Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1816/23.5T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: RESOLUÇÃO CONTRATUAL
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – CALDAS DA RAINHA – JUÍZO LOCAL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 224.º, N.º 1, 405.º, 406.º, 436.º, N.º 1, 762.º E 798.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A resolução baseia-se normalmente num facto que vem iludir ou frustrar a legítima expetativa duma parte contratante (v. g., o inadimplemento de uma obrigação).

2. Na resolução contratual é necessário que o contraente leve essa sua vontade ao conhecimento da outra parte - art.º 436º, n.º 1 do CC.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Luís Cravo
Fernando Monteiro
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:        

           

           I. Em 06.10.2023, A..., Lda., instaurou a presente ação declarativa comum contra AA e BB, pedindo que sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 24 697,02.

            Alegou, em síntese: celebrou com os Réus, em 05.8.2016, um contrato de depósito antecipado, fornecimento de máquinas e parceria comercial; os Réus adquiriram parte do café que se haveriam obrigado, pelo que, face às normas legais e ao estipulado no contrato, são devedores da quantia pedida.  

            Os Réus contestaram a ação, invocando, o Réu BB, a prescrição do pretenso direito da A. e que aceitou apenas ser fiador sem ter qualquer intervenção na definição das cláusulas contratuais e, a Ré AA, nomeadamente, que o contrato em causa é um contrato de adesão cujas cláusulas foram prévia e exclusivamente elaboradas pela A., era o seu marido quem explorava o estabelecimento comercial denominado “Café B...”, a A. sabia - através do histórico dos consumos anteriores (desde 21.01.2009) - que a Segunda Outorgante /Ré nunca iria conseguir consumir a quantidade mínima de 948 kg de café, a A. sempre condescendeu com a inexecução do contrato e veio pedir uma indemnização manifestamente excessiva e avessa à atuação descrita nos art.ºs 17º e seguintes da contestação. Concluíram pela improcedência da ação.

            Por despacho de 18.6.2024, a A. foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial (p. i.) a fim de indicar o motivo da invocada cessação do contrato a 05.8.2021 e esclarecer se, quando e como houve lugar à resolução do contrato (e chegou ao conhecimento ou foi transmitido aos Réus).

           A A. reafirmou as quantidades de café e a conclusão mencionadas nos art.º 7º e 14º da p. i. e esclareceu que não possui “qualquer carta de comunicação da resolução do contrato, da interpelação para cumprimento ou da perda do benefício do prazo”. Respondeu à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência.

           Notificadas as partes para se pronunciarem quanto à possibilidade de conhecimento antecipado do mérito da causa e apresentarem as suas alegações por escrito, o Réu BB e a A. mantiveram as suas posições.

           Por saneador-sentença de 26.3.2025, o Tribunal a quo decidiu julgar improcedentes a exceção e a ação, absolvendo os Réus do pedido.

Dizendo-se inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões:

           1ª - O principal motivo pela improcedência da ação foi a inexistência de qualquer declaração recetícia enviada pela A./Recorrida para os Réus a dar como resolvido o contrato que os unia desde 2016.

           2ª - Ditam as regras gerais do Direito das Obrigações que os Recorridos constituíram-se em mora, por estarmos perante uma obrigação sujeita a prazo certo (e, portanto, inexigível a sua interpelação admonitória), art.º 805º, n.º 2, a) do Código Civil (CC), a 05.8.2021.

           3ª - Sucede que, desde 2019, a Recorrente, através dos seus representantes, não conseguia entrar em contacto, nem por telefone, nem presencialmente, com os Recorridos ou por qualquer representante.

           4ª - A última comunicação que a Recorrente recebeu foi a de que o estabelecimento comercial – correspondente ao local de cumprimento da obrigação deste contrato bilateral – estaria encerrado no ano de 2019 para obras e que reabriria no ano de 2020, altura em que se retomariam os consumos de café e, por outras palavras, o cumprimento do contrato.

            5ª - Tais factos levaram a Recorrente intentar a presente ação e a peticionar a condenação ao pagamento da quantia total de € 24 697,02.

            6ª - Os Recorridos, entre 2019, ano da última comunicação deles, e 18.01.2024, data em que se mostram assinados os avisos de receção da citação efetuada (citação que demorou meses a se suceder, tendo em conta que a p. i. entrou em juízo no dia 06.10.2023) estiveram incontactáveis!

            7ª - No entender da Recorrente, por motivos de boa-fé negocial e até processual, não lhe pode ser imputada, consideradas as circunstâncias do caso concreto, a responsabilidade de enviar carta de resolução contratual!

            8ª - Isto porque, tivesse avançado o Processo para Audiência de Discussão e Julgamento, demonstrar-se-ia, através de prova testemunhal e quiçá de depoimento de parte, que os contactos por parte da Recorrente foram frequentes, mas logrados!

            9ª - No entanto, atendendo ao alegado pelas partes, no mínimo, deveriam os autos ter seguido para produção de prova, nomeadamente do alegado na p. i., nomeadamente que “foi impossível para a Autora retomar contacto com os Réus” e, no máximo, ter sido concedido prazo para a Autora poder ampliar o seu pedido para nele incluir a declaração de que o contrato de 2016 deveria ser considerado resolvido.

           10ª - Não pode, ou não deve, por razões de boa-fé contratual, ser exigível à Recorrente, após inúmeros contactos com os Recorridos, bem como deslocações ao seu estabelecimento comercial por parte dos seus vendedores, que realizasse comunicação para a resolução contratual ou uma tentativa de interpelação para o mesmo efeito!

           11ª - Neste seguimento, o princípio da boa-fé revela determinadas exigências objetivas de comportamento – de correção, honestidade e lealdade – impostas pela ordem jurídica, exigências essas de razoabilidade, probidade e equilíbrio de conduta, em campos normativos onde podem operar subprincípios, regras e ditames ou limites objetivos, postulando certos modos de atuação em relação, seja na fase pré-contratual, seja ao longo de toda a execução do contrato, incluindo na extinção e liquidação da relação, designadamente para exercício do direito de resolução contratual.

           Remata pugnando pela procedência total da ação, ou, em alternativa, o prosseguimento dos autos para Audiência de Julgamento onde possa ser discutida a impossibilidade de contacto com os Recorrentes.

            A Ré AA respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

           Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa verificar se a pretensão a A. encontra adequado suporte (inclusive, no plano adjetivo) ou se não há alternativa à improcedência da ação.


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            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

           1) A A. é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada cujo objeto social é a torrefação e empacotamento de cafés e a comercialização de café, descafeinado, açúcar, adoçante, chás e acessórios, atividade a que se dedica com carácter habitual e regular.

           2) Entre a A. e os Réus foi celebrado, a 05.8.2016[1], no exercício da atividade comercial da primeira e da exploração pelos Réus do estabelecimento comercial denominado “Café B...”, um Contrato[2] de Depósito Antecipado, de Fornecimento de Máquinas e de Parceria Comercial.

           3) Através do referido contrato[3], os Réus comprometeram-se a adquirir, exclusivamente, para consumo do estabelecimento comercial referido em 2), produtos da marca da A. pelo período de 60 meses.

            4) Em cada mês, estavam os Réus obrigados a adquirir 16 kg de café “Lote Buono”, isto é, no total, 948 kg de café.[4]

           5) O preço de cada quilograma de café ficou, à data da celebração do contrato[5], fixado em 22,90 €+IVA.

           6) Ficou também acordado que a A. concederia aos Réus um desconto antecipado de € 5,27 por kilo, no valor global de € 5 000 que foi pago da seguinte forma: a) Transferência bancária no valor de € 2 500 a 12.01.2015; b) Transferência bancária no valor de € 2 500 a 15.01.2015.

           7) Chegados ao ano de 2019, apenas tinha adquirido 202 kg dos 948 kg contratualizados, estando em falta a compra de 746 kg.

            8) Decorre da cláusula sétima do contrato[6] celebrado entre A. e Réus: “1- Consequência da resolução do presente contrato[7], por motivo imputável, objectiva ou subjectivamente, ao Segundo Outorgante, considera-se perdido o benefício do prazo concedido para aquisição do café, tendo a Primeira Outorgante o direito a receber o valor do café em falta de acordo com os seus extratos de consumos, ao PVP e IVA em rigor, e se descontos, à data do efectivo pagamento do mesmo.”

           9) Os Réus, no contrato aludido em 2) convencionaram com a A. o domicílio: Rua ..., ..., ..., ....

           10) A A. não procedeu ao envio de qualquer carta a comunicar a resolução do contrato, nem presencialmente, nem por telefone conseguiu retomar contacto com os Réus.

            2. Resulta ainda provado:[8]

            a) Fez-se constar da “Cláusula Segunda” do acordo referido em 2): «Durante o período de vigência do presente contrato, de pelo menos 60 meses, contando este prazo desde a presente data o Segundo Outorgante obriga-se a não adquirir a terceiros, publicitar e consumir no seu estabelecimento comercial produtos concorrentes e/ou comercializados pela Primeira Outorgante, que aquele declara expressamente conhecer.»

           b) E no ponto 3.1. da “Cláusula Terceira”: «Este contrato revoga o anterior celebrado entre ambas as partes a 21 de janeiro de 2009

           c) Referindo-se no corpo da “Cláusula Sexta”: «O presente contrato pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais do direito por causa imputável a qualquer uma das outorgantes (...).»

            d) No aludido contrato datado de 21.01.2009 fez-se constar: «O presente contrato vigorará pelo prazo de 60 meses, tendo o seu início em 21.01.2009 e termo em 20.01.2014 (Cláusula 4ª, n.º 1). Ao Segundo(a) Outorgante [Ré AA] está vedada a possibilidade de denunciar o presente contrato enquanto não atingir o consumo mínimo previsto de 1020 kg de Café do Lote Buono mencionado na Cláusula Primeira. (n.º 2)»; «O presente contrato pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais do direito (...) (Cláusula 6ª, n.º 1.»; «O Terceiro Outorgante [Réu BB] responsabiliza-se na qualidade de fiador e principal pagador pelo incumprimento das obrigações assumidas pelo Segundo Outorgante, quer no período inicial do contrato, quer em posteriores renovações, renunciando expressamente ao benefício de excussão (Cláusula 12ª).»

            3. Cumpre apreciar e decidir.

           A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada (art.º 224º, n.º 1, do CC[9]). É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida (n.º 2). A declaração recebida pelo destinatário em condições de, sem culpa sua, não poder ser conhecida é ineficaz (n.º 3).

            Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver (art.º 405º, n.º 1). As partes podem ainda reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente regulados na lei (n.º 2).

           O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.º 406º, n.º 1).

           É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção (art.º 432º, n.º 1).

            A resolução do contrato pode fazer-se mediante declaração à outra parte (art.º 436º, n.º 1).

           O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (art.º 762º, n.º 1). No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé (n.º 2).

           O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art.º 798º).

           As partes podem, porém, fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal (art.º 810º, n.º 1).

           4. A resolução tem lugar em situações de variada natureza, resultando, não de um vício da formação do contrato, mas dum facto posterior à sua celebração, normalmente um facto que vem iludir ou frustrar a legítima expetativa duma parte contratante, muitas das vezes, um facto da contraparte que traduza o inadimplemento de uma obrigação.

           Tal forma de cessação dos efeitos negociais tem normalmente por fundamento (embora nem sempre – cf. art.º 1140º) uma perturbação na execução do contrato que afeta o interesse do credor.[10]

           5. A cessação dos efeitos negociais pode ter lugar, sem caráter retroativo, sob a forma de caducidade.

           Tal figura abrange variadas situações em que as relações jurídicas duradouras de tipo obrigacional criadas pelo contrato ou pelo negócio (formando no seu conjunto a relação contratual) se extinguem para futuro, designadamente, por força do decurso do prazo estipulado ou de facto ou evento superveniente (por exemplo, morte de uma pessoa) a que a lei atribui o efeito extintivo, «ex nunc», da relação contratual (cf., v. g., art.ºs 1051º, 1141º e 1174º).[11]

            6. As partes não questionam a qualificação do contrato referido em II. 1. 2), supra - contrato de fornecimento de café em regime de exclusividade, acompanhado do comodato de bens móveis, deve ser qualificado como um contrato atípico, misto, de natureza comercial, envolvendo elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e do contrato de compra e venda (cf. art.ºs 405º, 410º, 874º, 1129º e 1154º do CC e 2º, 13º e 463º, n.º 1 do Código Comercial)[12]- e bem assim a generalidade das obrigações nele assumidas.

           Pacífico, ainda, o conteúdo da “cláusula 7ª” do acordo celebrado [cf. II. 1. 8), supra] que estabeleceu a possibilidade da sua resolução, pela A., no circunstancialismo, forma e com os efeitos aí previstos (inclusive, a nível indemnizatório). 

            7. O Tribunal a quo deu como provado que através do referido contrato os Réus comprometeram-se a adquirir, exclusivamente, para consumo do estabelecimento comercial referido em 2), produtos da marca da A. pelo período de 60 meses - cf. II. 1. 3), supra.

            Porém, fez-se constar da “Cláusula Segunda” do mesmo acordo o “período de vigência (...) de pelo menos 60 meses” - cf. II. 2. a), supra.

           E se, volvidos cerca de dois anos e meio, a contar do início da execução do contrato, os Réus não adquiriram as quantidades de café a que se vincularam, certo é que durante a respetiva duração o contrato não foi validamente resolvido, tendo por base tal (pretenso) incumprimento.

           Por outro lado, atento o histórico do relacionamento comercial das partes e o teor das “cláusulas 2ª e 3ª, ponto 3.1.” do mencionado acordo, também não se poderá concluir que, à data da propositura da ação, o contrato estivesse terminado pelo decurso do prazo - cf., nomeadamente, II. 1. 2) e 3) e II. 2. a) e b), supra.

            8. Expendeu-se na decisão recorrida, nomeadamente:

           - A A. alega que os Réus não cumpriram com as obrigações contratuais de aquisição de uma determinada quantidade de café, facto que integra o conjunto de factos constitutivos do seu direito à resolução do contrato.

           - Por constitutivos do seu invocado direito, cabe à A. a prova dos factos que se prendem com o incumprimento dos Réus, de forma exclusiva.

           - Decorre da factualidade apurada a celebração do aludido contrato, o incumprimento por parte dos Réus (aquisição de quantidades de café aquém do acordado) e o teor da cláusula contratual 7ª que confere à A. (vendedora/fornecedora) o direito de resolução face àquele inadimplemento.

  - Porém, a A., nos seus articulados (p. i. e subsequente aperfeiçoamento a convite do Tribunal), afirmou que findou o contrato com os Réus, mas que não remeteu qualquer carta a comunicar a resolução do contrato, de interpelação para cumprimento ou da perda do benefício do prazo, e refere que, presencialmente ou por telefone, «foi impossível para a Autora retomar contacto com os Réus».

           - Estando em causa uma declaração recetícia, a A. poderia ter procedido à resolução do contrato com os Réus, designadamente mediante o envio de missiva para a morada convencionada, aplicando-se o art.º 224º do CC.

           - A A. não procedeu à resolução contratual - que opera por declaração à outra parte (art.º 436º, n.º 1 do CC) -, nos termos da dita cláusula 7ª (prevenindo o incumprimento), na fase extrajudicial ou na presente ação.

           - Considerados os princípios do pedido e da autorresponsabilidade das partes, não tendo a A. procedido à resolução do contrato (nem a tendo peticionado nos presentes autos) e estando acordado que o direito de perceber determinada quantia dos Réus por incumprimento do contrato dependia de prévia resolução contratual, conclui-se que a presente ação não poderá deixar de ser julgada improcedente.

           9. Atendendo, sobretudo, ao explanado em II. 6. e 7., supra, dir-se-á que a posição do Tribunal a quo não merece censura.

           Na verdade, atenta a relevância dada pelas partes ao instituto da resolução por incumprimento contratual e encontrando-se convencionado o domicílio dos Réus, a A., se assim o entendesse, podia enveredar pela resolução negocial, mas não o fez - cf., nomeadamente, II. 1. 8), 9) e 10), supra e art.ºs 224º e 436º, n.º 1.[13]

            Na resolução contratual é necessário que o contraente leve essa sua vontade ao conhecimento da outra parte.

           Sabendo-se que o primeiro contrato celebrado entre as partes, cujo termo se fixou em 20.01.2014 (perfazendo 5 anos), terá vigorado cerca de 7 anos e meio ... [cf. II. 2. alíneas b) e d), supra], será que a A./recorrente continuou a ponderar o cumprimento voluntário do contrato em detrimento da faculdade resolutiva (e o consequente ou imediato acionamento da cláusula indemnizatória)?

           10. A resolução por incumprimento não faz desaparecer a relação contratual, antes a converte numa relação de liquidação, podendo-se definir «liquidação» “em oposição a cumprimento, como o conjunto e a articulação de todos e cada um dos meios necessários e possíveis para a equilibrada composição entre os interesses das partes de um contrato cujo programa de execução foi por qualquer modo malogrado”.[14]

            Esse o contexto em que tudo deverá ser conjugado, inclusive, o que aparente incongruência - cf., por exemplo, II. 1. 2) e 6, supra.

           11. Ante o descrito quadro normativo e a factualidade indicada em II. 1. e 2., supra, a atividade indagatória requerida ou sugerida pela A./recorrente, designadamente, sob as “conclusões 8ª, 9ª (1ª parte) e 10ª”, ponto I., supra, seria ilícita, dada a sua inutilidade (cf. art.º 130ºdo Código de Processo Civil/CPC).

            E também não se afigura possível satisfazer, agora, nestes autos, a pretensão incluída na segunda parte da “conclusão 9ª”, pela simples razão de que tal possibilidade cabia no âmbito do despacho-convite de 18.6.2024, existindo, pois, quanto a esta matéria, “das deduções das partes[15], sem que se vislumbre alternativa enquadrável na previsão dos art.ºs 264º e 265º, n.º 1, do CPC.

           12. Lembra-se que na petição inicial o A. propõe a ação, deduzindo certa pretensão de tutela jurisdicional, com a menção do direito a tutelar e dos fundamentos respetivos.

            O pedido é a pretensão do autor (art.º 552º, n.º 1, alínea e), do CPC); o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial/e o modo por que intenta obter essa tutela; o efeito jurídico pretendido (art.º 581º, n.º 3, do CPC).

           A causa de pedir é o ato ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produziro ato ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar.[16]

            13. Como se viu, a causa de pedir invocada não podia conduzir ao efeito pretendido pela A./recorrente.

            Daí a improcedência da (presente) ação.      

           14. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.      

            Custas pela A./apelante.


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11.11.2025



[1] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[2] Retificou-se.
[3] Idem.
[4] O produto seria 960 [60 x 36].
[5] Retificou-se.
[6] Idem.
[7] Idem.
[8] Considerados os documentos reproduzidos a fls. 7 e 73 verso.
[9] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[10] Vide, nomeadamente, C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição (2ª Reimpressão), por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, 2012, págs. 627 e seguintes e J. Baptista Machado, RLJ, 118º, 278, nota (9).
   Em idêntico sentido - vide I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora, 1986, págs. 432 e seguintes e nota (1) da pág. 440 -, com o entendimento de que a palavra «resolução» parece ter no Código Civil um significado que abrange quer a revogação, mas só quando unilateral, quer a rescisão, consistindo, esta, na destruição dos efeitos de um ato jurídico por vontade ou iniciativa de uma das partes com base num fundamento objetivo (justa causa), como nos contratos bilaterais o não cumprimento pela outra parte.
   Explicita o mesmo Autor (ob. cit., págs. 430 e 440) que a rescisão, “sendo obra do credor e não do juiz, opera por efeito da vontade do primeiro. Mas é necessário, obviamente, que este leve essa sua vontade ao conhecimento da outra parte, i. é, que lhe ´comunique` a sua decisão de rescindir o contrato.”
[11] Vide, designadamente, C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, cit., pág. 630.

[12] Cf. acórdão da RC de 23.6.2020-processo 8990/17.8T8CBR.C1, que acolheu o entendimento firmado, entre outros, nos acórdãos do STJ de 04.6.2009-processo 257/09.1YFLSB e 15.01.2013-processo 600/06.5TCGMR.G1.S1 [consta do ponto I. do sumário. «O contrato de compra e venda de café, celebrado entre um vendedor e um comerciante dono de um estabelecimento de café, em regime de exclusividade, obrigando o comprador a consumos obrigatórios de determinadas quantidades de café, durante um certo período de tempo, mediante a contrapartida da disponibilidade de bens destinados do vendedor ao comprador durante o período de vigência do contrato, sendo estabelecida sanção para o incumprimento, exprime a existência de um contrato misto, complexo, avultando e prevalecendo a celebração de um contrato de fornecimento; nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4.6.2009, Proc. 257/09.1YFLSB, in www.dgsi.pt. “Estamos, pois, perante um complexo contrato de natureza comercial que envolve elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e, finalmente, de compra e venda de café, em exclusividade em relação ao comprador.”»], publicados no “site” da dgsi.

[13] Na alegação de recurso a A./apelante veio dizer: «Tem consciência da necessidade do credor, face a um incumprimento definitivo, interpelar o devedor para lhe dar conhecimento da resolução contratual (sublinhado nosso)»; não «quer colocar em dúvida ou em causa a fundamentação de direito exposta no Saneador-Sentença».
[14] Vide J. Baptista Machado, Obra Dispersa, Vol. I., Scientia Iuridica, Braga, 1991 / “A resolução por incumprimento e a indemnização”, págs. 210 e seguinte (citando-se, a propósito da referida definição, em nota, Hans Georg Leser, Der Rücktritt vom Vertrag., Tübingen, 1975, pág. 101).
[15] Vide, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 382.
[16] Vide, entre outros, J. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pág. 369 e 374 e seguinte; Manuel de Andrade, ob. cit., págs. 110 e seguinte; Antunes Varela, e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 232 e seguintes e J. Lebre de Freitas, CPC Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 321 e seguinte.