Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ANA CAROLINA CARDOSO | ||
Descritores: | REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO FALTA DE CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES DE SUSPENSÃO AUDIÇÃO PESSOAL DO CONDENADO NULIDADE INSANÁVEL | ||
Data do Acordão: | 09/30/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE CASTELO BRANCO - J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 56.º DO CP; ARTS. 119.º, AL. C) E 495.º, N.º 2, DO CPP | ||
Sumário: | I – Nos termos do n.º 2 do art. 495.º do CPP, e sob pena de ocorrência da nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. c), do mesmo diploma, o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão é obrigatoriamente precedido da audição pessoal do condenado. II – No entanto, se tiver sido concedida ao condenado a possibilidade de audição pessoal e só por culpa sua a mesma não se efectivar, porque faltou à diligência ou porque se ausentou da morada constante do TIR sem deixar uma nova, não se tendo logrado, apesar da realização de todos os esforços nesse sentido, encontrar o seu paradeiro, o contraditório previsto no artigo 495.º, n.º 2, do CPP, fica assegurado com a notificação do defensor que o representa. | ||
Decisão Texto Integral: | Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra “Por sentença proferida em 30 de junho de 2017, A. foi condenado pela prática, como autor material, de 01 (um) crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelos artigos 272.0, n.? 1, alínea c) e n.? 3, e 285.0, ambos do Código Penal, na pena de 02 (dois) anos e 03 (três) meses de prisão. A pena de prisão determinada ao ora condenado foi suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de, no mesmo período, proceder ao pagamento mensal da quantia de € 50,00 (cinquenta euros), num total de € 1 350,00 (mil, trezentos e cinquenta euros), à demandante civil (…). A sentença transitou em julgado em 15 de setembro de 2017. Sucede, porem, que desde a data de trânsito em julgado da sentença, o condenado tem incorrido em incumprimento da condição de suspensão da execução, o que motivou a realização de diligências tendentes à sua inquirição. Se na sequência do primeiro incumprimento verificado, o condenado começou a proceder ao pagamento da quantia indemnizatória fixada - o que motivou a prolação do despacho de 13 de Abril de 2018 -, na sequência das últimas diligências encetadas, e apesar de novamente advertido quanto às consequências resultantes do incumprimento da condição de suspensão da execução da pena de prisão determinada, o condenado nada veio informar ou requerer, não tendo, sequer, retomado os pagamentos fixados vide, inter alia, o requerimento ido em epígrafe, apresentado pela Demandante. Cotejados estes elementos, cabe, agora, ajuizar da eventual revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao condenado nestes autos. Do supra exposto, forçoso se torna concluir que o condenado não interiorizou a gravidade dos factos e das consequências que, para si, adviriam do incumprimento dos termos da suspensão da execução da pena de prisão aplicada. Não obstante o que vem de dizer-se, não operando a revogação da suspensão da execução da pena de prisão de forma automática, impõe-se aferir, nos termos do disposto pelo artigo 56.0, n." 1, alínea a) do Código Penal, se o incumprimento da condição de suspensão se revela, desde logo, culposo, e, sendo-o, avaliar se as finalidades que subjazem à suspensão já não podem, por meio da mesma, ser alcançadas, indiciando «( ... ) o fracasso, em definitivo da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da sua esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade» - cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09 de Outubro de 2002, acessível em www.dgsi.pt. Os elementos probatórios constantes dos autos, e supra elencados, são suficientes para concluir que o condenado não demonstrou nos autos, por qualquer meio, pretender cumprir com a condição de suspensão da execução da pena de prisão concretamente determinada nos presentes autos. Com efeito, o condenado adotou uma postura de inércia e de desinteresse, nada resultando dos autos que o incumprimento do condenado se tenha ficado a dever à verificação de factos imponderáveis. Cumpre anotar que dos autos resulta a resistência do condenado ao cumprimento da condição de suspensão da execução, sendo lícito inferir que os pagamentos efetuados se ficaram a dever à possibilidade, à data, de ser decidida a revogação da suspensão da execução da pena de prisão determinada. Aliás, conforme exposto, o motivo pelo qual o Tribunal concluiu de forma favorável ao condenado, mantendo a condição de suspensão da execução da pena de prisão nos seus exatos termos - pelo despacho proferido em 13 de Abril de 2018 - ficou a dever-se a essa aparência de aquiescência do condenado para com a sentença determinada e o começo da interiorização da gravidade dos factos praticados, pelos quais foi condenado, e a real possibilidade de ter de cumprir a pena de prisão efetiva. Contudo, tal juízo de prognose favorável ao condenado veio a frustrar-se pela postura por este adotada, manifestando desinteresse e alheamento quanto à condenação que lhe foi determinada, e as consequências daí suscetíveis de resultar. Em face do exposto, forçoso se torna concluir que o condenado adotou uma postura de isolamento e de indiferença para com a sua concreta situação processual, não demonstrando nos autos um concreto comportamento do qual fosse possível extrair qualquer intenção de retomar, definitivamente, até ao final do período de suspensão da execução da pena de prisão determinada, o cumprimento da condição de suspensão. Anote-se, pois, a completa postura de indiferença do condenado para com a sua situação processual, facto que não pode ser olvidado, porquanto inviabilizador de um juízo de prognose favorável. Sublinhe-se, a este respeito, que o juízo de prognose favorável que, à data da prolação da sentença, fio formulado, procurando contribuir para que o condenado interiorizasse a gravidade do seu comportamento e, bem assim, adotasse comportamento em conformidade com as regras que pautam a convivência social, resulta prejudicado, porquanto ao longo do lapso temporal entretanto decorrido, o mesmo apenas demonstrou um total desinteresse e alheamento quanto às obrigações impostas no âmbito da suspensão da execução da pena gizada e concretamente aplicada. Finalmente, mais cumpre referir que o bom desenvolvimento e execução da condição de suspensão da execução da pena aplicada está dependente de uma estreita colaboração e participação do condenado. Em face de tudo quanto se deixa exposto e atento o disposto pelo artigo 56.0, n." 1, alínea a) do Código Penal, forçoso se torna concluir que urge determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado, A., nos presentes autos. Destarte, pelos expostos fundamentos de facto e de Direito, decido revogar a suspensão da execução da pena de 02 (dois) anos e 03 (três) meses de prisão aplicada a A. nos presentes autos (cf. artigo 56.0, n.º 1, alínea a) do Código Penal).” O objeto do presente recurso resume-se às seguintes questões:
Conhecendo: Com relevo para a decisão, temos o seguinte historial de atos processuais:
A pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão, cujo regime se encontra previsto nos arts. 50º a 57º do Código Penal e 492º a 495º do Código de Processo Penal, foi aplicada ao recorrente na modalidade de suspensão sujeita a condições, no caso visando a reparação do mal do crime, nos moldes previstos no art. 51º, n.º 1, al. a), do Código Penal – o pagamento, destro de certo prazo, da indemnização devida ao lesado. Nos termos do art. 56º, n.º 1, al. a), do mesmo Código, “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos” No caso de incumprimento das condições de suspensão, estabelece o art. 495º do Código de Processo Penal: “1. Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos seus deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51º, no n.º 3 do artigo 52º e nos artigos 55º e 56º do Código Penal. 2- O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão (…)” Nos termos do transcrito n.º 2, resulta que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão é obrigatoriamente precedido da audição pessoal do condenado, visando esta norma efetivar o princípio constitucional do contraditório, consagrado no art. 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa. Na verdade, resultando a revogação da suspensão da execução da pena de prisão o cumprimento de uma pena de prisão (a substituída), a decisão judicial contende com a liberdade da pessoa, afeta gravemente a liberdade do condenado, impondo-se o cumprimento do contraditório e do direito de audiência, conforme previsto no art. 61º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal (“O arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, os direitos de… ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete”). Com a audição do condenado prevista no n.º 2 do art. 495º do Código de Processo Penal visa-se proporcionar outros elementos relevantes ao juiz para avaliar se as finalidades que estiveram na base da aplicação da pena substitutiva foram ou não alcançadas no caso concreto, de forma a fundar a decisão de revogação. Assente temos, assim, a obrigatoriedade de audição do condenado, sob pena de ocorrer a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c), do Código de Processo Penal – porquanto decorre da própria lei (art. 495º, nº 2, transcrito) que a audição do condenado deve ser pessoal e presencial (veja-se, por esclarecedora, a fundamentação constante do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2010, publicado no DR n.º 99, I Série, de 21.5.2010, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., pág. 1252). No entanto, se tiver sido concedida essa possibilidade ao condenado e só por culpa dele a audição não se efetivar, porque faltou à diligência, ou porque se ausentou da morada do TIR sem deixar nova morada, não se tendo logrado encontrar nova morada, o contraditório a que se refere o art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal tem-se como cumprido com a notificação do defensor do condenado. Na verdade, e como afirma André Lamas Leite (A Suspensão da execução da pena privativa da liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, em Stvdia Ivridica 99, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, BFDUC, 2009, págs. 620-623), “… a exigência constitucional do exercício do contraditório (art. 32º, n.º 2, in fine) e as previsões normativas dos artigos 61º, n.º 1, al. b), e 495º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, só admitem a conclusão de que é obrigatório que o tribunal, antes de determinar a revogação da suspensão de execução da pena privativa da liberdade, envide todos os esforços necessários à audição do condenado” (sublinhado nosso). Ora, aquando da prestação do TIR o arguido é informado, nomeadamente, que tem a obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado, e que o incumprimento desta obrigação legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito de estar presente, bem como a realização da audiência (de julgamento) na sua ausência; e ainda que o TIR só se extingue com a extinção da pena, caso seja condenado – art. 196º, n.º 3, als. b), d) e e), do Código de Processo Penal. Por essa razão se justifica que a falta do arguido que não é encontrado na morada indicada no TIR, que se ausentou dessa morada sem informar o tribunal da nova residência, legitime a realização da audiência de julgamento na sua ausência, bem como todos os demais atos processuais que pressuponham a sua presença, como sucede no caso – cf. o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2010, cit.: “O condenado em pena de prisão suspensa continua afeto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão em pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coação de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de “as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada)”. Foi o que sucedeu no caso dos autos: o condenado alterou a sua residência para o estrangeiro, sem comunicar ao tribunal; obtida informação do incumprimento dos deveres impostos, foi designada por duas vezes data para a sua audição, tendo faltado a ambas as diligências, apesar de notificado para a morada do TIR, tendo a Il. Defensora informado, na 2ª data designada, a nova morada do condenado. O condenado pagou 3 prestações do pagamento que constituiu a condição de suspensão da execução da pena, e voltou a incumprir, razão porque foi designada nova data para a sua audição, nos termos do art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal. O arguido foi desta notificado quer para a morada do TIR, quer para a morada no Reino Unido indicada pela sua Il. Defensora, mas faltou à diligência, sem justificação. Emitidos mandados de detenção para obtenção da sua comparência em nova data, não foi o condenado encontrado, razão pela qual se frustrou a sua audição. Assim, foi notificado (bem como a sua Il. Defensora) para se pronunciar por escrito quanto à promovida revogação da suspensão da execução da pena de prisão, de igual forma para ambas as mencionadas moradas, nada tendo dito. E foi devido a esta sua indiferença, após nova confirmação de nenhuma outra prestação ter pago à ofendida, que o tribunal veio a proferir despacho em que revogou a pena substitutiva, ordenando o cumprimento da pena principal em que o recorrente foi condenado. Resulta do exposto que o tribunal a quo envidou todos os esforços para ouvir o condenado, dando-lhe todas as oportunidades de defesa, não tendo tido lugar a diligência prevista no art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal por causa exclusivamente imputável ao próprio condenado. Tendo violado as obrigações decorrentes do TIR, desinteressando-se do processo crime em que foi condenado, sabedor que era da essencialidade do cumprimento dos deveres impostos de pagamento de prestações à ofendida e das consequências que lhe poderiam advir do incumprimento (veja-se a notificação que lhe foi efetuada do despacho proferido a 13.4.2018), o arguido ficou representado pelo defensor em todos os atos em que a lei exige a sua presença, conforme previso no art. 196º, n.º 3, al. d), do Código de Processo Penal. Esta regular representação do arguido/condenado obsta à verificação da nulidade insanável a que se refere o art. 119º, al. c), do Código de Processo Penal, que na sua letra alude ao arguido ou seu defensor precisamente para excluir os casos em que é ao próprio arguido/condenado que se deve a não comparência na diligência em que a lei exige a sua presença. Pelo exposto, foi assegurado o direito de audição e de exercício do contraditório do condenado, previsto no art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e no art. 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, não ocorrendo quer a nulidade insanável, quer a inconstitucionalidade invocadas (cf., no mesmo sentido, e a título exemplificativo, os Acórdãos da Relação do Porto de 7.2.2018, proc. 24/16.6PGGDM-A.P1, da Relação de Guimarães de 25.2.2019, proc. 89/13.2TAVRM-A.G1, e desta Relação de Coimbra, de 6.2.2019, proc. 221/14.9SBGRD-A.C1, todos em www.dgsi.pt).
O art. 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal estabelece o seguinte: “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos. Ou seja, constituem pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão: Alega o recorrente que foi indevidamente considerado o incumprimento da condição que lhe foi fixada como grosseira, com os seguintes fundamentos: - Apesar de trabalhar, não dispôs ainda de condições reais e sérias para efetuar os pagamentos à lesada, para além dos que efetuou; - Não infringiu qualquer norma penal, tem dois filhos menores, e encontra-se muito preocupado com o futuro; - A sua conduta, embora reprovável, denota falta de cuidado e previdência, pretendendo ainda o recorrente indemnizar a lesada; - O tribunal sustentou a decisão numa presunção ilícita de culpabilidade, não assentando em elementos concretos; - O tribunal não apurou as reais e efetivas condições pessoais e económicas do arguido para cumprir a obrigação a que estava adstrito; - O tribunal tinha de saber as motivações e fins que levaram o recorrente a agir como agiu; - A prorrogação da suspensão da execução da pena de prisão é vantajosa para a reinserção social do condenado, sendo suficiente para o afastar da prática de futuros crimes. Defende a prorrogação do período de suspensão e a manutenção da imposição de pagamento à lesada do remanescente ainda em falta. Vejamos: A revogação da suspensão da execução da pena não é, de facto, uma consequência automática da conduta do condenado, encontrando-se dependente da verificação dos pressupostos acima enunciados, e da conclusão de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal - As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 355). Por essa razão se prevê que mesmo no caso de incumprimento culposo, grosseira e/ou reiterado das condições fixadas o tribunal ainda pode optar por fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão, impor novos deveres ou regras de conduta, ou prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado – o que o recorrente pretende (art. 55º do Código Penal). No caso dos autos, e conforme se extrai da resenha de atos processuais efetuada, o recorrente pura e simplesmente se alheou da obrigação fixada de pagamento de uma pequena quantia mensal à ofendida, no valor de € 50 por mês, e só no momento em que sentiu encontrar-se em risco a sua liberdade procedeu ao pagamento de 3 prestações, no valor total de € 150, num montante de € 1350 que tem de pagar. Não constam dos autos elementos donde decorra uma qualquer justificação do condenado para não cumprir o dever que condicionou a suspensão da execução da pena, decorrendo de todas as diligências efetuadas pelo tribunal que o incumprimento do recorrente terá de se considerar como grosseiro: sabia já quais as consequências do não pagamento da pequena quantia de € 50 por mês à ofendida, e em momento algum, para além das referidas 3 prestações, se preocupou em justificar sequer a razão para não proceder ao pagamento da mesma, e em cumprir as obrigações decorrentes do termo de identidade e residência, fornecendo ao tribunal, atempadamente, as suas novas moradas. Tendo conhecimento das diligências para a sua audição, em virtude do não pagamento das prestações a que se encontrava obrigado, o recorrente obviamente atuou com culpa – encontrando-se preenchidos os pressupostos da revogação previstos no art. 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal. No entanto, conforme mencionado, para além destes requisitos tem de se extrair no caso concreto não ser já possível efetuar um juízo de prognose favorável em relação ao condenado, e que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena se encontram definitivamente comprometidas. Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, 3ª ed., pág. 317), “O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado”. Tudo isto porque a pena de prisão só deve ter lugar como ultima ratio, após ponderadas todas as restantes possibilidades; e caso se conclua que as finalidades que estiveram na base da suspensão ainda podem ser alcançadas, deve o tribunal aplicar as medidas previstas no art. 55º do Código Penal. Em suma, para a suspensão ser revogada é necessário que a infração grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos se deva à vontade do condenado, e que se conclua que nenhuma outra medida para além da revogação é viável para alcançar as finalidades da punição (arts. 50º, n.º 1, e 40º, n.º 1, do Código Penal). Regressando ao caso dos autos, não tendo o recorrente permitido ao tribunal aquilatar das razões do incumprimento dos deveres impostos, caberá questionar se tal incumprimento, na ausência de outros fundamentos, é suficiente para concluir pela necessidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão (cf., p. ex., o Ac. da Relação de Évora de 5.2.2019, proc. 95/16.5PBSTR-B.E1, em www.dgsi.pt). Salvo o devido respeito, entendemos que não. Na verdade, do comportamento do condenado ressalta, sem dúvida, o seu desinteresse e indiferença perante a condenação. No entanto, importa considerar que o condenado após a condenação emigrou, encontrando-se a residir no Reino Unido, nada indiciando que não possa ainda cumprir os deveres impostos – o que ainda se mostra suficiente para alcançar as finalidades da punição in casu. O próprio recorrente afirma, na alegação recursiva, que atualmente trabalha, e ganha £ 200 por semana, tendo condições económicas para proceder ao pagamento das prestações. Assentando a revogação da suspensão exclusivamente na indiferença resultante do incumprimento grosseiro e reiterado desse pagamento, entendemos ser, neste momento, suficiente o agravamento dos deveres impostos, conjuntamente com a prorrogação do prazo de suspensão de execução da pena por mais um ano, nos termos do art. 55º, als. c) e d), do Código Penal. Entende-se adequado que o recorrente proceda ao pagamento da totalidade da indemnização em falta no período de um ano, fixando-se assim as futuras prestações mensais em € 100 (cem euros), durante os próximos 12 meses. Desta oportunidade concedida ao condenado recorrente tem de resultar a sua consciencialização de que qualquer outro incumprimento poderá naturalmente desaguar na necessária conclusão de não ser viável a aplicação de outra medida para além do cumprimento da pena de prisão em que foi inicialmente condenado. Procederá, nesta medida, o recurso interposto. * 3. Decisão Nos termos expostos, na procedência do recurso, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o agravamento dos deveres impostos, e fixando-se a prestação pecuniária mensal devida pelo condenado à ofendida em € 100 (cem euros); e prorrogando-se o período de suspensão da execução da pena de prisão em mais um ano – art. 55º, als. c) e d), do Código Penal. Sem tributação.
Coimbra, 30 de setembro de 2020
Ana Carolina Veloso Gomes Cardoso - relatora
João Bernardo Peral Novais - adjunto
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