Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JOSÉ EDUARDO MARTINS | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO DIREITO DE DEFESA DOLO DECISÃO ADMINISTRATIVA CONDENATÓRIA INDEFERIMENTO DA INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA EM PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 1.º, 8.º, N.º 1, 50.º, 54.º E 58.º DO D.L. N.º 433/82 DE 27 DE OUTUBRO/RGCO | ||
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Sumário: | I – O conjunto de actos de investigação e de instrução realizados pela autoridade administrativa, que hão-de servir de base à “acusação” em processo contra-ordenacional, equivale à fase que no processo penal se designa por “inquérito”, cuja finalidade consta do artigo 262.º, n.º 1, do C.P.P.
II – Mesmo que a não audição das testemunhas indicadas pelo arguido ou a omissão de quaisquer diligências por aquele sugeridas acarretasse a nulidade do procedimento e da decisão administrativa posteriormente proferida, que não acarreta, a inquirição da testemunha levada a efeito na fase contenciosa sempre determinaria a sanação do vício. III – Sendo preferível, de um ponto de vista formal, que o indeferimento da inquirição da testemunha requerida na fase administrativa conste de um despacho autónomo, anterior à prolação da decisão, a sua inclusão na decisão administrativa em nada belisca o direito de defesa, já que a arguida teve oportunidade de, em audiência de julgamento, ouvir a testemunha. IV – A imputação de um facto contraordenacional e a responsabilização do agente exigem sempre um nexo de imputação subjetiva, seja através de uma conduta dolosa, seja através de uma conduta negligente, expressa através de factos que consubstanciem efectiva alegação do elemento subjectivo da infracção, quer porque não é indiferente o grau de culpa determinante da conduta, quer porque desse grau de culpa depende a determinação da coima aplicável. V – A estrutura do dolo é composta por um elemento intelectual e um elemento volitivo, consistindo o primeiro na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objectivo de ilícito -, e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável, consistindo o elemento volitivo na especial direcção da vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo. VI – Tendo em atenção que a arguida tem actividade no âmbito de alimentos para animais de criação, dizer-se na decisão administrativa que ela conhecia os limites de carga do veículo identificado e que lhe era exigível que cumprisse com os mesmos equivale a afirmar que ela sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. VII – Emergindo o dever de fundamentação directamente do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, como parte integrante do próprio conceito de Estado de Direito democrático, o direito a conhecer as razões do sancionamento é comum quer ao processo criminal quer ao processo de contraordenação mas, atendendo às características da celeridade e simplicidade processual, a fundamentação de uma decisão administrativa em processo de contraordenação consente um modo sumário de fundamentar, mas do qual se possa concluir que quem decidiu não agiu discricionariamente, que a decisão tem virtualidade para convencer os interessados e os cidadãos em geral da sua correcção e justiça e que o controlo da legalidade do decidido, nomeadamente por via de recurso, não é prejudicado ou inviabilizado pela forma que tomou. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: José Eduardo Martins 1.º Adjunta: Isabel Valongo 2.º Adjunto: Jorge França Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 5º Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Relatório: 1. … foi proferida Decisão que julgou improcedente o recurso de impugnação interposto, mantendo-se, assim, a decisão da autoridade administrativa, cujo teor é o seguinte: “I. Relatório 1. A..., S.A., com sede na Rua ..., ... ..., mostra-se acusada da prática de uma contraordenação prevista e sancionável nos termos do disposto no n.º 2 do art. 31.º do Dec.-Lei n.º 257/2007 de 16.07, alterado e republicado pelo Dec.-Lei n.º 136/2009 de 05.06 tendo sido sancionado na fase administrativa com uma coima no montante de €1.600,00 (mil e seiscentos euros) … 2. … II. Saneamento … a decisão condenatória se debruçou sobre a defesa da arguida e fundamentou a decisão por que a considerou irrelevante, em termos de afastar a responsabilidade contraordenacional da arguida, entendendo não se impor a audição das testemunhas indicadas, pelo que o direito de audiência e defesa da arguida foi assegurado, não ocorrendo, por conseguinte, a nulidade insanável da alínea c) do artigo 119.º do CPP. Acresce que inexiste qualquer norma legal que impusesse que a opção de não ouvir a prova testemunhal arrolada fosse tomada em despacho autónomo e não na decisão administrativa. * Inexistem outras nulidades invocadas ou outras questões prévias de que ainda cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. III. Fundamentação Fundamentação de facto Com relevo para o que ainda importa decidir, resultou provado que: 1. No dia 11.06.2019, nas circunstâncias de modo e lugar descritas no auto, a arguida realizou um transporte de mercadorias (ração para animais), através do veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ..-BD-.., conduzido por AA (melhor identificado nos autos) ao serviço da arguida; 2. O veículo identificado tem o peso bruto de 7500 kg; 3. Submetido a pesagem em balança de marca CPTELS, ORA 10, com o n.º de série n.º 860, composta por plataformas n.ºs 03063445 e 03063446, aprovada pela ANSR através do despacho 13179/08 de 12.05.2008 e com o certificado de aprovação de modelo CE n.º T6377 efectuada pelo NMI Gertin BV – Holanda, em 16.12.2013, válido até 16.12.2023 e com certificado de verificação periódica n.º 201.24/18.09693 REV O de 23.05.2018, efectuado pela TAP Maintenance & Engineering, Laboratório de Calibrações, o veículo identificado nos autos acusou um peso total em trânsito de 11.700 kg, correspondendo ao valor registado de 11.800 kg deduzido o erro máximo admissível, circulando com um excesso de carga de 4.200 kg, correspondente a 56% relativamente ao peso máximo permitido – 7500 kg; 4. A balança utilizada pela entidade fiscalizadora encontrava-se devidamente aferida, aprovada e certificada para as funções desempenhadas, sendo composta por duas plataformas de pesagem e um indicador eletrónico ligados entre si, tendo a instalção das plataformas sido feita em superfície horizontal, ficando as plataformas e os respetivos estrados nivelados e estáveis, conforme manual do fabricante, tendo o veículo sido pesado nas mesmas condições em que se encontrava a circular; 5. A arguida tem atividade no âmbito de alimentos para animais de criação (fabrincantes – CAE 10912); 6. A arguida utilizava, aquando da fiscalização, o veículo supra referido, no desenvolvimento da sua atividade; 7. A arguida conhece os limites de carga dos veículos que utiliza no desenvolvimento da sua atividade, conhecendo a capacidade de carga do veículo identificado; 8. A arguida era conhecedora do tipo de mercadoria transportada (ração para animais), sendo-lhe exigível que cumpra os limites da carga do veículo utilizado o que não fez; 9. A arguida conhece as obrigações legais decorrentes da sua atividade, sendo-lhe exigível que atue de acordo com as mesmas, o que não fez, representando como consequência possível da sua conduta a violação de um comando legal e não se abstendo de atuar desse modo; 10. A arguida tem os seguintes antecedentes contraordenacionais registados no IMT: … * Fundamentação de Direito … O diploma que regula o transporte rodoviário de mercadorias efetuado por meio de veículos automóveis ou conjunto de veículos de mercadorias, com peso bruto igual ou superior a 2500 kg é o DL nº 257/2007 de 16 de Julho, como resulta do seu art. 1º nº 1. Nos termos do disposto no art. 31.º do citado Dec.-Lei n.º 257/2007 de 16.07, sob a epígrafe de “Excesso de carga”, dispõe-se que “1 - A realização de transportes com excesso de carga é punível com coima de (euro) 500 a (euro) 1500, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.2 - Sempre que o excesso de carga seja igual ou superior a 25 % do peso bruto do veículo, a infração é punível com coima de (euro) 1250 a (euro) 3740. 3 - No caso da infração a que se refere o número anterior, a entidade fiscalizadora pode ordenar a imobilização do veículo até que a carga em excesso seja transferida, podendo ainda ordenar a deslocação e acompanhar o veículo até local apropriado para a descarga, recaindo sobre o infrator o ónus com as operações de descarga ou transbordo da mercadoria.4- Sempre que o excesso de carga se verifique no decurso de um transporte em regime de carga completa, a infração é imputável ao expedidor e ao transportador, em comparticipação.5 – Nenhum condutor se pode escusar a levar o veí culo à pesagem nas balanças ao serviço das entidades fiscalizadoras, que se encontrem num raio de 5 km do local onde se verifique a intervenção das mesmas, sendo punível tal conduta com a coima referida no n.º 2 deste artigo, sem prejuízo da responsabilidade criminal a que houver lugar.” É de relevar que se considera existir “excesso de carga” quando o peso bruto do veículo é ultrapassado, sendo o peso bruto o conjunto da tara e da carga que o veículo pode transportar (cfr. art. 2.º, n.º1 al. f) do anexo aprovado pelo Dec.Lei n.º 132/2017 de 11.10). Por outro lado, em matéria de autoria e imputabilidade da infracção, dispõe o art. 33.º do Dec. Lei n.º 257/2007 de 16.07 que “Sem prejuízo do disposto no artigo 25.º, no n.º 2 do artigo 30.º e no n.º 4 do artigo 31.º, as infrações ao disposto no presente decreto-lei são da responsabilidade da pessoa singular ou coletiva que efetua o transporte.” Tratam-se de contraordenações em que a negligência se mostra punível (cfr. art. 22.º, n.º2 do mesmo diploma). Feito este enquadramento, regressemos ao caso dos autos. Provou-se que no dia 11.06.2019 a arguida realizou um transporte de mercadorias (ração para animais), no âmbito da sua atividade, através do veículo pesado de mercadorias, com a matrícula ..-BD-.., conduzido por AA (melhor identificado nos autos) ao serviço da arguida. Tendo tal veículo identificado o peso bruto de 7500 kg, submetido a pesagem feita nos termos legais e em balança devidamente aferida e aprovada e certificada, o veículo identificado nos autos acusou um peso total em trânsito de 11.700 kg, correspondendo ao valor registado de 11.800 kg deduzido o erro máximo admissível, circulando com um excesso de carga de 4.200 kg, ou seja, 56% relativamente ao peso máximo permitido – 7500 kg. Reunidos os elementos do tipo objetivo contraordenacional imputado. Por outro lado, de acordo com a factualidade dada como provada a arguida agiu com culpa na modalidade de dolo eventual (tudo conforme factos provados n.ºs 1 a 9) Assim, encontram-se reunidos os elementos objectivos e subjetivos do tipo contraordenacional (art. 8.º do RGCO e art. 14.º, n.º3 do CP ex vi art. 32.º do RGCO). Acresce referir que não há qualquer causa de exclusão da culpa ou ilicitude a atender. Assim, concluindo-se pelo dolo eventual, não há que operar a redução da moldura da coima nos termos do art. 22.º do Dec.-Lei n.º 257/2007 de 16.07 (previsto para casos de negligência), …
….” **** 2. A arguida, não se conformando com tal decisão, veio interpor recurso, … **** 3. O recurso, em 5/12/2022, foi admitido. **** 4. O Ministério Público respondeu ao recurso, em 22/12/2022, defendendo a sua improcedência. **** 5. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, em 16/1/2023, no sentido da improcedência do recurso. **** 6. Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta. **** 7. Foi proferido despacho, em 20/3/2023, a convidar a recorrente, nos termos do artigo 417.º, n.º 3, do CPP, a esclarecer as suas conclusões, o que veio a ser feito, em 12/4/2023, através do requerimento junto aos autos, a fls. 133/137, cujo teor é o seguinte: “II - CONCLUSÕES … e) Assim, são duas as questões a decidir, concernentes a: 1º Não inquirição da prova testemunhal f) Consagrando o nosso ordenamento jurídico o direito de defesa do arguido, este tem a possibilidade de produzir provas que considere indispensáveis para fazer valer a sua posição, o que resulta do art.º 50º do RGCO e tem consagração constitucional no Art.º 32º/10 da CRP, o que foi tempestivamente exercido pela recorrente, que arrolou uma testemunha, que não foi ouvida na fase administrativa do processo, o que constitui nulidade (invocada). Ora, g) O direito a ser ouvido pressupõe o direito a oferecer e a produzir prova, que toda a prova pertinentemente oferecida venha a ser produzida, necessariamente antes da decisão final e, finalmente o direito a controlar a produção da prova; … i) Para todos os efeitos, a recorrente, não teve possibilidade de se defender, logo existe violação do princípio da legalidade, nos termos do Art.º 50º do RGCO, o que é uma garantia constitucional por força do Art.º 29º da Constituição da República Portuguesa (CRP), admitida em processo contraordenacional, nos termos do Art.º 43º do RGCO. … k) Foi cometida a nulidade prevista no Art.º 119º, al. c), do CPP, tendo como consequência a invalidade do ato praticado, bem como, os que dele dependerem, nos termos do Art.º 122º n.º 1, também do CPP, conforme Assento do STJ n.º 1/2003 (DR n.º 21, I série A, de 25/01/2003, pág. 547 a 558), em que fixa jurisprudência sobre o direito de defesa em processo contraordenacional; l) Sendo “nula a decisão administrativa, por ofender o direito de defesa do arguido ao não ordenar a inquirição das testemunhas arroladas pelo mesmo, nem o fundamentar devidamente.”, tal como dispõe o Ac. T. R. Coimbra, de 07.12.2000, nulidade que devia ter sido decretada pela d. decisão recorrida. m) Para além disso, mesmo que a não audição/inquirição de testemunha arrolada pela defesa tivesse sido fundamentada, tal facto deveria constar de despacho autónomo e não na própria decisão, como ocorreu no caso concreto, … n) A recorrente entende que o suscitado vício constitui duas nulidades: a falta de inquirição das testemunhas constitui uma insuficiência de inquérito geradora da nulidade prevista no Art.º 120º n.º 2 alínea d) do CPP; e por sua vez, viola o direito de defesa em processo de contra ordenação, gerador de uma nulidade insanável; Ac. da RÉ de 20/05/1997 tirado do processo n.º 479/96: “A omissão posterior ao inquérito ou à instrução de uma diligência essencial para a descoberta da verdade dos factos é nos termos do art.º 120º, n.º 2 al. d) do CPP, é uma nulidade dependente de arguição. … p) Ficou assim, irremediavelmente prejudicada, a garantia de defesa da sociedade arguida, ao negar-lhe a possibilidade de exercer a sua defesa, o que no entendimento da jurisprudência equivale à ausência do arguido em elação à sua defesa, sendo a consequência de tal vício equiparável à ausência do arguido, nos casos em que a lei exige a respetiva comparência. … st) Ocorrendo a nulidade do procedimento administrativo a partir da apresentação da defesa pela arguida com a consequente nulidade da decisão administrativa e dos atos posteriores, dela decorrente, tudo, nos termos conjugados do Art.º 50º do RGCO, com o Art.º 32º n.º 10 da CRP, e ainda com o Art.º 61º, n.º 1 alínea g) e o Art.º 119º n.º 1 alínea c), ambos do Código de Processo Penal, (CPP) “ex vi” Art.º 41º do RGCO, … 2º nulidade por falta de imputação de culpa à recorrente v) A recorrente entende que a decisão administrativa ao concluir que “Assim, a arguida (…) representando como consequência possível da sua conduta (e conformando-se com tal representação), a violação de um comando legal, agindo assim com dolo, ainda que eventual (…) podendo comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções (…)”, da dita decisão falta, desde logo, o Elemento Subjetivo, inexistindo fundamento factual para sustentar o auto de contraordenação e a imputação a título subjetivo constante da decisão administrativa, o que devia ter sido decido pela s. sentença recorrida. w) A recorrente, cumpridora das normas legais, não poderia ter o propósito de proceder a qualquer contraordenação, sempre pugnou pelo cumprimento das regras atinentes à matéria de transportes, nunca se conformaria com a representação de qualquer conduta ilícita, acrescido de o veículo em causa ser afeto aos seus colaboradores, podendo qualquer um ter procedido ao carregamento da mercadoria no veículo pesado de mercadorias, sem ordens da impugnante nesse sentido. x) Uma vez que assim o é, a Recorrente ignorava o peso do veículo em causa com as respetivas mercadorias. Por isso mesmo, nunca poderia ter atuado com dolo, ainda que eventual, porquanto desconhecia os factos de que vem acusada, y) Para além disso, faz-se referência que a verificação do dolo é comprovado mediante presunções, ora as presunções não são algo certo uma vez que podem ser ilididas. … ee) Dispõe o n.º 1 do artigo 58.º do RGCO que: “A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) a coima e as sanções acessórias”. … hh) No caso dos presentes autos, falta, entre o indicado como provado na Decisão Administrativa, a narração de factualidade concretizadora do tipo subjetivo da contraordenação lhe imputada, falta essa que, à luz da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não pode ser integrada em julgamento, ou neste caso no recurso de contraordenação interposto para o Tribunal de 1ª instância e logo na sua decisão final, mesmo com recurso ao disposto no artº 358º do CPP. ii) Por isso, há que determinar a nulidade da decisão, de harmonia com o disposto no artigo 379.°/1, al. b) e c), ambos do CPP, o que a d. sentença violou ao não determinar tal nulidade (v. Ac. TRC de 12.07.2011, processo n.º990/10.5T2OBR.C1, Alberto Mira; bem como, inter alia, o Ac. do TRP de 09.11.2009, processo n.º 686/08.8TTOAZ.P1, Fernanda Soares). … **** … **** II. Cumpre apreciar e decidir: … As questões a conhecer são as seguintes: - Saber se: 1) a decisão da autoridade administrativa é nula, por ofender o direito de defesa da arguida ao não ordenar a inquirição de uma testemunha arrolada pela mesma, nem o fundamentar devidamente; 2) a decisão da autoridade administrativa é nula, por dela faltar o elemento subjetivo. **** **** 1) da nulidade da autoridade administrativa, por ofender o direito de defesa da arguida ao não ordenar a inquirição de uma testemunha arrolada pela mesma, nem o fundamentar devidamente: A arguida, notificada para tanto pela autoridade administrativa, em 17/7/2019, apresentou, em 7/8/2019, a sua defesa por escrito, a fls. 8 a 9 verso, solicitando, ao mesmo tempo, a inquirição de uma testemunha … Sem que a indicada testemunha fosse ouvida, veio a ser proferida, em 8/4/2022, pela autoridade administrativa, …, da qual consta, além do mais, o seguinte: “(…)Atento o teor de defesa junto aos autos, daí não se extrai que a arguida tenha apresentado qualquer prova que possa justificar que os valores da pesagem tivessem sido obtidos através de métodos menos rigorosos os quais pudessem desvirtuar o real valor da carga transportada e consequentemente por em causa o valor ptobatório dos autos. Reitera-se que a entidade fiscalizadora inclui as informações relevantes quanto ao instrumento utilizado e quanto às condições de realização da pesagem, do que resulta que a pesagem foi feita respeitando as indicações técnicas necessárias, estando o referido instrumento de pesagem devidamente certificado e aferido, nos termos legalmente exigidos, operado por militar habilitado para o efeito. Tal prova, complementar ao auto de contraordenação, assume um valor probatório incomensuravelmente superior, quando contraposta com o teor da defesa apresentada aos autos pela arguida. (…). Por fim, quanto às diligências probatórias requeridas, designadamente audição de testemunhas, não se podendo olvidar que o processo de contraordenação se carateriza pela sua celeridade, é de referir que a autoridade administrativa não está obrigada a praticar todos os atos requeridos pela arguida, uma vez que, presidindo à investigação e instrução do processo “apenas deverá praticar os atos que se proponham atingir as finalidades daquela fase processual o que pode não coincidir , necessariamente, com os atos propostos”. (…)Assim, no caso sub judice, esta entidade administrativa, no exercício do poder de direção do processo, entende como desnecessário e irrelevante proceder a outras diligências de prova, quer face ao objeto do presente processo contraordenacional, quer face à especificidade da matéria que se pretende provar. Ora, os autos em análise têm por objeto a matéria factual que lhe está subjacente e consubstanciadora da infração imputável à arguida, encontrando-se a mesma adequadamente sustentada na objetividade do talão de pesagem emitido pelo instrumentode pesagem no preciso momento da fiscalização, bem como nos documentos anexos ao auto de notícia. Acresce ainda que esta entidade administrativa tem em sua posse, pelas bases de dados que gere, a informação adicional. Deste modo, a realização das diligências probatórias requeridas redundaria em produção de prova inútil ou irrelevante. (…).” A arguida, em 11/5/2022, impugnou a decisão da autoridade administrativa, sendo um dos fundamentos, justamente a falta de inquirição da testemunha indicada, aquando da apresentação da sua defesa escrita e, ainda, a inexistência de um despacho autónomo no qual estivesse tal fundamentado. Na referida impugnação, a arguida veio requerer a inquirição de uma testemunha … Na audiência de julgamento que veio a realizar-se, a referida testemunha veio a ser inquirida, … **** A arguida suscitar a nulidade da decisão administrativa, com base na circunstância de não lhe ter sido possível exercer o seu direito de defesa, ao não ter sido ouvida a testemunha que indicara, Estamos perante questão alegada na impugnação judicial, sobre a qual a sentença recorrida se pronunciou expressamente, tendo negado razão à recorrente e afastado, assim, a verificação da invocada nulidade. Há que ter presente que, nos termos do artigo 50.º, do RGCO “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”. Por sua vez, o artigo 54.º, do mesmo diploma legal constitui um afloramento do princípio da investigação oficiosa. O conjunto de actos de investigação e de instrução realizados pela autoridade administrativa, que hão-de servir de base à “acusação” em processo contra-ordenacional, passa a equivaler à fase que no processo penal se designa por “inquérito” e que tem por finalidade investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação - artigo 262.º, n.º 1, do CPP. Na fase administrativa, o arguido tem o direito de se pronunciar sobre a contra-ordenação e, de igual modo, pode requerer a prática de diligências relevantes para a sua defesa em termos perfeitamente equiparados aos que sucedem em fase de inquérito relativamente à autoridade judiciária. Porém, a não audição das testemunhas indicadas pelo arguido ou a omissão de quaisquer diligências por aquele sugeridas, salvo o devido respeito, não deve acarretar a nulidade do procedimento e da decisão administrativa posteriormente proferida. Nem sequer em processo penal, isso sucede. Pela sua pertinência, entendemos por bem citar o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 9/1/2012, Processo n.º 623/10.7T2OBC.C1, relartado pelo Exmo. Desembargador Alberto Mira, in www.dgsi.pt., no qual pode ser lido o seguinte: “(…) Efectivamente, como é sabido, as normas ditas de mera ordenação social (que não devem validar a afirmação de que estaremos perante um “direito de bagatelas penais”), não tem a ressonância ética das normas penais. Por isso, a execução da vertente sancionatória pressupõe um processo de pendor não tão marcadamente garantístico como o processo penal (que por força da gravosa natureza das sanções que por seu intermédio podem ser aplicadas, exige a observância de apertadas garantidas de defesa). Ora, no âmbito do processo criminal, a nulidade genérica “insuficiência do inquérito” prevista na primeira parte do artigo 120.º, n.º 2, al. d), apenas ocorre quando é omitida a prática de acto que a lei prescreve como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa. A omissão de diligências de investigação não impostas por lei, inclusive a falta de audição de testemunhas indicadas pelo ofendido/assistente, não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos actos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 91. Mas ainda para quem entenda existir nesse circunstancialismo a nulidade que a arguida arguiu, sempre esse vício estaria sanado - Neste sentido, v.g., Ac. da Relação de Coimbra de 16-11-2006, in www.dgsi.pt.. Em processo de contra-ordenação, a acusação surge apenas com a apresentação ao Juiz dos autos remetidos pelo MP na sequência da apresentação de impugnação judicial da decisão administrativa, nos termos do artigo 62.º do RGCO. O mesmo é dizer que, a partir dessa fase, a decisão administrativa deixa de valer como tal e passa a constituir uma acusação que delimita o objecto do processo. Ora, no caso em apreciação, no julgamento efectuado, a arguida, que na impugnação da decisão administrativa indicou precisamente as duas testemunhas que havia sugerido quando se pronunciou, por escrito, sobre a contra-ordenação que lhe foi imputada, teve oportunidade de fazer valer os seus argumentos, contrariando a prova da acusação. Aliás, como se verifica da leitura da acta de fls. 69/73, uma das referidas testemunhas (….) foi ouvida, em audiência; quanto à outra, não depôs nessa qualidade apenas pela circunstância de estar legalmente impedida. A arguida prevaleceu-se, pois, do direito que a lei lhe conferia de, na fase de recurso, exigir a inquirição das testemunhas, direito esse que na fase administrativa lhe fora negado. Estatui o artigo 121.º, n.º 1, alínea c) do CPP: «Salvo nos casos em que a lei dispuser de modo diferente, as nulidades ficam sanadas se os participantes processuais interessados se tiverem prevalecido da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia». «O fundamento desta causa de sanação de nulidade é claramente a economia processual. Com efeito, se não obstante a nulidade do acto o efeito a que se dirigia vier a ser igualmente produzido, é inútil recomeçar do princípio para não obter nada mais do que o que já foi alcançado» - Germano Marques da Silva, ob. citada, vol. II, pág. 71/72. Não vislumbramos razão para divergir desta posição, razão pela qual, a existir a nulidade invocada, o que não se concede, sempre o vício em causa estaria sanado, pois a testemunha que não foi inquirida antes da decisão administrativa veio a ser ouvida na audiência de julgamento, o que significa que a arguida se prevaleceu do direito que a lei lhe conferia de, na fase de recurso, exigir a inquirição da testemunha, direito esse que na fase administrativa não lhe havia sido concedido. De qualquer modo, a entidade administrativa tem o direito de não admitir todas as provas que são requeridas por um arguido, desde que fundamente a sua recusa, conforme consta da sentença recorrida, nos termos aqui dados por reproduzidos. E não se diga, por fim, que a falta de fundamentação dessa recusa, por não constar de despacho fundamentado autónomo, gera uma nulidade. A fundamentação da recusa de inquirição da testemunha na fase administrativa, constante da decisão elaborada por esta, conforme a transcrição atrás feita, ao contrário do que refere a recorrente, e sempre salvo o devido respeito, não se nos afigura abstrata e geral, pois resulta claro, do seu teor, que, face aos dados objetivos do respetivo talão de pesagem emitido e aos documentos anexos ao auto de notíciano momento da fiscalização, a autoridade administrativa considerou que qualquer prova testemunhal não teria relevo para abalar a prova existente. Concede-se que, de um ponto de vista formal, teria sido preferível a entidade administrativa ter indeferido a inquirição da testemunha, através de um despacho autónomo, antes de proferir a decisão. No entanto, a sua inclusão na decisão administrativa em nada beliscou o direito de defesa da arguida, pois esta, como já referido, teve oportunidade de, em audiência de julgamento, ouvir a testemunha. De qualquer modo, mesmo que a inexistência de despacho autónomo, configurasse uma nulidade, sempre estaria, também, sanada, face ao disposto no artigo 121.º, n.º 1, c), do CPP. **** 2) da nulidade da decisão da autoridade administrativa, por dela faltar o elemento subjetivo: A recorrente defende que, no caso dos presentes autos, falta, entre o indicado como provado na Decisão Administrativa, a narração de factualidade concretizadora do tipo subjetivo da contraordenação que lhe imputada, falta essa que, à luz da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não pode ser integrada em julgamento, ou neste caso, no recurso de contraordenação interposto para o Tribunal de 1ª instância e logo na sua decisão final, mesmo com recurso ao disposto no artº 358º do CPP, daí decorrendo a respetiva nulidade, o que deve dar origem, consequentemente, ao arquivamento dos autos. Vejamos. Quanto à natureza das infrações em causa, dispõe o artigo 1º, do RGCC aprovado pelo Dec-Lei nº 433/82 de 27.10, com as alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 244/95 de 14.09, que "constitui contraordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima". Por outro lado, o artigo 8.º, n.º 1, do mesmo diploma, estabelece que "só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, como negligência". Só esta dupla dimensão em que o facto deve ser encarado respeita e é compatível com a ideia de um Direito Penal que puna pela culpa do agente Este mesmo raciocínio é extensível ao direito contraordenacional, atento o disposto no citado artigo 1º, do RGCC, que não dispensa o juízo de culpa do agente. Na sequência do que acaba de ser referido, deve ser entendido que os elementos do dolo ou da negligência devem estar expressos na decisão administrativa através de factos que consubstanciem uma efetiva alegação do elemento subjetivo da infração. Por outras palavras, a imputação de um facto contraordenacional e a sua responsabilização, exigem sempre um nexo de imputação subjetiva, seja através de uma conduta dolosa, seja através de uma conduta negligente. E essa imputação subjetiva deve constar expressamente da decisão administrativa, não só porque não é indiferente o grau de culpa determinante da conduta, mas, acima de tudo, porque desse mesmo grau depende a determinação da própria coima aplicável. Com efeito, a natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional não pode constituir justificação para a não descrição de modo compreensível do elemento subjetivo da concreta contraordenação em causa, nomeadamente em termos de saber se estamos perante uma imputação a título de dolo ou, diversamente, a título de negligência. No caso em apreço, a arguida foi punida, a título de dolo eventual. A definição legal deste é dada pelo artigo 14.º, n.º 3, do Código Penal, nos termos do qual: «Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização». No dolo eventual, cabem os casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta e, apesar disso, leva a cabo tal conduta, conformando-se com o respectivo resultado. Quanto à «representação», o agente, no dolo eventual, faz uma prognose, uma previsão dubitativa da realização de um facto, isto é, quando tal situação se verifica, o agente, ao aceitar o risco da verificação do resultado típico, conforma-se com isso, em vez de não realizar determinada conduta, optando pela lesão do bem jurídico. O dolo eventual é, pois, integrado pela vontade de realização concernente à acção típica (elemento volitivo do injusto da acção), pela consideração de que é sério o risco de produção do resultado (factor intelectual do injusto da acção) e, por último, pela conformação com a produção do resultado típico como factor de culpabilidade. Revertendo ao caso em apreço, devemos, então, concluir, como defende a recorrente, que a decisão administrativa impugnada não encerra em si e nos factos imputados à arguida nenhum facto de natureza subjetiva (nem a qualquer titulo de dolo nem de negligência? Relembremos os factos provados, com relevo para apreciação em concreto desta questão: “(…). 7. A arguida conhece os limites de carga dos veículos que utiliza no desenvolvimento da sua atividade, conhecendo a capacidade de carga do veículo identificado; 8. A arguida era conhecedora do tipo de mercadoria transportada (ração para animais), sendo-lhe exigível que cumpra os limites da carga do veículo utilizado o que não fez; 9. A arguida conhece as obrigações legais decorrentes da sua atividade, sendo-lhe exigível que atue de acordo com as mesmas, o que não fez, representando como consequência possível da sua conduta a violação de um comando legal e não se abstendo de atuar desse modo; (…)”. É nosso entendimento que estes factos são suficientes para a imputação subjetiva em causa. Com efeito, a estrutura do dolo é composta por um elemento intelectual e um elemento volitivo. O elemento intelectual consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objectivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável. O elemento volitivo consiste na especial direcção da vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo a saber: o dolo directo – a intenção de realizar o facto – o dolo necessário – a previsão do facto como consequência necessária da conduta – e o dolo eventual – a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta. Assim sendo, a afirmação da existência do elemento intelectual do dolo exige que o agente tenha conhecimento da ilicitude ou ilegitimidade da prática do facto. Tal exigência satisfaz-se com a prova e, consequentemente, com a menção no elenco dos factos provados, do conhecimento do agente da ilicitude da sua conduta, seja pela fórmula habitual, e algo conclusiva, de «bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei», seja por qualquer outra forma que descreva com objectividade este facto da vida interior do agente. O que não pode acontecer é ter-se por praticado o crime sem a prova da consciência da ilicitude. Pois bem, se é certo que não consta da decisão administrativa, expressamente, que a arguida bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, não é menos verdade que nela podemos ler que a arguida conhecia os limites de carga do veículo identificado e, ainda, que lhe era exigível que cumprisse com os mesmos, o que só pode significar que bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, tendo em atenção a atividade em que se encontra inserida. Logo, o elemento intelectual do dolo está presente nos factos provados. Por sua vez, o mencionado ponto 9 comporta o elemento volitivo do dolo (eventual). Para terminar, há que salientar que o artigo 58.º, do RGCO estabelece os requisitos a que deve obedecer a decisão administrativa condenatória. Nos termos da referida norma, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias, deve conter: a identificação dos arguidos; a identificação dos factos imputados com indicação das provas obtidas; a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; a coima e as sanções acessórias; a informação de que a condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos do artigo 59.º e que, em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso o arguido e o Ministério Público não se oponham mediante simples despacho; e, ainda, a ordem de pagamento da coima no prazo máximo de dez dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão e a indicação de que em caso de impossibilidade de pagamento tempestivo deve comunicar o facto por escrito à autoridade que aplicou a coima. Emergindo o dever de fundamentação directamente do art.205.º da CRP, como parte integrante do próprio conceito de Estado de Direito democrático, o direito a conhecer as razões do sancionamento é comum quer ao processo criminal quer ao processo de contra-ordenação. O que temos como pacífico é que na decisão administrativa não são necessárias as mesmas exigências de fundamentação que o artigo 374.º, n.º 2 do CPP, estabelece para a sentença penal condenatória – cfr. neste sentido, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 50/2003, 62/2003, 469/2003 e 492/2003, in www.tribunalconstitucional.pt. A fase administrativa do processo de contra-ordenação tem como características a celeridade e simplicidade processual e daí que o dever de fundamentação tenha uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. «O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa. Tal percepção poderá resultar do teor da própria decisão ou da remissão por esta elaborada.» - cfr. Notas ao Regime Geral das Contra‑Ordenações e Coimas, Almedina, 2.ª edição, pág. 159 e acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4 de Junho de 2003, CJ, n.º 167, pág.40. Assim sendo, a decisão administrativa não padece do vício ora em causa, encontrando-se devidamente fundamentada, designadamente quanto à imputação do elemento subjetivo da contraordenação. Note-se que, na esteira do que já acima ficou exposto, a matriz subjacente à fundamentação de uma decisão administrativa em processo de contra-ordenação consente um modo sumário de fundamentar do qual se possa concluir: a) que quem decidiu não agiu discricionariamente; b) que a decisão tem virtualidade para convencer os interessados e os cidadãos em geral da sua correcção e justiça; e c) que o controlo da legalidade do decidido, nomeadamente por via de recurso, não é prejudicado ou inviabilizado pela forma que tomou. No caso em apreço, resulta do texto da decisão administrativa que a respectiva entidade administrativa não decidiu discricionariamente, não impediu o controlo da legalidade da decisão, nem frustrou a apreciação, designadamente pelo destinatário, da correcção e justiça do acto decisório. **** **** III. Decisão: Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso. Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de Justiça em três UC. **** (Texto processado em computador e integralmente revisto e assinado – artigo 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP). **** Coimbra, 7 de junho de 2023
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