Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10592/21.5T8PRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: RESOLUÇÃO/RESCISÃO CONTRATUAL
CADUCIDADE
REGRAS SUPLETIVAS DE IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 607.º, 4 E 5; 640.º E 662.º, 1, DO CPC
ARTIGOS 223.º, 1; 405.º; 406.º; 432.º; 436.º, 1; 762.º; 783.º; 784.º, 1 E 2; 798.º; 810.º, 1; 1051.º; 1140.º; 1141.º E 1174.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Na resolução/rescisão contratual é necessário que o contraente leve essa sua vontade ao conhecimento da outra parte.
2. A cessação dos efeitos negociais pode ter lugar sob a forma de caducidade - as relações jurídicas duradouras de tipo obrigacional criadas pelo contrato ou pelo negócio extinguem-se para futuro, designadamente, por força do decurso do prazo estipulado.

3. Tratando-se de dívidas vencidas e com idênticas garantias, na aplicação das regras supletivas de imputação do cumprimento (art.º 784º do CC) releva a dívida “mais pesada para o devedor”, aquela cuja extinção lhe trará maiores vantagens.

Decisão Texto Integral:
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Moreira do Carmo
                  Alberto Ruço


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(…)

           

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            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

           I. A..., Lda., intentou a presente ação comum contra AA, pedindo que seja declarado o incumprimento definitivo dos contratos de fornecimento celebrados em 27.9.2007 e 25.7.2011, por parte do Réu, e que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 12 595,36, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, desde a citação até integral pagamento.
           Alegou, em síntese: dedica-se à produção, comercialização e distribuição de café, sendo titular da marca “A...”; o Réu é um comerciante individual que explorou um estabelecimento comercial dedicado à atividade de café/snack bar; celebrou com o Réu, em setembro de 2007, um contrato de fornecimento de café pelo período de 5 anos, obrigando-se este a adquirir à A., em regime de exclusividade, uma determinada quantidade mínima mensal daquele produto, vinculando-se a A., como contrapartida, a conceder-lhe um desconto antecipado por cada kg de café, corporizado em equipamentos para o recheio do estabelecimento; em julho de 2011, na sequência de nova entrega de equipamentos para o estabelecimento do Réu, as partes celebraram novo contrato de fornecimento, mediante o qual o Réu se comprometeu a adquirir uma determinada quantidade de café, de determinado lote, no prazo de 18 meses, e, a A., concedeu-lhe um desconto por cada kg de café; este novo contrato passou a coexistir com o anterior; cumpriu as suas obrigações, mas o Réu não adquiriu a quantidade mínima necessária; interpelado, em 2014, persistiu em incumprir, adquirindo café à A. em quantidades inferiores às contratadas e deixando de comprar no ano de 2017.

            O Réu contestou, defendendo-se por excepção (incompetência e incapacidade judiciária) e por impugnação.

           Alegou, em súmula: não ocorreu resolução contratual; os negócios jurídicos celebrados entre as partes tinham objetos e prazos de vigência distintos, e mostram-se extintos pelo decurso do prazo; em março de 2017, entregou a BB - seu interlocutor na relação comercial com a A. - todo o equipamento que lhe fora entregue no âmbito daqueles “negócios”; não beneficiou de qualquer desconto por parte da A., que omitiu ter beneficiado de publicidade à sua marca no estabelecimento explorado pelo Réu. Concluiu pela improcedência da ação e pediu a condenação da A. como litigante de má fé, por faltar à verdade.

            Notificada para se pronunciar quanto à matéria de exceção e da invocada litigância de má fé, a A. pugnou pela remessa do processo ao Tribunal competente e pela improcedência da exceção dilatória de falta de capacidade judiciária, assim como do pedido de condenação como litigante de má fé.

           Fixada a competência territorial, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de incapacidade judiciária da A., firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

           Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 30.10.2023, julgou parcialmente procedente a ação, decidindo: absolver o Réu do pedido de condenação de pagamento à A. da quantia de € 6 056,68, a título de resolução por incumprimento do contrato celebrado em 27.9.2007 e condenar o Réu no pagamento à A. em quantia a liquidar até ao montante máximo de € 5 316, acrescido de IVA à taxa em vigor em 25.01.2013, bem como os juros de mora à taxa legal comercial sobre as quantias em que for condenado, contabilizados desde a citação até integral pagamento; absolver a A. do pedido de condenação como litigante de má fé.

Dizendo-se inconformado, o Réu apelou formulando as seguintes conclusões:[1]

            1ª - A reapreciação da prova documental e testemunhal gravada produzida em audiência de discussão e julgamento impõe diferente conclusão à recondução dos kg de café ao primeiro contrato de fornecimento, bem como quanto à questão da publicidade (facto não provado III).

            2ª - O Tribunal a quo deu – erradamente – como não provado o seguinte facto:

III. A publicidade à Marca A... foi consensualmente estipulada por Autora e Réu como contrapartida para a exclusividade da venda de café da Autora no estabelecimento do Réu e tida em conta para a fixação do valor do kg de café por este adquirido”.

           3ª - Em primeiro lugar, sempre se diga que o Tribunal a quo apesar de ter identificado as referências do contrato ao tema em apreço, i. e., publicidade da marca A..., acabou por não apreciar corretamente a matéria em apreço.

            4ª - Nos termos do primeiro contrato de fornecimento - Doc. n.º 1 / petição inicial (p. i.), resulta claramente que a publicidade à marca A... foi consensualmente estipulada pelas partes.

           5ª - Resulta evidente das cláusulas contratuais que as Partes estabeleceram, no contrato de fornecimento, a intenção de atribuir publicidade à marca A..., como contrapartida para a exclusividade da venda de café e, bem assim, para a fixação do valor do kg do café adquirido.

           6ª - Depois, da prova gravada resultou também de forma bastante clara que os bens entregues pela A.../Recorrida ao Réu/Recorrente serviram para publicidade da marca (cf. declarações de parte do Réu).

            7ª - Acresce que a A./Recorrida, em momento algum impugnou a alegação do Réu/Recorrente quanto a esta matéria da publicidade, apesar de ter tido oportunidade ao longo do processo de o fazer.

           8ª - À luz das regras de interpretação do negócio jurídico, constantes do Código Civil (CC) e aplicáveis no caso, a interpretação da vontade negocial das Partes deve operar em conformidade com o art.º 236º, n.ºs 1 e 2 e, em caso de duvidosos (no que não se concede) de acordo com o art.º 237º do referido Código.

            9ª - Atendendo à letra do contrato de fornecimento acordado e celebrado entre as Partes, uma pessoa normalmente instruída, diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração, concluiria que as Partes consensualmente estipularam a publicidade à marca como contrapartida para a exclusividade de venda do café.

           10ª - Dúvidas não restam, em face das especificidades do contrato de fornecimento, a solução que conduz ao maior equilíbrio das prestações é a de se considerar que a contrapartida para a exclusividade da venda do café da Recorrida, só poderá ser a publicidade da sua marca.

            11ª - A sentença recorrida deveria ter dado como provado que as Partes consensualmente estipularam a publicidade à marca A..., como contrapartida para a exclusividade da venda do café da A. (Recorrida) no estabelecimento do Réu (Recorrente).

            12ª - Aliás, caso assim não fosse, não tinha qualquer sentido que o Réu se comprometesse, nos termos do contrato de fornecimento, a adquirir, em regime de exclusividade, o café da Recorrida, bem como a não publicitar e/ou consumir no seu estabelecimento café e produtos sucedâneos concorrentes com os da Recorrida.

           13ª - À luz das regras legais da interpretação dos negócios jurídicos, previstas nos art.ºs 236º e seguintes do CC, não poderia o Tribunal a quo decidir como decidiu, razão pela qual se impõe a este Tribunal ad quem que julgue provado o facto constante do ponto III. da matéria de facto não provada.

           14ª - Esta alteração da matéria de facto torna qualquer indemnização peticionada pela Recorrida manifestamente excessiva face aos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico e social do direito da A./Recorrida, o que consubstancia um abuso de direito, nos termos do art.º 334º do CC.

           15ª - Entendeu o Tribunal a quo, em parte que não merece censura, que as Partes celebraram dois contratos de fornecimento.

           16ª - Decidiu o Tribunal a quo, em parte que também não merece censura, que o primeiro contrato não foi validamente resolvido, não podendo o Tribunal a quo, ao abrigo dos princípios do dispositivo e do pedido, decidir nos termos peticionados pela A./Recorrida, pois o pedido desta última estribava-se na resolução contratual.

           17ª - Porém, no que respeita ao segundo contrato de fornecimento, mal andou o Tribunal a quo, ao decidir que houve incumprimento definitivo do Réu/Recorrente e, sobretudo, quando “abate” todos os fornecimentos feitos pelo A./Recorrente ao primeiro contrato de fornecimento.

           18ª - Se é certo que o julgador é livre de formar a sua convicção, não menos certo é que é necessário e imprescindível que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquele sobre o julgamento do facto como provado ou não provado.

           19ª - O Tribunal a quo não fundamenta minimamente por que motivo entendeu que a A./Recorrida subsumiu a totalidade dos cafés adquiridos ao primeiro contrato.

           20ª - Quanto a esta matéria a A./Recorrida é totalmente contraditória na sua alegação - cf. art.ºs 19º, 20º, 34º e 35º da p. i. -, que não tem qualquer sentido e não ficou minimamente provada nos autos, apesar de lhe competir o ónus da prova.

            21ª - Pelo contrário, tal posição, quer da A./Recorrente, quer do Tribunal a quo não encontra qualquer respaldo da prova produzida, designadamente, não resulta dos contratos de fornecimento, juntos pela A./Recorrente, respetivamente, como docs. n.ºs 1 e 2, com a p. i., como também não resulta minimamente da tabela de fornecimento/aquisição de café junta como Doc. n.º 3.

            22ª - Adicionalmente, se os contratos coexistiam e se o segundo contrato de fornecimento tinha como prazo de vigência 18 (dezoito) meses, não é plausível nem lógico concluir que todos os fornecimentos de café, em particular, aqueles efetuados após a celebração do segundo contrato de fornecimento (i. é, 25.7.2011), se reconduzam apenas e somente ao primeiro contrato de fornecimento.

           Remata, pedindo a revogação da sentença recorrida e a improcedência da ação.

            A A. não respondeu.

           Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir, sobretudo: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito.


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

           1) A A. é uma sociedade comercial por quotas cujo objeto social é a indústria de torrefação, moagem e empacotamento de cafés e seus sucedâneos, comércio por grosso de café, chá, cacau e especiarias, outro comércio a retalho de produtos alimentares, em estabelecimentos especializados.

            2) O Réu, pelo menos até março de 2017, foi comerciante em nome individual, tendo explorado um estabelecimento comercial dedicado à atividade de café, bar/snack bar, denominado “B...”.

            3) Em documento escrito denominado “contrato de depósito”, datado de 27.9.2007, subscrito por CC e pelo Réu, enquanto primeiro e segundo outorgantes respetivamente, consta redigido o seguinte:

            «1- O(a) Segundo(a) Outorgante compromete-se a adquirir, para consumo no seu estabelecimento, em regime de exclusividade[2], à primeira outorgante, pelo período de 5 anos, e seus sucedâneos da marca “Cafés A...”, obrigando-se designadamente a comprar, em média, mensalmente, pelo menos, 20 kg de Café Lote ..., ou seja, o mínimo de 1200 kg durante o período de vigência do presente contrato.

           2 - O preço de cada kg de Café Lote ..., é nesta data de 22,60 Euros + IVA, podendo ser unilateralmente alterado pela Primeira Outorgante de acordo com evolução do custo das matérias primas e demais custos dos fatores produtivos e de distribuição, com base na revisão da tabela de preços aplicável a todos os clientes do mercado a nível nacional.»[3]

            4) Consta ainda do acordo escrito identificado em 3) o seguinte:

           «1 - Por seu lado, a Primeira Outorgante cede ao (a) Segundo(a) Outorgante, pelo período de vigência do contrato, o uso e fruição do seguinte equipamento: a) 1 Máquina de Café de II Grupos Futurmat, 1 Moinho Automático, material no valor 4000 €; b) 8 Mesas Exteriores Quadradas Alumínio, 32 Cadeiras exteriores, todo este material no valor de 1600 €, tudo em estado novo e no valor global de 5600 €;

           2 - Durante a vigência deste contrato, o(a) segundo(a) outorgante não poderá deslocar os bens descritos no número anterior para outro local ou estabelecimento a não ser com o consentimento prévio prestado pela Primeira Outorgante, por escrito.

           3 - Em caso algum poderá o(a) Segundo(a) Outorgante alienar, dar de penhor ou por qualquer outra forma onerar os bens ora cedidos.

           4 - Durante o período em que estiver no seu uso e fruição, o(a) Segundo(a) Outorgante fica responsável pelo pagamento integral dos custos de manutenção das máquinas instaladas no seu estabelecimento comercial e identificados na cláusula 3, ponto 1, alínea a) do presente contrato assim como seu perecimento, ou deterioração.»[4]

            5) Mais consta escrito no acordo referenciado em 3):

            «Cláusula 4

            1 - Este contrato tem início em 27/09/2007 e vigorará pelo prazo de Sessenta Meses.

           2 - O(a) Segundo(a) Outorgante não poderá denunciar o presente contrato enquanto não atingir o consumo mínimo mencionado na cláusula primeira, sob pena de aplicação do previsto na cláusula 7

            6)[5] Consta escrito da cláusula 7ª do acordo mencionado em 3) que:

            «1 - O presente contrato poderá ser resolvido por qualquer das partes nos termos gerais de direito e, ainda e designadamente pela primeira outorgante, nos seguintes casos: a) violação das obrigações estabelecidas nas cláusulas 1ª, 2ª e 6ª; b) encerramento do estabelecimento comercial do(a) Segundo(a) Outorgante, acima identificado; c) a suspensão ou interrupção dos fornecimentos, por causa imputável a qualquer dos outorgantes, por um período superior a 60 dias,

            2 - A resolução deste contrato por motivo imputável ao (a) Segundo(a) Outorgante confere o direito à Primeira Outorgante de exigir daquele(a) o pagamento do valor dos bens acima descritos na cláusula 3, à data do seu fornecimento, ou seja, a quantia de 5600 Euros, acrescida de uma sobretaxa de 5 % por cada ano de utilização.

           3 - Para além do valor supra mencionado no número anterior, a primeira outorgante tem ainda direito, em caso de resolução, a exigir do(a) Segundo (a), o pagamento de uma indemnização no valor de 4,66 Euros por cada kg que faltar em relação ao consumo previsto de 1200 Kg de Café Lote ..., valor que ambos (as) Outorgantes consideram justa, atenta as expectativas em causa.

            4 - Resolvido o presente contrato por incumprimento do(a) Segundo(a) Outorgante, este(a) fica obrigado a pagar à primeira todas as quantias devidas, incluindo as indemnizatórias, nos quinze dias seguintes à data da resolução. Caso não o faça voluntariamente, desde já se fixam em 2500 Euros o valor das despesas que o(a) Segundo(a) outorgante fica obrigado(a) a pagar à primeira pelas diligências que esta tenha que efetuar em tribunal para cobrança das referidas quantias devidas».[6]

            7) Mais se encontra redigido no acordo identificado em 3) que «Cumpridas as obrigações emergentes deste contrato, os bens acima descritos na cláusula 3ª passam, no seu termo, para a plena posse e domínio do(a) Segundo(a) Outorgante, passando assim a constituir sua propriedade».[7]

           8) Em documento escrito denominado “acordo comercial” e assinado pelo Réu e por CC consta o seguinte:

           «A Primeira Outorgante entrega à(o) Segundo(a) Outorgante os bens que, de seguida, se discriminam: 4 Mesas Exteriores Personalizadas, 16 Cadeiras Exteriores, 4 Guarda-Sois; tudo no valor de 1140 € (Mil Cento e Quarenta Euros).

            § Único[8] - O(a) Segundo(a) Outorgante não poderá ceder ou onerar, por qualquer meio, os bens supra descritos;

           O presente contrato tem início em 25 julho 2011 e vigorará pelo prazo de 18 meses e que poderá ser prorrogado por acordo escrito entre as partes;

           No prazo acordado, o(a) Segundo(a) Outorgante compromete-se a consumir 200 Kg de Café Lote ....

           Caso no prazo supra mencionado, o(a) Segundo(a) Outorgante não tenha consumido a quantidade de café acordada, compromete-se a pagar à Primeira Outorgante o valor correspondente aos Kg de café em falta».

            9) CC exerce, desde 1988, o cargo de gerente da A..

           10) A A. entregou ao Réu os equipamentos referidos nos documentos descritos em 3) e 8).

            11) A sociedade comercial C..., Lda., era um revendedor da A. para a zona da Guarda, tendo sido esta empresa que intermediava as vendas entre as partes.

            12) Desde setembro de 2007 até março de 2017 o Réu efetuou compras mensais de café à A., destinadas ao estabelecimento B..., num total de 1102 kg.

            13) Através de carta registada com aviso de receção, datada de 28.5.2014, recebida pelo Réu, a A. comunicou-lhe o seguinte:

            «Exmos. Senhores,

           Vimos pela presente informar V Exas, que o contrato celebrado entre ambas as partes em 27-9-2007, não estar a ser respeitado por a vossa parte, tendo em vista a aquisição de 1200 Kg em 5 anos e os Senhores não estão a cumprir.

           Assim sendo, terão de nos indemnizar do não cumprimento do contrato, ou gastar as quantidades estipuladas no mesmo.

           No caso de não obtivermos qualquer resposta de V/Exas no prazo de Oito Dias, a partir da receção da presente carta, a A... será obrigada a agir judicialmente com os Senhores, além de exigir o pagamento de Juros sobre a indemnização, referida à taxa legal.

           Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos com elevada estima e consideração.

            Atentamente»

            14) O Réu deixou de explorar o estabelecimento “B...” em data não concretamente apurada, mas em março de 2017.

            15) Em data não concretamente apurada mas sempre depois de fevereiro de 2017, o Réu entregou a BB os seguintes bens: uma máquina de café e moinho de café referentes ao acordo mencionado em 3); uma máquina de gelo e uma máquina de lavar.

            2. E deu como não provado:

           I. Com a entrega dos bens identificados em 15), BB disse ao Réu que ficava saldado o valor relativo ao fornecimento de café por parte da A., que ainda se encontrava em dívida.

          II. Em data não concretamente apurada, mas após fevereiro de 2017, o Réu entregou a BB cadeiras, mesas e guarda-sóis da esplanada do estabelecimento denominado “B...”, com as inscrições e o logótipo da marca da A..

           III. A publicidade à Marca A... foi consensualmente estipulada por A. e Réu como contrapartida para a exclusividade da venda de café da A. no estabelecimento do Réu e tida em conta para a fixação do valor do kg de café por este adquirido.

            IV. A A. alegou deliberadamente ou por falta de cuidado factos que sabia não corresponderem à realidade.

            3. Cumpre apreciar e decidir.

            a) O Réu/recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto.

            Considera que a matéria indicada em II. 2. III., supra, deverá ser tida como provada, tendo em conta, sobretudo, as declarações por ele prestadas em audiência de julgamento e o teor do “documento n.º 1” junto com a p. i..

            E se, no início da fundamentação da alegação de recurso, diz que «... a reapreciação da prova documental e testemunhal gravada produzida em sede de audiência de julgamento impõe diferente conclusão à recondução dos kg de café ao primeiro contrato de fornecimento, bem como quanto à questão da publicidade (facto não provado III)», o certo é que nenhum outro ponto de facto foi efetivamente impugnado, à luz do disposto no art.º 640º do Código de Processo Civil (CPC), podendo-se, assim, concluir que tudo o mais respeita à interpretação da matéria de facto e consequente decisão de mérito.

           A tal matéria não é alheio o clausulado do dito primeiro acordo[9] (e, assim, relevará); importa, porém, averiguar se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade que se impugna.

            b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

           c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[10], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obsta a que se verifique se foi apreciada de forma razoável e adequada.

            Na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[11], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

           d) Da motivação/fundamentação de facto apresentada pela Mm.ª Juíza do Tribunal a quo importa destacar os seguintes excertos [atento o objeto do recurso]:

            «(...) No que se reporta especificamente ao facto tido por não provado em III., o mesmo apenas foi alegado pelo Réu, não tendo resultado de qualquer prova feita em juízo, seja documental, seja testemunhal.

            Não olvidamos que os considerandos do contrato de 2007 falam em interesse em publicitar (por parte da Autora) e em interesse em comprar em regime de exclusividade (por parte do Réu).

               Contudo, de tal norma preambular [cf. “nota 3”, supra] não se retirou, em concreto, quais as vantagens (se é que algumas) foram oferecidas em contrapartida por um ao outro contraente, na fixação e execução do contrato.

          Perante tais asserções, não se pode considerar tal facto como demonstrado, na feição que aqui é relevante, ou seja, no valor económico que a publicidade e a exclusividade poderiam ter para medir e ponderar o quantum das obrigações das partes nesse conspecto. (...)»

            e) A descrita análise crítica da prova afigura-se correta.

           Ademais, nas suas declarações de parte (fls. 63 verso), o Réu afirmou, sobretudo, que não houve qualquer “desconto” ao preço do café pelo facto de, no seu estabelecimento comercial, estar “a fazer publicidade a eles” (A. e seus produtos), e bem assim que o uso e fruição do equipamento em causa não traduzia a existência de qualquer desconto.

            4. A decisão de facto respeita a prova produzida nos autos e em audiência de julgamento.

           A Mm.ª Juíza analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, respeitando as normas/critérios dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º do CPC, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC).

           Conjugados os descritos meios de prova produzidos em audiência de julgamento, nenhuma razão se vê para introduzir quaisquer modificações.

           Improcede, assim, a pretensão do Réu de ver modificada a decisão de facto.

           5. Podem as partes estipular uma forma especial para a declaração; presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada (art.º 223º, n.º 1, do CC[12]).

            Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (art.º 405º, n.º 1). As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (n.º 2).

           O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.º 406º, n.º 1).

           É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção (art.º 432º, n.º 1).

            A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte (art.º 436º, n.º 1).

            O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art.º 762º, n.º 1). No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé (n.º 2).

           Se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efetuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere (art.º 783º, n.º 1). O devedor, porém, não pode designar contra a vontade do credor uma dívida que ainda não esteja vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor; e também não lhe é lícito designar contra a vontade do credor uma dívida de montante superior ao da prestação efetuada, desde que o credor tenha o direito de recusar a prestação parcial (n.º 2).

            Se o devedor não fizer a designação, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido simultaneamente, na mais antiga em data (art.º 784º, n.º 1). Não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-se-á feita por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no artigo 763º (n.º 2).

           O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art.º 798º).

           As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal (art.º 810º, n.º 1).

           6. A resolução tem lugar em situações de variada natureza, resultando, não de um vício da formação do contrato, mas dum facto posterior à sua celebração, normalmente um facto que vem iludir ou frustrar a legítima expetativa duma parte contratante, muitas das vezes, um facto da contraparte que traduza o inadimplemento de uma obrigação.

           Tal forma de cessação dos efeitos negociais tem normalmente por fundamento (embora nem sempre – cf. art.º 1140º) uma perturbação na execução do contrato que afeta o interesse do credor.[13]

           7. A cessação dos efeitos negociais pode ter lugar, sem caráter retroativo, sob a forma de caducidade.

           Tal figura abrange variadas situações em que as relações jurídicas duradouras de tipo obrigacional criadas pelo contrato ou pelo negócio (formando no seu conjunto a relação contratual) se extinguem para futuro, designadamente, por força do decurso do prazo estipulado ou de facto ou evento superveniente (por exemplo, morte de uma pessoa) a que a lei atribui o efeito extintivo, «ex nunc», da relação contratual (cf., v. g., art.ºs 1051º, 1141º e 1174º).[14]

           8. As partes não questionam a qualificação dos contratos referidos em II. 1. 3) e 8), supra - aludindo a sentença a “contrato de fornecimento de café em regime de exclusividade, acompanhado do comodato de bens móveis, deve ser qualificado como um contrato atípico, misto, de natureza comercial, envolvendo elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e do contrato de compra e venda[15]- e bem assim a generalidade das obrigações neles assumidas - “obrigações principais: para a A. a de fornecer ao Réu uma determinada quantidade de café, a preço convencionado, e ceder equipamento, e para o Réu, a de lhe adquirir esse café nas quantidades mínimas previstas no contrato, para consumo no seu estabelecimento, pelo período estabelecido” -, e, tendo-os por findos, divergem, sobretudo, no tocante às eventuais consequências para as respetivas esferas jurídicas decorrentes da sua cessação.

            De igual modo, as partes [cf., v. g., art.ºs 16º, 17º, 19º e 20º da p. i. e 30º e 47º da contestação], corroboram o entendimento do Tribunal a quo quanto à existência de (dois) contratos autónomos de fornecimento de café, celebrados em momentos temporais distintos, com valores diferentes, prazos de vigência distintos e temporalmente subsequentes (ainda que parcialmente coincidentes).
           Pacífico, ainda, o conteúdo da “cláusula 7ª” do primeiro acordo celebrado [cf. II. 1. 6), supra] que estabeleceu a possibilidade da sua resolução, pelas partes, no circunstancialismo, forma e com os efeitos aí previstos (inclusive, a nível indemnizatório). 

           9. Referiu, depois, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo que ao primeiro contrato foi atribuída a duração de 5 anos, com início em 27.9.2007, terminando a sua vigência (“uma vez que não há notícia de que tenha sido renovado”) em 27.9.2012; o segundo contrato iniciou a vigência em 25.7.2011 e teve a duração nele consignada de 18 meses, pelo que o seu término ocorreu em 25.01.2013; não obstante tenha ficado provado que o Réu não adquiriu as quantias de café a que se vinculou, certo é que durante a respetiva duração os contratos não foram validamente resolvidos, tendo por base tal incumprimento; a comunicação/carta dita em II. 1. 13), supra, não consubstancia uma interpelação admonitória, e, então, o prazo de vigência do contrato a que a missiva se refere [celebrado a 27.9.2007] já tinha decorrido, pelo que nunca teria a virtualidade de operar a resolução sobre um contrato que já estava terminado pelo decurso do prazo.[16]

           Assim, atenta a causa de pedir (e o pedido) fundada no “instituto da resolução por incumprimento contratual”, concluiu a Mm.ª Juíza que a pretensão da A. “tem, necessariamente, que improceder neste conspecto”.

            As partes não discordam desta perspetiva[17], que se deverá ter por assente.

           10. Relativamente ao segundo contrato, celebrado em 2011, considerou o Tribunal a quo que os fundamentos invocados para o pedido não se baseiam na resolução negocial, sendo que a A./recorrida requereu a declaração do incumprimento definitivo de ambos os contratos.

           Considerou, ainda, que o contrato em causa prevê expressamente cláusula quanto ao incumprimento, estabelecendo que, findo o período de vigência, caso “o(a) Segundo(a) Outorgante não tenha consumido a quantidade de café acordada, compromete-se a pagar à Primeira Outorgante o valor correspondente aos kg de café em falta” - cf. II. 1. 8), in fine, supra.

            E porque o Réu não adquiriu as quantidades mínimas a que se obrigou (200 kg de café Lote ...), no período estipulado (18 meses), não tendo o contrato sido renovado ou prorrogado, nos termos da cláusula 2ª, assim deverá ser sancionado.

            Existindo fornecimentos posteriores, até 2017, altura em que o Réu encerrou o seu estabelecimento [cf. II. 1. 14), supra] e na ausência doutros factos (alegados e provados), mormente, sobre se os fornecimentos posteriores ao término dos contratos foram levados a cabo de molde a “abater” nos contratos já findos, mas porque a A. assim o fez, quando conformou a ação, imputando tais derradeiras aquisições do Réu ao primeiro contrato celebrado - tendo-os como “forma de cumprimento (ainda que parcial) do primeiro contrato (celebrado em 2007)” -, concluiu-se, por último:

           - Não é permitido ao Tribunal imputar os fornecimentos/aquisições posteriores aos consumos a que o Réu estava obrigado pelo segundo contrato, sob pena de violação dos princípios do dispositivo, do pedido e da proibição de condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido;

            - Daí, ficou por adquirir a totalidade do café referente ao contrato celebrado em 2011 e terminado em janeiro de 2013, sendo devido à A. o valor correspondente aos kg em falta, à data de término desse negócio, a liquidar (art.º 609º, n.º 2, do CPC), conforme se indica na parte injuntiva da sentença (e respetiva fundamentação).

           11. O ponto anterior encerra o essencial da presente impugnação.

           Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se que a realidade apurada, a lei e a justiça apontam para a absolvição do Réu relativamente ao pedido que subsiste.

            12. A A. alegou (na p. i.), designadamente:
           - Em termos práticos, a coexistência dos dois contratos incumbia o Réu de adquirir, a partir de 25.7.2011, um total de 31 kg de café (art.º 20º – ou seja, na proporção de 20 kg/mês para o 1º contrato e 11 kg para o segundo); uma vez adquirida a quantidade total prevista no contrato de fornecimento de 27.9.2007, só teria de adquirir os 11 kg/mês previstos no contrato datado de 25.7.2011 (art.º 21º).

            - Estão em falta, na presente data, um total de 298 kg (art.º 34º), dos quais 98 kg correspondem ao contrato de fornecimento de 27.9.2007 e os restantes ao contrato de fornecimento de 25.7.2011 (art.º 35º).

            - Nos termos do aludido primeiro contrato, o incumprimento do mesmo por parte do Réu importa a restituição do valor total do desconto antecipado, que corresponde à quantia de € 5 600 (art.º 38º) e, a título de indemnização, recebe a A. € 4,66 por cada quilo de café que se encontra em falta (art.ºs 39º e 40º).

           - Nos termos do dito segundo contrato, o incumprimento, por parte do Réu, da aquisição das quantidades de café contratadas, determina a perda do benefício do prazo relativamente ao café que se encontra em falta, devendo o Réu pagar à A. o preço total do café em falta, ao PVP em vigor, acrescido de IVA (200 kg x € 26,58 x 1,23) (art.ºs 42º a 44º).

           Na contestação, referiu o Réu, nomeadamente, que aceita a existência dos “documentos n.ºs 1, 2 e 3[18]” da p. i. com o teor que deles resulta (art.º 31º).

           Além do mencionado em II. 1. 12), supra, decorre do “documento n.º 3” junto com a p. i. (fls. 10 verso):
            - Nos anos de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, o Réu adquiriu 40, 197, 169, 171, 147, 136, 131, 48, 24, 28 e 11 kg de café, respetivamente.
            - No período de agosto 2011 a janeiro 2013, adquiriu 206 kg, 170 kg dos quais no período de agosto 2011 a setembro 2012.
            - No período subsequente a janeiro 2013, adquiriu 227 kg.
           Sabendo-se que o contrato outorgado em 25.7.2011 vigorou/existiu antes e depois do anterior (de 27.9.2007) ter chegado ao seu termo[19]; considerados os critérios de imputação previstos no art.º 784º (regras supletivas) e porque se poderá/deverá concluir que a A. optou pelo cumprimento voluntário dos contratos em detrimento da faculdade resolutiva prevista no primeiro e do (consequente ou imediato) acionamento das cláusulas indemnizatórias (cláusulas penais – art.º 810º) que deles constavam, tais elementos, no confronto com a factualidade apurada  e o direito aplicável, justificam a absolvição do Réu.

            13. Na verdade, dúvidas não existem de que no período em que vigorou, apenas, o 2º contrato, foram fornecidos, pelo menos, 36 kg de café; no período de vigência simultânea ou coincidente dos contratos, esse fornecimento foi de cerca de 170 kg; finda a vigência ou período de execução do 2º contrato, foram ainda fornecidos/adquiridos cerca de 230 kg (pelo menos, 227 kg).

           Comparadas as cláusulas indemnizatórias (cláusulas penais convencionadas) de cada um dos contratos, verifica-se que a dívida “mais pesada para o devedor” é/era a inerente ao aludido segundo contrato, porquanto se apresenta como aquela cuja extinção lhe traria maiores vantagens; consequentemente, sempre seria de imputar, a essa dívida, em primeiro, os 164 kg em causa.

           Tratando-se de duas dívidas vencidas e com as garantias (idênticas, similares ou de igual natureza) que o credor teve por necessárias e suficientes para a tutela do seu crédito (ambas, cláusulas penais), mas em face da descrita maior onerosidade da dívida decorrente do dito 2º contrato de fornecimento, esta, cremos, a solução em termos de “imputação do cumprimento” (atentos os sucessivos critérios de imputação legal) e que dita a total absolvição do Réu na presente ação[20], sem que seja necessário acolher o critério de imputação previsto no n.º 2 do art.º 784º e que conduziria a idêntica solução.[21]
           14. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.         


*

           III. Pelo exposto, no provimento ao recurso, revoga-se a decisão recorrida e absolve-se o Réu do pedido.            

            Custas, nas instâncias, pela A..


*

07.5.2024



[1] Expurgadas dalguns excertos ou pontos tidos como desnecessários enquanto “conclusões”.
[2] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.

[3] Antecedendo este texto (inserido na “Cláusula 1ª”) e a seguir à identificação dos outorgantes, fez-se constar como “exórdio/preâmbulo”:

   «(…) Considerando que:

   - A Primeira Outorgante é titular da marca registada “Cafés A...”, detendo em conformidade, todos os direitos de produção, comercialização e distribuição de produtos dessa marca, designadamente, cafés e seus sucedâneos;

   - A Primeira Outorgante está interessada publicitar esses produtos no estabelecimento do Segundo Outorgante, bem como em fornecer os mesmos;

   - O(a) Segundo(a) Outorgante está interessado em comprar, em regime de exclusividade, café e seus sucedâneos da referida marca “Cafés A...”, para comercializar no seu estabelecimento comercial denominado B..., que explora em ..., ... – ....

   É acordado e reciprocamente aceite o presente contrato, que se regerá pelo disposto nas cláusulas seguintes:»

[4] Reproduzindo-se neste ponto a “cláusula 3ª”, na anterior (“cláusula 2ª”) ficou estabelecido: «Durante o período de vigência deste contrato, o(a) Segundo(a) Outorgante obriga-se a não publicitar e/ou consumir no seu estabelecimento, café e produtos sucedâneos concorrentes com os da Primeira Outorgante.»
[5] Retificou-se a numeração dos pontos de facto (renumerando-os), porquanto a segunda parte do ponto anterior – que completava o texto da “Cláusula 4ª” – podia/devia integrar aquele “ponto 5)”.
[6] Na cláusula seguinte (“8ª”), fez-se constar: «O presente contrato poderá ser renovado, desde que exista acordo escrito de ambos os outorgantes, devendo este acordo estabelecer o período de renovação.»
[7] Texto que integra a “cláusula 5ª”.
[8] Completou-se, tendo em conta o teor do acordo reproduzido a fls. 10.
[9] Cf., designadamente, II. 1. 3) e “nota 3”, supra.

[10] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[11] Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjetiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[12] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[13] Vide, nomeadamente, C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição (2ª Reimpressão), por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2012, págs. 627 e seguintes e J. Baptista Machado, RLJ, 118º, 278, nota (9).
   Em idêntico sentido - vide I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, 1986, págs. 432 e seguintes e nota (1) da pág. 440 -, com o entendimento de que a palavra «resolução» parece ter no Código Civil um significado que abrange quer a revogação, mas só quando unilateral, quer a rescisão, consistindo, esta, na destruição dos efeitos de um ato jurídico por vontade ou iniciativa de uma das partes com base num fundamento objetivo (justa causa), como nos contratos bilaterais o não cumprimento pela outra parte.
   Explicita o mesmo Autor (ob. cit., págs. 430 e 440) que a rescisão, “sendo obra do credor e não do juiz, opera por efeito da vontade do primeiro. Mas é necessário, obviamente, que este leve essa sua vontade ao conhecimento da outra parte, i. é, que lhe ´comunique` a sua decisão de rescindir o contrato.”
[14] Vide, designadamente, C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, cit., pág. 630.

[15] Cf. acórdão da RC de 23.6.2020-processo 8990/17.8T8CBR.C1, que acolheu o entendimento firmado, entre outros, nos acórdãos do STJ de 04.6.2009-processo 257/09.1YFLSB e 15.01.2013-processo 600/06.5TCGMR.G1.S1 [consta do ponto I. do sumário. «O contrato de compra e venda de café, celebrado entre um vendedor e um comerciante dono de um estabelecimento de café, em regime de exclusividade, obrigando o comprador a consumos obrigatórios de determinadas quantidades de café, durante um certo período de tempo, mediante a contrapartida da disponibilidade de bens destinados do vendedor ao comprador durante o período de vigência do contrato, sendo estabelecida sanção para o incumprimento, exprime a existência de um contrato misto, complexo, avultando e prevalecendo a celebração de um contrato de fornecimento; nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4.6.2009, Proc. 257/09.1YFLSB, in www.dgsi.pt. “Estamos, pois, perante um complexo contrato de natureza comercial que envolve elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e, finalmente, de compra e venda de café, em exclusividade em relação ao comprador.”»], publicados no “site” da dgsi.

[16] Afastando-se, obviamente, qualquer eventual renovação ou repristinação da relação contratual originariamente existente ou de repristinação tácita do contrato, e posterior resolução - ao contrário, por exemplo, da situação objeto do citado acórdão da RC de 23.6.2020-processo 8990/17.8T8CBR.C1.
[17] Ao invés do que a A. afirmou no art.º 30º da p. i., em lado algum o conteúdo da missiva dita em II. 1. 13), supra, se confunde ou identifica com a formulação “(...) sob pena de o contrato celebrado se considerar definitivamente incumprido e resolvido”.
[18] Tendo o Réu aceite o teor deste documento (reproduzido a fls. 10 verso) e face ao alegado na p. i., antolha-se incorreto e contraditório o alegado no art.º 59º da contestação.
[19] Sendo porventura de concluir estarmos (em matéria de prazo) perante negócio fixo relativo ou simples (daí, inclusive, a possibilidade de prorrogação por escrito) e não propriamente de termo (prazo) essencial subjetivo - vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II. Reimpressão da 7ª edição, Almedina, 2004, págs. 45 e seguinte.
[20] Vide, nomeadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 35; M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição (4ª reimpressão), Almedina, 2016, págs. 1021 e seguintes e I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, cit., págs. 192 e seguinte.
[21] Atenta a mencionada razão/proporção de 20/11 (64,52 % / 35,48 %) e os cerca de 400 kg (pelo menos, 397 kg) a imputar às duas dívidas – cf. II. 12., supra e o documento de fls. 10 verso.