Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
182/14.4TTGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE RECONHECIMENTO DE CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DA EXISTÊNCIA
CONTRATO DE TRABALHO
ILISÃO
PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 02/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 26º, Nº 1, AL. I), E 186º-K, Nº 1 DO CPT; 12º, Nº 1 DO CT/2009. 350º DO C. CIVIL.
Sumário: I – O nº 1 do artº 12º do CT/2009 elenca os índices de subordinação que, verificando-se, fazem presumir a existência de um contrato de trabalho.

II – Como resulta do teor do seu corpo, é condição suficiente para operar a presunção da laboralidade a verificação de duas das características afirmadas nessa norma.

III – Essa presunção é, porém, ilidível, admitindo prova em contrário, nos termos do artº 350º, nº 2 do C. Civil.

IV – No contrato de trabalho é a actividade do trabalhador que é adquirida pelo outro contratante que a organiza e dirige com vista à obtenção de um resultado para além do contrato. Ao invés, na prestação de serviço o que a outra parte adquire é o resultado de uma actividade.

Decisão Texto Integral:  
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O Ministério Público veio instaurar acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 26º, nº 1, al. i), e 186º-K, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, ambos com as alterações introduzidas pela Lei nº 63/2013, de 27 de Agosto, contra a ré, pedindo que seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a ré e C...., fixando-se a data do seu início desde em 1/11/2011.

Alegou, em síntese, que a indicada trabalhadora exerce funções, ininterruptamente, desde Setembro de 2011, como professora em escola de natação gerida pela ré, que utiliza instrumentos pertencentes à piscina mas que lhe são disponibilizados pela ré, que acede às instalações munida de um cartão que a ré forneceu, que no início do ano lhe é atribuído um horário pela ré e que fica obrigada a cumprir, que cumpre conteúdos programáticos definidos para cada turma de alunos e controlados pela ré e que regista as suas presenças e as comunica ao coordenador, auferindo quantias que variam entre os € 128,75 e os € 1.508,75 mensais consoante o número de horas que lecciona.

Contestou a ré, alegando designadamente que contratou profissionais para a prestação de serviço de ensino de natação, remunerados consoante o número de turmas que tem, que não fornece os equipamentos, que a colaboradora em causa não respeita qualquer horário, que são os Serviços Municipalizados de Água, Saneamento e Piscinas de (...) (SMAS) que determinam os dias disponíveis para as aulas, que são os próprios colaboradores que asseguram as suas substituições, contactando outro colega. Concluiu pela inexistência de contrato de trabalho, pedindo a improcedência da acção.

Prosseguindo o processo, veio a ser proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, declarou que entre a ré e C..., existe um contrato de trabalho, o qual vigora desde 1 de Setembro de 2011.
Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
[…]

Não foram apresentadas contra-alegações.


*

II- FUNDAMENTAÇÃO

A- Factos considerados como provados pela 1.ª instância.

Da decisão relativa à matéria de facto, foram considerados como provados os seguintes factos:

[…]

B. Apreciação.

É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação.

Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:

- se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada.

- se o vínculo contratual entre a ré e a alegada trabalhadora C... podia ou não ser qualificado como contrato de trabalho.

B.1. Quanto à decisão relativa à matéria de facto:

A apelante suscita no recurso a sua discordância quanto à decisão recorrida indicando que a mesma não “ponderou correctamente a factualidade carreada para os autos quer em termos documentais quer em termos testemunhais” e “obliterou de forma total a relevância do depoimento prestado pela testemunha C..., no essencial que dele se contém” (conclusões A) e B) do recurso).

Não obstante essa enunciação não é claro se pretende ou não a alteração da decisão relativa à matéria de facto já que, embora faça referência a concretos depoimentos prestados em audiência, não indica concretos factos que em seu entender deveriam ter sido provados ou não provados.

O art. 640.º do actual Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (aplicável ao presente recurso), dispõe que ao recorrente que pretenda impugnar a decisão relativa à matéria de facto incumbe, sob pena de rejeição, indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, bem como a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (n.º 1). Mais estabelece que (n.º 2 al. a)) “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Ora, percorrendo as alegações e conclusões do recurso para verificar se a apelante deu efectivo cumprimento a esses ónus, importa concluir que não o fez.

Na verdade, não indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Por outro lado, referindo-se a prova documental não concretizou quais os documentos a que se refere e, referindo-se a depoimentos gravados, não indicou com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.

Deste modo, por incumprimento desses ónus, não é possível admitir qualquer impugnação da decisão relativa à matéria de facto, pelo que não se conhecerá da mesma.

A matéria de facto a considerar na apreciação da questão de direito colocada será assim a fixada pela 1.ª instância e acima reproduzida.

B.2. Quanto à questão da qualificação do contrato:

Estava em causa indagação sobre a qualificação do acordo celebrado, entre a C..., como contrato de trabalho, tal como sustentou o Ministério Público. Já a ré defende que o contrato em causa era um contrato de prestação de serviço.

Conforme está provado, a relação contratual entre as partes iniciou-se em Setembro de 2011. Por isso, teve o seu começo na vigência do actual Código do Trabalho de 2009 e a questão da qualificação dos contratos deve ser aferida à luz do respectivo regime jurídico-laboral.
Na sentença recorrida, ponderou-se esse regime e, particularmente, a presunção de laboralidade que decorre do estatuído no art. 12.º do Código do Trabalho de 2009.
Ali se escreveu, designadamente, o seguinte:
«Efectivamente, a determinação da existência de subordinação jurídica e dos seus contornos consegue-se mediante a análise do comportamento das partes e da situação de facto, através de um método de aproximação tipológica. A subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e/ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: i) a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; ii) o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; iii) existência de controlo do modo da prestação do trabalho; iv) obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; v) propriedade (ou decisão) dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; vi) retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; vii) exclusividade (ou enorme predominância) de prestação do trabalho a uma única entidade. Esclareça-se, por fim, que a subordinação apenas exige a mera possibilidade de ordens e direcção e pode até não transparecer em cada momento da prática de certa relação de trabalho, havendo, muitas vezes, a aparência da autonomia do trabalhador que não recebe ordens directas e sistemáticas da entidade patronal, o que sucede sobretudo em actividades, como as desenvolvidas pelos enfermeiros, cuja natureza implica a salvaguarda da autonomia técnica e científica do trabalhador. No caso em apreço, verificam-se todos os apontados elementos indiciários da existência de um contrato de trabalho.
Como dispõe o art.º 12º do código do trabalho, nas alíneas a) a d) do seu nº 1, “presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre uma pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; os equipamentos e os instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador da actividade, como contrapartida da mesma”.
Ora, atentos os factos provados, verificam-se exactamente todas estas características na relação que une a empresa demandada a esta professora, pelo que se presume estarmos perante uma relação laboral. Em harmonia, agora, com o disposto no art.º 349º do código civil, “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tiram de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido”, pelo que, como reza o nº 1 do art.º 350º do mesmo código, “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”. Assim, importa concluir que esta profissional tem a uni-la, à empresa demandada, a R... Lda, desde o momento em que aí iniciou funções, um contrato de trabalho.»

É justamente a verificação por um inspector do trabalho de uma situação de prestação de actividade, aparentemente autónoma, em condições análogas ao contrato de trabalho nos termos descritos no art. 12.º do Código do Trabalho que deve conduzir à elaboração de um auto de notícia que pode dar origem a uma acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, como a presente, nos termos do art. 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14/9, aditado pela Lei n.º 63/2013, de 27/8.

O n.º 1 do art. 12.º do CT/2009 elenca os índices de subordinação que, verificando-se, fazem presumir a existência de um contrato de trabalho. Como resulta do teor do seu corpo, é condição suficiente para operar a presunção da laboralidade a verificação de duas das características afirmadas na norma (o que se retira da expressão “se verifiquem algumas das seguintes características”, que induz – do plural usado - que não basta uma, sendo necessária a reunião de mais do que uma das características). A presunção é, contudo, ilidível, admitindo prova em contrário nos termos do art. 350.º, n.º 2, do Código Civil.

Assim, nos termos dessa norma presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

O tribunal a quo considerou que resultaram provados factos subsumíveis a todos os índices de presunção indicados, embora não tenha concretizado devidamente a tais índices dos factos concretamente provados.

A presunção em causa visa concerteza facilitar a demonstração da existência de contrato de trabalho, em casos de dificuldade de qualificação, e tem a sua inspiração no chamado método indiciário usado na nossa jurisprudência – e referido na sentença recorrida - para alcançar a qualificação do contrato [com o recurso a índices negociais internos – p. ex., o local da actividade pertencer ao beneficiário da mesma, ou ser por ele determinado; a existência de um horário de trabalho; a utilização de bens ou de utensílios fornecidos pelo beneficiário da actividade; a existência de uma remuneração certa, com aumento periódico; o pagamento de subsídio de férias e de Natal; a integração na organização produtiva, a submissão do prestador ao poder disciplinar - e externos - p. ex., a sindicalização do prestador da actividade, a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem e a exclusividade da actividade a favor do beneficiário]. Mas, diversamente desse método indiciário, que determinava a busca de um numeroso e convincente conjunto de indícios, a presunção prevista no art. 12.º do Código do Trabalho basta-se, como dissemos, com a verificação de dois dos indícios/características apontados.

Como se afirmou nos Acórdãos desta Relação de 10-07-2013 (relatado pelo presente relator) e de 26-09-2014 (relator: Ramalho Pinto), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, a verificação de duas dessas características têm, apesar de tudo, de ser enquadrada num ambiente contratual genético e de execução que permita dúvidas consistentes sobre a qualificação. Só assim a presunção revestirá uma operação útil. Noutra perspectiva que parta do fim do percurso da indagação para o seu princípio, o resultado será afinal o mesmo, já que não se verificando aquele ambiente então terá de se considerar ilidida a presunção.

Como se sabe, de acordo com o Código do Trabalho, “[c]ontrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas” (art. 11.º do Código do Trabalho e, também no mesmo sentido o art. 1152.º do Código Civil). Já o “[c]ontrato de prestação de serviço é aquele em que umas das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”, se acordo com o art. 1154.º do Código Civil.

Ou seja, no contrato de trabalho é a actividade do trabalhador que é adquirida pelo outro contratante que a organiza e dirige com vista à obtenção de um resultado para além do contrato. Ao invés, na prestação de serviço o que a outra parte adquire é o resultado de uma actividade

No caso concreto, os factos não revelam com suficiente densidade e especificidade qual foi a vontade das partes na génese da relação. Já na sua execução, podemos verificar que a prestação da autora estava inserida numa organização da ré (gestão da piscina de (...) – v. factos 1. e 2.) e era feita mediante retribuição. Mas ficam-nos dúvidas sobre qual o real objecto da prestação. Com efeito, neste ponto (embora seja verdade que, na medida em que toda a actividade conduz a um resultado, nem sempre é fácil discernir qual a natureza da prestação) podemos afirmar, da matéria de facto provada, que o objecto da prestação era a actividade de “aulas de natação”, mas também podemos afirmar que tal objecto era o resultado dessa actividade, uma vez que a ele correspondia a específica forma de remuneração acordada – pagamento por hora efectivamente “realizada” e consoante o tipo de aula (facto 9. – «em função das horas prestadas e do tipo de aula leccionada – que pode ser uma aula normal, uma sessão de “ATL” ou uma aula de hidroginástica»). Ou seja, não é possível intuir desde logo que era a disponibilidade organizada da autora (a actividade) que era solicitada na prestação e não um resultado concreto.

Daí que tenhamos de concluir que o ambiente contratual de execução permite dúvidas sobre a qualificação do contrato, sem que se possa concluir desde logo por uma forte aproximação à figura do contrato de trabalho.

Resta saber se a dúvida pode e deve ser resolvida pela indagação das características enunciadas no art. 12.º n.º 1 do Código do Trabalho, averiguando se opera a presunção de laboralidade.

Vejamos então da verificação de cada uma das características em causa:

No que toca à primeira enunciada na norma em causa, na alínea a) (a da actividade ser realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado), a apelante, no recurso, procura sustenta que em face do seu tipo de negócio a fixação do local da prestação de serviços está dependente dos contratos que lhe são adjudicados, não sendo sua a piscina cuja gestão acordou manter. Sendo assim, a piscina onde a dita Ana Pinto foi prestar actividade seria nela inevitável, pois de outro modo ficaria inviabilizada a sua prestação.

Este argumento seria, porém, de ponderar se estivéssemos num exercício de indagação do método indiciário a que acima fizemos referência. Ou seja, não podendo restar dúvidas que o local de prestação da actividade foi determinado pela ré, a circunstância de ele ser absolutamente necessário em função da natureza da prestação a que o beneficiário da actividade estava vinculado para com terceiro, poderia enfraquecer o indício de laboralidade respectivo e conduzir à sua desconsideração no confronto com outras realidades de execução.

Mas já dissemos que aqui se trata, não de apurar a consistência indiciária, mas tão só de averiguar se ocorrem características que possam funcionar a presunção prevista no n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho. Ora, a característica de determinação pela ré do local da prestação da actividade não deixa de ocorrer por tal ser necessário à execução de um contrato com terceiro. Essa era uma condição de exercício contratual, é certo, mas é, em termos práticos, uma condição em tudo equivalente a uma situação de realização necessária da actividade em local pertencente à ré. Ou seja, a prestadora da actividade não tinha liberdade de exercício em local por si escolhido.

Isto é, consideramos que, objectivamente, a característica enunciada na al. a) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho está verificada.

Em segundo lugar, no que toca à segunda característica enunciada na norma em causa, na alínea b) (os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencerem ao beneficiário da actividade) apenas está provado que (facto 5.) que nas aulas que ministra, a dita professora “utiliza equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes aos Serviços Municipalizados de (...), que lhe são disponibilizados pela ré, que os gere de acordo com o contrato de adjudicação que celebrou com a autarquia”, para além de utilizar, “para aceder às piscinas, um cartão magnético de identificação que os Serviços Municipalizados lhe disponibilizaram, em consonância com a indicação dada pela ré, e vestuário que ostenta dizeres quer da ré quer dos Serviços Municipalizados, e que não se apurou quem fabricou”.

O facto não nos dá conta de que tipo de equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes ao SMAS estão em causa. Nesta medida, trata-se da formulação de uma conclusão, de um “facto conclusivo” que deve ser considerado não escrito. Parece evidente que o “equipamento piscina” era disponibilizado à professora. No entanto, confundindo-se o mesmo com o local de trabalho não pode, a nosso ver, servir para integrar simultaneamente a característica da alínea a) e da alínea b) do n.º 1 do art. 12.º, devendo considerar-se consumida essa circunstância na característica da al. a) que já considerámos verificada. Por outro lado, a disponibilização do cartão magnético de acesso não pode considerar-se equipamento de trabalho, pois não se destinava directamente a desenvolver a actividade “produtiva”, mas tão só a aceder ao local de trabalho. E quanto ao vestuário utilizado que “ostenta dizeres quer da ré quer dos Serviços Municipalizados” não se provou quem os disponibilizou à professora em questão, nomeadamente a ré, ou a quem pertencessem, sendo certo que também se ignora se o mesmo era necessário para a prestação do trabalho.

Deste modo não podemos considerar verificada a característica enunciada na al. b) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho.

Em terceiro lugar, a apelante sustenta a irrelevância da existência de horário de trabalho.

Trata-se aqui de averiguar da existência da característica da al. c) do n.º 1 do art. 12.º c) (a do prestador de actividade observar horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma).

Ora, neste ponto apenas se provou (facto 6.) que no início de cada ano lectivo, um coordenador da ré estabelece horários para os vários profissionais, que lhes são distribuídos consoante as suas disponibilidades, e estes ficam obrigados a cumpri-los.

Não se provou, portanto, que no caso a prestadora de actividade observasse horas de início e de termo da prestação, determinada pela ré, mas tão só que, consoante a sua disponibilidade - ou seja, de acordo com o tempo que declarou poder prestar (saliente-se que de acordo com o facto 16. a professora em causa não desenvolvia actividade unicamente para a ré) – cumpre um horário de aulas que (facto 6.), no início de cada ano lectivo, um coordenador da ré estabelece, sendo certo que (facto 12.) são os SMAS que estabelecem os dias em que as piscinas estão disponíveis para que a ré aí possa prestar os seus serviços.

A existência deste horário para as aulas não é confundível com um horário de início e termo da actividade em que o trabalhador tenha que sujeitar a sua disponibilidade ao beneficiário da actividade, como é próprio num contrato de trabalho – disponibilidade essa independente de haver ou não trabalho a realizar.

Deste modo, entendemos que não está verificada a característica enunciada na al. c) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho.

Em quarto lugar, também temos de considerar que não se verifica a existência da característica elencada na al. d) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho – o pagamento, com determinada periodicidade, de quantia certa ao prestador da actividade, como contrapartida desta.

O que tão só ficou provado no que toca à remuneração da prestadora da actividade foi que (facto 9.) como, contrapartida da sua actividade, a ré paga à professora em causa um quantitativo calculado em função das horas prestadas e do tipo de aula leccionada – que pode ser uma aula normal, uma sessão de “ATL” ou uma aula de hidroginástica – correspondendo, respectivamente, a cada uma, os valores de 5, 6 ou 7 euros por sessão, sendo o pagamento efectuado mensalmente, mediante factura-recibo passada pela professora, que recebeu, desde o início desta actividade, montantes entre os € 128,75 e os € 1.508,75.

Provou-se a periodicidade do pagamento (mensal), mas não se provou que com a mesma periodicidade o pagamento fosse em quantia certa (todos os meses), sucedendo até que as quantias variavam significativamente - entre os € 128,75 e os € 1.508,75.

Finalmente, não se verifica de todo a existência da característica elencada na al. e) do n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, ou seja a de que o prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

Significa tudo isto que, em nosso entender, apenas está apurada uma das características elencadas no n.º 1 do art. 12.º do Código do Trabalho, pelo que, sendo necessárias pelo menos duas, tal não é suficiente para fazer funcionar a presunção de laboralidade.

Noutra perspectiva, recorrendo ao método tipológico jurisprudencialmente aceite e a que já acima nos referimos, podemos concluir que os chamados “indícios negociais externos” não ocorrem quanto à perspectiva da laboralidade do contrato. Verifica-se a observância do regime fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem e não ocorre exclusividade da actividade a favor do beneficiário.

Quanto aos demais:

A forma de retribuição praticada, temos que convir não é a usual no contrato de trabalho. Ela foi fixada em função das horas de serviço efectivamente “realizadas” e tipo de aula prestada e os montantes mensais auferidos eram desiguais. Por outro lado, não eram pagos subsídios de férias ou de Natal, como também é próprio daquele tipo de contrato, nem a prestadora estava abrangida por regime previdencial laboral.

Quanto ao nível de integração na organização da ré e que permita concluir que de algum modo esta orientava a sua actividade em si mesma:
O empregador laboral tem os poderes determinativo e conformativo da prestação de trabalho, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na empresa, quer determinando-lhe concreta operações executivas, correspondendo a esses poderes os poderes regulamentar e disciplinar. Como se refere no Ac. do STJ de 19-05-2010, entre outros, (disponível em www.dgsi.pt, proc. 295/07.9TTPRT.S1), “a subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade”.
Ora, seguindo essa avaliação, verificamos que não se retira da matéria de facto que a prestadora da actividade tinha horário de trabalho estabelecido de forma pré-definida para um largo e estável período de prestação, como é normal nos contratos de trabalho. Não trabalhava, inclusivamente, desde meados de Julho a meados de Setembro, período em que não funciona a escola (facto 3.). A fixação dos tempos de trabalho era fixada pela ré dentro de um quadro de disponibilidade manifestada pela prestadora. Se não tivesse qualquer turma distribuída, não ministrava qualquer aula (facto 11.). A prestadora registava os dias e horas em que prestava a sua actividade em folhas de controlo de assiduidade disponibilizadas pela ré e comunicava ao coordenador técnico quando precisava de faltar ao serviço (facto 8.), mas não se provou que a ré tivesse a prática de lhe marcar faltas ou de a prestadora as justificar.
No que toca ao local do trabalho e equipamento de trabalho, tendo que quanto a este apenas devemos considerar a utilização do equipamento “piscina” como acima dissemos, podemos concluir que a prestadora exercia a sua actividade no local e na piscina indicada pela ré. No entanto, sendo normalmente este um indício muito relevante na busca da laboralidade de um contrato, no caso dos autos a natureza da prestação -  aulas – oferecem-se-nos dúvidas sobre essa relevância. É que a utilização da piscina, equipamento específico e dispendioso, é compatível com o interesse do utilizador prestador da actividade/serviço, tendo as aulas em questão, pela sua natureza, de ser asseguradas em instalações apropriadas para o efeito.
Por outro lado, não há muitas evidências de controlo do modo de prestação do trabalho. Provou-se (facto 7.) que a professora lecciona cumprindo conteúdos programáticos definidos para cada turma e modalidade, mas não se provou quem os definia. Provou-se (facto 8.) que regista os dias e horas em que presta a sua actividade em folhas de controlo de assiduidade, mas esse facto é compatível com um controlo próprio de beneficiário/cliente num contrato de prestação de serviço. No que toca a ordens da ré nada de concreto está estabelecido.
Finalmente, não se verificava a exclusividade de prestação do trabalho para a ré.
Ou seja, pelo uso do referido método indiciário (que não o inerente à ponderação da presunção do art. 12.º do Código do Trabalho), não identificamos um balanço de indícios favoráveis à laboralidade do contrato que permita concluir com segurança pela qualificação do contrato como contrato de trabalho.

E, assim sendo e diversamente do juízo expresso na sentença recorrida, não é possível concluir-se pela qualificação do contrato como contrato de trabalho.

Deste modo, a apelação da ré tem de proceder.


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III- DECISÃO

Termos em que se delibera julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a ré do pedido de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com C....

Sem custas na acção e no recurso, estando delas isento o Ministério Público (art. 4.º n.º 1 al. a) do Regulamento das Custas Processuais).


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(Azevedo Mendes - Relator)

 (Felizardo Paiva)

 (Jorge Loureiro)