Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1207/22.5T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
TESTE DE ADN
REPETIÇÃO DE NOVO EXAME
Data do Acordão: 06/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 3.º-A E 20.º DA CRP
ARTIGO 10.º DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM
ARTIGO 14.º DO PACTO INTERNACIONAL RELATIVO AOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
Sumário: I – Nos processos de averiguação de paternidade, os testes de ADN, feitos através da recolha de sangue ou saliva, equivalem a uma prova plena, do ponto de vista científico, no que concerne à filiação biológica.

II – Tendo sido possível concluir em processo de averiguação oficiosa de paternidade, através de oportuno teste de ADN, que a probabilidade de o ora A. em ação de impugnação de paternidade ser o pai biológico do ora 2º R. e anteriormente investigante, era 99,99999997% [que corresponde a “paternidade praticamente provada” segundo a escala de Hummel], sendo certo que entidade oficial que realizou esse exame certifica a plena e atual validade desse teste e dos seus resultados, a realização de novo teste de ADN [ainda que com acrescidos marcadores genéticos, rectius, estudo mais vasto dos STR (Short Tandem Repeats) dos cromossomas autossómicos], constituiria um meio de prova inútil e despiciendo.

Decisão Texto Integral:

Apelações em processo comum e especial (2013)                                                                                                                         *

            Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

            AA, solteiro, maior, ..., residente na Rua ..., ..., ..., C, Direito, ... ..., veio propor a presente ação de impugnação de perfilhação contra:

BB, solteira, maior, residente na Rua ..., ... - ...; e contra

CC, solteiro, maior, estudante, filho da primeira ré e com esta residente na mesma morada da mãe, constando do assento de nascimento do jovem que é também filho do autor.

Alegou o autor, em síntese, que tal paternidade foi estabelecida por perfilhação, por auto de declarações prestadas no dia 10-11-2003, no processo de averiguação oficiosa de maternidade que com o número 379/03.... correu termos no Tribunal Judicial ... e à medida que o tempo passa, o autor cada vez tem mais dúvidas sobre a sua paternidade biológica quanto ao réu CC, pois durante o período de concepção a primeira ré manteve, alegadamente, relações de cópula completa com outros jovens e não só o autor, dizendo este que aquela ré lhe teria confidenciado estar grávida de outro rapaz, mais dizendo o autor que desde o mês de Setembro de 2002 ele e a ré nunca mais estiveram juntos.

Mais alega que o segundo réu nunca foi parecido com o autor, nem com a mãe, que sempre obstaculizou os convívios do filho com o pai, não obstante este lhe pague a prestação de alimentos acordada em R.P.P., havendo vozes que da rua chegam e lhe dizem constantemente que ele não é pai deste jovem, que ainda incrementam mais a sua dor e sofrimento, perpetrado por um engano de juventude, pelo que não aceita neste momento os testes de ADN feitos oportunamente, estando a ciência e a tecnologia mais evoluídas, pois passaram 20 anos sobre a realização dos testes em causa, requerendo, a final, a realização dos exames serológicos e hematológicos ao ADN do autor e dos réus, que contribuiriam para a certeza da não paternidade do Autor em relação ao aqui 2.º réu, além de realização de exames serológicos e hematológicos do menor DD, filho biológico do autor, para comparação, tendo concluído que deve ser declarada impugnada a perfilhação estabelecida ao réu CC, por não corresponder à paternidade biológica, bem como retificado o respectivo assento de nascimento, de forma a dele deixar de constar a paternidade fixada e também o apelido do autor, bem como a avoenga paterna.

O autor arrolou testemunhas e juntou documentos.

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A mãe e o jovem apresentaram contestação, onde disseram que o autor omite terem as análises sido requisitadas pelo Juiz no âmbito do Processo n.º 379/03.... e que o relatório pericial formulado com base no estudo por PCR dos marcadores genéticos, concluiu que “A análise estatística conduziu a um índice de paternidade IP=3491923145 e a uma probabilidade de paternidade W=99,99999997%, que corresponde a “paternidade praticamente provada” segundo a escala de Hummel”, sendo resultado suficiente para ter-se por constituída a paternidade biológica, sem necessidade de demonstração da exclusividade das relações sexuais, conforme jurisprudência que citaram.

Mais alegaram que o autor omite que só perfilhou o réu quando soube do relatório pericial e não em momento anterior, ou seja, quando conheceu da verdade biológica.

Alegam ainda os réus que a petição inicial não tem causa de pedir e os elementos probatórios requeridos, ou já existem ou são inúteis, o que permite concluir pela improcedência da acção, cuja petição deveria ser indeferida.

Invocaram, também, que a primeira ré é parte ilegítima nos presentes autos, nos termos dos arts. 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. e), ambos do CPC, devendo ser absolvida da instância, com as legais consequências, pois só o segundo réu teria interesse directo em contradizer nesta acção.

Continuaram impugnando a maior parte da matéria alegada pelo autor, designadamente que este pague a prestação de alimentos ao filho, com o qual só conviveu pouco tempo, havendo vários incidentes de incumprimento em que é demandado o pai.

Terminaram pedindo que a acção seja julgada não provada e improcedente, e, em consequência, serem os réus absolvidos do pedido, com as legais consequências.

Requereram que os Peritos do Instituto de Medicina Legal, respondessem às seguintes questões:

1. O relatório pericial apresentado no processo de averiguação oficiosa de paternidade n.º 379/03...., que correu termos no Tribunal Judicial ..., constitui ainda hoje um relatório válido para os efeitos de determinação da paternidade?

2. Atendendo a que existe o relatório pericial referido na questão anterior, é necessário o exame serológico e hematológico ao ADN do réu e do DD (filho do A.)?

Mãe e filho arrolaram testemunhas, juntaram alguns documentos e protestaram juntar outros.

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Em articulado subsequentemente apresentado ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 4 do n.C.P.Civil, isto é, sob a capa de direito ao contraditório, o Autor explanou diversas considerações e mais invocou a litigância de má fé dos réus, designadamente ao alegarem e tentarem provar que o réu CC nasceu de 34 semanas, contra a verdade espelhada nos documentos que provam que pelo menos terá nascido de 38 semanas, pois o réu nasceu em Maio de 2003 não em Abril de 2003, concluindo que os réus devem ser condenados como litigantes de má-fé em indemnização a favor do autor, contabilizada de acordo com o estipulado no artigo 543.º, n.º 1 alínea a) e b), do mesmo n.C.P.Civil.

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Os réus vieram responder ao pedido da sua condenação como litigantes de má fé, concedendo que na sua contestação consta erradamente calculada a data da concepção do réu CC, que terá ocorrido em finais de Agosto de 2003, tendo ocorrido erro de cálculo do mandatário, pelo qual este se penitencia.

Seguidamente produziram alegações, além do mais para contradizer a questão da litigância de má fé, concluindo que a condenação dos réus como litigantes de má-fé deve ser julgada não provada e improcedente, sendo estes absolvidos, com as legais consequências.

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Na sequência oportuna, foi proferido despacho onde se solicitou ao I.N.M.L.C.F., Delegação de Coimbra, que emitisse parecer onde esclarecesse, face ao “estado da arte”, nos termos do estatuído no art. 590º, nº 2, al.c), do n.C.P.Civil:

1. Se o relatório pericial de 10/10/2003, apresentado no processo de averiguação oficiosa de paternidade n.º 379/03...., que correu termos no Tribunal Judicial ..., constitui ainda hoje um relatório válido e manifestamente conclusivo para os efeitos de determinação da paternidade do réu CC, nascido em .../.../2003, filho da ré BB, constando como pai no registo civil o autor AA.

2. Na hipótese de a resposta à primeira questão ser negativa, se será necessário o exame serológico e hematológico ao ADN de DD, nascido em .../.../2015, filho de EE, constando como pai no registo civil o autor AA (podendo o DD ser irmão consanguíneo do réu CC), devendo nessa hipótese indicar as demais pessoas que deverão sujeitar-se a exame para efeitos de determinação da paternidade do réu CC.

De referir que, com tal pedido de parecer se remeteu ao I.N.M.L.C.F. cópia do relatório de perícia de 10/10/2003 (junto em 30/9/2022 à contestação) e dos assentos de nascimento dos jovens CC e DD (juntos com a P.I.).

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O I.N.M.L.C.F. de Coimbra respondeu ao solicitado, através do seu membro Dr. FF, Especialista Superior de Medicina Legal, o qual referiu, no que essencialmente ora releva, que o relatório pericial de 10/10/2003, apresentado no processo de averiguação oficiosa de paternidade n.º 379/03...., que correu termos no Tribunal Judicial ..., constitui ainda hoje um relatório válido e manifestamente conclusivo para os efeitos de determinação da paternidade do réu CC, nascido em .../.../2003, filho da ré BB, constando como pai no registo civil o autor AA, não obstante também dizer que as perícias atuais recorrem a um conjunto mais vasto de SRts..

Apesar da conclusão do dito Especialista Superior, logo o autor aproveitou para insistir na realização de colheitas para novos testes serológicos e hematológicos, ao que os réus se opuseram, dizendo que o esclarecimento apresentado pelo I.N.M.L.C. é inequívoco quanto à validade e atualidade dos exames realizados ao autor e ao réu para determinar a sua paternidade, que são os mesmos que então eram realizados, com exceção de atualmente se recorrer a “um conjunto mais vasto de STRs.”, além de que aquele esclarecimento do I.N.M.L.C.F. conclui de forma inequívoca que o relatório efetuado é “manifestamente conclusivo para os efeitos de determinação da paternidade do réu CC”, pelo que a presente ação será manifestamente improcedente.

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Entendendo o Exmo. Juiz de 1ª instância que podia conhecer do fundo da causa no despacho saneador, não havendo utilidade do eventual prosseguimento dos autos para julgamento com produção de outras provas [cf. «(…), pois o resultado do dito relatório pericial é inequívoco, não tendo perdido a sua validade, nem deixado de ser conclusivo relativamente à paternidade do autor quanto ao segundo réu, como disse o Especialista Superior do I.N.M.L.C.F.»], pelo que, invocando o disposto no art. 595º, nº1, al.b), do n.C.P.Civil, assim procedeu, vindo a concluir, para além de que a 1ª Ré era parte legítima, que «Este processo não serve para satisfazer caprichos do pai, baseado em vozes da rua, falta de parecenças fisionómicas, ou outros argumentos não científicos, para obter provas redundantes da sua paternidade, como sucederia se fosse aceite o seu pedido de realização de novos exames de ADN, os quais se indeferem, por desnecessários. A paternidade de CC por parte de AA está manifestamente provada nos autos», rematando com o seguinte dispositivo:

«Termos em que julgo não provada e improcedente a presente acção, absolvendo os réus dos pedidos do autor.

Sendo irrelevante o número de meses de gestação do segundo réu, perante o resultado pericial, não há matéria para condenar os réus como litigantes de má fé por mero lapso de alegação do seu mandatário quanto a esses meses, pelo que os absolvo igualmente do pedido do autor de condenação como litigantes de má fé.

Valor: €30.000,01.

Custas pelo autor (art.º 527.º, nºs 1 e 2, do C.P.C.).

Registe e notifique.»

                                                           *

Inconformado, apresentou o Autor recurso de “apelação”, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

«1º. o aqui Recorrente deduziu ao abrigo do disposto no art.º 1839º e seguintes do Código Civil, Ação Especial de Impugnação da Perfilhação Contra: BB, solteira, maior, contribuinte fiscal nº ... residente na Rua ...- ... E CC, solteiro, maior, estudante, contribuinte fiscal nº ..., residente na Rua ...- ...

2º. O recorrente pretende que a ação seja julgada procedente por provada e declarada impugnada a perfilhação estabelecida ao Réu CC, por não corresponder à paternidade biológica,

3º. O recorrente pretende que a final seja retificada o respetivo assento de nascimento de forma a dele deixar de constar a paternidade fixada e também o apelido do autor, bem como a avoenga paterna

4º. No dia 12 de maio de 2003, (doze de maio do ano dois mil e três) nasceu o CC

5º. Consta referido assento de nascimento a paternidade legal do aqui recorrente, AA.

6º. Esta paternidade foi estabelecida por perfilhação, por auto de declarações prestadas no dia 10.11- 2003, no processo de averiguação oficiosa de maternidade que com o número 379/03.... correu termos no tribunal Judicial ...

7º. Em finais de setembro de 2002 o Recorrente e a mãe do CC mantiveram relações de copula completa

8º. O CC nasceu de 38 semanas, pelo que terá sido concebido em julho de 2002

9º. O recorrente tem duvidas fundadas sobre a sua paternidade sobre o CC

10º. Em sede de contestação os Recorridos referiram que o CC Nasceu de 34 semanas

11º. O recorrente juntou aos autos documento que prova que o CC nasceu com pelo menos 38 semanas

12º. O tribunal a quo fez errada interpretação da prova carreada para os autos, pois da contestação dos Recorridos ressaltam ainda mais as evidencias que levam á credibilidade da duvida que o recorrente tem sobre a paternidade do CC

13º. A postura dos recorrentes permite formular as seguintes questões que são causa direta de perplexidade do recorrente: Qual o interesse dos Réus em alegar e tentar provar que o Reu CC, nasceu de 34 semanas, quando nasceu efetivamente de 38 ou 39 conforme o recorrente provou?

14º. Mais, Qual a necessidade da mãe do CC, e do próprio CC, de apelidar tao insistentemente o recorrente de mentiroso?

15º. Qual o receio dos Réus de se sujeitarem a novos testes ao ADN? (quem não deve não teme).

16º. O Tribunal a quo não poderia decidir o objeto do litígio só com a prova carreada para os autos ate ao momento da prolação da sentença

17º. O exame pericial da medicina legal efetuado em O relatório pericial de 10/10/2003, foi considerado como ainda valido, mas não é prova irrefutável da paternidade do recorrente sobre o CC

18ºO relatório pericial de 10/10/2003 do I.N.M.L., formulado com base no estudo por PCR dos marcadores genéticos, concluiu que “A análise estatística conduziu a um índice de paternidade IP=3491923145 e a uma probabilidade de paternidade W=99,99999997%, que corresponde a “paternidade praticamente provada” segundo a escala de Hummel, mas não diz que o recorrente é o pai biológico

19ºÈ consabido que não pode jamais qualquer relatório apontar pela paternidade verdadeira, real e induvial de alguém, mas tão só… indicativo de uma paternidade praticamente provada… diga-se” PRÀTICAMENTE”, ou SEJA, PRATICAMENTE PROVADA, NÃO SIGNIFICA PROVADA.

20º Mal andou ,no modesto entender do recorrente a decisão do julgador a quo, de não prestar qualquer relevância á defesa dos Réus fundada numa gestação prematura de 34 semanas, só porque sim, só porque depois de confrontados com a verdade documentalmente provada pela Maternidade onde o CC nasceu, vêm em infundada humildade lamentar que se enganaram, e se tratou de erro de cálculo, conforme se pode ler na parte final da mesma, onde consta: ”Sendo irrelevante o número de meses de gestação do segundo réu, perante o resultado pericial, não há matéria para condenar os réus como litigantes de má fé por mero lapso de alegação do seu mandatário quanto a esses meses, pelo que os absolvo igualmente do pedido do autor de condenação como litigantes de má fé.”

21º O perito da medicina legal, apesar de ter escrito que o relatório de 2003 “constitui ainda hoje um relatório válido”, admite que hoje,” para além daqueles SRTs, as perícias atuais recorrem a um conjunto mais vasto de SRts..

22ºEntende o recorrente, que uma análise com recurso a um conjunto mais vasto de STRs, que decorre da portaria 270/ 2009 de 11 de março e esta necessidade de em 2009 se legislar sobre a imperatividade de introduzir mais STRs nos testes de análise de ADN, só por si é demonstrativo de que a medicina evoluiu desde 2003.

23º Assim, e porque os marcadores STRs, agora utilizados, são em maior número do que em 2003, sendo que em 2003 teriam utilizados 16 marcadores e agora se recorre por norma a 24 marcadores, refira-se, que a previsão da utilização destes marcadores, ainda que não de inserção obrigatória, permite assim, para além de elevar o poder de discriminação, uma maior compatibilização com outras bases de dados europeias e evitar situações de falsas coincidências.

24º. Analisando o estudo efetuado em 2003, que o Sr. Dr. FF, teve o cuidado de mencionar que o que lhe foi enviado para comparação por este tribunal, coincide com o relatório original que se encontra nos arquivos do serviço de genética e biologia forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e ciências Forenses, facto que o Autor jamais colocou em crise, verificamos que o mesmo tem apenas 16 marcadores.

25º Impunha-se a realização de colheitas para novos testes serológicos e hematológicos de acordo com a lei, que vigora pelo menos desde 2009, antes de ser proferida a sentença ,de que se recorre , que valida de forma irrefutável o resultado pericial de 2003.

26º. Não permitindo a realização de novos testes aos interessados nestes autos, com o términus do processo antes de julgamento e produção de prova, o tribunal a quo, denegou ao Recorrente o direito á justiça aos tribunais, e o direito ainda a descoberta da verdade sobre a real paternidade do CC.

27º Contrariamente ao referido pelo julgador a quo, não se trata de um capricho do recorrente, nem de uma situação de dar atenção ás “vozes da rua”, pois tais termos depreciativos e denegrativos da imagem e bom nome do recorrente, emergiram da boca dos Réus, e não do aqui Autor /recorrente.

28º O Recorrente só quer ter uma segunda oportunidade, uma possibilidade de tirar as dúvidas sobre uma paternidade que o atormenta, pois tem muitas dúvidas, duvidas legitimas, aliás agora mais fundamentadas com a postura dos Réus na sua contestação.

29º Vem o recorrente junto de VS Exas solicitar a realização de justiça e que o seu pedido a uma nova oportunidade para ter acesso a nova produção de prova médico legal que possa ser conclusiva sobre a real paternidade ou não, sobre o CC!

30º O processo e a sentença de que ora se recorre, sofre de vicio de deficiente fundamentação dos factos dados como provados .

31º. A sentença recorrida sofre de erro na apreciação da prova que foi oferecida pelas partes,

32º. Deverão os autos baixar a primeira instância e prosseguir com elaboração de saneador, e julgamento, sendo diferida a prova requerida,

33º. Ordenando o prosseguimento do processo para produção de prova e julgamento, será dada enfâse ao princípio da justa composição do litígio, e á igualdade das partes litigantes.

34º.A decisão recorrida violou o artigo 20 da CRP, e fez errada interpretação sobre a prova carreada para o processo,

Termos em que, deve o presente recurso ser liminarmente recebido, e revogada a sentença que pôs termo ao processo, conhecendo sobre o mérito da mesma, e decidindo ipso iuri pela improcedência dos pedidos formulados pelo recorrente, ordenando-se o prosseguimento dos autos para elaboração de saneador, produção da prova pericial requerida, e audiência de julgamento, com as legais consequências.

Assi decidindo, Vossas Exas farão justiça»

                                                                       *

            Os RR. apresentaram as suas contra-alegações, das quais extraíram as seguintes

conclusões:

«1. As alegações do Recorrente são inutilmente extensas, constituída pela transcrição integral das peças processuais principais dos autos, tendo o texto próprio da motivação 6 páginas e as conclusões 5 páginas, violando, por isso, o artº 639º, nº 1 do CPC.

2. O Recorrente deve sanar tal irregularidade processual, nos termos do artº 639º, nº 3 do CPC, devendo ser convidado a sintetizar as suas conclusões sob pena de, não o fazendo, ser sujeito à cominação prevista na parte final daquela norma.

3. A douta sentença recorrida fundamentou-se nos dois relatórios periciais do INMCLF que concluíram, por uma lado, por uma probabilidade de paternidade de 99,99999997% e, pelo outro, que o exame realizado em 10.10.2003 permanece válido, sendo inútil novo exame e o prosseguimento dos autos, bem como a produção de qualquer outra prova.

4. Como a sentença recorrida refere, a presente ação é um capricho do Recorrente, sem fundamento sério ou juridicamente atendível.

5. Do exposto resulta que a douta sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação dos artºs 413º e artº 607º, nºs 4 e 5, ambos do CPC; e dos artºs 388º e 1801º do CCivil.

6. Não existe a violação do artº 20º da CRP pelo que deve a douta sentença recorrida ser confirmada, mantendo-se integralmente no seu integral teor, não se dando provimento ao presente recurso, que deve improceder.

Termos em que, não dando provimento ao recurso do Recorrente e, ao invés, confirmando a Douta Sentença da 1ª instância farão V.Exªs a costumada

J U S T I Ç A !»

                                                                       *

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte:

            - desacerto da decisão, porquanto «O Tribunal a quo não poderia decidir o objeto do litígio só com a prova carreada para os autos ate ao momento da prolação da sentença», sendo que tal decisão também viola o artigo 20º da CRP [princípio da justa composição do litígio e da igualdade das partes litigantes].

                                                                       *

            3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em consideração para a decisão são os que foram como tal alinhados na decisão recorrida [sendo que o recurso interposto não questiona esse particular da decisão], a saber:

«1. O autor consta como pai do jovem segundo réu no respectivo assento de nascimento no registo civil, por declaração dele e da progenitora.

2. Tal paternidade foi estabelecida por perfilhação, por auto de declarações prestadas no dia 10-11-2003, no processo de averiguação oficiosa de maternidade que com o número 379/03.... correu termos no Tribunal Judicial ....

3. O relatório pericial de 10/10/2003 do I.N.M.L., formulado com base no estudo por PCR dos marcadores genéticos, concluiu que “A análise estatística conduziu a um índice de paternidade IP=3491923145 e a uma probabilidade de paternidade W=99,99999997%, que corresponde a “paternidade praticamente provada” segundo a escala de Hummel”, referindo-se à paternidade do ora autor perante o ora segundo réu.

4. O relatório pericial de 10/10/2003 do I.N.M.L., apresentado no processo de averiguação oficiosa de paternidade n.º 379/03...., que correu termos no Tribunal Judicial ..., constitui ainda hoje um relatório válido e manifestamente conclusivo para os efeitos de determinação da paternidade do réu CC, nascido em .../.../2003, filho da ré BB, constando como pai no registo civil o autor AA.

5. Os STR usados para elaborar o relatório pericial são usados ainda actualmente nos relatórios periciais do INMLCF, periodicamente auditados pelo IPAC e elaborados de acordo com as normas da ISFG, embora para além daqueles STRs, as perícias actuais recorram a um conjunto mais vasto de STRs.

6. O relatório enviado ao INMLCF em anexo ao ofício 89893901 de 25.11.2022 relativo ao processo Proc. ...79... do Instituto, coincide com o relatório original que se encontra nos arquivos do Serviço de Genética e Biologia Forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.»                                                                                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre agora entrar na apreciação da questão supra enunciada, a saber, desacerto da decisão, porquanto «O Tribunal a quo não poderia decidir o objeto do litígio só com a prova carreada para os autos ate ao momento da prolação da sentença», sendo que tal decisão também viola o artigo 20º da CRP [princípio da justa composição do litígio e da igualdade das partes litigantes].

Cremos que a resposta a esta questão se constitui como linear e inabalável.

Com efeito, não vislumbramos como questionar o caráter determinante, decisivo e inabalável que foi conferido à prova pericial que já estava efetuada, mais concretamente ao resultado do relatório de exames hematológicos, a que se submeteram o aqui Autor, o ora segundo Réu  (então menor de idade) e a mãe deste (ora primeira ré), no âmbito do processo de averiguação oficiosa de paternidade n.º 379/03...., no qual se concluiu perentoriamente pela paternidade do ora Autor[2].   

É que, na verdade, a perícia através de testes de ADN é verdadeiramente, na atualidade, o meio de prova com maior fiabilidade e grau de certeza, devendo consequentemente, pelo seu caráter decisivo, ser eleito o meio probatório primordial.

Nesta linha de entendimento, vem sendo incontroversamente sustentado que «Nos processos de averiguação de paternidade, os testes de ADN, feitos através da recolha de sangue ou saliva, equivalem a uma prova plena, do ponto de vista científico, no que concerne à filiação biológica.»[3]

Com efeito, permitem os testes de ADN que hoje se realizam uma grande segurança no esclarecimento de situações mais dúbias e a descoberta da verdade, donde, importará concluir no sentido de serem os testes de ADN uma prova plena da paternidade do ponto de vista científico, ou seja, do ponto de vista da realidade factual.[4]

Isto porque no que respeita aos exames de sangue os avanços científicos têm permitido o emprego generalizado de testes de ADN com uma fiabilidade próxima da certeza e que torna possível estabelecer com grande segurança o vínculo de maternidade ou de paternidade.

Ademais, «a enorme fiabilidade dos testes científicos hoje disponíveis, e o facto de esta fiabilidade ser cada vez mais do conhecimento público, têm consequências a vários níveis, no que toca ao objecto da norma em análise, ou seja, a prova das relações de filiação. Assim, por um lado, a prova científica ganhou foros de quase exclusividade, ficando as demais provas relegadas para casos excepcionais, em que aquela não seja possível»[5].

Sublinhando esta mesma linha de entendimento já foi doutamente referido o seguinte:

«(…)

Os comummente designados “testes de DNA” consubstanciam a aplicação forense de uma “tecnologia que se baseia na variabilidade dos ácidos nucleicos das células, polimorfismos do DNA, cuja importância fundamental reside no facto de se estudar a individualidade biológica directamente do código genético, ao contrário das proteínas, cuja caracterização depende da sua expressão em tecidos e fluidos biológicos.

Por conseguinte constituem hoje uma tecnologia que é “admitida internacionalmente como prova pericial em tribunal, permitindo a resolução de casos de filiação complexos, como, por exemplo, casos de investigação de paternidade em que a mãe ou o pretenso pai faleceram, quando existe a possibilidade do estudo de familiares próximos; o estudo de restos cadavéricos e a comparação das suas características genéticas com as do sangue, também, de familiares próximos; e ainda casos de filiação, em que se dispõe de restos fetais resultantes de aborto ou infanticídio, em que se pretende identificar o autor do crime”[5].

O teste de ADN permite determinar, num sistema de percentagens, qual a probabilidade de determinado indivíduo proceder biologicamente de outro[6].

Como se escreve no acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/06[7], a propósito da fiabilidade destes exames, “ (…) os avanços científicos permitiram o emprego de teste de ADN com uma fiabilidade próxima da certeza - probabilidades bioestatísticas superiores a 99,5% -, e, por esse meio, mesmo depois da morte, é hoje muitas vezes possível estabelecer com grande segurança a maternidade ou a paternidade. Assim, a justificação relativa à prova perdeu quase todo o valor com a eficácia e a generalização das provas científicas, podendo as acções ser julgadas com base em testes de ADN, que não envelhecem nunca. Como salienta Guilherme de Oliveira, [8]«os exames podem fazer-se muitos anos depois da morte do suposto pai, ou na ausência do pai! Morrem as testemunhas, mudam os lugares, é certo, mas nada disso altera, verdadeiramente, o caminho que as acções seguem, e hão-de seguir cada vez mais, no futuro»”.

[5] Mª de FÁTIMA PINHEIRO, Genética, Biologia Forense e Criminalística publicado em Noções Gerais Sobre Outras Ciências Forenses, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Medicina Legal - 2003/2004, pg. 8.

[6]Paula Costa e Silva, A realização Coerciva de Testes de ADN em Acções de Estabelecimento da Filiação, in Estudos de Direito de Bioética, Associação Portuguesa de Direito Intelectual, Almedina, p. 166.

[7] Diário da República, I,, de 08-02-1986.

[8] Caducidade das Acções de Investigação, p. 11.»[6]

Nesta mesma linha de entendimento, e já no longínquo ano de 1994, foi doutamente sublinhado que «os exames de sangue são o único meio de prova adequado para demonstrar diretamente o vínculo biológico (…) com um grau de certeza prática tendencialmente total (…) e num plano de manifesta supremacia em relação à prova testemunhal que – a existir – apenas poderá indicar indiretamente a referida procriação biológica (…).».[7]  

E, nem se diga, conforme argumentam os RR./recorrentes, que na medida em que no anterior exame realizado em 2003 foram utilizados 16 marcadores e agora se recorre por norma a 24 marcadores, devia ser realizado um novo exame para “evitar situações de falsas coincidências”.

É que o Especialista do INMLCF que prestou a informação/esclarecimento solicitado pelo Tribunal, Dr. FF [que também foi o subscritor do relatório enviado ao processo de averiguação oficiosa de paternidade n.º 379/03....] foi perentório em afirmar a validade atual do anterior exame!

Mais concretamente prestou o seguinte esclarecimento:

«As conclusões do relatório do N/ Proc. ...79... tiveram como base o estudo dos STR (Short Tandem Repeats) dos cromossomas autossómicos, uma abordagem universalmente aceite e utilizada nos laboratórios de genética forense de todo o mundo, há mais de 20 anos, e de acordo com as normas da ISFG (International Society of Forensic Genetics).

(…)

Respondendo ao pedido de esclarecimento em concreto, relativo ao nosso Processo Proc. ...79...:

- O relatório pericial de 10/10/2003, apresentado no processo de averiguação oficiosa de paternidade n.º 379/03...., que correu termos no Tribunal Judicial ..., constitui ainda hoje um relatório válido e manifestamente conclusivo para os efeitos de determinação da paternidade do réu CC, nascido em .../.../2003, filho da ré BB, constando como pai no registo civil o autor AA.

- A afirmação anterior baseia-se no facto de que os STR usados para elaborar o relatório pericial são usados ainda atualmente nos nossos relatórios periciais, que recordamos são periodicamente auditados pelo IPAC e elaborados de acordo com as normas da ISFG. Para além daqueles STRs, as perícias atuais recorrem a um conjunto mais vasto de STRs.»

Nesta medida, e perante um resultado de ADN de 99,99999997%, a realização de um novo exame de ADN/ “marcadores genéticos” torna-se inútil e despicienda.

Na verdade, saber se durante o relacionamento do Autor com a mãe do CC, e no período da conceção, ela manteve relações sexuais com outros parceiros – como o A./Requerente aventa em sede recursiva! – só seria relevante no caso de o anterior exame de ADN tivesse dado resultados de exclusão ou com um índice de probabilidade baixo, donde, não se afigurar de todo pertinente uma necessária devassa à “vida pessoal” da progenitora ora 1ª Ré que tal implicaria.

Em todo o caso, importa sublinhar que o A./recorrente em nenhum momento ousou invocar o erro ou falsidade do exame de ADN já feito e dos seus resultados!

Assente isto, que dizer relativamente à argumentação de que a decisão recorrida violou o artigo 20º da CRP [princípio da justa composição do litígio e da igualdade das partes litigantes]?

De referir que o A./recorrente concretizou este seu fundamento nos seguintes textuais e lineares termos: «Entende assim, o recorrente que o processo de que ora se recorre, sofre de falta de prova, e erro na apreciação da prova que foi oferecida pelas partes, pelo que deverá prosseguir com elaboração de saneador, e julgamento, sendo diferida a prova requerida, pois só assim se dará enfâse ao principio da justa composição do litigio, e á igualdade das partes litigantes.» 

Salvo o devido respeito, a resposta já se adivinha, sendo que também não assiste qualquer razão ao A./recorrente nesse particular.

Senão vejamos.

É certo que a consagração, no nº4 do artigo 20º, da Constituição da Republica Portuguesa, do direito a um processo equitativo, envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova[8] uma das dimensões em que aquele se concretiza. O direito à prova emana da necessidade de se garantir ao cidadão a adequada participação no processo e de assegurar a capacidade de influenciar o conteúdo da decisão.

«O direito à tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, genericamente proclamado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras»[9].

Nesta linha de entendimento, o direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal[10], donde, as partes têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova.

Haverá que constatar que, na prática, as partes têm sempre interesse em produzir provas, seja em relação aos factos que lhe são favoráveis, seja quanto à inexistência dos factos que a podem prejudicar (contraprova ou prova contrária). E se é verdade que o ónus da contraprova só surge quando o onerado com a contraprova tenha feito prova bastante (prova livre ou não plena), cabendo então à parte contrária fazer prova que crie no espírito do juiz dúvida ou incerteza acerca do facto questionado, as restrições impostas ao momento até ao qual cada uma das partes pode apresentar a sua prova/contraprova, levam a que parte não onerada com a prova de um facto não possa ficar à espera que a contraparte faça, ou não, a prova de tal facto, para aí e só então, em caso afirmativo, apresentar a sua contraprova.

Assim, já foi doutamente sustentado a este propósito que «as partes devem, pois, ter a oportunidade de demonstrar os fatos que servem de fundamento para as respetivas pretensões e defesas, sob pena de não conseguirem influenciar o órgão julgador no julgamento da causa. A noção de direito à prova aumenta as possibilidades das partes influenciarem na formação do convencimento do juiz, ampliando as suas chaces de obter uma decisão favorável aos seus interesses. Assim, as partes têm liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais.»[11].

Por outro lado, também temos presente que o princípio da igualdade das partes, imposto pelo art. 3º-A da Constituição da República Portuguesa, consagra o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva previsto no art. 20º desse mesmo diploma, na vertente em que todos têm direito a que uma causa em que intervenham decorra mediante um processo equitativo (parte final do nº4).

É, afinal, o direito fundamental de qualquer pessoa a um processo justo, a um processo que apresente garantias de justiça, no que concerne à sua estrutura, e que o art. 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem também consagra, ao consignar que «toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida».

Este direito a um processo equitativo - ou nas expressões inglesas due process of law ou fair trial - fair hearing - também se encontra consagrado no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no art. 14º do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos.[12]

O que tudo serve para dizer que os direitos processuais devem poder ser materialmente exercidos, sem o que acaba postergado o direito fundamental de qualquer cidadão a um processo equitativo, assim como deve cada concreto ato processual fornecer garantias de efetivo acesso à justiça.

Deste modo, é efetivamente de afirmar e reconhecer que no conceito jurídico-constitucional do processo equitativo se engloba o direito de produzir prova.

Donde, concomitantemente, no caso de o meio de prova já ter sido produzido, o direito de questionar a forma em que tal teve lugar, e bem assim os aspetos da sua fiabilidade, fidedignidade e resultado material…

Acontece que, na interpretação por nós perfilhada e, cremos que já suficientemente enunciada na antecedente exposição, o anterior exame de ADN/ “marcadores genéticos” foi realizado de forma segura e correta, tendo conduzido a resultados absolutamente concludentes e inteiramente válidos na presente data.

Não vemos, assim, como dar mínimo acolhimento à invocação de que existiu ou existe “falta de prova” e “erro na apreciação da prova que foi oferecida pelas partes”!

A esta luz, não se encontra em nenhum grau ou medida questionada a existência de um processo justo e equitativo.

Antes, e em contraposição, também se perfila outro princípio constitucional e valor que deve presidir à administração da justiça, a saber, o da celeridade processual, ao qual importa dar acolhimento e tutela.[13]

Sendo, aliás, deste adequado equilíbrio e harmonização de princípios, direitos e interesses processuais contrapostos, que se encontra fundado o nosso Estado de Direito e, dentro dele, do processo civil, designadamente o de se obter uma decisão definitiva e que permita encerrar de uma vez o conflito de interesses em jogo.

Isso também para tutela da confiança, da segurança jurídica e da boa-fé.

Sendo certo que o entendimento por nós perfilhado não ofende desproporcionadamente o acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva do A. ora Recorrente, a quem, ao não aduzir fundamentação séria e consistente, não cumpre salvaguardar uma “eternização” do conflito.

Improcede assim igualmente o alegado neste particular.

Assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente o recurso.

                        (…)

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela total improcedência da apelação, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.  

Custas nesta instância pelo A./recorrente.                                       

Coimbra, 13 de Junho de 2023

                                                     Luís Filipe Cravo

                                                   Fernando Monteiro

                                                      Carlos Moreira



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira

[2] Referindo-se à paternidade do ora Autor perante o ora segundo Réu, o resultado foi que «A análise estatística conduziu a um índice de paternidade IP=3491923145 e a uma probabilidade de paternidade W=99,99999997%, que corresponde a “paternidade praticamente provada” segundo a escala de Hummel» [cf. facto “provado” sob “3.”].
[3] Assim no ac. do TRP de 10.02.2016, proferido no proc. nº 2947/12.2TBVLG-B.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[4] Cf. ac. do STJ de 17.5.2016, proferido no proc. nº  8928/11.6 TBOER.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj.
[5] Conforme refere ESTRELA CHABY, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, Coordenação de Ana Prata, 2017, Almedina, a págs. 722.
[6] Citámos, agora, o ac. do STJ de 24.05.2012, proferido no proc. nº 69/09.2TBMUR.P1.S1, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[7] Assim por LOPES DO REGO in Relevância dos exames de sangue nas acções de investigação de paternidade – Revista do Ministério Público, ano 15º, nº 58, Abril-Junho 1994.
[8] Habitualmente deduzido do disposto no art. 6º, nº3, al. d), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
[9] Citámos agora o acórdão do Tribunal Constitucional de 11.11.2008, relatado por Carlos Fernando Cadilha, acessível em www.pgdlisboa.pt; entendimento similar tem vindo a ser definido pela demais  jurisprudência do Tribunal Constitucional, que tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como sendo entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 404/87, 86/88 e 222/90, Diário da República, II série, de, respetivamente, 21 de Dezembro de 1987, 22 de Agosto de 1988 e 17 de Setembro de 1990).
[10] Cfr., neste sentido, RUI DE FREITAS RANGEL, in “O Ónus da Prova no Processo Civil”, 2ª ed., Almedina, a págs. 72.
[11] Vide EDUARDO CAMBI, “O direito à prova no Processo Civil”, in Revista da Faculdade de Direito UFRP, v34, 2000, disponível na net – http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/viewFile/1836/1532.
[12] Na lição de GOMES CANOTILHO, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 7ª edição, a págs. 274, do princípio do Estado de Direito, previsto no art. 2º da Lei Fundamental, “deduz-se sem dúvida, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito. Como a realização do direito é determinada pela conformação jurídica do procedimento e do processo, a Constituição contém alguns princípios e normas designados por garantias gerais de procedimento e de processo”.
[13] Cf. art. 20º, nº4 da mesma Constituição da República Portuguesa.