Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA PILAR DE OLIVEIRA | ||
Descritores: | PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE RECUSA DE SUBMISSÃO AO TESTE ACTUALIDADE DO EXAME DESOBEDIÊNCIA | ||
Data do Acordão: | 12/16/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | GUARDA (INSTÂNCIA LOCAL DA GUARDA, SECÇÃO CRIMINAL, J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 152.º, N.ºS 1, AL. A), E 3 DO CE; ART. 348.º, N.º 1, AL. A), DO CP | ||
Sumário: | I - A condução de veículo motorizado não é actual, nos termos e para os efeitos de verificação do crime de desobediência decorrente da recusa de o respectivo condutor se submeter ao exame de detecção de álcool no sangue, sempre que a fiscalização seja efectuada em circunstâncias que não permitam concluir que a eventual ingestão de álcool foi anterior ou contemporânea da condução e que a pessoa objecto de fiscalização conduziu efectivamente sob o efeito do álcool. II - Consequente, não se verifica aquele ilícito criminal quando apenas está provado que o arguido conduziu um veículo na via pública e que, mais tarde, quando saía de um bar, lhe foi solicitada a realização de teste de pesquisa de álcool. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório No processo sumário 55/15.3GBALD.C1 da Comarca da Guarda, Instância Local da Guarda, Secção Criminal, J1, após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Por todo o exposto, julga-se a acusação procedente, por provada, termos em que se decide: CONDENAR o arguido A... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob o efeito do álcool, estupefacientes, substâncias ou produtos com efeito análogo, p. e p. pelos artigos 348º, n.º 1, al. a), e 69º, n.º 1, al. c), ambos do Cód. Penal, e pelo artigo 152º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do Cód. da Estrada, na pena de 7 (sete) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 10 (dez) meses. Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2UC’s.
Inconformado com essa decisão dela recorreu o arguido, rematando a correspondente motivação com as seguintes conclusões: A. O arguido não concorda com a decisão prolatada pelo douto Tribunal a quo. B. Tendo sido dado como provado que: a. O arguido cessou a sua condução, b. Entrou num estabelecimento de bar, c. Aí permaneceu alguns minutos (cerca de 20m conforme depoimento devidamente identificado em 13./b. das alegações - para o qual se remete e dá aqui por reproduzido - , facto que deve, por isso, ser dado como provado), d. E já só no exterior do estabelecimento lhe foi dirigida a ordem de sujeição a teste de pesquisa de álcool no sangue, C. Não pode o arguido ser tido, ainda, como condutor, O. Nem, também por isso, pode a ordem que lhe foi dirigida ser entendida como actual, pressuposto sine qua non para que a mesma fosse legítima. E. O que se deve discutir não são as circunstâncias da realização dos testes de pesquisa de álcool no sangue, mas antes as circunstâncias da emanação da ordem dirigida ao arguido, nomeadamente a sua actualidade e, por isso também, a sua legitimidade. F. A presunção de inocência há-de determinar que a dúvida beneficie o arguido, motivo pelo qual este não carecia de ter provado que de facto consumiu bebidas alcoólicas naquele hiato considerável de tempo em que permaneceu no estabelecimento de bar. G. Mesmo no caso extremo de alguém se furtar à devida fiscalização rodoviária, e nesse hiato temporal consumir álcool, sem prejuízo de praticar, eventualmente, outras infracções, não pode já ser obrigado a sujeitar-se aos testes de pesquisa de álcool, porquanto os mesmos serão inidóneos a provar o facto de condução com álcool no sangue. H. Assim, na decisão prolatada pelo douto Tribunal a quo encontram-se violadas as normas contidas nos artigos 152.º, n.º 1-a) e 3 do Código da Estrada e 348.º, n.º 1-a) do Cód. Penal; I. Apesar dos factos que deu como provados, entendeu aquele douto Tribunal que o arguido mantinha a qualidade de condutor e entendeu, ainda, que a ordem que lhe foi dirigida foi legítima e regularmente comunicada; J. Discorda profundamente o arguido, como melhor refere em B. destas conclusões, que entende que: a. atentos os factos dados como provados, no momento da ordem a si dirigida já não gozava da qualidade de condutor (o próprio Tribunal a quo dá isso como provado), b. Para além de, atento o hiato temporal considerável ocorrido entre a actividade de condução e a emanação da ordem a si dirigida, esta já não gozava da qualidade da actualidade, carecendo, assim, de ser legítima, c. Motivo porque se não preencheram os elementos objectivos do tipo legal de crime a que o arguido foi condenado. K. Motivo, finalmente, porque deve a decisão prolatada pelo douto Tribunal a quo, com os presentes argumentos, ou outros de conhecimento oficioso, ser substituída por outra que determina a absolvição do arguido.
O recurso foi objecto de despacho de admissão. O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo que não merece provimento. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deve improceder. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta. Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos teve lugar conferência. Cumpre apreciar e decidir. *** II. Fundamentos da Decisão Recorrida Na sentença recorrida foi consignada a seguinte fundamentação factual: A) DOS FACTOS 1. FACTUALIDADE PROVADA Discutida a causa, resultaram como provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos: A) No dia 6 de Maio de 2015, antes das 21:17, o arguido A... conduziu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) LQ na Estrada Nacional 233-3, na localidade de Alfaiates, concelho do Sabugal. B) Após essa condução e de se ter introduzido e permanecido durante alguns minutos no interior de um estabelecimento comercial de café, já no exterior, o arguido foi instado por militares da GNR a submeter-se a prova para a detecção do estado de influenciado pelo álcool, através de ar expirado, e recusou-se a efectuar tal teste. C) O arguido, enquanto tendo sido condutor de veículo automóvel na via pública, não obstante estar ciente da obrigatoriedade de proceder à prova para detecção de condução de veículo na via pública sob efeito de álcool, não o fez deliberada, livre e conscientemente, nem apresentou qualquer justificação juridicamente relevante para aquela recusa, apesar de advertido sobre as consequências de uma eventual recusa. D) Bem sabia o arguido ser a conduta que assumiu proibida e punível por lei penal. E) O arguido encontra-se divorciado, trabalha como agricultor ao serviço de um seu irmão, contribuindo este assim para as respectivas despesas. Vive com os pais e não contribui para as despesas do respectivo agregado. Tem uma filha com 12 anos de idade, que se encontra a estudar, e tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade. F) O arguido foi já condenado no âmbito do processo n.º 57/99.5GBSBG, do Tribunal Judicial de Sabugal, pela prática antes de Janeiro de 2001 de um crime de dano, um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de injúria, na pena única de 270 dias de multa à taxa diária de 600$00, num total de 162.000$00. Tal condenação transitou em julgado a 30 de Janeiro de 2001 e a respectiva pena foi já declarada extinta. Foi também condenado no âmbito do processo n.º 114/05.0GFCVL, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, pela prática a 4 de Setembro de 2005 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 90 dias de multa à taxa diária de €4,00, num total de €360,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses. Tal condenação transitou em julgado a 23 de Março de 2006. Foi também condenado no âmbito do processo n.º 1310/05.6TAGRD, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, pela prática a 24 de Outubro de 1997 de um crime de falsificação de documento, na pena de 1 ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. Tal condenação transitou em julgado a 17 de Novembro de 2006 e a respectiva pena foi já declarada extinta. Foi também condenado no âmbito do processo n.º 17/2010 do Juzgado de Ciudad Rodrigo (Espanha), pela prática a 21 de Abril de 2010 de uma infracção decorrente de recusa a realizar provas de detecção de álcool, drogas e produtos estupefacientes ou psicotrópicos, e uma infracção decorrente de condução de veículo em estado de embriaguez, nas sanções de 8 meses de proibição de conduzir e de 4 e de 2 meses de prisão suspensa na execução. Foi também condenado no âmbito do processo n.º 47/10.9GTGRD, do Tribunal Judicial do Sabugal, pela prática em Julho de 2010 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena principal de 3 meses de prisão substituída por 120 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €600,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 meses. Tal condenação transitou em julgado a 19 de Janeiro de 2011 e as respectivas penas foram já declaradas extintas.
2. FACTUALIDADE NÃO PROVADA Da audiência de discussão e julgamento não resultaram como não provados quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.
3. MOTIVAÇÃO A convicção do tribunal baseou-se antes do mais nas declarações prestadas pelo arguido, o qual confessou ter conduzido o veículo automóvel que se refere na matéria provada no dia, hora e local que igualmente se deram como provados, não tendo existido portanto qualquer dúvida em momento algum a este respeito. Apenas não confirmou o arguido qual fosse a matrícula exacta do veículo que conduziu (porque afirmou não se recordar), sendo certo que, de qualquer forma, tal matrícula consta do auto de notícia e o arguido não a colocou em causa. Questão que se colocou e discutiu em sede de audiência foi a de saber se o arguido foi ou não efectivamente instado a efectuar teste de pesquisa de álcool no sangue, na medida em que o arguido o negou. Na verdade, o arguido declarou, em resumo, que após ter visto passar por si viatura da GNR no local que se dá como provado, de imediato se dirigiu às instalações de uma associação local, onde existe um estabelecimento comercial de café, e aí entrou, local onde foi abordado pela autoridade a fim de se identificar. Decorridos alguns minutos, acabou por ser levado para o exterior do estabelecimento, onde foi algemado e levado para o posto da GNR, supostamente apenas porque não tinha os seus documentos de identificação consigo, e onde meramente se recusou a assinar alguns papéis. Afirmou o arguido que em momento algum foi instado por qualquer agente da autoridade a efectuar qualquer teste de pesquisa de álcool no sangue. Da nossa parte, entendemos que a negação acabada de referir por parte do arguido, para além de já por si não se revelar particularmente verosímil, não merece qualquer espécie de credibilidade, na medida em que foi sobejamente afirmado de forma clara e peremptória em sede de audiência pelos militares da GNR E... e F... que, já após terem abordado o arguido no interior do estabelecimento comercial de café acima referido e após terem acabado por convencê-lo a deslocar-se para o exterior, aqui insistiram com o arguido que teria de efectuar teste de pesquisa de álcool no sangue, ao que o arguido se recusou sempre peremptoriamente, mesmo apesar de ter sido sobejamente advertido de que incorreria na prática de um crime de desobediência ao fazê-lo. E mais pormenorizaram no sentido de que, ao mesmo tempo que se recusava, o arguido manifestava toda uma postura no sentido de que não se importava de todo com as consequências que lhe pudessem advir de tal recusa, tendo mais que se encontrava perfeitamente familiarizado com os correspondentes procedimentos. Ora, nestes termos, no confronto entre as declarações prestadas pelo arguido e as declarações prestadas de forma perfeitamente unânime por ambos os agentes da autoridade que o abordaram, é óbvio que teremos de conceder muito maior credibilidade às declarações prestadas pelos Srs. agentes da autoridade, os quais apenas intervieram nos factos e depuseram de forma totalmente desinteressada e no simples exercício das suas funções profissionais, sem que nada os movesse contra o aqui arguido. É claro que neste ponto caberá ainda referir os depoimentos que foram prestados pelas testemunhas B... , C... e D... , as quais foram arroladas pelo arguido. Todas estas três testemunhas afirmaram ser conhecidos e amigos de longa data do aqui arguido, bem como que se encontravam ou no interior ou nas redondezas do estabelecimento comercial de café onde o arguido entrou antes de ser abordado presencialmente pela GNR. Tais depoimentos centraram-se, perderam-se e enredaram-se nas questões de saber em que momento é que o veículo da GNR ligou as respectivas luzes de emergência (se teria sido apenas ao avistar o arguido, ou se já antes as teria ligadas), saber qual teria sido a manobra efectuada pelo arguido que motivou que a GNR seguisse no seu encalço, saber quanto tempo teria demorado a GNR a chegar ao estabelecimento comercial de café onde o arguido se introduziu, saber quanto tempo a GNR teria demorado na abordagem ao arguido no interior do aludido estabelecimento, e saber qual teria sido o teor da conversa entre os militares da GNR e o arguido no interior desse estabelecimento. Ou seja, perguntar-se-á: qual terá sido a real relevância de tais depoimentos? E a resposta terá de ser: nenhuma. Com efeito, as questões de facto relevantes nestes autos eram tão singelamente as de saber se o arguido foi condutor de um veículo em via pública, se em seguida foi instado pela autoridade a efectuar teste de pesquisa de álcool no sangue, e se se recusou a efectuar tal teste mesmo sabendo das consequências da sua conduta. No caso, tendo o arguido confessado ter sido condutor de veículo automóvel em via pública, resultou como já se disse de forma perfeitamente clara dos depoimentos prestados pelos militares da GNR intervenientes que o arguido apenas foi instado (e se recusou) a efectuar teste de pesquisa de álcool no sangue já após ter saído para o exterior do estabelecimento comercial de café onde antes se encontrava. Quanto a este preciso momento já no exterior (que era o realmente relevante) nenhuma das testemunhas arroladas pelo arguido demonstrou qualquer espécie de conhecimento, na medida em que todas declararam claramente que aí não se encontravam presentes. Isto posto, e aqui chegados, em face do que já foi sendo dito, e não obstante a negação do arguido nesta parte, não ficámos com qualquer espécie de dúvida de que o arguido (após ter sido condutor de veículo automóvel em via pública, como confessou) foi efectivamente instado pela GNR a efectuar teste de pesquisa de álcool no sangue através de ar expirado, e para tanto peremptoriamente se recusou, não obstante ter sido sobejamente esclarecido e informado das consequências penais da sua conduta. Prosseguindo, já em jeito de conclusão, quanto aos factos que demos como provados a respeito do conhecimento e intencionalidade atinentes à conduta do arguido, diremos que tais factos são aqueles que resultam da observação dos factos objectivos provados e exteriormente verificáveis à luz das mais elementares regras da experiência comum, nada nos levando a concluir que o conhecimento e intencionalidade do arguido fossem quaisquer outros diversos daqueles que foram julgados provados. Finalmente, quanto às condições pessoais e económico-financeiras do arguido que foram dadas como provadas, foram relevantes as respectivas declarações, não existindo elementos suficientes para delas duvidar nesta parte, e quanto aos antecedentes criminais do arguido foi relevante o respectivo CRC que consta dos autos. *** III. Apreciação do Recurso A documentação dos actos da audiência determina que este Tribunal possa conhecer de facto e de direito como resulta do disposto nos artigos 363º e 427º do Código de Processo Penal. Mas, o objecto do recurso delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Penal) sempre sem embargo dos poderes de conhecimento oficioso. Vistas as conclusões do recurso interposto, as questões que reclamam solução são as seguintes: - Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo considerar-se como provado que o arguido permaneceu cerca de 20 minutos no estabelecimento de bar mencionado na factualidade provada, antes da intervenção da GNR; - Se os factos provados não são susceptíveis de integrar a prática pelo arguido do crime de desobediência que lhe foi imputado, devendo ser absolvido.
Apreciando: Ao contrário do que normalmente ocorre, importa em primeiro lugar equacionar a questão de direito proposta que, a merecer resposta positiva, torna despicienda a alteração factual pretendida. Na tese do recorrente, que muito sumariamente expomos, a ordem de sujeição a teste de pesquisa de álcool no sangue não foi legítima porque quando lhe foi dada não tinha a qualidade de condutor e, por consequência, a factualidade provada não integra a prática do crime de desobediência que lhe foi imputado. A factualidade provada com relevância para a questão proposta é a seguinte que novamente transcrevemos por facilidade de análise: A) No dia 6 de Maio de 2015, antes das 21:17, o arguido A... conduziu o veículo ligeiro de passageiros de matrícula (...) LQ na Estrada Nacional 233-3, na localidade de Alfaiates, concelho do Sabugal. B) Após essa condução e de se ter introduzido e permanecido durante alguns minutos no interior de um estabelecimento comercial de café, já no exterior, o arguido foi instado por militares da GNR a submeter-se a prova para a detecção do estado de influenciado pelo álcool, através de ar expirado, e recusou-se a efectuar tal teste. O artigo 348º, nº 1 alínea a) do Código Penal preceitua que “quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se: a) Uma disposição legal cominar no caso, a punição de desobediência simples, ou Por seu turno preceitua o artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 3 do Código da Estrada que: “devem submeter-se às provas estabelecidas para detecção dos estados de influenciado pelo álcool, ou por substâncias psicotrópicas: a) Os condutores; b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito; c) As pessoas que se propuserem iniciar a condução. 2.(…) 3. As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do nº1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.” (…)” - ordem ou mandado, substancial e formalmente legítima; - proveniente da autoridade ou funcionário competente; - regularmente comunicada ao destinatário; - recusa de cumprimento pelo destinatário; - cominação legal de desobediência para a recusa de cumprimento. No que respeita à específica desobediência a ordem de sujeição a teste de pesquisa de álcool no sangue, o artigo 158º do Código da Estrada define que os agentes desse crime de desobediência (obrigados ao acatamento da ordem) são (a) os condutores e (b) os peões, sempre que sejam intervenientes em acidente de trânsito. A legitimidade da ordem de sujeição a teste depende, pois, da circunstância de se dirigir a pessoa obrigada a realizar o teste de pesquisa de álcool. Como menciona Tolda Pinto em Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. I, pág. 395 (também citado no Acórdão do TRP proferido no proc. 109/13.0GTAVR.P1, publicado em www.dgsi.pt) “É indispensável ao preenchimento do tipo legal de crime de recusa a provas para detecção de álcool a actualidade da condução no momento da convocação do condutor para fazer o exame de alcoolemia.” E como se refere no citado Acórdão “este juízo de actualidade compreende-se na medida em que a punição da conduta de recusa a submissão de provas de detecção de álcool, pelas entidades fiscalizadoras competentes, radica nas mesmas razões que determinaram o legislador a criminalizar a conduta dos condutores que exercem a condução em estado de embriaguez, porquanto e mais uma vez citando Tolda Pinto “O exercício da condução automóvel, como actividade perigosa que é, postula o acatamento e observância de um conjunto de regras, algumas das quais, para além de meras finalidades de ordenamento do trânsito automóvel e da circulação rodoviária, visam garantir a segurança da vida, da integridade física e Universidade Católica Editora do património do condutor e de terceiros, utentes das vias de circulação rodoviária. Avultam entre estas, as normas relativas ao exercício da condução sob o efeito do álcool. A obrigatoriedade de submissão dos condutores ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado, quando interpelados para o efeito pelas autoridades competentes é plenamente justificada pelo fenómeno da sinistralidade estradal associado ao consumo de bebidas alcoólicas, atingindo proporções tais e consequências sociais de tal modo graves que de há muito vem reclamando uma intervenção eficaz tanto no âmbito da fiscalização como no da repressão. Daí que o legislador tenha entendido como censurável e punível não só a condução na via pública das pessoas que apresentem taxas de álcool no sangue superiores a determinado limite mínimo, mas também a conduta daqueles que, tripulando um veículo, se recusem a submeter-se à acção fiscalizadora das entidades competentes, através da submissão a provas de detecção de álcool ou de substâncias psicotrópicas.” No caso apreciado no citado Acórdão considerou-se que não pode ser considerado agente do crime, uma pessoa que foi vista a conduzir, cerca de 20 minutos antes da abordagem das entidades fiscalizadoras para fazer o teste, não se sabendo onde esteve ou o que fez durante esse período de tempo e que quando foi abordada pelas forças policiais era passageira do veículo, que na ocasião era conduzido por outra pessoa. O referido critério da actualidade da condução visa determinar em que circunstâncias se pode afirmar que a pessoa a quem é ordenada a realização do teste de pesquisa de álcool pode ser considerada condutora e, portanto, obrigada a submeter-se a tal fiscalização, sendo a respectiva ordem legítima. Como decorre do exposto a resposta sobre a actualidade da condução deverá encontrar-se através da finalidade visada pela norma que é a de determinar se a condução foi exercida sob o efeito do álcool. A condução não será actual sempre que a fiscalização tenha sido efectuada em circunstâncias que não permitam concluir que a eventual ingestão de álcool foi anterior ou contemporânea da condução; que a pessoa objecto de fiscalização conduziu efectivamente sob o efeito do álcool. Será pois condutor toda a pessoa que estando a conduzir foi mandada parar por agente da autoridade, a pessoa que não obedecendo à ordem de paragem foi perseguida e veio a ser interceptada em momento posterior ou ainda a pessoa que como condutor tenha sido interveniente em acidente de viação e ainda no local do acidente tenha sido fiscalizada por agente da autoridade. De comum nestes casos temos a circunstância da existência de um preciso nexo que se expressa e se mantém entre o acto da condução e a fiscalização efectuada pelo agente da autoridade, sem que outras actividades da vida comum se interponham, posto que o que está em causa é verificar se o condutor estava ou não sob o efeito do álcool. Ora, no caso, apenas vem provado que o arguido conduziu um veículo na via pública e que mais tarde, quando saía de um bar, lhe foi solicitada a realização de teste de pesquisa de álcool. Cremos ser evidente que este factualidade não reflecte a existência do referido nexo entre a intervenção policial e o acto da condução, interpondo-se não só a cessação da condução como também a permanência num bar, não reflectindo sequer a matéria de facto que em momento anterior os agentes da autoridade tenham presenciado o acto de condução e tenha sido por essa circunstância que hajam actuado como descrito. Ou seja, a matéria de facto não reflecte que o arguido estivesse obrigado a sujeitar-se a teste de pesquisa de álcool no sangue (a manutenção da actualidade do acto de condução) e consequentemente a legitimidade da ordem que lhe foi dada nesse sentido. Em suma, porque o arguido não se encontrava a conduzir, não tinha acabado de conduzir, não impendia sobre ele a obrigação legal de se submeter às provas estabelecidas para a detecção do estado de influenciado pelo álcool, não se demonstrando a legitimidade da ordem que lhe foi dada nesse sentido. E porque a factualidade provada não integra a tipicidade objectiva do crime imputado deve o arguido ser absolvido, procedendo o recurso. *** IV. Decisão Nestes termos e com tais fundamentos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, em consequência, revogar a decisão recorrida e absolvê-lo da imputada comissão de um crime de desobediência p. e p. pelos artigos 152º, nº 1, alínea a) e nº 3 do Código da Estrada e 348º, nº 1, alínea a) do Código Penal. Não há lugar a tributação em razão do recurso. *** Coimbra, 2 de Dezembro de 2015 (Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora).
(José Eduardo Fernandes Martins - adjunto)
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