativa, no valor de € 6.779,43, de encargos de potência em horas de ponta, no valor de € 32.113,22 e de encargos de potência contratada, no valor de € 4.663,30, valores que não pagou. 21- A autora teve custos com o equipamento danificado, no valor de € 129,85 e encargos administrativos com a deteção e correção da anomalia, no valor de € 69,60. 22- Por carta datada de 17.01.2019, a autora solicitou à ré o pagamento das quantias referidas em 20 e 21, que até à presente data não foram pagas. 23- Após a vistoria referida em 10, os responsáveis da autora não foram informados de que poderiam requerer à Direção Geral de Energia uma outra vistoria antes da retirada do contador. 24- Em resposta à carta referida em 22, a ré, por missiva datada de 20.10.2017, solicitou o acesso a toda a prova recolhida. 25- Em carta datada de 13.11.2017, a autora reiterou o pedido de pagamento no valor de € 226.783,13 fundamentando o mesmo nas desconformidades detetadas nos aparelhos medida – adulteração no circuito de medição das correntes de entrada, tendo havido uma substituição de resistências, as originais foram trocadas por outras de um valor óhmico diferente, e juntado para efeito cópia do auto de vistoria já antes entregue. 26- Por carta datada de 24.11.2017, entre o mais, a ré voltou a requerer o acesso a toda a prova recolhida nomeadamente às fotografias tiradas e ao relatório elaborado pelo Labelec. 27- Por carta datada de 22.11.2017, a ré requereu à Direção Geral de Energia e Geologia a vistoria da instalação elétrica. 28- Por comunicação de 04.01.2018, a autora enviou à ré as fotografias juntas com o documento 10 da contestação (fls 101 a 106). 29- Em Janeiro de 2018, a ré enviou carta à autora, entre o mais, do seguinte teor: (…) as fotografias que V.Exas enviaram à Requerente não tem qualquer data e estão ilegíveis não sendo possível ver a identificação do contador, nomeadamente o número de série nem os dados que constam no visor do mesmo.Por outro lado, também não foi enviada à Requerente qualquer fotografia do aparelho de medição no saco de recolha e nem foi enviado o relatório elaborado pelo LABEC. A Requerente reafirma de novo não ter feito qualquer utilização irregular de energia eléctrica, nem ter tido qualquer intervenção no equipamento de contagem. A Requerente como já disse no seu anterior requerimento, refuta os consumos que lhe estão a ser imputados e por consequência disso refuta também os valores que s/ os mesmos V.Exas lhe estão a tentar imputar. Face ao exposto, a Requerente vem de novo requerer a V.Exas. o acesso a toda a prova recolhida nomeadamente às fotografias visíveis do aparelho e ao relatório elaborado pelo LABLEC. 30- A autora respondeu à missiva referida em 28, por carta datada de 08.02.2018, informando que estava a reunir informação que lhe permitisse analisar e responder à mesma. 31- A autora remeteu à ré carta datada de 21.03.2018, entre o mais do seguinte teor: Analisámos com atenção a sua nova reclamação de 18 de Janeiro de 2018, sobre o Processo 20... L.C. ...00 (…) Mantemos as informações que anteriormente lhe prestamos Considerando o teor do assunto exposto, informamos que a situação em apreço já foi objecto de análise e resposta, através das comunicações já enviadas, as quais são do seu conhecimento e cujo conteúdo se reitera, atendendo a que não se verificam novos factos que permitam alterar a posição já assumida e transmitida. (…)” 32- Por carta datada de 23.04.2018, a ré, entre o mais, solicitou à autora o envio de toda a prova recolhida, nomeadamente fotografias legíveis e o relatório do LABLEC. 33- Na mesma data, a ré solicitou à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos que notificasse a EDP para que fornecesse cópia de toda a prova recolhida nomeadamente fotografias legíveis e relatório do LABLEC. 34- Por despacho proferido pelo Ministério Público, datado de 14.11.2018, o inquérito nº 88/17...., que havia sido aberto por queixa apresentada pela aqui autora contra a aqui ré por indício de crime de furto, foi arquivado com fundamento na ausência de provas que determinassem a identidade da pessoa ou pessoas que alteraram o contador. 35- A autora, em 21.02.2017, efetuou serviços de manutenção do PT da ré no dia 21.02.2017, tendo ficado acordado entre ambas que o corte de energia para ligação do gerador ocorreria a partir das 12.30 e depois das 17.15. 36- A ré em 01.03.2017 comunicou que no decurso do serviço de manutenção haviam ocorrido diversos cortes de energia, o que provocou avarias em duas máquinas e a paragem das restantes máquinas durante um período de 5 horas, reclamando para o efeito o pagamento de € 4.510,93 no dia 03.04.2017. 37- Em 04.06.2014, a Direção Regional da Economia de Lisboa e Vale do Tejo emitiu uma licença de exploração para o PT, instalado em 08.05.2014, de 630 KVA na unidade industrial da ré. Para além de factos manifestamente contrários aos dados como provados, conclusivos ou que contenham matéria de direito não se provou que: a) A vistoria técnica referida em 9 foi acompanhada por representantes da Sociedade ré designadamente, segundo identificação fornecida aos técnicos da A., a “Sra. AA e o Sr. BB”. b) A ocorrência referida em 18 terá permitido o acesso indevido ao equipamento, para troca das respetivas resistências. c) A informação de que o contador apresentava desconformidades, nos termos referidos em 10, foi após o contador já ter sido retirado. d) Imediatamente após da retirada do contador referida em 12, o mesmo não foi colocado num saco devidamente selado. e) Até à data da entrada da ação e apesar das várias solicitações por parte da ré, a autora nunca facultou o acesso a qualquer documento, ou outro que pudesse constituir qualquer meio de prova existente. f) Na sequência da carta referida em 31, a autora limitou-se a responder por carta datada de 23.04.2018 que a Ré deveria solicitar essa documentação no processo crime n.º 88/17...., data em que esta teve conhecimento que a autora já em 15.05.2017 tinha instaurado uma queixa crime contra si. g) O contador referido em 4 está numa área reservada dentro do posto de transformação de acesso restrito à EDP e às empresas subcontratadas por esta. h) Na ocasião referida em 34 tenha ficado acordado entre a autora e a ré que a EDP colocaria um gerador de forma à ré continuar a laborar normalmente e que a ligação do gerador não demoraria mais de 15 minutos. h) Para o efeito referido em h) a ré foi informada que a autora para a colocação de geradores enquanto decorria a Manutenção do Posto de Transformação subcontratou a empresa B..., SA que, por sua vez subcontratou a empresa C..., Lda. * 2. Impugnação da matéria de facto. (…). * B. O Direito. 1. Se a decisão recorrida fez uma errada interpretação do D.L. n.º 328/90 de 22.10 A decisão recorrida condenou a Ré no pagamento da energia consumida e não paga, durante o período de 04-06-2014 a 11-04-2017, com base na seguinte fundamentação: “(…) Em face desta factualidade, a autora funda o seu pedido numa actuação ilícita decorrente da adulteração e manipulação do equipamento de contagem que lhe permitia um consumo eléctrico superior ao registado e, por aí, não pago. Em bom rigor, a autora não alega ter sido a ré quem procedeu directamente a essa adulteração ou manipulação, mas tão somente que foi dela(s) a beneficiária e, como veremos, tal é suficiente. Com efeito, à data dos factos, regia a este propósito o Dec. Lei 328/90 de 22 de Outubro que dispunha no artº 1º nº 1 “constituir violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica qualquer procedimento fraudulento susceptível de falsear a medição da energia eléctrica consumida ou da potência tomada, designadamente a captação de energia a montante do equipamento de medida, a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos de medida ou de controlo da potência, bem como a alteração dos dispositivos de segurança, levada a cabo através da quebra dos selos ou por violação dos fechos ou fechaduras. Por sua vez, dispunha o nº 2 do mesmo artigo que qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia eléctrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor. Desta forma, independentemente de ter sido ou não a ré a autora das detectadas adulterações ou manipulações do equipamento de medição e contagem, verificadas estas, responde a mesma perante o distribuidor pelas consequências advindas de tal facto. Como referido no AC.RP de 13.05.2021 esta disposição não encerra uma presunção de facto mas antes uma presunção de responsabilidade (de ilicitude e culpa). Ao estabelecer que qualquer procedimento fraudulento se presume, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor, a norma não presume que o consumidor foi o autor do procedimento fraudulento, a norma responsabiliza o consumidor que recebe energia através do equipamento falseado perante o distribuidor pelas consequências desse procedimento, excepto se provar que o mesmo não se deve a culpa sua. (…) E continua nessa medida, para exigir do consumidor o pagamento do valor da energia consumida, mas não medida, o distribuidor só tem de demonstrar que o equipamento de contagem que serve aquele consumidor foi objecto de uma intervenção fraudulenta, cabendo ao consumidor fazer a prova de que essa intervenção não resultou de culpa sua, designadamente por ser devido a caso de força maior ou motivo estranho à sua vontade, como o ter sido praticado por terceiro. Ora, a este respeito a ré nada alegou, centrando a sua defesa no facto de os seus representantes não terem acompanhado a realização da vistoria e a retirada do contador, nem terem sido informados que poderiam requerer à Direcção Geral de Energia uma outra vistoria antes desta última ser efectuada, factos que, a seu ver, impedem se possa dar por provada qualquer adulteração, face ao disposto no artº 4º do Dec.Lei 328/90. No caso concreto, tal dever de informação não impendia sobre a autora como resulta das disposições conjugadas dos artºs 3º e 4º daquele diploma legal, pelo que a factualidade dada por provada em 23 não assume qualquer relevância. Com efeito, dispõe o artº 3º que: 1- Se da inspecção referida no artigo anterior se concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza dos seguintes direitos: a) Interromper o fornecimento de energia eléctrica, selando a respectiva entrada; b) Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas activas do distribuidor. 2 - Quando o consumidor não seja o autor do procedimento fraudulento ou por ele responsável, o distribuidor tem apenas direito a ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito pelo consumidor. Por sua vez, estabelece o artº 4º nº 1 que o direito consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º só pode ser exercido depois de o distribuidor ter notificado, por escrito, o consumidor do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o ter informado dos seus direitos, nomeadamente o de poder requerer à Direcção-Geral de Energia a vistoria prevista no artigo seguinte. Significa isto que o dever de informação que a ré alega não ter sido cumprido, apenas se impunha à autora, caso esta tivesse interrompido o fornecimento de energia eléctrica, nos termos do artº 3º nº 1 al.a), o que não fez. Posto isto, encontra-se demonstrado que o equipamento de medição e contagem colocado nas instalações da ré foi manipulado, designadamente pela substituição das resistências originais por outras com valor óhmico diferente que provoca uma variação da corrente lida pelo contador e consequentemente da energia medida, permitindo, deste modo que a ré tenha consumido energia eléctrica não registada (cf. factos 16 a 19). Se assim é, impende sobre a ré a presunção de responsabilidade a que supra aludimos, não tendo esta logrado ilidi-la pela prova de que tal manipulação tenha sido efectuada por terceiros sem a sua autorização e conhecimento ou que a mesma tenha ocorrido por qualquer outro motivo. Deste modo, nos termos da citada disposição legal é a ré responsável perante a autora pelo valor dos consumos não registados, no valor global de € 226.583,67 (183.027,72+6.779,43+32.113,22+4.663,30)”. * Insurge-se a Apelante contra o decidido, alegando que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do regime previsto no D.L. 328/90 de 22.10, nomeadamente, no que se refere: a) ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 1º: - por considerar que, em face desta disposição legal independentemente de ter sido a Recorrente ou não a autora das detetadas adulterações ou manipulações do equipamento de medição e contagem, verificadas estas, responde a mesma perante o distribuidor pelas consequências advindas deste ato; desta norma, ao contrário do que o Tribunal a quo refere, não resulta que independentemente de ter sido a Recorrente, ou não, a autora das detetadas adulterações ou manipulações do equipamento de medição e contagem, verificadas estas responde a mesma perante o distribuidor pelas consequências advindas deste ato; desde que o consumidor prove que a existir uma adulteração do contador a mesma não se deveu a culpa sua, não pode o mesmo ser responsabilizado pelas consequências advindas desse ato; a existir qualquer adulteração do contador, a mesma não pode ser imputada à Recorrente, pois não tinha sequer acesso ao local onde estava o contador e não fez qualquer adulteração ao contador; o contador estava num local de acesso restrito à EDP e às empresas subcontratadas por esta. Logo, não pode ser imputada qualquer culpa à aqui Recorrente. - acresce ainda que a interpretação feita pelo Tribunal a quo do disposto no n.º 2 do Artigo 1.º do D.L. n.º 328/90 de 22.10 de que a prova de que não foi cometido qualquer procedimento fraudulento cabe ao consumidor da energia, é inconstitucional. pois, regra geral, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342º do Código Civil, para os outros casos é a parte que instaura a ação que deve fazer prova dos fatos constitutivos do seu direito. não faz qualquer sentido que, neste caso em que é a EDP quem faz a inspeção ao local, quem realiza as verificações, a única entidade que mexe no contador, que seja invertido o ónus da prova e caiba à parte mais fraca “o consumidor”, provar que não cometeu o procedimento fraudulento; tanto mais que no âmbito do processo crime ficou provado que a Recorrente não cometeu qualquer procedimento fraudulento e por isso o mesmo foi arquivado. é sabido que a prova pela negativa se revela praticamente impossível! tal interpretação feita pelo Tribunal a quo, na medida em que cria uma clara proteção da A, em relação à Ré, configura uma clara violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, bem como do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20º da Constituição da Republica Portuguesa. Cumpre apreciar. Na decisão recorrida entendeu-se que, fundamentando a autora o seu pedido na adulteração do equipamento de contagem, permitindo-lhe à Ré um consumo de eletricidade superior ao registado e, como tal, não pago, esta é responsável pelo pagamento do valor da energia consumida e não paga, independentemente de ter sido ela, ou não, quem procedeu a tal procedimento fraudulento. E, a nosso ver, é esta a correta interpretação resultante das disposições conjugadas dos artigos 1º, 2º e, e 3º, do DL nº 328/90, de 22 de outubro, que aqui reproduzimos por facilidade de raciocínio: Artigo 1.º 1 - Constitui violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica qualquer procedimento fraudulento susceptível de falsear a medição da energia eléctrica consumida ou da potência tomada, designadamente a captação de energia a montante do equipamento de medida, a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos de medida ou de controlo da potência, bem como a alteração dos dispositivos de segurança, levada a cabo através da quebra dos selos ou por violação dos fechos ou fechaduras. 2 - Qualquer procedimento fraudulento detectado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia eléctrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respectivo consumidor. Sempre que haja indícios ou se suspeite da prática de qualquer procedimento fraudulento, o distribuidor poderá proceder à inspeção da respetiva instalação elétrica (artigo 2º), dispondo-se o seguinte, quanto aos resultados daí resultantes: Artigo 3.º 1 - Se da inspecção referida no artigo anterior se concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia eléctrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza dos seguintes direitos: a) Interromper o fornecimento de energia eléctrica, selando a respectiva entrada; b) Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas activas do distribuidor. 2 - Quando o consumidor não seja o autor do procedimento fraudulento ou por ele responsável, o distribuidor tem apenas direito a ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito pelo consumidor. De tais normas resulta claramente que: 1. qualquer procedimento fraudulento é imputável ao consumidor, salvo prova em contrário; 2. se for imputável ao consumidor (porque se provou ter sido ele o autor do procedimento fraudulento, ou porque não conseguiu ilidir a presunção contida no nº2 do art. 1º), o distribuidor tem direito a ser ressarcido nos termos do artigo 3º, nº1, ou seja, terá direito ao valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dividas ativas do distribuidor. 3. se não for o consumidor o autor do procedimento fraudulento ou por ele responsável, o distribuidor será ressarcido nos termos previstos no artigo 3º, nº2, ou seja, terá direito unicamente ao valor do consumo irregularmente feito pelo consumidor. Provada a existência de qualquer procedimento fraudulento suscetível de falsear a medição da energia elétrica consumida ou da potência tomada (ónus da prova que incumbe ao distribuidor), o distribuidor tem sempre o direito a ser ressarcido dos consumos efetuados, pelo simples facto de que é foi ele o beneficiário dos mesmos. Como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-05-2021[1], citado na decisão recorrida, dos ns. 1 e 2 do artigo 3º, resulta “que o direito ao ressarcimento do consumo irregularmente feito, rectius, ao pagamento da diferença entre o preço da energia efetivamente consumida, não está dependente de ter sido o próprio consumidor a executar o procedimento fraudulento sobre o aparelho de medição. O que se compreende, aliás, porque se assim não fosse sempre haveria lugar à restituição dessa diferença de preço a título de enriquecimento sem causa, tendo o consumidor de pagar ao distribuidor o valor com que enriqueceu por ter consumido energia que não pagou”. Na interpretação a dar ao regime constante em tal diploma, atrevemo-nos a considerar que, por força da conjugação do disposto nos arts. 1ºe 3º, o consumidor que recebe energia elétrica através de um contador falseado responde perante o distribuidor pelo valor dos consumos irregularmente feitos, ainda que se prove que a adulteração do consumo não se deve a culpa sua. Tal entendimento sai reforçado pela leitura do preâmbulo do Dec. Lei nº 328/90, onde se salienta a existência de práticas fraudulentas generalizadas a nível internacional, visando a redução dos valores faturados, com a consequente fuga ao pagamento dos consumos reais e encontrando-se em causa um bem essencial - a energia elétrica - e o serviço público da sua distribuição, as práticas referidas, além de constituírem uma violação do contrato de fornecimento de energia elétrica, por fuga ao pagamento devido, configuram ainda um ilícito social. Daí se concluindo que “Parece, pois, indispensável e urgente tomar medidas que sejam adequadas à erradicação de tais práticas e, ao mesmo tempo, permitir que os distribuidores se possam ressarcir do valor dos consumos verificados durante a existência da fraude e das despesas dela emergentes”. De qualquer modo, no caso em apreço, a questão levantada pelo Apelante – de que a sentença recorrida fez uma errada interpretação do artigo 1º, ns. e 2, ao sustentar que, independentemente de ter sido a Recorrente ou não a autora das detetadas adulterações ou manipulações do equipamento de medição e contagem, verificadas estas, responde a mesma perante o distribuidor pelas consequências advindas deste ato – acaba por perder a sua relevância, uma vez que, no caso em apreço, a Ré não logrou provar que o procedimento fraudulento não tenha sido por ela executada ou da sua responsabilidade. Com efeito, a Apelante não logrou a prova de que não podia ter sido ela a autora da adulteração por não ter acesso ao local onde se encontrava o contador (al. g) dos factos dados como não provados), tendo sido julgada improcedente a impugnação por si deduzida contra a decisão proferida relativamente a tal matéria. Quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação feita pelo tribunal recorrido relativamente ao disposto no nº2 do artigo 1º do D.L. n.º 328/90 de 22.10, de que a prova de que não foi cometido qualquer procedimento fraudulento cabe ao consumidor da energia. As regras relativas ao ónus da prova contidas nos artigos 342º e 343º do Código Civil, “invertem-se quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, em de um modo geral, sempre que a lei o determine” [artigo 344º do Código Civil]. É a própria lei que prevê as situações em que o critério do artigo 342º se altera, onde se inclui a presunção legal, sendo o ónus da prova atribuído àquela parte que não o teria de acordo com as regas gerais. “Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” [artigo 350º, nº1, CC]. As presunções legais ou de direito são as que decorrem da própria lei, ou seja, é a norma legal que verificado determinado facto, dá como provado um outro facto[2]. O nº2 do artigo 1º do DL nº 328/90, de 22 de outubro, ao dispor que “qualquer procedimento fraudulento detetado no recinto ou local exclusivamente servido por uma instalação de utilização de energia elétrica presume-se, salvo prova em contrário, imputável ao respetivo consumidor.”, contém uma presunção legal, ilidível mediante prova em contrário. “A inversão probatória operada pelas presunções legais ocorre na medida em que a parte onerada pelo ónus da prova, nos termos das regras gerais, se possa limitar a provar o facto base da presunção, ficando desonerada da prova do facto presumido. Será eventualmente à contraparte que caberá o ónus da prova do contrafacto presumido. (…)Em rigor, pode afirmar-se que as presunções legais não operam uma verdadeira inversão do ónus da prova. O que ocorre é uma deslocação do ónus da prova para um facto tendencialmente mais fácil de demonstrar. Mas o ónus da prova mantém-se na parte inicialmente onerada. Apenas em parte existe uma inversão, relativamente ao facto presumido[3]”. Na presunção legal, exige-se sempre a prova do facto-base à parte beneficiada, podendo esta limitar-se a demonstrar um facto cuja prova é claramente mais fácil que a do facto que teria provar se não existisse presunção, incumbindo à parte contrária a prova do facto presumido[4]. No âmbito da presunção em apreço, o fornecedor de energia elétrica terá de demonstrar “a existência de procedimento fraudulento suscetível de falsear a medição da energia elétrica consumida ou da potencia tomada, designadamente a captação de energia a montante do equipamento de medida, a viciação, por qualquer meio, do funcionamento normal dos aparelhos de medida ou de controlo da potência, bem como a alteração dos dispositivos de segurança, levada através da quebra dos selos ou por violação dos fechos ou fechaduras”. Provada essa viciação suscetível de falsear a medição da energia elétrica, presume-se que essa viciação é imputável ao consumidor, cabendo a este, sendo cado disso, a prova de que tal viciação foi efetuada por terceiro ou se deveu a causa de força maior. A presunção de responsabilidade assenta no raciocínio de que o consumidor é quem tem o controlo das instalações, sendo ele quem tem livre acesso as mesmas, incumbindo-lhe a respetiva vigilância, pelo que, o que lá acontecer é da sua responsabilidade, presunção que é comum em várias outras áreas (ex. presunção no exercício de atividades perigosas, nos termos do art. 493º, nº2, CC, e relativamente ao detentor do veículo, nº 1 do artigo 503º). Não acompanhamos, assim, a afirmação da Apelante, de que tal presunção, protege claramente a autora em relação à ré, violando o principio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP ou o acesso à tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20º da CRP. A norma em apreço faz uma distribuição dos factos a provar, contendo uma presunção relativa que faz recair a prova de determinados factos sobre a autora – a existência de vício suscetível de alterar a medição da energia elétrica – e outros sobre a Ré – que, a existir vício é imputável a terceiro ou força maior –, partindo dos interesses em causa, do fornecedor de energia, por um lado, e do consumidor, por outro lado, dos meios que cada um pode controlar e da facilidade de acesso a meios de prova. De qualquer modo, também a invocada inconstitucionalidade é irrelevante para a situação em apreço, uma vez que a autora não faz assentar o seu pedido de restituição dos valores consumidos na circunstância de ter sido a Ré a autora da intervenção fraudulenta (ainda que por falta de elisão de tal presunção), para efeitos de a responsabilizar pelos prejuízos causados à distribuidora nos termos do artigo 3º nº1, fundamentando o pedido restituição do consumo irregularmente feito pelo consumido no artigo 3º, nº2, direito que é atribuído ao distribuidor “quando o consumidor não seja o autor do procedimento fraudulento ou por ele responsável”. b) errada interpretação do disposto no nº1 do artigo 6º do DL nº 328/90 de 22/10 e Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de dados de Energia Elétrica em Portugal Continental Segundo a Apelante, a decisão recorrida fez uma errada interpretação do nº1 do artigo 6º do DL nº 328/90 de 22/10 e Guia de Medição, Leitura e Disponibilização Elétrica em Portugal Continental, porquanto, conforme consta dos fatos provados e não provados, não foi dado como provado que o início do procedimento fraudulento tenha ocorrido na data do power up power down. E cabia à Recorrida fazer prova do período de tempo em que o procedimento alegadamente fraudulento teve lugar, bem como provar a data da última deslocação e os consumos anteriores e posteriores. Mas a Recorrida não logrou fazer tal prova. Não é de dar razão à Apelante. Vejamos o teor das normas que a Apelante alega terem sido violadas, com fundamento em que não se mostram provados os factos necessários ao calculo do montante das energia consumida e não paga. Artigo 6º, nº1, do DL 328/90, de 22.10: “Para a determinação do valor do consumo irregularmente feito ter-se-á em conta o tarifário aplicável, bem como todos os factos relevantes para a estimativa do consumo real durante o período em que o acto fraudulento se manteve, designadamente as características da instalação de utilização, o seu regime de funcionamento, as leituras antecedentes, se as houver, e as leituras posteriores, sempre que necessário. E Guia de Medição, Leitura e Disponibilização de Dados de Energia Elétrica em Portugal Continental, aprovado pela Directiva da ERSE nº5/2016, publicado no D.R., 2ª série, nº 40, de 26/02/2016, na Secção IV, respeitante às regras para a determinação de consumo associado a procedimento fraudulento: ponto 31.2.1: Uma vez comprovada a existência de procedimento fraudulento, compete ao ORD fazer prova do período de tempo durante o qual este teve lugar. Para o efeito, o ORD deverá verificar, entre outras situações, a eventual ocorrência de variações abruptas no perfil de consumo da instalação e a data da última deslocação à instalação, com acesso ao equipamento de medição Relativamente a tal matéria encontram-se dados como provados os seguintes factos: 9- No dia 11 de Abril de 2017, a autora efetuou uma vistoria técnica ao local de consumo referido em 7, a qual foi efetuada em cumprimento da ordem de serviço n.º ...61 de “revisão de equipamento MT” para, entre o mais, ser efetuada uma revisão geral aos equipamentos de medição e contagem instalados no local. 11- No decurso da vistoria referida em 9, os técnicos ao serviço da autora detetaram a existência de várias desconformidades dos equipamentos de medição e contagem, porquanto após a realização de várias medições, verificaram que o contador registava cerca de menos 50% da energia elétrica efetivamente consumida na instalação em causa. 12- . Em função de tais factos, os técnicos ao serviço da autora procederam à retirada do contador do local, e à instalação de um novo. 16- Na sequência da análise laboratorial realizada, no que concerne à análise do contador retirado das instalações da autora constatou-se que os selos metrológicos estavam colocados mas apresentavam sinais de desgaste e manipulação, tendo havido a substituição das resistências originais por outras com um valor óhmico diferente, o que provoca uma variação da corrente lida pelo contador e consequentemente da energia medida. 17- Em consequência do referido em 16, o valor de corrente de entrada do contador que se encontrava nas instalações da autora era menor que o valor real, sendo a energia contabilizada inferior à consumida. 18- Da análise ao histórico de consumos de energia na instalação, bem como ao registo de telecontagem da mesma, constatou-se que em 04-06-2014 existiu um power down e power up de longa duração, data a partir da qual os consumos registados passaram a ser inferiores aos registados em períodos anteriores e que em 11.04.2017, após a substituição do contador, referida em 12, subiram para valores similares aos que ocorriam até 04.06.2014. 20- Em consequência do facto referido em 17, no período de 04.06.2014 a 11.04.2017, a ré beneficiou de 1.794.804 kWh de energia consumida, no valor de € 183.027,72; 108.173 kWh de energia reativa, no valor de € 6.779,43, de encargos de potência em horas de ponta, no valor de € 32.113,22 e de encargos de potência contratada, no valor de € 4.663,30, valores que não pagou. De tais factos resulta claro qual o momento em que o comportamento fraudulento ocorreu – 04-06-2014, data a partir da qual se registaram as alterações abruptas de consumo. Quanto à questão de os cálculos do valor da energia consumida ilicitamente e não paga não respeitarem os critérios constantes do artigo 6º, do DL 238/90, a mesma foi já apreciada aquando do julgamento da impugnação deduzida pela Apelante à matéria de facto constante do ponto 20. dos factos provados. c) errada interpretação do nº1 do artigo 4º do DL nº 328/90 Segundo o Apelante, o tribunal fez uma errada interpretação do nº1 do artigo 4º do DL nº328/90, ao considerar que só existia o dever da Recorrida informar a Recorrente de que podia requerer uma outra vistoria à Direção Geral de Energia, caso tivesse interrompido o fornecimento de energia elétrica, o que está incorreto. O direito que a ser informada de que pode requerer à DGE uma vistoria justificar-se-ia não só no caso de interrupção do fornecimento de energia elétrica, como quando o distribuidor opte primeiro por exigir o pagamento do consumo de energia faturado, sendo este o entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.11.2019 in www.dgsi.pt. Cumpre apreciar É o seguinte o teor das normas com relevo para a apreciação da questão levantada pela Apelante: Art. 3.º - 1 - Se da inspeção referida no artigo anterior se concluir pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia elétrica por fraude imputável ao consumidor, o distribuidor goza dos seguintes direitos: a) Interromper o fornecimento de energia elétrica, selando a respetiva entrada; b) Ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito e das despesas inerentes à verificação e eliminação da fraude e dos juros que estiverem estabelecidos para as dívidas activas do distribuidor. 2 - Quando o consumidor não seja o autor do procedimento fraudulento ou por ele responsável, o distribuidor tem apenas direito a ser ressarcido do valor do consumo irregularmente feito pelo consumidor. Art. 4.º 1 - O direito consagrado na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º só pode ser exercido depois de o distribuidor ter notificado, por escrito, o consumidor do valor presumido do consumo irregularmente feito e de o ter informado dos seus direitos, nomeadamente o de poder requerer à Direcção-Geral de Energia a vistoria prevista no artigo seguinte. De tais normas resulta claramente que, tal como foi entendido na decisão recorrida, apenas o exercício do direito do distribuidor previsto na al. a) do nº1 do art. 3º – interromper o fornecimento de energia elétrica – se encontra dependente da prévia notificação do consumo irregularmente feito e da informação sobre os seus direitos. Tal dever de informação prévia só se encontra previsto para o caso de, efetuada a inspeção à respetiva instalação elétrica, o distribuidor dela concluir ter havido violação do contrato de fornecimento de energia por fraude imputável ao consumidor e pretenda exercer o direito à interrupção do fornecimento da energia elétrica, previsto no artigo 3º, nº1 al. a)[5]. Daí que, no nº2 do artigo 5º, para o qual remete o nº1 do artigo 4, se dispõe que “sempre que o consumidor entenda não ter cometido qualquer fraude, poderá requerer à Direção-Geral de Energia, sem prejuízo do direito de recorrer aos tribunais, a vistoria da instalação elétrica, a qual será sempre realizada no prazo máximo de 48 horas”. Sendo a energia elétrica um bem essencial, cuja distribuição é considerada um serviço público, tal imposição vai de encontro ao disposto no artigo 5º ns. 1 a 3, da Lei nº 23/96, de 26 de julho – diploma que cria alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais –, que dispõe que a prestação de um serviço publico não pode ser suspensa sem pré-aviso adequado, salvo caso fortuito ou de força maior, devendo o utente ser advertido do motivo da suspensão, informado dos meios que tem ao seu dispor para evitar a suspensão do serviço e, bem assim, para a retoma do mesmo, sem prejuízo de poder fazer valer os direitos que lhe assistam nos termos gerais. No caso em apreço, não invocando a autora que da inspeção à energia elétrica se tenha concluído pela existência de violação do contrato de fornecimento de energia elétrica por fraude imputável ao consumidor e não tendo procedido à interrupção do fornecimento da energia elétrica, não impendia sobre a autora o cumprimento do dever de informação a que se reporta o nº1 do artigo 4º. A apelação é de improceder na sua totalidade. * IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas da Apelação a suportar pela Apelante. Notifique. Coimbra, 10 de setembro de 2024
V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC. (…)
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